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Os quadros psicopatológicos têm aumentado a nível mundial, dados da World Health Organization (2017) indicam que cerca de 13% da população possui alguma psicopatologia. Ao mesmo tempo, o Global Burden of Disease (Murray et al., 2020) destaca os riscos ocupacionais como um dos 10 fatores de risco que mais contribuem para o aparecimento de sintomas psicopatológicos. As ocupações profissionais nas Forças Armadas e de Segurança são um desafio constante, pois estes membros são chamados a responder em situações extremas e potencialmente traumáticas ao longo da carreira, estão sujeitos a horários de trabalho prolongados, cansaço emocional, riscos constantes de acidentes, lesões e até a morte (Castro et al., 2019). Evidências científicas demonstram riscos negativos para a saúde destes indivíduos quando comparados com outros grupos profissionais, resultando em estilos de coping menos adaptativos, níveis significativos de stresse ocupacional, depressão, ansiedade e burnout (Roz & Raval, 2017).
Embora não existam estudos portugueses sobre as taxas de prevalência de perturbações mentais em polícias e militares, as investigações internacionais mostram que 25% a 30% do grupo policial apresentam níveis significativos de stresse (Van Hasselt et al., 2008), 30% com problemas de consumo de álcool e 14,2% com ansiedade generalizada (Meadows et al., 2018). Daqui surge a necessidade de explorar fatores de proteção, como o suporte social, que tem se mostrado um dos principais fatores de proteção contra a psicopatologia em outras profissões de risco, como bombeiros (Isaac & Buchanan, 2021). Uma revisão de literatura (Sherwood et al., 2019) identificou o baixo suporte social dos pares como o fator de risco mais associado a resultados psicológicos adversos nestes membros, apesar de pouco se conhecer sobre os mecanismos/dimensões do suporte social que atuam como protetores diretos da psicopatologia nesta população, particularmente em tempos de crise e stresse adicional, como a pandemia (Szkody et al., 2020).
A pandemia de covid-19 afetou particularmente os profissionais da linha da frente, que foram essenciais na coordenação e garantia das medidas sanitárias implementadas. Investigações (e.g., Drew & Martin, 2020) mostram o risco das consequências psicológicas da covid-19 em profissionais como militares e polícias, indicando elevada incidência de depressão, ansiedade, insónia e fadiga devido ao aumento do stresse, da instabilidade e da carga de trabalho. Pretende-se assim, avaliar a relação entre suporte social, psicopatologia e perceção de exposição à covid-19, e identificar quais dimensões do suporte social predizem níveis de psicopatologia em polícias e militares num contexto de crise.
Método
Participantes
A amostra foi de 325 militares e polícias portugueses. A idade média dos participantes corresponde aproximadamente a 29 anos. Quase 4/5 dos participantes eram homens e a maioria dos participantes (76,9%) pertencia às forças armadas. Metade experimentou exposição pelo menos moderada à covid-19 (50,8%).
Medidas
Informações Covid-19. Solicitou-se a perceção do grau de exposição à covid-19 ("Nas últimas 2 semanas de trabalho, quanto você acha que esteve exposto ao risco de contrair covid-19?"), medida através de uma escala Likert de 5 pontos, de "Nada" a "Extremamente".
Suporte social. O suporte social foi medido através da Escala de Satisfação com o Suporte Social-ESSS (Pais-Ribeiro, 1999). É uma escala multidimensional de autorresposta de 15 itens, tipo Likert com 5 pontos (de “concordo totalmente” a “discordo totalmente”). Esta escala possui 4 fatores que explicaram 63% da variância total: Satisfação com os amigos, Intimidade, Satisfação com a família e Atividades sociais. O valor de consistência interna da escala total foi α = 0,85 e as subescalas obtiveram alfas de Cronbach entre 0,64 e 0,83. Esta medida está validada para a população portuguesa, pontuações mais elevadas revelam níveis mais elevados de suporte social.
Sintomas psicopatológicos. A psicopatologia foi medida pelo Inventário de Sintomas Psicopatológicos-BSI (Canavarro, 1999), composta por 53 itens distribuídos em 3 índices globais: Índice Geral de Sintomas (IGS), Total de Sintomas Positivos (TSP) e Índice de Sintomas Positivos (ISP). É uma escala tipo Likert de 5 pontos que varia de “Nunca” a “Muitas vezes”, com ponto de corte de 1.7 (ISP). Os sintomas psicopatológicos são avaliados ao longo de um continuum, desde o sofrimento psíquico com pouco ou nenhum significado clínico, até o sofrimento mórbido, formalmente característico de transtornos psiquiátricos. A consistência interna da escala total foi α = 0,93. Este instrumento está validado para a população portuguesa, pontuações mais elevadas revelam níveis mais elevados de sintomas psicopatológicos.
Procedimentos
Foi utilizado um procedimento de amostragem por conveniência. O inquérito foi divulgado através de diferentes meios eletrónicos, nomeadamente grupos de Facebook e servidores de chat interno dos membros das forças armadas e de segurança portuguesas. Através do link de acesso divulgado, os participantes puderam aceder o protocolo online desenvolvido no Google docs e os dados foram recolhidos entre os meses de abril e julho de 2020, no início do período de pandemia. Antes do questionário, os participantes puderam ler o consentimento informado e foram solicitados a aceitar antes de prosseguir para as perguntas. A participação foi voluntária, sendo assegurado o anonimato das respostas. Todos os procedimentos estavam de acordo com os padrões éticos da Declaração de Helsinki de 1964.
Resultados
Análise descritiva do suporte social e sintomas psicopatológicos
Os níveis totais de suporte social foram elevados (M = 55), tais como os níveis padronizados das subescalas: 78,1% na satisfação de intimidade, 76,7% na satisfação com amigos, 73,4% na satisfação com a família e 61,3% em atividades sociais. Relativamente aos sintomas psicopatológicos, as médias obtidas no ISP encontram-se abaixo do ponto de corte (1,7; Canavarro, 1999).
Análise correlacional entre variáveis
Maiores níveis de psicopatologia associaram-se a menores níveis de suporte social e a uma maior perceção de exposição à covid-19. Ademais, esta última associou-se a baixos níveis de suporte social (Quadro 1).
Análise de regressão linear múltipla
Foi realizada uma análise de regressão linear múltipla com os sintomas psicopatológicos como variável dependente (Quadro 2), resultando um modelo estatisticamente significativo (F(4,320) = 30,574; p < 0,001) com uma variância explicada de aproximadamente 28%. Os pressupostos foram satisfeitos, incluindo a ausência de multicolinearidade. Níveis mais elevados de intimidade e de atividades sociais explicaram níveis inferiores de sintomas psicopatológicos.
Discussão
O objetivo do estudo foi compreender as relações entre o suporte social, os sintomas psicopatológicos e a perceção de exposição à covid-19 em militares e polícias portugueses, e ainda, compreender quais as dimensões do suporte social que contribuem para a variação dos níveis de sintomas psicopatológicos.
Indivíduos com níveis mais elevados de suporte social apresentaram níveis mais baixos de sintomas psicopatológicos. Este resultado é amplamente suportado pela literatura (e.g., Sundqvist et al., 2018), onde o suporte social é considerado um amortecedor para situações de trabalho frustrantes e está fortemente associado a melhores estratégias de coping (Brunetto et al., 2017) e a menos depressão ou PSPT (e.g., McCanlies et al., 2018). Assim, é necessário identificar o baixo suporte social e a adoção de estratégias de coping passivas/evitantes como potenciadores de resultados psicológicos desfavoráveis em militares e polícias (Sherwood, et al., 2019), para que seja possível a criação de programas de intervenção.
Níveis elevados de perceção de exposição à covid-19 foram associados a maiores níveis de sintomas psicopatológicos e níveis inferiores de suporte social. Stogner e colaboradores (2020) corroboraram estes resultados, indicando que o aumento significativo dos níveis de stresse e incerteza quanto às funções laborais, aliado às dificuldades decorrentes da situação pandémica, são apontados como fatores de impacto na dedicação e resiliência dos agentes, afetando a sua saúde psicológica. Vários estudos (e.g. Drew & Martin, 2020; Stogner et al., 2020) com profissionais que estão na linha da frente, indicam que indivíduos que se consideram mais expostos à covid-19 podem apresentar níveis mais elevados de sintomas psicopatológicos. Face às consequências da pandemia, mais de 95% destes profissionais indicaram o suporte social como um dos principais fatores para ajudá-los a lidar com a pandemia (Slama et al., 2021). Também, Chi e Yu (2020) mencionaram que as Forças Armadas devem focar no treino de resiliência para combater as fragilidades causadas pela covid-19, sugerindo um plano de ação onde os recursos sociais assumem centralidade, atuando como promotores e protetores da saúde mental destes indivíduos.
Polícias e militares com mais idade apresentaram níveis superiores de sintomas psicopatológicos e tenderam a se perceber mais expostos ao vírus, o que pode estar associado ao índice de consequências adversas ser maior entre os idosos e serem “rotulados” como população de risco para a infeção covid-19 (WHO, 2020). Assim, as preocupações destes indivíduos são reforçadas, aumentando a probabilidade de manifestar sintomas psicopatológicos (e.g., ansiedade). Pesquisas recentes (e.g., Lima et al., 2015) identificaram uma prevalência maior de perturbações mentais em polícias com mais de 15 anos de trabalho, para além do enfraquecimento das estratégias de resistência individuais ao longo dos anos de serviço, tornando-os suscetíveis a sintomas psicopatológicos ao longo da carreira (Castro et al., 2019).
Os resultados relacionados com sintomas psicopatológicos ficaram abaixo dos valores padronizados para a população portuguesa e foram inferiores ao esperado para esta classe profissional, onde os fatores de risco são prevalentes. Isto pode dever-se à desejabilidade social, onde esta última está negativamente associada ao ato de reportar stresse e/ou sintomas (Habersaat et al., 2021). Em acréscimo, o preconceito associado à saúde mental e à cultura da inexpugnabilidade nas Forças Armadas e de Segurança tem sido frequentemente mencionado nas pesquisas (e.g., Turner & Jenkins, 2019), o que pode ter influenciado a forma como responderam.
Verificou-se que níveis elevados de intimidade e atividades sociais explicaram níveis inferiores de sintomas psicopatológicos, ademais a intimidade obteve um peso explicativo maior, indicando o papel preponderante que tem nas interações sociais e na saúde mental, como corroborado por um dos poucos estudos neste contexto militar/policial (Rizkalla & Segal, 2019). As atividades sociais também podem ser uma das principais dimensões no combate aos sintomas psicopatológicos nesta população, conforme o estudo de Doreian e Conti (2017), que apoia a criação de redes sociais nas academias de polícia, assim como o aumento de iniciativas extracurriculares, para serem potencializadoras dos processos de socialização entre os membros, facilitando a aprendizagem e diluindo a ansiedade. Bowen e colaboradores (2016) encontraram que a participação ativa na comunidade estava positivamente associada à vontade de procurar ajuda, por via de sistemas formais e/ou informais. Assim, um maior foco nas atividades sociais, dentro ou fora das academias militares/policiais pode ser um recurso a ser utilizado nas linhas de intervenção de combate à psicopatologia.
Polícias e militares com mais suporte social, tendem a ter menos perceção de exposição à covid-19 e menos sintomas psicopatológicos. Mais do que chamar a atenção para as consequências de baixos níveis de suporte social ou altos níveis de psicopatologia, o presente estudo destaca a importância do suporte social, principalmente a satisfação com as atividades sociais e a intimidade, para prevenir o aparecimento ou desenvolvimento de problemas psicopatológicos nestes profissionais. Esta situação de pandemia enfatizou a necessidade da criação de guidelines e planos de ação especificamente direcionados aos membros das Forças Armadas e de Segurança.
Limitações e pesquisas futuras
Investigações futuras devem ter como objetivo levar em consideração o ambiente de trabalho dos participantes, rural ou urbano, pois este fator pode influenciar no grau de incidentes a que os agentes e militares estão expostos. Há necessidade de identificar os grupos de polícias ou militares que precisam de suporte adicional e que estão em alto risco, como aqueles que estão em missões. Por fim, estudos futuros devem visar programas de suporte social que utilizem dimensões como as destacadas neste estudo para manter a saúde mental destes profissionais e prevenir o desenvolvimento de problemas psicopatológicos, especialmente durante uma crise. Como limitações destacamos o método de amostragem não aleatória por conveniência, o que limita a generalização dos resultados para esta população. Ainda, o facto do protocolo ter sido aplicado online pode ter influenciado a obtenção de uma amostra maioritariamente jovem.
