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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.23 no.2 Lisboa ago. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.15309/22psd230217 

Artigos

A perceção do auto-crescimento na pandemia COVID-19: um estudo trans- cultural com idosos

Perception of self-growth during COVID-19 pandemic: a cross-cultural study with older adults

1William James Research Center, ISPA - Instituto Universitário, Lisboa, Portugal, sofia.humboldt@gmail.com, jalberto19088@hotmail.com, ileal@ispa.pt

2Health Sciences Division, Universidad de Guadalajara CUTONALA, Guadalajara, México, nmendoza_ruvalcaba@yahoo.com.mx

3Faculty of Nursing, University of Alberta, Edmonton, AB, Canada, elvadolores@gmail.com, gaill@ualberta.ca


Resumo

A pandemia de Covid-19 apareceu de forma global, afetando assim o auto-crescimento da população idosa. O objetivo deste estudo consiste na identificação e análise no auto-crescimento dos indivíduos idosos de duas nacionalidades: mexicana e portuguesa. Neste estudo participaram 226 idosos, com 65 anos ou mais anos e residentes na comunidade. Foi executada um estudo qualitativo transcultural, através de um protocolo de entrevista semiestruturada. Os participantes foram interrogados sobre a sua perceção do seu auto-crescimento durante a pandemia. Posteriormente foi feita uma análise de conteúdo e foram identificados os temas centrais. A análise de conteúdos indicou os seguintes temas: (1) Partilha de experiências de vida; (2) Relação afetiva de qualidade; (3) Espiritualidade e religião; (4) Estar ativo; (5) Interesse por novos projetos; e (6) Participação cívica. Os participantes idosos com nacionalidade mexicana relataram que a partilha de experiências de vida como o tema mais relevante, enquanto para os participantes portugueses, possuir uma relação afetiva de qualidade era mais importante. Este estudo evidenciou a heterogeneidade de experiências vivenciadas por cada cultura, realçando o auto-crescimento dos idosos no período pandémico.

Palavras-Chave: Auto-crescimento; Covid-19; Estudo qualitativo; Trans-cultural; Idosos; Pandemia; Percepção

Abstract

The Covid-19 pandemic emerged globally, thus affecting the self-growth of the older population. The aim of this study is to identify and to analyze older adults’ self-growth of two nationalities: Mexican and Portuguese. In this study, 226 elderly people aged 65 years or older and living in the community participated. A cross-cultural qualitative study was performed through a semi-structured interview protocol. Participants were asked about their perception of their self-growth during the pandemic. A content analysis was performed and the central themes were identified. The following themes emerged: (1) Sharing life experiences; (2) Quality affective relationship; (3) Spirituality and religion; (4) Being active; (5) Interest in new projects; and (6) Civic participation. Older participants with Mexican nationality reported that the sharing of life experiences as the most relevant theme, while for the Portuguese participants, having a quality affective relationship was more important. This study showed the heterogeneity of experiences experienced by each culture, highlighting the self-growth of older adults in the pandemic period.

Keywords: Covid-19; Cross-cultural study; Older adults; Pandemic; Perception; Qualitative study; Self-growth

A pandemia da Covid-19 teve um efeito considerável na saúde dos idosos ao nível mundial (World Health Organization [WHO], 2020). A população idosa foi desafiada pela pandemia quanto às suas emoções, afetando o seu estilo de vida, independência, apoio que recebem e ainda a sua vida social (WHO, 2020). Diversos desafios surgiram para esta população, nomeadamente como gerir o tempo passado em casa, a ausência de contacto físico com pessoas, mudanças na rotina diária e ainda o medo e ansiedade de doença ou até morte (WHO, 2020). O conceito de auto-crescimento pode ser visto como uma perspetiva do bem-estar psicológico (Ryff, 2014). Pode também integrar o desenvolvimento de um sentimento de realização na vida a aceitação de emoções negativas, e problemas de saúde e perdas (Gladman, 2019). Apesar do auto-crescimento dos idosos estar associado a momentos difíceis, a pandemia de Covid-19 proporcionou a estes indivíduos experiências para refletir e viver novas perspetivas de auto- crescimento. Explorar novas competências, como prender a manusear as novas tecnologias, é um desses exemplos (von Humboldt et al., 2020a).

Existe uma falta de estudos na literatura que examinem as emoções negativas e a sua associação com o auto-crescimento entre a população idosa de várias culturas, nesta fase de pandemia. Deste modo, este estudo tem como objetivo analisar as emoções negativas e a sua relação no auto-crescimento de idosos mexicanos, e portugueses, durante a pandemia de Covid-19.

Método

Participantes

O recrutamento decorreu por contacto direto com pessoas idosas através de universidades seniores e centros comunitários dos países em estudo. Inicialmente os participantes disponibilizaram um contacto de forma a puderem responder a um questionário online (e.g., Skype, Survey Monkey, Zoom e WhatsApp). Participaram 226 indivíduos idosos neste estudo, sendo 96 (42,5%) mexicanos e 130 (57,5%) portugueses (ver Quadro 1).

Material

O presente estudo qualitativo transcultural foi concretizado através de entrevistas semiestruturadas. Os participantes foram entrevistados no contexto da sua perceção do seu auto- crescimento durante a pandemia. Todos os procedimentos foram aprovados pela Comissão de Ética de William James Center for Research e ISPA - Instituto Universitário.

Quadro 1 Amostra de características sociodemográficas e de saúde 

Procedimento

Posteriormente foi feita uma análise de conteúdo e foram identificados os temas centrais. Para analisar o conteúdo foi criado um livro de códigos, sendo que a cada tema relevante citado nas entrevistas era atribuído um código. Além disso, o procedimento de codificação respeitou as regras de confiabilidade e replicabilidade (Erlingsson & Brysiewicz, 2017). As entrevistas foram codificadas por três profissionais independentes. Posteriormente ao estabelecimento dos temas, o processo de codificação foi submetido a um procedimento de categorização. Todas as divergências foram resolvidas com consenso. O índice de concordância dos júris foi elevado (k=0,87).

Resultados

Foram evidenciados seis temas, relativos ao auto-crescimento durante a pandemia de pessoas idosas: (1) Partilha de experiências de vida; (2) Relação afetiva de qualidade; (3) Espiritualidade e religião; (4) Estar ativo; (5) Interesse por novos projetos; e (6) Participação cívica.

Tema 1: Partilha de experiências de vida

O primeiro tema mencionado pelos participantes idosos como estando positivamente relacionado com o auto-crescimento foi a partilha de experiências com outras pessoas (n = 79), pois é uma forma de lidar com o medo e a tristeza. Os participantes mexicanos foram os que se destacaram. Apesar da pandemia ter afetado o contacto social entre pessoas, muitos acabaram por se aproximar e partilhar momentos com familiares. Tiago relatou, “vivo há mais 50 anos com a minha mulher e por isso posso dizer que passamos por muito juntos. E esta pandemia é só mais uma fase. Iremos ultrapassá-la juntos como sempre” (Tiago; 79 anos)

Tema 2: Relação afetiva de qualidade

Quase 30% dos participantes idosos (n = 67) mencionou que um companheiro disponível para ajudar a ultrapassar emoções negativas, como medo e vergonha, estava positivamente associado ao auto-crescimento. Foi relatado principalmente por participantes de nacionalidade portuguesa. Dar suporte a ajudar não é fácil, mas é visto como algo recompensador: “Ajudo o meu marido sempre que consigo e sei que ele faz o mesmo. Acho que assim crescemos juntos e nos tornamos pessoas melhores. Além disso, principalmente com a pandemia, é essencial ajudarmo-nos” (Sara; 69 anos).

Tema 3: Espiritualidade e religião

Alguns participantes (n = 43) abordaram ainda o tema da espiritualidade e religião como um assunto com influência positiva para o auto-crescimento, sendo mencionado sobretudo por participantes mexicanos. A espiritualidade é vista como algo pessoal e único. Joana relata, “Cada um lida com a sua raiva e tristeza, de maneira diferente. A minha é através da espiritualidade. Não existe uma experiência igual a outra e por isso todos crescemos de maneira diferente” (Joana; 89 anos).

Tema 4: Estar ativo

O próximo tema mencionado com uma influência positiva para o auto-crescimento na idade mais avançada foi estar vivo (n = 24). A nacionalidade mexicana destacou-se neste tema (n = 14). Este tema foi relado pois os idosos podem enfrentar o aborrecimento através da realização de novas atividades: “Agora vejo televisão, também já aprendi a mexer no telemóvel e até já sei fazer pesquisas no Google. Às vezes até pesquiso exercícios para fazer em casa para me sentir ativo”, relata Filipe (68 anos).

Tema 5: Interesse por novos projetos

Alguns participantes (n = 21) referiram o interesse por novos projetos como um tema relevante para o auto-crescimento, sendo mencionado principalmente pelos participantes portugueses (n= 13). Temos uma vida para desfrutar e por isso os idosos tentam aprovei-la ao máximo com novos desafios e projetos. Tal como, Diana relatou, “quero viver! Gosto de experimentar tudo o que a vida me dá. Apesar da pandemia ter limitado um pouco as oportunidades existem muitas outras atividades interessantes para fazer, como aprender uma língua nova ou experimentar uma nova receita” (Diana, 65 anos)

Tema 6: Participação cívica

O próximo tema referido pelos participantes de estudo foi a participação cívica (n = 16), contribuindo de forma positiva no auto-crescimento. Este tema foi reportado essencialmente por participantes portugueses (n = 10). Ajudar, através de voluntariado, é uma forma de ganhar satisfação e ao mesmo tempo de crescer como pessoa. Tomás afirma, “ajudo porque posso, porque quero, porque me traz satisfação, porque aprendo coisas novas. Então porque não ajudar?” (Tomás, 72 anos).

Discussão

As diferenças transculturais relevantes relativamente aos temas que influenciam positivamente o auto-crescimento dos idosos. Os participantes com nacionalidade mexicana relataram que a partilha de experiências de vida era o tema mais significativo, enquanto para os participantes portugueses, ter uma relação afetiva de qualidade era mais importante.

O tema mais relatado pelos participantes foi a partilha de experiências de vida, uma vez que os ajudava a lidar com emoções como o medo e a tristeza especialmente pelos indivíduos de nacionalidade mexicana. Além disso, também foi visto como uma vantagem para a qualidade de vida e significado de vida, o uso das novas tecnologias por idosos durante a pandemia (Sanderson, 2020; von Humboldt et al., 2014; von Humboldt et al., 2020a).

A disponibilidade do companheiro foi o segundo tema mais mencionado, sendo uma forma de lidar com o medo e vergonha durante a fase de Covid-19. O auto-crescimento é geralmente considerado um resultado de processos intrapessoais (Lee et al., 2018; von Humboldt & Leal, 2014; von Humboldt et al., 2014; 2015). A espiritualidade e religião foi o próximo tema mencionado, sendo uma ferramenta para cuidar da raiva e tristeza. Os idosos adquirem consciência espiritual, o que proporciona um recurso cultural (Mukhtar, 2020). O próximo tema foi estar ativo, sendo abordado como forma significativa para enfrentar o aborrecimento. Devido as medidas para controlar o vírus, os idosos revelaram diversas emoções negativas, mas que podem ser ultrapassadas coma ajuda de atividades significativas (Mukhtar, 2020; von Humboldt, & Leal, (2017). Interesse por novos projetos foi o quinto tema abordado como importante para tratar do excesso de aborrecimento e vergonha. Envolver-se em novas atividades pode estar associado com a gratidão e consolidar o bem-estar. Fatores psicossociais, como generatividade, voluntariado, relacionamentos interpessoais positivos e espiritualidade, podem afetar o crescimento pessoal (Toyama et al., 2020; von Humboldt et al., 2018). O último tema é a participação cívica para lidar com o aborrecimento. Na verdade, na literatura, a atividade de voluntariado na vida mais velha tem sido associada ao crescimento pessoal (Ryff, 2014; von Humboldt et al., 2020b).

Apesar das emoções negativas darem origem a momentos menos positivos, elas também permitem recursos para gerir situações emocionalmente exigentes, como em pandemia (Morrow-Howell et al., 2020). Deste modo, apesar de neste estudo serem apontados assuntos emocionais negativos relacionados com a pandemia de Covid-19, estes podem mais tarde promover oportunidades em várias áreas, como o melhoramento da relação com a família, maior enfâse ao autocuidado, mais à vontade com novas tecnologias e melhor gestão do tempo e mais vontade em enfrentar contra o isolamento imposto (Morrow-Howell et al., 2020).

Em conclusão, este estudo evidenciou a heterogeneidade de experiências vivenciadas por estas duas culturas, realçando o auto-crescimento dos idosos no período pandémico.

Contribuição dos autores

Sofia von Humboldt: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Aquisição de financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.

Neyda Mendoza-Ruvalcaba: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; ; Validação; Visualização; Redação do rascunho original

Elva Arias-Merino: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Validação; Visualização; Redação do rascunho original

José Alberto Ribeiro-Gonçalves: Análise formal; Visualização; Redação do rascunho original

Gail Low: Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição

Isabel Leal: Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição

Referências

Erlingsson, C., & Brysiewicz, P. (2017). A hands-on guide to doing content analysis. African journal of emergency medicine: Revue africaine de la medecine d'urgence, 7(3), 93-99. https://doi.org/10.1016/j.afjem.2017.08.001 [ Links ]

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Recebido: 15 de Junho de 2022; Aceito: 10 de Setembro de 2022

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