A pandemia COVID-19 traduziu-se numa verdadeira emergência de saúde pública, com alterações não só das rotinas individuais, mas também da própria sociedade. De acordo com a literatura, o impacto psicológico da COVID-19 poderá estar correlacionado com sintomatologia, leve a grave, de ansiedade e stress (Mazza et al., 2020; Wang, et al., 2020). A OMS alertou para o possível impacto que uma situação pandémica poderia ter no bem-estar físico e social das populações, reforçando o cuidado particular que se deve ter com os grupos mais vulneráveis, como é o caso dos idosos (Guterres, 2020).
Das políticas implementadas, foram os regimes de confinamento no território chines que conduziram, de modo indireto, à exacerbação de perturbações de índole psicopatológica nas rotinas diárias das populações (von Humboldt et al., 2014; von Humboldt, et al, 2022a; von Humboldt et al, 2022b). Brooke e Jackson (2020) realçam como o declínio dos níveis de mobilidade e atividade física em sujeitos idosos, durante um período de confinamento, poderão originar consequências severas e conduzir a situações de maior fragilidade a nível psicológico.
A Ansiedade e o Stress na Adultícia Avançada
Segundo Weinberg e Gould (2005), o stress pode ser definido como um desequilibro que ocorre entre necessidades de ordem biológica e/ou psicológica e a capacidade de um sujeito conseguir dar uma resposta adequada a situações onde o sucesso para atingir essas necessidades pode originar consequências (Weinberg & Gould 2005). Paralelamente, para Weinberg e Gould (2005), o transtorno de ansiedade pode ser definido como um estado emocional negativo e geralmente acompanhado por sentimentos de dúvida e nervosismo, que, por seu lado, estarão corelacionados com uma ativação orgânica do sujeito. Machado (2016) considera a ansiedade como uma das psicopatologias com maior prevalência na população idosa, sobretudo em indivíduos com taxas de escolaridade mais baixas e possuindo outras comorbidades associadas (Machado et al., 2016). De facto, segundo Tomazzoni (2013), a ansiedade pode ser caracterizada como “(…) uma psicopatologia que necessita de ser diagnosticada e devidamente tratada, devendo atuar-se não apenas na melhoria dos sintomas de ansiedade, mas também em evitar potenciais efeitos colaterais relacionados com o tratamento” (Tomazzoni, 2013).
Oliveira (2010) reporta que a sintomatologia associada a quadros clínicos de ansiedade em idosos manifesta-se a nível gastrointestinal e em relação à vitalidade e relações de índole social. De facto, a ansiedade geriátrica parece relacionar-se com as limitações experienciadas enquanto acontecimentos potencialmente ameaçadores. A literatura reporta que os sujeitos com índices elevados de ansiedade terão a tendência de anteciparem a sua incapacidade e deste modo, questionarem as suas capacidades a nível cognitivo (Oliveira, 2010). Tendo em consideração estas preocupações, bem como a necessidade de mais estudos tendo por foco a população idosa em contexto da COVID-19, é essencial aprofundar o conhecimento relacionado com esta problemática. Torna-se, assim, necessário estudar a realidade dos idosos em Portugal em contexto pandémico e qual o impacto psicológico experienciado por este grupo etário.
Método
Participantes
Recorreu-se a uma amostra não-aleatória de conveniência composta por 10 participantes com uma média de idades de 68 anos (DP= 5,203) dos quais 7 eram mulheres (70%) e 3 eram homens (30%). Os dados referentes a estes participantes foram recolhidos em contexto clínico, mediante o seu consentimento informado.
Material
Escala de Impacto de um Evento Revista (IES-R; revisão de Weiss & Marmar, 1997). A IES-R apresenta um total de 22 itens, com o objetivo de determinar o impacto psicológico sentido por um sujeito após experienciar um acontecimento associado a uma situação de catástrofe natural ou crise de saúde pública (Pinto-Gouveia, 2011). Esta escala é frequentemente utilizada quando se pretende avaliar o impacto psicológico experienciado em contextos de natureza pandémica (Wang et al., 2020). De acordo com Bell et al. (2003), a IES-R revelou um valor de alfa de Cronbach de 0,96 para o total da escala. Em relação à subescala de intrusão, os valores do alfa de Cronbach foram de 0,94, para a subescala de evitamento foram de 0.87 e para a subescala de hipervigilância foram de 0,91.
Escala de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS-21; Pais-Ribeiro et al., 2004). A EADS-21 é composta por um questionário de autoavaliação com 21 itens, sendo originalmente desenvolvida por Lovibond e Lovibond (1995) e posteriormente adaptada à população portuguesa por Pais Ribeiro, Honrado e Leal. A EADS-21 foi baseada na teoria do modelo tripartido de Watson, passando o seu objetivo pela discernirão do número total de sintomas de depressão, ansiedade e stress experienciados pelos sujeitos (Pais-Ribeiro et al., 2004). O instrumento incorpora uma escala de Likert, com 4 opções que variam entre 0 (não se aplicou a mim), 1 (aplicou-se a mim algumas vezes), 2 (aplicou-se a mim muitas vezes) e 3 (aplicou-se a mim a maior parte das vezes). A cotação da EADS-21 é calculada mediante a soma dos sete itens que vão corresponder a cada subescala, sendo estes multiplicados por dois (Pais-Ribeiro et al., 2004). Relativamente aos valores de consistência interna, a versão original da EADS-21 apresenta um valor de 0,81 na subescala da depressão, um valor de 0,83 na subescala de ansiedade e um valor de 0,81 na subescala de stress (Apóstolo et al., 2006). Na versão portuguesa da EADS-21, a subescala da depressão reporta um alfa de Cronbach de 0,85, enquanto as subescalas de ansiedade e stress possuíam valores de 0,74 e 0,81 (Pais- Ribeiro et al., 2004).
Procedimento
Após aprovação do projeto pelo ISPA, os dados foram recolhidos entre Março e Abril de 2022. Os participantes foram recrutados em contexto clínico, tendo-lhes sido requerido o consentimento informado sobre a sua participação no estudo. Para a análise descritiva e relacional dos dados utilizou-se a Regressão Linear. De seguida, os participantes responderam a dois instrumentos, sendo a analise dos resultados realizada através do SPSS v. 27.0 (SPSS Inc., Chicago, USA). Foram realizadas Regressões Lineares de modo a comparar as subescalas Ansiedade e Stress da EADS-21 e as subescalas da IES-R, com o objetivo de aferir a relação do impacto psicológico da COVID-19 com os níveis de stress e ansiedade experienciados pelos idosos da amostra em análise.
Resultados
Foi realizada uma Regressão Linear para se comparar as subescalas da EADS-21 (Ansiedade e Stress) com a subescala Evitamento da IES-R. Como se pode verificar no Quadro 1, existe uma relação significativa fraca entre as subescalas Evitamento e Stress (β=,551, t(7)=2,147; p=,069).
De seguida foi realizada outra Regressão Linear, desta vez utilizando-se as subescalas Ansiedade e Stress da EADS-21 e a subescala Intrusão da IES-R. Como se constata no Quadro 2, os resultados revelaram uma relação significativa entre as variáveis Intrusão e Stress (β=,637, t(7)=2,810; p=,026).
Discussão
A proliferação da epidemia COVID-19 um pouco por todo o mundo traduziu-se em consequências para as populações. As faixas etárias mais idosas, foram, contudo, confrontadas com efeitos adversos desproporcionalmente mais alarmantes quando em comparação com outros grupos (Lee et al., 2019). O estudo realizado teve como objetivo principal investigar a relação entre o impacto psicológico experienciado pelos idosos e a sintomatologia associada ao stress e à ansiedade. Sendo que a investigação sobre o impacto psicológico sentido por sujeitos de faixas etárias mais elevadas, em contexto pandémico, é escassa, torna-se difícil encontrar dados que permitam uma comparação direta entre os dados obtidos na presente investigação e a literatura. Foi, no entanto, possível observar-se uma relação estatisticamente significativa entre a subescalas Intrusão e Evitamento com os níveis de stress experienciados pela nossa amostra de idosos. De facto, a intrusão e o evitamento, assumem-se como duas das características primordiais da resposta traumática face a situações de catástrofe natural ou pandemia (Cunha et al., 2017).
Estes resultados são concordantes com os dados referentes a estudos acerca da resposta emocional à pandemia na China e Itália. Esses resultados reportam que as consequências da COVID-19 e respetivos períodos de confinamento, podem conduzir a um impacto psicológico negativo. Esse impacto negativo pode então conduzir a consequências ao nível da saúde e bem-estar dos sujeitos afetados (Cao et al., 2020; Mazza et al., 2020; Wang et al., 2020). De facto, o impacto psicológico da COVID-19 pode conduzir a sintomatologia associada a ansiedade e stress (Cao et al., 2020; Wang et al., 2020).
Duas investigações conduzidas em Espanha, com amostras de sujeitos com mais de 60 anos, concluíram o menor risco desses indivíduos manifestarem sintomatologia associada a ansiedade durante o período inicial de confinamento quando comparados com outros grupos etários mais jovens (Rodríguez-Rey et al., 2020). Existem, contudo, outros estudos que reportam conclusões contrastantes. Um estudo, realizado por Tian et al (2020), utilizou uma amostra da população chinesa e concluiu que o avançar da idade dos sujeitos estaria correlacionado com um maior risco de sintomas de ansiedade (Tian et al., 2020). Assim, embora este estudo seja concordante com a literatura e reporte uma relação entre o impacto psicológico, recorrente do contexto pandémico da COVID-19 e os níveis de stress sentidos pela nossa amostra de idosos, outros estudos também demonstraram que investigações com amostras de grupos etários com idades mais avançadas são ainda pouco frequentes ou não consideram outros fatores de risco que podem afetar com maior incidência os indivíduos idosos (como é o caso do isolamento social e da solidão).
Como principal limitação do presente estudo surge o tamanho da nossa amostra (n=10), contudo, deve ser realçado que este número corresponde a uma amostra preliminar de uma maior. Paralelamente, apesar do tamanho da amostra, justifica-se o uso da Regressão Linear visto este ser o teste estatístico mais adequado para modelar e predizer relações entre variáveis (Marôco, 2010), havendo autores que concluem que uma Regressão Linear com um n=8 já será informativa estatisticamente (Jenkins, 2020). Posto isto, para que se dê uma resposta adequada às exigências derivadas da corrente situação pandêmica, torna-se necessário que haja mais investigação, recorrendo-se a amostras maiores. Só assim se poderão obter dados suficientes que permitam adequar estratégias de prevenção efetivas para o contexto pandémico nacional e elaborarem-se planos de intervenção que visem garantir o bem-estar psicológico da população idosa em Portugal.
Contribuição dos autores
Filipe Jesus: Contribuição: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Software, Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Sofia von Humboldt: Contribuição: Concetualização; Análise formal; Investigação; Supervisão, Redação - revisão e edição.