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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.23 no.2 Lisboa ago. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.15309/22psd230225 

Artigos

Avaliação e promoção da saúde psicossocial no trabalho: sistemas integrados de gestão

Assessement and promotion of psychosocial health at work: integrated management systems

1CATIM - Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica, Porto, Portugal, claudia.fernandes@catim.pt

2Laboratório de Ergonomia, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, tcotrim@fmh.ulisboa.pt

3CIAUD, Faculdade de Arquitetura, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

4Departamento de Psicologia, Universidade de Évora, Évora, Portugal, anabela.pereira@uevora.pt

5WJCR - William James Center for Research, Lisboa, Portugal

6CIEP - Centro de Investigação em Educação e Psicologia da Universidade de Évora, Évora, Portugal


Resumo

A exposição a fatores de risco psicossocial em ambientes laborais é cada vez mais experienciada pelos trabalhadores, face à pressão em responder às exigências laborais, aos recursos pessoais disponíveis e ao contexto global vivenciado e em constante mutação. Tornando urgente o diagnóstico e intervenção psicossocial, de forma sistémica, sistemática e fundamentada, por forma à promoção de ambientes de trabalho saudáveis, inclusivos e sustentáveis. A utilização de metodologias de gestão de riscos psicossociais que possam ser integradas nas práticas torna-se uma mais-valia quer para as organizações quer para os trabalhadores, potenciando as intervenções e o seu impacto. A utilização de referenciais normativos internacionais permite a fundamentação e o desenho de sistemas de gestão de riscos psicossociais de forma integrada e alinhada com os sistemas de gestão. Permitindo o recurso a um léxico conhecido, aliado a uma abordagem já testada e implementadas noutras áreas, como sejam a gestão da qualidade (ISO 9001; ISO 17025) ou a gestão de sistemas integrados de saúde e segurança (ISO 45001, ISO 45003). O presente trabalho tem como principal objetivo a apresentação, sistematização e discussão de uma metodologia de gestão, avaliação e promoção da saúde no trabalho baseado na gestão de riscos psicossociais alicerçado na prática e em modelos de gestão baseados em referenciais normativos.

Palavras-chave: Fatores psicossociais; Modelo de gestão riscos psicossociais; Saúde ocupacional; Referenciais normativos; ISO 45003

Abstract

Exposure to psychosocial risk factors in working environments is increasingly experienced by workers, given the pressure to respond to work demands, the personal resources available and the ever-changing global context. This makes psychosocial diagnosis and intervention urgent, in a systemic, systematic and reasoned way, in order to promote healthy, inclusive and sustainable work environments. The use of psychosocial risk management methodologies that can be integrated into practices becomes an added value for both organisations and workers, enhancing interventions and their impact. The use of international normative references allows the rationale and design of psychosocial risks management systems to be integrated and aligned with other management systems. It allows the use of a known lexicon, combined with an approach already tested and implemented in other areas, such as quality management (ISO 9001; ISO 17025) or health and safety management systems (ISO 45001, ISO 45003). The main objective of this work is to present, systematise and discuss a methodology for the management, assessment and promotion of occupational health based on psychosocial risk management, founded on practice and on management models based on normative references.

Keywords: Psychosocial factors; Psychosocial risks management model; Occupational health; Normative references; ISO 45003

A exposição a fatores de risco psicossociais (RPS) e a sua consequente gestão são preocupações crescentes na Europa (Guadix et al., 2015; Organização Internacional do Trabalho, 2021) devido quer aos seus impactos, quer ao seu enquadramento legal - europeu e nacional e suas consequências (Leka et al., 2011; Morgado et al., 2019; Organização Internacional do Trabalho, 2021). Apesar da publicação da Diretiva Europeia 89/391/EEC, tornar obrigatória a gestão dos riscos psicossociais e do stress laboral, assim como de todos os riscos laborais, a sua transposição para a prática tem sido lenta, gradual, e encarada de forma individualizada e não integrada pela grande maioria das organizações. De uma forma genérica esta diretiva introduz medidas regulatórios destinadas a melhorar a saúde e segurança das pessoas no trabalho, definindo paralelamente as obrigações das entidades patronais e dos trabalhadores para reduzir acidentes de trabalho e doenças profissionais (Comunidade Económica Europeia, 1989). O presente trabalho tem como principal objetivo a apresentação e discussão de uma metodologia de gestão, avaliação e promoção da saúde no trabalho baseado na gestão de riscos psicossociais alicerçado na prática e em modelos de gestão baseados em referenciais normativos.

Os fatores relacionados com a segurança e saúde no trabalho (SST) requerem abordagens sistémicas, sistemáticas e consistentes a diversos níveis, nomeadamente ao nível organizacional onde se incluem os sistemas de gestão de segurança e saúde no trabalho (SGSST). O sistema internacional de normalização tem contribuído para o reforço da abordagem aos SGSST com a publicação de documentos de base, como sejam a ISO 45001 (ISO, 2019) no respeitante à definição do sistema de gestão, ou a ISO 45003 (ISO, 2021) na apresentação de linhas orientadores para a gestão de RPS, que se apresentam como normas complementares no âmbito específico dos SGSST e que se podem aliar às normas mais “clássicas” de gestão de sistemas da qualidade genéricos, como seja a ISO 9001 (ISO, 2015) ou a ISO 17025. A implementação destes referenciais normativos permite o acesso a certificação reconhecida internacionalmente e com critérios claros e transparentes. Apesar da aplicação destes referenciais ser voluntária, a sua transposição para a prática organizacional dá robustez à gestão fornecendo indicadores e dados de relevo para o aumento da produtividade, para a melhoria das condições de trabalho em geral e da saúde e do bem-estar dos colaboradores, em particular. Em última análise, contribuindo também para sociedades mais justas e inclusivas com organizações promotoras de trabalho decente.

A definição do SGSST

A definição, desenho e aplicação de um SGSST baseado na ISO 45001 (ISO, 2019) pressupõem a passagem à prática do ciclo de Deming, também conhecido como ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Act) (Figura 1), permitindo uma abordagem integrada, sistemática, e iterativa aos sistemas de gestão com o objetivo geral da melhoria contínua nos processos identificados. O ciclo PDCA deverá ser aplicado ao SGSST, e a cada um dos seus elementos individuais (ISO, 2019):

Planear: determinar e apreciar os riscos para a SST (incluindo os riscos psicossociais), as oportunidades para a SST e outros riscos e outras oportunidades, estabelecer os objetivos da SST e os processos necessários para fornecer resultados concordantes com a política da SST da organização;

Executar: implementar os processos como planeado;

Verificar: monitorizar e medir as atividades e os processos face à política da SST e aos objetivos da SST, e reportar os resultados;

Atuar: empreender ações para a melhoria contínua do desempenho da SST de modo a atingir os resultados pretendidos.

A inclusão da apreciação dos riscos psicossociais (RPS) nos SGSST é facilitada pelas diretrizes fornecidas na ISO 45003, que se versa exclusivamente nesta tipologia de riscos. Existem vantagens e potenciais benefícios para as organizações e para os seus trabalhadores e outras partes interessadas quando se implementa um SGSST (e.g. ISO 45001 integrando a ISO 45003) como sejam, aumento da produtividade; redução de custos devido a paragens, perdas de produção ou defeitos; redução dos custos com seguros; redução dos dias de trabalho perdidos; redução do número de acidentes de trabalho; aumento do bem-estar; a promoção da saúde física e mental; entre vários outros (Campallia et al., 2019; Darabont et al., 2017; ISO, 2019, 2021; Morgado et al., 2019; Purwanto et al., 2020).

Figura 1 O ciclo PDCA e a sua relação com as partes da Norma ISO 45001 (ISO, 2019). 

A definição do procedimento de gestão de riscos psicossociais

Não obstante a existência de abordagens para a definição do SGSST (ISO, 2019) e linhas orientadoras para a apreciação de RPS (ISO, 2021) comuns, cada organização deverá definir o seu procedimento individualizado e a transposição para a prática destas linhas orientadoras, tendo em conta o seu ecossistema e a sua realidade particular. A definição do procedimento deverá englobar a definição da metodologia a seguir para a identificação de perigos e apreciação de riscos associados às atividades, produtos e/ou serviços da organização, bem como a definição de medidas e objetivos de melhoria decorrentes dessa apreciação (Figura 2 e Figura 3).

Figura 2 Exemplo de procedimento para a identificação de perigos e apreciação de RPS. 

Para os RPS identificados no SGSST, à semelhança do que deverá acontecer aos riscos de outras naturezas, terá que ser definida uma metodologia complementar que permita atribuir um nível de risco individualizado aliado à necessidade de intervenção e à urgência da mesma. Permitindo assim às organizações priorizarem as intervenções identificadas, seguindo:

  1. Classificação do risco psicossocial quanto ao nível de deficiência - definição de critérios de aceitação e atribuição de níveis de deficiência, como por exemplo uma escala contínua variando - aceitável, insuficiente, deficiente, muito deficiente e deficiência total. Sendo importante a definição dos critérios de inclusão em cada uma das categorizações;

  2. Classificação dos RPS identificados quanto ao nível de exposição - esporádico, pouco frequente, ocasional, frequente, continuada/rotina. No caso específico dos RPS, o nível de exposição per si não traduz o nível de risco. Nos casos considerados graves (como sejam o assédio, violência física ou psicológica, discriminação) o nível de exposição deverá ser considerado o máximo;

  3. Classificação do risco quanto ao nível de probabilidade de ocorrência;

  4. Classificação do risco quanto ao nível de severidade;

  5. Determinação do nível de risco global para cada RPS identificado;

  6. De acordo com o resultado ponderado alcançado, o nível e a necessidade das intervenções podem mudar e serem mais urgentes, ver o exemplo da tabela da Figura 3.

Figura 3 Exemplo de tabela de avaliação do nível de risco e definição das ações a tomar. 

Fatores de sucesso na implementação de um SGSST

O desenho, implementação e manutenção de um SGSST deverá incluir obrigatoriamente os RPS, a sua eficácia e a sua capacidade para atingir os resultados pretendidos dependem de diversos fatores (ISO, 2021; ISO, 2019; Morgado et al., 2019; Organização Internacional do Trabalho, 2021), nomeadamente:

  1. compromisso da liderança, responsabilidades e responsabilização da gestão de topo;

  2. cultura da organização;

  3. processos e comunicação;

  4. consulta das partes interessadas (incluindo os trabalhadores e as suas expectativas);

  5. alocação de recursos;

  6. identificação de profissionais com as competências adequadas à definição e operacionalização das metodologias no terreno - e.g. RPS - psicólogos, riscos relacionados com a atividade - ergonomistas, entre outros;

  7. recurso a equipas multidisciplinares que permitam a gestão integrada de riscos de natureza diversa, e.g. riscos psicossociais, riscos relacionados com a atividade, riscos químicos, entre outros;

  8. definição de políticas alinhadas com os objetivos estratégicos e visão da organização;

  9. definição de metodologias de suporte aos processos de identificação de perigos, controlo de riscos;

  10. maximização de oportunidades;

  11. acompanhamento, avaliação e monitorização de forma continua do SGSST;

  12. definição de responsabilidades tendo em conta os processos identificados no SGSST;

  13. integração da apreciação e gestão de RPS nas práticas diárias da organização;

  14. cumprimento de requisitos legais;

  15. transposição de boas-práticas;

  16. definição e gestão de indicadores e outputs do SGSST;

  17. incluir nas metodologias a utilização de instrumentos validados para a população em estudo (e.g. validação de instrumentos para a população Portuguesa COPSOQ III - versão média (Cotrim, et al., 2022);

  18. incluir instrumentos que permitam o acesso a dados de referência para a população - e.g. COPSOQ III - versão média (Cotrim, et al., 2022) via Observatório Português de Fatores de Risco Psicossocial ;

  19. utilização de ferramentas que respondam às expectativas e perfis dos trabalhadores;

  20. atender às especificidades organizacionais e de contexto.

Apesar da temática da apreciação de riscos psicossociais em posto de trabalho já não ser recente, as renovadas dinâmicas laborais, legislativas, sociais, económicas e tecnológicas requerem abordagens integradas e diferenciadoras que permitam não só reduzir acidentes de trabalho e doenças profissionais, mas também promover locais de trabalho mais saudáveis e promotores de bem-estar. O recurso a metodologias e referenciais internacionais, permitem uma abordagem com reconhecimento internacional e transposição facilitada para os locais de trabalho, permitido integrar os SGSST com outros sistemas de gestão existentes, fornecendo indicadores e baseado em resultados com vista à melhoria contínua e sustentada.

Este trabalho chama a atenção para a necessidade das empresas/organizações, independentemente da sua natureza, forma ou tamanho repensarem os seus processos e procedimentos incluindo a gestão de RPS por forma estes processos serem de valor acrescentado para quer para as empresas quer para os trabalhadores

Contribuição dos autores

Cláudia Fernandes: Concetualização; Análise formal; Aquisição de financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição

Teresa Cotrim: Concetualização; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Supervisão; Visualização; Redação - revisão e edição

Anabela Pereira: Concetualização; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Supervisão; Visualização; Redação - revisão e edição

Agradecimentos

Este estudo foi realizado no âmbito do projeto “INTERAKHTool_CATIM - Interact Tool for Knowledge Transfer” com a referência POCI-01-0246-FEDER-181289, co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (COMPETE2020).

Referências

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Recebido: 15 de Junho de 2022; Aceito: 10 de Setembro de 2022

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