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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.23 no.2 Lisboa ago. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.15309/22psd230226 

Artigos

Dificuldades percebidas por psicólogos brasileiros na transição do atendimento para modalidade online

Difficulties perceived by brazilian psychologists in the transition from attending to online modality

Érika de Oliveira-Cardoso1  2 
http://orcid.org/0000-0001-7986-0158

Jorge dos Santos1  2 
http://orcid.org/0000-0003-4823-7157

Pamela Sola1  2 
http://orcid.org/0000-0003-3028-7594

Manoel Antônio dos Santos1  2 
http://orcid.org/0000-0001-8214-7767

1Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - LEPPS-FFCLRP-USP-CNPq, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, erikaao@ffclrp.usp.br, jorgecom2r@gmail.com, pamela.sola@usp.br, masantos@ffclrp.usp.br

2Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, FFCLRP-USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.


Resumo

Este estudo se concentra na experiência do atendimento online realizado de forma emergencial por psicólogos nos estágios iniciais da pandemia de COVID-19. O objetivo é investigar as dificuldades enfrentradas durante a transição do atendimento presencial para a modalidade online. A coleta de dados foi realizada mediante formulário online com 55 questões. A amostra foi composta por 385 psicólogos brasileiros. Os dados foram tabulados e analisados qualitativamente, mediante análise de conteúdo. Os resultados foram agrupados em três categorias: a) Psicólogos que se recusaram a endossar a mudança para o formato online; b) Resistência de pacientes frente a passagem para a modalidade online; c) Especificidades encontradas na clinica infanto-juvenil. Os profissionais se sentiram inseguros na transição, sobretudo no atendimento de casos considerados graves. A maioria que atendia crianças/adolescentes optou por não oferecer atendimento online para essa clientela e parte dos que aceitaram este desafio deparou-se com a resistência dos pais. Os motivos apresentados pelos pacientes para não aceitação do atendimento remoto foram insegurança e falta de privacidade no ambiente doméstico. Conclui-se que os primeiros momentos da passagem para o online suscitaram desconfiança e insegurança tanto nos psicoterapeutas quanto nos pacientes. Os resultados auxiliam a repensar as práticas psicólogicas para além dos modelos clínicos tradicionais.

Palavras-Chave: Terapia online; Tecnologia da informação; COVID-19; Pandemia; Psicólogos; Profisisonais de Saúde; Saúde mental

Abstract

This study focuses on the experience of online therapy conducted on an emergency basis by Brazilian psychologists in the early stages of the COVID-19 pandemic. The goal was to understand the difficulties faced during the transition from face-to-face to online care. Data collection was conducted using an online form with 55 questions. The sample was composed of 385 Brazilian psychologists. The data were tabulated and analyzed qualitatively, using content analysis. The results were grouped into three categories: a) Psychologists who refused to endorse the change to the online format; b) Patient resistance to the change to the online modality; c) Specificities found in the children’s clinic. The professionals felt insecure in the transition, especially when attending cases considered severe. Most of those who attended children/adolescents chose not to offer online care to this clientele, and part of those who accepted this challenge met with resistance from their parents. The reasons given by patients for not accepting remote care were insecurity and lack of privacy in the home environment. We conclude that the first moments of the transition to online services aroused distrust and insecurity in both psychotherapists and patients. The results help to rethink psychology practices beyond traditional clinical models.

Keywords: Online therapy; Information technology; COVID-19; Pandemic; Psychologists; Health Professionals; Mental health

A pandemia de COVID-19, doença causada pelo SARS-CoV-2 (Organização Pan- Americana de Saúde, 2020), impôs a necessidade de controle rigoroso da circulação do vírus e diminuição da quantidade de pessoas infectadas (Silva, 2020). Nesse contexto, foram adotadas medidas de isolamento, contenção de comunidade, quarentena e distanciamento social (Aquino & Lima, 2020; Ferreira, 2021; Freitas et al., 2020). Este cenário de exceção repercute intensamente na saúde mental da população (Ferracioli et al., 2021; Moura et al., 2022; Oliveira-Cardoso et al., 2020) e dos profissionais de saúde mental (Ferracioli et al., 2022). Nesse período os eventos estressores são acentuados, embalados pelo medo de contaminação e pela ansiedade suscitada pelo enfrentamento de uma nova doença infectocontagiosa, com altas taxas de morbimortalidade e para a qual ainda não se tinha vacina ou tratamento eficaz. O ambiente conturbado e a atmosfera de incerteza quanto ao futuro desencadearam impactos psicológicos significativos, especialmente para os indivíduos e grupos em situação de maior vulnerabilidade (Brooks et al., 2020; Diehl et al., 2021; Oliveira-Cardoso et al., 2022; Santos et al., 2020, 2021; Scorsolini-Comin et al., 2020).

A população teve suas rotinas alteradas de forma drástica e repentina, o que exigiu mudanças de hábitos que desafiaram a capacidade de enfrentamento dos indivíduos, grupos e famílias (Braga et al., 2020; Oliveira et al., 2020b, 2021). Os profissionais da saúde que atuavam na linha de frente da assistência às pessoas infectadas também vivenciaram as vicissitudes da restrição do contato com familiares por temor de contaminação, além de esgotamento físico e mental devido a jornadas extenuantes de trabalho, agravadas por redução de renda e desemprego crescente no período, em um contexto inédito de distanciamento social (Oliveira et al., 2020a).

As medidas de barreira sanitária levaram à adoção compulsória das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas mais diversas atividades profissionais, entre elas as ligadas à saúde, como a Psicologia. Os atendimentos que fazem uso das TIC para sua realização serão referidos a partir de agora como atendimentos online ou atendimentos remotos, ambos servindo como termos guarda-chuvas para designar atendimentos via ligação telefônica, vídeo, troca de mensagem, e-mails ou troca de áudios.

Os psicoterapeutas que até então estavam acostumados a realizar atendimentos presenciais, independentemente de sua experiência anterior, tempo ou tipo de formação, precisaram migrar para a modalidade de atendimento online (Békés & Doorn, 2020) e se adequarem às questões de ordem prática (que envolviam aquisição de habilidades de uso de plataformas digitais e manejo de equipamentos), técnica (relacionadas às alterações do setting e à necessidade de adaptação da prática clínica) e ética (que foi norteada, no Brasil, pelas normativas do Conselho Federal de Psicologia (CFP).

Apesar da regulamentação da prática, muitos profissionais se depararam com um dilema entre a necessidade de transferirem os atendimentos para a foma remota e a percepção de que não estavam adequadamente instrumentalizados para realizar essa transposição com segurança. Isso evidencia o quanto é importante a produção de novos conhecimentos que possibilitem o aprimoramento das habilidades do terapeuta no manejo dos atendimentos online, promovendo o desenvolvimento de recursos para a oferta de diferentes intervenções em saúde mental no ambiente virtual.

A modalidade online implica os desafios próprios de um ambiente novo e ainda pouco explorado, que exige a apropriação de habilidades de manejo técnico e domínio de uma linguagem ainda relativamente desconhecida pela maioria dos profissionais. Uma das primeiras preocupações que surgiram nesse cenário é com a preservação da potencialidade da intervenção psicoterapêutica como espaço de escuta e acolhimento. Isso perpassa o momento de transição, no qual profissionais e clientes se deparam com a necessidade de aplicação e adaptação de diferentes recursos para viabilizar um trabalho terapêutico de qualidade. É preciso compreender se e como a psicoterapia online contribui para promover suporte em saúde mental.

Nesse contexto, este estudo tem como objetivo investigar as dificuldades e desafios encontrados por psicoterapeutas durante a transição do atendimento presencial para a modalidade online.

Método

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com recorte transversal. Para facilitar o acesso aos participantes, foi elaborado um formulário online na plataforma Google Forms, considerando sua compatibilidade tanto com computadores quanto com dispositivos móveis. O formulário foi composto por 55 questões fechadas e abertas, com itens sobre a caracterização da atuação profissional, experiência anterior de atendimento online e presencial, caracteristicas da população atendida, bem como desafios e facilidades encontrados na transição do atendimento presencial para online. Para acessar os participantes, o convite com a divulgação da pesquisa foi disparado nas redes sociais. O participante que correspondia ao perfil do estudo podia acessar um link que o direcionava ao formulário da pesquisa.

Depois de coletados, os dados foram organizados em uma planilha Excel. As respostas quantitativas foram tabuladas e as questões abertas foram analisadas qualitativamente, com base na análise de conteúdo (Bardin, 1977). Essa análise orienta a organização do material da seguinte forma: a) pré-análise: leitura flutuante do corpus, formulação de hipóteses e objetivos e categorização para a análise temática; b) exploração do material: administração das técnicas sobre o corpus; análise das categorias e subcategorias; c) tratamento dos resultados e interpretações: síntese e seleção dos resultados, inferências e interpretação. Dois pesquisadores realizaram as análises de forma independente e as eventuais discordâncias encontradas foram solucionadas por meio de consenso.

O projeto obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição a qual a equipe de pesquisadores está vinculada. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com detalhamento da pesquisa, foi apresentado na página inicial do formulário online, de maneira que foi solicitado ao participante assinalar sua concordância ou não com o documento. O participante foi direcionado às perguntas do formulário somente após explicitar que estava de acordo com os termos da participação na pesquisa.

Além do TCLE, outras questões éticas envolvidas em pesquisas online foram consideradas, como o receio de vazamento das respostas e perda do anonimato (Eynon et al., 2008; Kraut et al., 2004). Assim, como medida de proteção da confidencialidade e da identidade dos participantes, não foi solicitada qualquer informação de cunho pessoal, tais como nome, endereço, documentos de identificação. Foram coletados apenas dados de identificação mais gerais (idade, sexo e procedência) e profissionais (tempo decorrido desde a formação acadêmica, tempo de atuação e área de inserção profissional).

Resultados

Perfil dos respondentes

A amostra foi composta por 385 psicólogos(as), a maioria mulheres (258, 67,0%). O tempo de experiência profissional variou entre seis meses e 45 anos. O tempo médio desde a conclusão do curso de Psicologia foi de 9,33 anos (dp = 9,06), sendo que 55,58% (n = 214) estavam inseridos no mercado de trabalho por tempo superior a cinco anos.

Em relação à intenção de continuar atendendo na modalidade remota após a pandemia, a maioria dos psicólogos afirmou que pretendia dar continuidade (274 respondentes, 71,12%), sendo que apenas 69 (17,9%) profissionais declararam que pretendiam voltar a atender somente na modalidade presencial (Quadro 1).

Quadro 1 Distribuição da amostra segundo a intenção de dar continuidade ao atendimento online após a pandemia (n = 385). 

Quando indagados sobre o processo de adaptação ao atendimento online, 259 (67,3%) psicólogos assinalaram que enfrentavam alguns desafios na transição e 217 (56,4%) afirmaram que se sentiam mais cansados após os atendimentos online em comparação com os presenciais.

Categorias temáticas

A partir da codificação das respostas abertas, foram elaboradas três categorias temáticas, que expressam as barreiras percebidas pelos participantes na transição da modalidade online para a presencial: a) Psicólogos que se recusaram a endossar a mudança para o formato online; b) Resistência de pacientes frente à passagem para a modalidade online; c) Especificidades encontradas na clínica infanto-juvenil.

Psicólogos que se recusaram a endossar a mudança para o formato online

O principal motivo elencado pelos profissionais para não realizarem a transição para a modalidade remota diz respeito ao funcionamento psicodinâmico do paciente, sendo que 259 (67,3%) psicólogos referiram que suspenderam os atendimentos dos “casos graves” (pacientes com histórico de transtornos mentais e/ou ideação suicida ativa).

Existem sim muitas limitações para o online. Por exemplo, alguns pacientes meus eu não me sinto segura para atender sem estar presencialmente. No caso, quando a patologia é mais grave e com o paciente em surto, aí acho que não pode ser online (Psicológa, 30 anos, nove anos de formada).

Foi considerado como um dos principais desafios éticos o dilema de atender casos de urgência estando a distância, em especial nas situações que envolvem tentativas de suícidio.

Fico pensando no caso em que o paciente tem ideação ou tentativa de suícidio. Esses casos são desafiadores mesmo no presencial, porque precisamos de uma rede de apoio. Não acho adequado atender esses pacientes remotamente e sem possibilidade de acesso rápido em caso de necessidade (Psicóloga, 37 anos, seis anos de formada).

Outro desafio, referido por 180 (46,75%) psicólogos, refere-se a dúvidas quanto às orientações do CFP em relação aos limites e possibilidades do online e aos cuidados éticos necessários para que os atendimentos remotos aconteçam em segurança, de modo a preservar as potencialidades da intervenção.

Também vejo como impasse a oferta de atendimentos online não compatíveis com bons critérios clínicos e éticos, cuja divulgação já era popular antes da pandemia (por exemplo, aplicativos de atendimento por mensagem de texto e áudio de Whatsapp). Creio que tal oferta traz banalização e falta de credibilidade do trabalho clínico na psicologia (Psicológa, 28 anos, cinco anos de formada).

Um terceiro dilema ético, apontado por 133 psicólogos (34,54%), diz respeito à insegurança em relação à necessidade de adequação da técnica utilizada nos atendimentos presenciais.

Acho que o atendimento online pode ser tão efetivo quanto o presencial, mas pouco consideramos sobre essa questão do setting, e tenho visto muitos atendimentos falhando por conta das diferenças entre o atendimento presencial e o online. Os terapeutas estão tratando os dois de modo muito semelhante. Temos pouca formação em relação a esse assunto nas faculdades. Não basta transpor técnicas para o online, é preciso repensar essas técnicas com base nas possibilidades e limitações da tecnologia (Psicólogo, 35 anos, três anos de formado).

Resistência de pacientes frente à passagem para a modalidade online

Uma parcela de pacientes também mostrou resistência à mudança do atendimento presencial para o remoto, sendo que 268 (69,91%) dos profissionais se depararam com a recusa de pacientes em fazer a transição, com alegações de que prefiriam esperar o final da pandemia e, consequentemente, a possibilidade do retorno à modalidade presencial, uma vez que consideravam que o online seria menos eficiente ou que não se adaptariam a esse novo modelo.

Muitos não quiserem tentar, achando que a pandemia passaria rápido e eles preferiam esperar a volta do presencial. Achavam que não seria bom do mesmo jeito e que teriam dificuldades, pois acham que não vão se adaptar ao online e muitos não quiseram nem tentar (Psicólogo, 38 anos, seis anos de formado).

Um total de 162 (42,07%) profissionais referiram que seus pacientes alegavam não dispor de local adequado no ambiente doméstico para a realização das sessões online.

Eu perdi muitos pacientes, eles desistiram porque estavam em casa com muitas pessoas, em geral casa pequena, sem privacidade, e não se sentiam confortáveis para falar de coisas muito pessoais nesse ambiente (Psicólogo, 36 anos, um ano de formado).

Por fim, para 33 (0,09%) psicólogos, os pacientes justificaram a recusa alegando que não tinham acesso a uma conexão de internet de qualidade ou não sabiam utilizar adequadamente as ferramentas facultadas pela tecnologia de informação.

Muitos pacientes falaram que a qualidade da internet era ruim, que caía muito e que não tinham condições no momento de melhorarem isso, além do que nem todo mundo tem familiaridade com essas tecnologias. Isso é complicado mesmo (Psicólogo, 31 anos, sete anos de formado). Especificidades encontradas na clínica infanto-juvenil

Os profissionais que atendiam crianças manifestaram muitas dúvidas e dificuldades de manejo durante a passagem do atendimento presencial para o remoto. Dos 187 psicólogos (48,57%) que afirmaram que atendiam crianças, 121 (31,43%) optaram por não dar continuidade ao atendimento na modalidade online. Os demais (66 profissionais, 17,14%) apontaram que estavam dispostos a prosseguir oferecendo o atendimento remoto para a clientela infantil, todavia 31 (0,08%) se depararam com recusa por parte da familia. Os pais alegaram que não conseguiriam se organizar para mediar a sessão com a criança, ou não acreditavam que essa seria uma modalidade adequada para a faixa etária dos filhos.

O maior desafio é que a criança precisaria de ajuda. Precisa, pelo menos, que alguém entre na sessão online para ela, e os pais estão sobrecarregados nesse período de pandemia, e aí muitos não aceitaram o atendimento online para seus filhos (Psicóloga, 32 anos, nove anos de formada).

Dos 35 (0,09%) respondentes que deram continuidade ao atendimento de crianças, todos relataram que as dificuldades no formato online são maiores do que no atendimento presencial, em especial pela restrição de recursos lúdicos e interventivos que anteriormente utilzavam na clínica presencial.

As dificuldades aparecem quando atendo crianças. Parece que em alguns momentos o repertório se esgota. Sinto falta da caixa lúdica e das possibilidades que esse material me proporciona (Psicóloga, 27 anos, dois anos de formada).

As limitações percebidas na clínica infantil também foram expressas no atendimento de crianças mais velhas e adolescentes, em especial devido à restrição das possibilidades de realização de atividades mediadoras do contato interpessoal.

Os desafios maiores são com as crianças, em especial aquelas que não têm foco atencional bem desenvolvido. Tenho também dificuldades em realizar atividades gráficas online com os adolescentes. Acho que o vínculo online é diferente, é mais difícil fazer um ambiente descontraído e não só pautado em conversas (Psicóloga, 33 anos, nove anos de formada).

Em síntese, os resultados obtidos neste estudo possibilitam ampliar a compreensão acerca das principais dificuldades enfrentadas por psicólogos brasileiros na transição dos atendimentos da modalidade presencial para o ambiente online.

Discussão

Este estudo focalizou a experiência do atendimento online realizado de forma emergencial por psicólogos nos estágios iniciais da pandemia de COVID-19. Os resultados evidenciaram as dificuldades enfrentradas durante a transição do atendimento presencial para o formato remoto. A prática do atendimento online, a partir do uso de TIC, não é exatamente uma modalidade nova de cuidado psicológico em outros países, como é na realidade brasileira. Porém, no Brasil, até a emergência da COVID-19 ainda não era uma prática difundida e tampouco conhecida da maioria dos psicólogos. Antes do marco histórico da pandemia a cultura da psicoterapia mediada pelo uso de tecnologia ainda não tinha sido disseminada e os profissionais ainda não dispunham dos meios legais que assegurassem plenamente a realização das práticas psicológicas por meio de plataformas virtuais (Ferracioli et al., 2022; Oliveira-Cardoso et al., 2021a, 2021b).

Foi constatada a falta de preparo prévio para o atendimento a distância, que ainda era uma novidade para a maioria dos participantes. Também foi observada a desconfiança de muitos pacientes em relação a essa modalidade e, por fim, apareceram as dificuldades específicas de manejo do setting terapêutico devido às peculiaridades da clientela, no caso, crianças e adolescentes. Pode-se afirmar que a passagem para a modalidade de psicoterapia online se apresentou permeada por desconfiança e insegurança, o que parece estar relacionado ao fato de ser um campo novo e ainda pouco conhecido, e que teve de ser apropriado pelos profissionais de forma intuitiva e improvisada.

Os participantes tiveram pouco tempo para se familiarizarem com o ambiente online e aprenderam de forma autônoma, ou seja, administrando seu próprio processo de aquisição de conhecimentos para o manejo das tecnologias. Dado o isolamento social, tiveram que ser autodidatas e aprender a organizar os recursos de aprendizagem que tinham à disposição pela rede. Esses achados são convergentes com os resultados obtidos por outros estudos (Sola et al., 2021).

O atendimento psicológico online abre perspectivas, mas também envolve desafios que precisam ser melhor escrutinados e compreendidos à luz de novas pesquisas. Estudos futuros são necessários para compreender os reais impactos da transição para o atendimento online sobre as diferentes dimensões do cuidado terapêutico, as novas questões interpessoais envolvidas e os termos do contrato terapêutico que também passa por modificações substanciais.

Mais do que oferecer respostas, este estudo exploratório pretende subsidiar reflexões sobre a prática clinica que foi amplamente modificada durante a pandemia, o que envolve, além de elementos práticos, questões éticas que apontam para necessidade de rever os modelos clássicos de atuação em psicoterapia. Espera-se que os resultados auxiliem a repensar a prática psicológica, considerando a necessidade urgente de inserir conteúdos teóricos e práticos relativos ao atendimento online na grade curricular dos cursos de formação em Psicologia.

Agradecimentos

Este estudo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Bolsa de Produtividade em Pesquisa).

Contribuição dos autores

Érika de Oliveira-Cardoso: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Aquisição de financiamento, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.

Jorge dos Santos: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.

Pamela Sola: Análise formal, Metodologia, Redação - revisão e edição.

Manoel Antônio dos Santos: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Aquisição de financiamento, Investigação, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.

Referências

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Recebido: 15 de Junho de 2022; Aceito: 10 de Setembro de 2022

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