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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.23 no.3 Lisboa dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.15309/22psd230302 

Artigos

Refugiados, migrantes e COVID-19: análise qualitativa do estudo aparttogether/oms

Refugees, migrants and COVID-19: qualitative analysis of the aparttogether/who study

1 Instituto de Saúde Ambiental (ISAMB), Faculdade de Medicina - Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, fabiobotelhoguedes@gmail.com, smsgaspar@gmail.com, cerqueira.apm@gmail.com, tania.gaspar.barra@gmail.com, ginatome@sapo.pt, catiasofiabranquinho@gmail.com, pedroc75@gmail.com, margarida.gaspardematos@gmail.com

2 Equipa Aventura Social, Lisboa, Portugal

3 Universidade Lusíada de Lisboa/Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social (CLISSIS), Lisboa, Portugal

4 Universidade Lusófona/HEI-LAB, Lisboa, Portugal

5 ISPA - Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, APPSYci - Applied Psychology Research Center Capabilities & Inclusion, Lisboa, Portugal, emarques@ispa.pt

6 Ghent University, Gante, Bélgica, ilse.derluyn@ugent.be, an.verelst@ugent.be

7 University of Copenhagen, Copenhague, Dinamarca, m.skovdal@sund.ku.dk

8 Escola Superior de Saúde de Beja, Instituto Politécnico de Beja, BejaPortugal


Resumo

O presente estudo tem como principal objetivo perceber quais são as condições que os migrantes e refugiados a viver em Portugal identificam como sendo as mais importantes para lidar com a pandemia da COVID-19, assim como perceber de que forma conseguirão ajudar outros migrantes e refugiados a lidar com a pandemia. Trata-se de um estudo qualitativo com análise de conteúdo, integrado no estudo internacional ApartTogether em colaboração com a Organização Mundial de Saúde. Responderam ao questionário 330 indivíduos, com uma média de idades de 35,25±11,21 anos, dos quais 62% (n=183) são do género feminino. Os resultados indicam que as condições identificadas pelos indivíduos migrantes ou refugiados como importantes para ajudar a lidar com a pandemia da COVID-19 são a proximidade com a família e amigos, os pensamentos positivos e o facto de manterem ou conseguirem trabalho, assim como apoio financeiro (uma vez que muitos perderam o emprego na pandemia e face às medidas de confinamento). O apoio emocional e as situações de voluntariado/doação de alimentos e produtos essenciais foram referidas como condições criadas por migrantes ou refugiados para ajudar terceiros a lidar com a pandemia. É importante ter em conta as populações migrantes e refugiadas aquando da delineação de planos e estratégias para a prevenção e combate à pandemia da COVID-19. É igualmente necessário ter presente as características e as necessidades específicas desta população, para o combate das desigualdades sociais.

Palavras-chave: Portugal; Migrantes; Refugiados; COVID-19

Abstract

The main objective of this study is to understand which conditions migrants and refugees living in Portugal identify as being the most important to deal with the COVID-19 pandemic. We also intend to explore how they managed to help other migrants and refugees to deal with the pandemic. This is a qualitative study with content analysis part of the international study ApartTogether in collaboration with the World Health Organization. 330 individuals were surveyed, with a mean age of 35.25±11.21 years, of which 62% (n=183) are female. The results indicate that the conditions identified by migrants or refugees as important to help deal with the COVID-19 pandemic are proximity to family and friends, positive thoughts, keeping or getting a job and financial support (once many lost their jobs due to the pandemic and the associated confinement measures). Emotional support and situations of volunteering/donation of food and essentials products were referred to as conditions created by migrants or refugees to help others deal with the pandemic. It is important to take migrant and refugee populations into account when designing plans and strategies to prevent and to combat the COVID-19 pandemic. The importance of consider the specific characteristics and needs of this population in order to minimize the existing social inequalities is highlighted.

Keywords: Portugal; Migrants; Refugees; COVID-19

A vivência de uma situação de pandemia não implica apenas consequências ao nível da saúde pública, mas também levanta questões de ordem económica e política (Chakraborty & Maity, 2020; Sengupta & Jha, 2020). Para além disso, as implicações no que concerne à saúde física e mental são indiscutíveis (Choudhari, 2020).

Todos os constrangimentos associados à mais recente pandemia vivenciada em todo o mundo (i.e. COVID-19) têm trazido à luz diversos debates relativos à vulnerabilidade das populações migrantes/refugiadas. As evidências na literatura apontam para um aumento do risco destas populações no que diz respeito a aspetos sociais, económicos e relacionados com a saúde (Bhandari et al., 2021; Choudhari, 2020; Dhungana, 2020; Dias et al., 2021; Hayward et al., 2021; Ivaknyuk, 2020; Maldonado et al., 2020; Özvaris et al., 2020).

Com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, foram apresentados em Portugal recentemente os resultados do estudo “Literacia em Saúde em Populações Migrantes”. O estudo usou um questionário aplicado a 1126 pessoas migrantes e refugiadas, em plena pandemia, onde se percebe que os maiores riscos decorrem da condição migratória acrescida do facto de serem mulheres, mais velhos, menos escolarizados, desempregados, recém-chegados e indocumentados. Por outro lado, esse mesmo estudo identifica que, se é inegável que a sistematização de referências político-legais tem evidenciado uma clarificação do direito à proteção da saúde dos estrangeiros residentes e o seu acesso a cuidados de saúde em Portugal, algo que foi inclusivamente reforçado durante a pandemia, evidencia-se que a falta de acesso a serviços de saúde constitui um obstáculo à integração, com impacto em diversas áreas e em decorrência de diversos fatores (Dias, et al., 2021).

É de salientar os fatores de risco para o bem-estar psicossocial que se verificam nas populações migrantes e refugiadas e dos quais são exemplo o afastamento dos familiares (que se verifica em muitos dos casos), situações de exclusão social, dificuldade no acesso aos cuidados de saúde e dificuldades económicas devido à perda de emprego ou às condições precárias a nível laboral (Yen et al., 2021; Choudhari, 2020). As dificuldades no acesso aos cuidados de saúde e o distanciamento das fontes de suporte social constituem-se como riscos acrescidos perante a desafiante situação pandémica que tem pairado por todo o mundo (Arya et al., 2021; Bhandari et al., 2021). Deste modo, é essencial ter em consideração os efeitos que a situação de pandemia pode ter ao nível das populações que já integravam os grupos mais vulneráveis mesmo antes da COVID-19, como é o caso dos migrantes e dos refugiados (Alahmad et al., 2020; Bukuluki et al., 2020; Burton-Jeangros et al., 2020; Vieira et al., 2020; Zapata & Rosas, 2020).

A COVID-19 veio acentuar assimetrias e desigualdades sociais e de saúde já existentes em diversos grupos, tais como os migrantes e os refugiados (Arya et al., 2021; Bukuluki et al., 2020; Crawley, 2021; Vonen et al., 2021), sendo infelizmente relativamente fácil cair-se num exacerbar ou intensificar de situações de discriminação, pobreza, desemprego e isolamento (Bukuluki et al., 2020; Spiritus-Beeden et al., 2021). Estes grupos populacionais enfrentam barreiras sociais e culturais que podem comprometer o seu acesso à informação relativa à prevenção e proteção face ao vírus SARS-CoV-2 (Araya et al., 2021; Bhandari et al., 2021; Bukuluki et al., 2020; Guadagno, 2020; Hayward et al., 2021; Özvaris et al., 2020; Vieira et al., 2020). São também grupos fortemente afetados pelas oscilações laborais e económicas que resultam das medidas governamentais para combater a propagação do vírus (e.g. confinamentos que obrigam ao encerramento da maioria das atividades e serviços e que impedem ou dificultam a circulação dos indivíduos) (Bukuluki et al., 2020; Ivaknyuk, 2020). São ainda grupos que nem sempre encontram capacidade de resposta dos serviços a si dirigidos, o que frequentemente não se coloca no direito à proteção ou no acesso aos cuidados em saúde, algo que alguns países reforçaram durante a crise pandémica, mas na efetiva prestação do serviço de uma forma eficaz e adaptada à crescente diversidade cultural e religiosa das nossas sociedades (Dias et al., 2021).

A literatura aponta a existência de diversos fatores de risco presentes na população migrante e refugiada que podem ter um impacto negativo significativo ao nível da sua saúde mental, nomeadamente os que se relacionam com as condições de vida mais precárias, a exclusão social, a incerteza e insegurança face ao futuro e as dificuldades no âmbito do mercado de trabalho e consequente instabilidade financeira, que se intensificam face à uma situação pandémica (Spiritus-Beeden et al., 2021).

É de salientar a importância do fortalecimento das redes de suporte numa altura de pandemia, principalmente junto das populações desfavorecidas e minorias (Wong et al., 2020). A literatura aponta no sentido de o suporte social ser um fator de peso no que diz respeito à gestão de situações adversas, tendo uma relação com o nível de resiliência dos indivíduos (Li et al., 2021; Mei et al., 2021).

É fulcral ter em conta as populações migrantes e refugiadas aquando da delineação de planos e estratégias para a prevenção e combate à pandemia da COVID-19 (Brandenberger et al., 2020; Bukuluki et al., 2020; Guadagno, 2020), tendo em mente as suas características e necessidades específicas. Com isto, deve-se abordar esta questão através de uma visão holística e integrativa, que inclui questões socioeconómicas, psicossociais e culturais (Bukuluki et al., 2020).

Assim, os objetivos do presente estudo são: i) perceber as condições que poderiam ajudar refugiados ou migrantes em Portugal a lidar com a pandemia Covid19; e ii) perceber as condições criadas por refugiados e migrantes para ajudar terceiros a lidar com a COVID-19.

Método

O presente estudo tem uma abordagem qualitativa baseada no inquérito internacional colaborativo ApartTogether (www.aparttogetherstudy.org/), realizado durante a pandemia da COVID-19. O estudo foi desenvolvido em colaboração com a Organização Mundial de Saúde (World Health Organization [WHO], 2020), e teve como objetivo perceber o impacto da pandemia da COVID-19 e quais as medidas preventivas adotadas nos e, para os migrantes e refugiados em toda a Europa. Em Portugal o estudo ApartTogether obteve aprovação da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) e foi levado a cabo por investigadores do projeto Aventura Social e ISAMB/ Universidade de Lisboa.

Participantes

Participaram no estudo em Portugal 330 indivíduos, com uma média de idades de 35,25±11,21 anos, dos quais 62% (n=183) são do género feminino. O Quadro 1 apresenta as características sociodemográficas dos participantes. Todos os participantes concordaram em participar no estudo e, após terem conhecimento dos objetivos do estudo realizaram o preenchimento do questionário online de forma voluntária, tendo sido garantido o anonimato e a confidencialidade dos dados.

Quadro 1 Características sociodemográficas dos participantes (n= 330) 

Medidas e variáveis

Foram analisados dados sociodemográficos dos participantes (idade, sexo, escolaridade, situação profissional atual, tempo e situação de residência em Portugal). Para a análise qualitativa, foram considerados e analisadas as respostas a duas perguntas de resposta aberta e opcional presentes no questionário, nomeadamente a pergunta 1) “O que mais poderia ajudá-lo a lidar com esta situação do coronavírus?” e a pergunta 2) “Como ajuda os outros durante a crise do coronavírus?”.

Análise de dados

As respostas à pergunta 1) e 2) foram importadas para o software MAXQDA 2020 (Udo & Stefan, 2019). E as características sociodemográficas dos participantes foram analisadas através do software SPSS versão 25. Os dados foram analisados através da técnica de análise de conteúdo. Numa primeira fase da análise dos dados o primeiro e segundo autores leram o conteúdo das respostas e realizaram uma análise preliminar. Numa fase posterior foi realizada uma segunda análise dos dados, tendo sido aprimorado o sistema de categorização. Os dados foram analisados até à sua saturação, ou seja, até não emergirem dos dados novas e diferentes categorias.

Resultados

No total foram codificados 233 segmentos de texto, onde 100 segmentos de texto deram origem ao sistema de categorização que dá resposta à pergunta 1), e 133 segmentos de texto deram origem ao sistema de categorização que dá resposta à pergunta 2). À pergunta de resposta aberta “O que mais poderia ajudá-lo a lidar com esta situação do coronavírus?” responderam 85 indivíduos. Por outro lado, à pergunta 2) “Como ajuda os outros durante a crise do coronavírus?”, responderam 114 indivíduos.

1. Condições que adicionalmente ajudariam a lidar com a COVID-19

Da análise das condições que potencialmente ajudariam os migrantes e refugiados em Portugal, emergiu o sistema de categorização ilustrado na Figura 1.

Relativamente às condições que adicionalmente ajudariam os migrantes e refugiados em Portugal a lidar com a COVID-19, foram identificadas como o Top 5 das condições: i) adesão às medidas de prevenção de transmissão COVID-19; ii) proximidade de família/amigos; iii) pensamento positivo.; iv) ter/manter trabalho; e, v) apoios financeiros.

Alguns dos segmentos de texto representativos do Top 5 das condições que adicionalmente ajudariam os migrantes e refugiados a lidar com a COVID-19 são:

i) Adesão às medidas de prevenção de transmissão COVID-19

- “Meter em prática todas as precauções para evitar a contaminação, lavagem constante das mãos, usar a máscara de proteção, distanciamento social, evitar usar muito transportes públicos.”;

- “Autocuidado e distância social.”;

- “Reduzindo o número de novas infeções e mortes. Conformidade com todas as regras de segurança.”.

Figura 1 Categorização das condições que adicionalmente ajudariam a lidar com a COVID-19 

ii) Proximidade de família/amigos

- “A única coisa que eu gostaria, era poder ver minha família.”;

- “Poder ter os meus filhos mais perto de mim.”;

- “Estar mais com os meus amigos.”;

- “Virtualmente conectado com amigos e familiares.”;

- “Ter contacto, ainda que ocasional, com amigos, não estar fisicamente distante deles.”;

- “O bem-estar da minha família e amigos.”.

iii) Conseguir manter otimismo/ “pensamento positivo”

- “Alguns pensamentos bons e saudáveis.”;

- “Meus pensamentos positivos e auto satisfação ajudam-me a lidar com esta situação do Corona.”;

- “Não ficar preocupado nem chateado.”;

- “Colocar a mente em outro lugar, não pensar muito.”.

iv) Ter/manter trabalho

- “Só continuar a trabalhar, nada mais.”;

- “Encontrar um emprego.”;

- “Recolocação no mercado de trabalho.”.

v) Apoios financeiros

- “Posso ser ajudado financeiramente.”;

- “Nada mais só preciso de dinheiro durante este tempo.”;

- “Ter uma renda para poder cobrir as necessidades da minha filha (alimentação, educação, roupas) e que não falte nada em casa.”;

- “Poder ser ajudado financeiramente será a melhor ajuda para mim.”.

2. Condições criadas por refugiados e migrantes para ajudar terceiros a lidar com a COVID-19

Da análise das condições criadas por refugiados e migrantes para ajudar terceiros a lidar com a COVID-19 emergiu o sistema de categorização ilustrado na Figura 2.

Figura 2 Categorização das condições criadas para ajudar terceiros a lidar com a COVID-19 

Relativamente às condições criadas por refugiados e migrantes para ajudar terceiros a lidar com a COVID-19 foram identificadas como o Top 5 das condições criadas: i) suporte emocional; ii) voluntariado; iii) adesão às medidas de precaução; iv) fornecer informação credível; e, v) doação de alimentos/produtos essenciais.

Alguns dos segmentos de texto representativos do Top 5 das condições criadas por refugiados e migrantes para ajudar terceiros a lidar com a COVID-19 são:

i) Apoio/Suporte emocional

- “Com conselhos e palavras de ânimo.”;

- “Tento passar mensagens positivas e de esperança.”;

- “Eu mantenho contato com eles para que se sintam menos solitários.”;

- “Eu ajudo outros durante esta crise do Corona, motivando-os a usar esta situação como uma oportunidade na sua vida.”;

- “Diálogo/aconselhamento.”;

- “Suporte mental.”;

- “Não se separar dos outros, incentivar os outros a pensar corretamente.”.

ii) Voluntariado

- “Vou às compras para quem precisa e não pode sair de casa.”;

- “Voluntariado para ir às compras para idosos e pessoas com dificuldade de locomoção.”;

- “Vou fazer as compras a alguns vizinhos.”;

- “Trabalho em casa como voluntária, oferecendo apoio à fundação na qual trabalhei anteriormente no meu antigo país de residência.”;

- “Ajudamos idosos que vivem sozinhos através de uma associação.”.

iii) Adesão às medidas de precaução

- “Me protegendo e tomando todas as medidas de prevenção, que assim também protejo os outros.”;

- “Isolamento social.”;

- “Mantendo-me afastada e usando os meios de evitar contrair a doença.”;

- “Seguindo as medidas de segurança.”;

- “Em relação aos idosos estou sempre com uma distância de 2 metros e quando estou com os meus amigos estou com a máscara e estou sempre a pôr gel nas mãos.”.

iv) Fornecer informação credível

- “Em primeiro lugar, gostaria de explicá-los sobre a doença corona. Depois, explicaria como podemos manter nossa autodefesa. Se eu descobrir que alguém tem sintomas de corona, chamarei imediatamente o médico.”;

- “Dar-lhes informação.”;

- “Sou analista de deteção e diagnóstico do SARS-CoV-2 e tento educar e informar as pessoas que estão interessadas na temática e em como se manterem protegidas de infeção pelo novo coronavírus.”;

- “Entrega de mensagens de saúde pública.”.

v) Doação de alimentos/produtos essenciais.

- “Eu me ofereço para preparar comida para os idosos.”;

- “Compartilhando alimentos, itens essenciais.”;

- “Colaboro com compras de alimentos para famílias carenciadas.”;

- “Se eu tiver, darei um pouco de comida.”;

- “Damos comida para quem realmente precisa.”.

Discussão

Os objetivos do presente estudo qualitativo foram: i) perceber as condições que poderiam ajudar refugiados ou migrantes em Portugal a lidar com a pandemia COVID-19; e, ii) perceber as condições criadas por refugiados ou migrantes para ajudar terceiros a lidar com a COVID-19.

Os participantes relataram como uma das principais preocupações as questões relacionadas com a saúde, como a adesão às medidas de saúde pública, assim como questões financeiras, relacionadas em alguns casos com a perda dos seus trabalhos durante esta fase pandémica, com a obrigação de encerrar a maior parte das atividades durante os períodos de confinamento (Araya et al., 2021; Bhandari et al., 2021; Bukuluki et al., 2020; Guadagno, 2020; Ivaknyuk, 2020; Özvaris et al., 2020; Vieira et al., 2020). A interação entre determinantes socioeconómicos relacionados com a saúde e as possíveis barreiras no acesso aos cuidados de saúde tendem a conduzir a um maior impacto da COVID-19 em grupos minoritários, incluindo no que diz respeito à incidência e à prevalência da doença (Greenaway et al., 2020).

Um estudo de Srivastava et al. (2021) que pretendeu avaliar fatores causadores de stress durante a pandemia da COVID-19 e estratégias utilizadas pelos migrantes para lhes fazer face, concluiu que os principais fatores de stress se prendem com a crise financeira vivenciada, o suporte social deficitário, a incerteza e o medo face à pandemia. As estratégias de coping apontadas pelos migrantes que participaram neste estudo prenderam-se essencialmente com envolver-se em ações orientadas para os problemas concretos (e.g. toma de medicação para ajudar no combate ao stress e trabalhar para fazer face à situação económica mais desfavorecida), procurar suporte social junto da família, amigos ou outros e manter um pensamento positivo e de autoajuda, o que vai ao encontro do que foi identificado pelos nossos participantes.

Face à situação de pandemia, fica claro que estes fatores de risco ganham uma relevância ainda maior e desafiam o bem-estar psicossocial destas populações (Guedes et al., 2021; Spiritus-Beeden et al., 2021). As redes de suporte são especialmente fundamentais nesta fase, sendo identificadas como um elemento-chave por todos os indivíduos para um bem-estar físico e emocional, assim como um nível de maior resiliência durante a fase aguda da pandemia (Guedes et al., 2021; Li et al., 2021; Mei et al., 2021). Um estudo de Mead et al. (2021) concluiu que alguns dos fatores protetores que surgem associados ao bem-estar durante a situação pandémica prendem-se com a gratidão, o otimismo face a uma situação adversa e a existência de suporte social.

O presente estudo de abordagem qualitativa apenas se focou em analisar as condições descritas pelos refugiados e migrantes a viver em Portugal, que tiveram acesso ao questionário online e decidiram responder voluntariamente às duas perguntas de resposta aberta. Assim, os resultados aqui reportados podem não refletir todas as condições necessárias para adicionalmente apoiar migrantes e refugiados a lidar com a pandemia da COVID-19 em Portugal. Por outro lado, estes resultados podem não espelhar todas as condições criadas pelos próprios para ajudar terceiros a lidar com a pandemia.

Em forma de conclusão, este artigo permite compreender e reconhecer o papel que os migrantes e refugiados podem desempenhar na comunicação e sensibilização dos riscos para a saúde aos restantes elementos da sua comunidade, durante a pandemia e no futuro em futuras crises sanitárias, climáticas ou psicossociais.

É fundamental por um lado incluir e capacitar a população migrante e refugiada para participar na construção de planos e estratégias públicas de prevenção e combate às desigualdades sociais existentes nestas populações, especificamente no contexto pandémico, em que os grupos minoritários e desfavorecidos foram dos que mais sofreram, por outro lado prever uma adequada capacidade de resposta dos serviços a si dirigidos, uma prestação de serviços de uma forma eficaz e adaptada à crescente diversidade cultural e religiosa das nossas sociedades (Dias, et al., 2021; Guedes, et al., 2021; Spiritus-Beerden et al., 2021; Ullah et al., 2021). Ao enfrentar estes desafios, para além da participação das populações-alvo, a abertura, a flexibilidade e a capacidade de lidar com a mudança e com a diversidade aparecem evidenciadas.

Contribuição dos autores

Fábio Botelho Guedes: Concetualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.

Susana Gaspar: Redação do rascunho original, Análise formal

Ana Cerqueira: Análise formal.

Tania Gaspar: Análise formal.

Gina Tomé: Análise formal.

Cátia Branquinho: Análise formal.

Pedro Calado: Redação - revisão e edição.

Maria Emília Marques: Redação - revisão e edição.

Ilse Derluyn: Concetualização.

An Verelst: Concetualização.

Morten Skovdal: Concetualização.

Margarida Gaspar de Matos: Concetualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.

Financiamento

O autor Fábio Botelho Guedes é financiado pela bolsa de doutoramento da FCT SFRH/BD/148299/2019 e a autora Ana Cerqueira é financiada pela bolsa de doutoramento da FCT SFRH/BD/148403/2019.

Referências

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Recebido: 28 de Junho de 2022; Aceito: 20 de Dezembro de 2022

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