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Psicologia, Saúde & Doenças

versión impresa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.23 no.3 Lisboa dic. 2022  Epub 31-Dic-2022

https://doi.org/10.15309/22psd230330 

Artigos

Reabilitação profissional de dependentes químicos, sob ótica de profissionais atuantes na área

Professional rehabilitation of drug addicts, from perspective of professionals in the area

1 Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade Estadual Paulista, Marília, Brasil, meire.silva@unesp.br, nilson.silva@unesp.br

2 Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental. Faculdade de Medicina de Marília, Marília, Brasil, cleo.coppi.ufscar@gmail.com


Resumo

Este estudo tem como objetivo investigar a importância do trabalho no processo da reabilitação psicossocial e as intervenções terapêuticas com dependentes químicos, a partir da percepção de profissionais atuantes na área da saúde mental. Amostra composta por 24 profissionais de saúde de quatro Centros de Atenção Psicossocial para usuário de Álcool e Drogas (CAPSad) de quatro cidades do centro-oeste paulista. Para a coleta de dados foi elaborado um questionário semiestruturado contendo 54 questões de autopreenchimento, sendo 28 fechadas e 26 abertas. Evidenciou-se quadro reduzido de profissionais nos serviços, bem como fragilidades na oferta e no auxílio financeiro para especialização e capacitação profissional em dependência química, o que pode comprometer o cuidado ao usuário. A maioria dos profissionais referiu trabalhar na lógica da reabilitação psicossocial, porém o trabalho quase não é abordado durante as intervenções, apontando para fragilidades da prática integral e total da reabilitação psicossocial. Evidenciou-se o impacto das comorbidades psiquiátricas e do estigma social sobre os dependentes em todos os contextos de vida, ocasionando prejuízos principalmente nos contextos sociofamiliar e laboral. Os resultados poderão contribuir para reflexões sobre a necessidade de intervenções terapêuticas que abordem o trabalho, suas implicações e possibilidades, considerando esse como essencial no processo de inclusão social.

Palavras-Chave: Transtornos relacionados ao uso de substâncias; Reabilitação profissional; Trabalho; Serviços de saúde

Abstract

This study aims to investigate the importance of work in the process of psychosocial rehabilitation and therapeutic interventions with drug addicts, based on the perception of professionals working in the area of mental health. Sample composed of 24 health professionals from four Psychosocial Care Centers for Alcohol and Drug users (CAPSad) from four cities in the midwest of São Paulo State. For data collection, a semi-structured questionnaire containing 54 self-completed questions was elaborate, 28 closed and 26 open. There was a small number of professionals in the services, as well as weaknesses in the offer and financial assistance for specialization and professional training in chemical dependence, which can compromise the user's care. Most professionals reported working on the logic of psychosocial rehabilitation, but the work is hardly approach during the interventions, pointing to weaknesses in the integral and total practice of psychosocial rehabilitation. The impact of psychiatric comorbidities and social stigma on drug addicts in all life contexts was evidence, causing losses mainly in socio-family and labor contexts. The results could contribute to the reflection of professional practice in the process of professional rehabilitation of drug addicts, so that the work can be incorporate into treatment practices and offer opportunities to work together with the community, as recommended in psychosocial rehabilitation. The results may contribute to reflections on the need for therapeutic interventions that address work, its implications and possibilities, considering this as essential in the process of social inclusion.

Keywords: Substance-related disorders; Rehabilitation; Vocational work; Health services

A dependência química é caracterizada como transformo mental e de comportamento grave, crônico, de difícil manejo e tratamento, podendo ser fatal (Pratta & Santos, 2009). Atualmente, considerada grave problema de saúde pública, pois além de ser multifatorial, tem como consequências alterações e prejuízos em todos os aspectos da vida do dependente e, afeta direta e/ou indiretamente outros atores, como família e sociedade, gerando impactos sociais, econômicos e judiciais.

O dependente químico ao longo do tempo atribui à substância um papel significativo em sua vida e, quando em uso passa a ter dificuldades no cumprimento de compromissos e responsabilidades, tendo como consequências não só o comprometimento de sua saúde física e mental, mas também no desenvolvimento e desempenho na realização de atividades de vida diária, prática, de lazer, sociais e laborais, ocasionando muitas vezes, perda de papéis sócio ocupacionais, afastamento do emprego e do processo de profissionalização (Capistrano et al., 2013; Nimtz et al., 2016).

Tendo em vista, a necessidade de atenção específica a esta demanda, no Brasil foram implantados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os Centros de Atenção Psicossocial a usuários de Álcool e outras Drogas (CAPSad). Este consiste no principal serviço de atenção à dependência química devendo ofertar diariamente, atendimentos do tipo individual, grupal e/ ou oficinas, nas modalidades de intensiva à não intensiva, sempre por uma equipe multiprofissional, com práticas e ações interdisciplinares através do desenvolvimento de projetos terapêuticos singulares pautados na lógica da reabilitação psicossocial (Brasil, 2004).

A fim de ampliar e diversificar estratégias para o cuidado integral ao dependente foi instituída a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) através da inserção de outros dispositivos de atenção na rede pública de saúde e, assim promover e consolidar a oferta de práticas de prevenção, promoção, reabilitação e reinserção dos dependentes na sociedade com enfoque no acesso ao trabalho, renda e moradia solidária; promoção de educação permanente aos profissionais, entre outras estratégias que subsidiam o cuidado dos usuários. (Brasil, 2011)

Um tratamento com enfoque na reabilitação psicossocial do dependente não deve reduzir a dependência química somente a diminuição da sintomatologia do transtorno mental através de medicalização, nem ao menos restringir-se a ações isoladas e pontuais, mas deve compreender a realização de um conjunto de estratégias, através de programas e serviços que visem o desenvolvimento de práticas profissionais para além da prestação do cuidado em saúde, mas também de promoção de autonomia, independência e participação social, familiar e profissional, através da reconstrução da cidadania e contratualidade plena do dependente nos três grandes cenários de vida: casa, rede social e trabalho, considerando sempre a integralidade, singularidade e subjetividade do dependente (Paiva et al., 2014; Pitta, 2016).

Pesquisas apontam que os dependentes químicos apresentam dificuldades em sua (re) inserção profissional, pois na maioria das vezes, devido ao abandono de sua formação acadêmica e profissional, não se apresentam aptos, capacitados a funções específicas dos cargos propostos e/ou disponíveis, dificultando o ingresso no mercado de trabalho (Beck & David, 2007). Outras vezes, já como profissionais especializados, apresentam dificuldades em aderir e/ou permanecer em seus empregos devido à frequentes recaídas culminando na perda ou abandono do emprego (Capistrano et al., 2013; Silva et al., 2010).

É importante a preparação dos dependentes químicos em tratamento para competir no mercado de trabalho, visto que quando não reinseridos profissionalmente, as chances de sucesso no tratamento são drasticamente diminuídas, pois geralmente apresentam a predisposição ao abandono do tratamento, uma vez que terão dificuldades financeiras para manutenção de gastos financeiros com transporte, alimentação e dependerão de assistência pública (INSS) na obtenção de auxílio-doença. A falta de desenvolvimento e treinamento de competências e habilidades profissionais dos dependentes químicos pode dificultar a procura de emprego e, consequente reinserção profissional destes.

A (re)inserção profissional deveria ser abordada durante o processo de reabilitação psicossocial, pois a partir do momento em que o homem trabalha, este passa a ser considerado um ser produtivo, que possui um papel ocupacional e gerador de renda, capaz de se manter e, portanto de sentir-se pertencente à sociedade.

A partir do pressuposto de que o trabalho tem papel fundamental para promoção e facilitação da reabilitação psicossocial do dependente químico, este estudo tem como objetivo investigar a importância do trabalho no processo da reabilitação psicossocial e as intervenções terapêuticas com dependentes químicos, a partir da percepção de profissionais atuantes na área da saúde mental.

Método

Participantes

A amostra composta por 24 profissionais de saúde da área da dependência química e atuantes em Centros de Atenção Psicossocial para usuários de Álcool e Drogas (CAPSad). Como critérios de inclusão, os profissionais deveriam realizar atendimento na Unidade e aceitar participar da pesquisa. Como critérios de exclusão, não ser profissionais atuantes e recusar-se por quaisquer motivos a respondência do instrumento.

A pesquisa foi realizada em quatro CAPSad II de quatro cidades do interior paulista. Segundo a classificação do Ministério da Saúde (Brasil, 2004) o funcionamento dos CAPSad II deve ocorrer no período diurno, possuindo uma equipe técnica composta por um mínimo de 12 profissionais. A escolha destas cidades foi realizada a partir da acessibilidade geográfica, considerando a localização das instituições em que os pesquisadores realizavam suas atividades.

Material

Como instrumento investigativo para coleta de dados foi elaborado um questionário semiestruturado referente à percepção de profissionais da área da dependência química e atuantes em CAPSad sobre a importância do trabalho para a reabilitação do dependente químico e também o desenvolvimento de intervenções promotoras de reinserção profissional. Instrumento composto por 54 questões de autopreenchimento, sendo 28 fechadas e 26 abertas. O instrumento foi composto por cabeçalho de identificação e caracterização do perfil sociodemográfico, formação e atuação profissional do participante, intervenções profissionais voltadas à reinserção profissional do dependente, implicações e dificuldades. Ressalta-se que, este questionário já foi aplicado em um projeto piloto e aperfeiçoado a partir das fragilidades encontradas, permitindo aos participantes, maior espaço de exposição quanto a sua percepção acerca da temática abordada.

Procedimentos

Para recrutar a amostra e coletar os dados foram realizados contatos com a gerência de cada CAPSad para apresentação e explanação da proposta de pesquisa e contato com os profissionais para solicitar a colaboração. Mediante aceite, foi previamente agendado data e horário com cada profissional para aplicação individual do instrumento e, também assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O tempo de aplicação do instrumento foi de aproximadamente 20 minutos e, na presença do pesquisador e/ou bolsista.

Considerações Éticas

Pesquisa avaliada pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 55561116.5.0000.5406, tendo sido aprovada sob parecer 1.552.024. Todos os participantes foram informados e orientados sobre procedimentos para participação na pesquisa e, em concordância assinaram o TCLE.

Análise de Dados

As questões abertas foram transcritas, categorizadas e analisadas pelo método de análise de conteúdo (Bardin, 2009). As respostas foram analisadas com pressuposto do número de saturação de respostas. As respostas das questões fechadas foram analisadas por meio de cálculos básicos de estatística descritiva. Ressalta-se que os dados quantitativos permitiram caracterizar o perfil da amostragem aperfeiçoando os resultados qualitativos e a discussão dos resultados.

Resultados

Caracterização do Perfil Socioeconômico dos Participantes

Foram convidados 26 profissionais, sendo que 24 aceitaram participar e dois não concordaram, sendo as justificativas das recusas, a falta de disponibilidade de tempo para responder ao instrumento. Do total da amostra de quatro CAPSad de quatro cidades do Estado de São Paulo, 29,2% (07) da cidade de Pompéia, 20,8% (05) de Marília, 29,2% (07) de Garça e 20,8% (05) de Araraquara.

Os resultados do perfil socioeconômico dos participantes estão apresentados na Tabela 1 e, apontaram que 62,5% (15) dos profissionais eram do sexo feminino, sendo verificada predominância de 66,7% (16) profissionais com idade superior a 30 anos e a maioria (95,8%) declarou possuir religião. Quanto ao estado civil, 58,3% (14) referiram ter companheiro(a) e 58,3% (14) não possuíam filhos. Dos respondentes, 22 (91,7%) referiram possuir casa própria e 95,8% (23) possuíam renda igual ou superior a dois salários mínimos (Quadro 1).

Quadro 1 Dados referentes ao perfil socioeconômico dos participantes 

Caracterização do Perfil da Formação Profissional e Atuação dos Participantes

Quanto à formação profissional, a maioria dos participantes (87,5% / 21) possuía ensino superior. Dentre as profissões de nível superior, participaram: oito psicólogos (33,3%), quatro enfermeiros (16,6%), quatro terapeutas ocupacionais (16,6%), dois assistentes sociais (8,3%), um médico (4,2%), uma fonoaudióloga (4,2%). Já com nível técnico participaram quatro técnicos de enfermagem (16,6%). Em relação à formação na área de dependência química, 75,0% (18) responderam que já realizaram especialização e 75,0% (18) possuíam capacitações. Dentre as especializações citadas, evidenciou-se que 50,0% (12) referiram cursos diversos na área. Em relação ao tempo da realização da última capacitação, 45,8% (11) realizaram a última, há mais de cinco anos. Ao que se refere à forma de financiamento das especializações, cursos e capacitações realizadas ao longo do tempo, 66,6% (16) utilizaram recursos próprios, seguido de 45,8% (11) que referiram capacitações gratuitas (Quadro 2).

Quanto ao tempo de atuação na área, 66,6% (16) referiram que trabalhavam há dois anos ou mais e, 33,3% (08) atuavam na área há menos de 2 anos. Verificou-se que 62,5% (15) dos profissionais apontaram a área da dependência química como escolha profissional e 37,5% (09) referiram não ser escolha própria.

Trabalho e Reabilitação Psicossocial do Usuário de Substância em Tratamento

A análise das questões abertas permitiu a identificação de quatro categorias, sendo estas: contemplação do trabalho no processo e prática da reabilitação psicossocial; influências do tratamento e as dificuldades param e na manutenção e retorno ao mercado de trabalho; oportunidades de trabalho e relação com empregador; importância da família no processo de reabilitação profissional dos dependentes.

Contemplação do trabalho no processo e prática da reabilitação psicossocial

A maioria dos profissionais (66,6% / 16) referiu trabalhar na lógica da reabilitação psicossocial, muitas vezes com enfoque na dependência química e prevenção de recaídas, porém somente 16,6% (04) profissionais referiram abordar aspectos relacionados ao trabalho durante o processo e na prática da reabilitação psicossocial, sendo que na maioria das vezes, citaram as oficinas de artesanato como forma de aquisição de aprendizado e enquanto fonte de geração de renda, conforme P24.

"O artesanato pode ser um ponto de apoio e fonte de renda para o mesmo se o paciente estiver ocioso" (P24)

Quando questionados sobre considerar o trabalho um aspecto a ser contemplado na reabilitação psicossocial do usuário, todos os profissionais responderam de maneira afirmativa e identificaram a importância do trabalho para o processo de inserção/reinserção social.

Quadro 2 Dados da caracterização do perfil da formação técnico-científica dos participantes 

Nota: *Ressalta-se que nesta questão, os participantes poderiam assinalar mais que uma resposta.

Referente às contribuições do trabalho no processo de reabilitação psicossocial do dependente, os profissionais apontaram o trabalho como variável importante para as mudanças de comportamentos essenciais durante o tratamento e, evidenciaram a melhora nos aspectos emocionais, tais como: aumento da autoestima, autovalorização pessoal e variável facilitadora no desenvolvimento de projetos de vida, conforme P21 e P23.

“A atividade laboral é muito importante na reabilitação psicossocial. Após o tratamento, essa reinserção ao trabalho pode contribuir e auxiliar no objetivo de vida, projetos e sonhos do usuário, dando sentido à existência do mesmo além da subsistência das necessidades básicas e materiais”. (P21)

“O trabalho contribui em diversos aspectos biopsicossociais. Pode auxiliar nos sentimentos de bem-estar e produtividade, além de ajudar na ocupação/ aspectos da rotina”. (P 23)

Dentre as contribuições do trabalho no processo de reabilitação psicossocial, este foi citado com o sentido de ocupação do tempo ocioso e de inatividade do dependente e, portanto durante o processo de tratamento, é abordado e considerado como fator de proteção e de diminuição à incidência de recaída, conforme P13.

“Geralmente problemas relacionados à questão financeira são citados como fator de risco para uso da substância, além de falta de ocupação”(P13)

Ressalta-se, que do total da amostra apenas um profissional identificou que o tratamento baseado na reabilitação psicossocial abrange para além dos aspectos clínicos e psicológicos, sendo o trabalho, aspecto importante a ser abordado e contemplado durante o processo, requerendo o desenvolvimento de estratégias e/ou oportunidades de trabalho aos usuários e, aponta o trabalho como promotor de transformações, conforme P15.

“Porque o trabalho é um dos fatores inerentes da condição humana, mesmo que não remunerado. É através dele que o indivíduo se transforma e transforma o ambiente a sua volta.” (P 15)

Influências do tratamento e as dificuldades para e na manutenção e re (inserção) profissional

A maioria dos profissionais acredita na possibilidade do dependente em manter suas atividades de trabalho durante o tratamento e referiram sobre a possibilidade de contar com auxílio dos profissionais na resolução de dificuldades e mediação de conflitos, conforme P23.

“Estar em regime de tratamento semi intensivo pode não comprometer tanto a sua rotina e auxiliá-lo a elaborar conflitos pontuais que podem ser refletidos no trabalho” (P23)

Apontaram como fator impeditivo para as atividades laborais e importante critério para o retorno a estas, a presença de comorbidades psiquiátricas e o comprometimento do quadro clínico, conforme P13.

“Exceto nos casos de comorbidades, em que o sujeito apresenta quadros que o limita para o trabalho, o dependente químico apresenta condições de trabalhar pois não relata queixas e/ou apresenta nenhuma limitação para o trabalho” (P13)

Outros 16,6% (04) profissionais ressaltaram sobre algumas restrições devido à possíveis efeitos colaterais da medicação na capacidade de trabalho, pois compromete e/ou diminui a funcionalidade do usuário, sendo o principal citado a sonolência. Contudo, sobre esta questão, sete profissionais referiram como alternativa, a importância do acompanhamento médico, a revisão e alteração do tipo e dosagem das medicações, conforme P23.

“Dependendo do medicamento pode haver alguma influência. No entanto, o médico que acompanha o paciente leva em consideração tais aspectos em sua prescrição” (P23)

Entretanto, também foi possível evidenciar respostas divergentes de 12,5% (03) dos profissionais que consideraram que o tratamento deve ser prioridade, conforme P12 e P22.

“Alguns pacientes não sabem dividir uma coisa da outra, e que o mesmo faz no dia a dia leva a ter uma recaída, então o trabalho deve ser abordado depois” (P12)

“Apenas no período de manutenção, antes disso o compromisso com o tratamento deve ser prioritário” (P22)

Nesse sentido, consideravam que o dependente está apto ao trabalho somente após a finalização do tratamento e, portanto a reinserção e/ ou manutenção das atividades profissionais deveriam ser abordada após a remissão do quadro e, não durante o processo de reabilitação psicossocial, conforme P6.

“A partir do processo final de tratamento, respeitando cada caso individualmente, acredito que o trabalho faça parte também do tratamento” (P6)

A recaída aparece como principal fator de risco à manutenção da prática das atividades laborais, pois influencia diretamente na capacidade de desenvolvimento do trabalho, refletindo na queda do rendimento e produtividade, além do absenteísmo (faltas e atrasos frequentes e constantes) e, traz como consequência, alteração de humor (irritabilidade) geralmente associada a comportamentos inadequados (brigas e discussões com outros colegas), fatores que interferem diretamente nas relações interpessoais no ambiente de trabalho, conforme P11.

“Quando o paciente recai, consequentemente interfere em seu trabalho porque sua responsabilidade diminui e ocorrem as faltas” (P11)

O trabalho durante o tratamento foi apontado por 4,1% (01) profissional como um fator de risco, pois não conseguem lidar e não estão preparados para as adversidades e dificuldades nas responsabilidades e relações de trabalho, conforme P16 e P18.

“Tudo é motivo para recaída quando o dependente não está pronto para mudança” (P16)

“Pois os casos de recaída ocorre muitas vezes quando o usuário consegue emprego e ter dinheiro em mãos” (P18)

Todos afirmaram a importância da reinserção profissional do dependente após o tratamento, ressaltando a importância do trabalho para a reinserção social, para o resgate de atividades, organização da rotina e criação de projetos de vida.

Oportunidades de trabalho e relação com empregador

Verificou-se, que 10 (41,6%) dos profissionais identificou que as oportunidades de trabalho são reduzidas para os dependentes, relacionando este fato ao preconceito social existente, conforme P6.

“Existe preconceito ainda, mesmo que o dependente químico esteja abstinente, existe dificuldade de conseguir um emprego” (P6)

Quanto às experiências e consequências do retorno do dependente ao trabalho e possibilidades de demissão e dificuldades na relação com o empregador destacaram-se o preconceito e a discriminação no processo de trabalho, maioria 58,3% (14) dos profissionais acreditavam que o usuário, ao retornar ao trabalho, não estaria propenso a ser demitido pelo empregador, principalmente quando há um vínculo anterior e bom histórico no trabalho, sem queda da produtividade, conforme P6.

“Desde que seja comprometido com o trabalho, não tenha queda no rendimento, acredito que não seja despedido” (P6)

A maioria 87,5% (21) dos profissionais respondeu que existem situações de preconceito e a discriminação do empregador quanto ao trabalho dos dependentes, conforme P21.

“A dependência química é marginalizada e discriminalizada, não sendo vista como um transtorno mental pertencente a área de cuidado em saúde mental. Este estigma social influencia fortemente o olhar que as pessoas possuem acerca dos usuários, sendo, muitas vezes, uma visão bastante reducionista e negativa” (P21)

Contudo, 8,3% (02) profissionais apontaram a produtividade e a postura profissional como determinantes para a ocorrência do preconceito (P17).

“Atualmente a reinserção está bem mais "aberta" o que tem diminuído o preconceito, mas vai depender também da própria postura profissional” (P17)

Alguns profissionais 33,3% (8) referiram que o preconceito do empregador é em decorrência de vivências de experiências, comportamentos e situações anteriores que ocorreram na relação de trabalho, quando o dependente estava em uso da substância, exemplificando com a falta de comprometimento, de responsabilidade e de assiduidade com o trabalho.

“O empregador costuma ter receio de que o usuário não seja assíduo ou responsável, até mesmo pode se preocupar em relação a delitos no trabalho” (P21)

A maioria dos profissionais, 54,1% (13) apontou que a visão do empregador, na maioria das vezes, é pejorativa, permeada pela presença de expressão de sentimentos negativos gerados em relação ao dependente, tais como: receio, insegurança e desconfiança com seus atos futuros e, outras vezes até com a possibilidade de demissão, conforme P1e P5.

“Desonesto/bandido/irá roubar os pertences da empresa ou dinheiro”(P1)“Sempre o empregador terá dificuldade de aceitar o dependente químico, desconfiança e o rótulo de ser usuário, ou seja, preconceito e a discriminação” (P5)

Frente ao desemprego e as dificuldades nas oportunidades de trabalho, o trabalho informal foi apontado por 8,3% (02) dos profissionais como alternativa para estarem ou serem (re)inseridos no mercado de trabalho, conforme P2 e P23.

“Devido normalmente ao histórico de instabilidade em empregos, geralmente acabam trabalhando informalmente” (P2)

“Muitos trabalham como autônomo ou em "bicos", principalmente em construção civil ou em ocupações de manutenção mecânica” (P23)

Do total da amostra, 8,3% (02) dos profissionais referiram que a omissão da dependência química é uma alternativa encontrada pelos dependentes durante o processo de admissão, por receio de não serem contratados, conforme P21.

“Alguns usuários ocultam a dependência química do empregador” (P21)

Importância da família no processo de reabilitação profissional dos dependentes

A família foi identificada como um apoio importante por 75% (18) dos profissionais durante o processo de reinserção profissional, a fim de incentivar e estimular o dependente, quando necessário. Contudo, para que isso ocorra de maneira efetiva, os profissionais apontaram a necessidade de ofertar orientações de manejo, conforme P21.

“A família é essencial no processo de tratamento em geral, não só na reabilitação profissional. Muitas vezes a família, na intenção de ajudar, acaba atrapalhando o tratamento, por falta de orientação sobre como lidar com a situação” (P21).

Discussão

Como evidenciado nos resultados, observou-se que as equipes dos CAPSad pesquisados oscilavam muito, variando de 04 a 08 profissionais atuantes, porém a média de profissionais participantes desta pesquisa foi de seis profissionais. A legislação aponta que a equipe mínima do CAPSad II deve ser de 12 profissionais, o que aponta para a fragilidade de recursos humanos nestes serviços, podendo comprometer o cuidado ao usuário, além da gerar sobrecarga física, emocional e de trabalho dos profissionais atuantes. Sombini (2004) refere que historicamente, os profissionais de saúde mental no Brasil começaram a ser contratados para integrar as equipes mínimas de saúde após a reforma psiquiátrica. Contudo, não tiveram um preparo técnico adequado para a prática, sendo este essencialmente asilar e farmacoterápica. Silva et al. (2014) evidenciou que após a criação dos CAPS, os profissionais se mostraram pouco preparados para atender a demanda, apontando para necessidade do treinamento e suporte aos profissionais para efetivação do cuidado.

A falta ou redução de recursos humanos pode gerar má distribuição do trabalho, gerando sobrecarga física, emocional e ocupacional para os profissionais que prestam assistência, pois estes atuam no contato direto e intenso com os usuários de saúde. Atualmente verifica-se alto índice de profissionais da área de saúde diagnosticados com a Síndrome de Burnout. Além do que, os profissionais de saúde convivem com baixa remuneração salarial, muitas vezes necessitando dobrar a jornada de trabalho, favorecendo a exaustão emocional e o baixo rendimento profissional (Zanatta & Lucca, 2015)

Verificou-se predominância de profissionais do sexo feminino na atenção e cuidado ofertado ao dependente e, como justificativa Matos et al. (2013) aponta a crescente inserção das mulheres no ensino superior das profissões, principalmente na área de saúde, pois historicamente foi atribuído a estas, o cuidado como um “dom” e que sempre foi, tradicionalmente, um papel desempenhado pelas mulheres, o que ocorre até os dias atuais.

Em relação aos resultados da caracterização do perfil profissional dos participantes, verificou-se que a maioria dos profissionais entrevistados já realizaram especialização e capacitação voltada à área de dependência química. Verifica-se que a formação é imprescindível para a qualidade do cuidado, mas nem sempre presente nos serviços de saúde mental conforme constatado por Ferreira et al. (2015) ao realizar um estudo relacionado à adesão ao tratamento pelo usuário de substâncias psicoativas na visão dos profissionais da área, cujo autor constatou baixa qualidade ou comprometimento das práticas de profissionais que não possuem capacitações, o que interfere diretamente na adesão dos usuários, tendo em vista que a adesão ao tratamento depende do sucesso das propostas de cuidado.

Contudo, vale ressaltar que os participantes do presente estudo, em sua maioria, se capacitaram/especializaram, mas por meio de financiamento próprio, sendo a falta de incentivo e auxílio financeiro, um fator que dificulta o acesso dos profissionais ao aprimoramento de suas intervenções, uma vez que estes têm muitas vezes, que escolher entre a realização e satisfação de suas necessidades pessoais e seu aprimoramento profissional. A legislação brasileira refere necessidade de parcerias com instituições universitárias e apoio financeiro para a educação permanente dos profissionais dos CAPS (Brasil, 2002) e, nesse sentido desenvolver ações formativas (capacitação e supervisão) na área de saúde mental, a fim de atuar na rede pública de saúde.

Ainda sobre a capacitação, verificou-se predomínio de profissionais que realizaram suas últimas capacitações há mais de cinco anos, nesse sentido, Scafuto et al. (2017) refere que entre os anos de 2007 e 2010 houve um grande crescimento de serviços voltados à saúde mental, porém tal crescimento não ocorreu na mesma proporção da oferta de capacitação, culminando em déficit de profissionais capacitados em saúde mental, o que de acordo com os resultados do presente estudo, parece prevalecer até os dias atuais.

Quanto a atuar na área de saúde mental, especificamente em dependência química, a maioria dos profissionais referiu ser por escolha própria, fato este que facilita a afeição pelo ambiente de trabalho, bem como reflete diretamente na disponibilidade, abertura e qualidade do tipo de cuidado ofertado. Diferentemente desta pesquisa, os resultados de Tavares (2006) que apontaram para a dificuldade dos profissionais em escolher trabalhar na área da saúde mental, pois desde a antiguidade, a designação do profissional para o cuidado em psiquiatria tinha conotação de “castigo” e, que, portanto eram comuns, vulnerabilidades no cuidado. Vasconcellos e Azevedo (2010) ainda enfatizaram as dificuldades dos profissionais de saúde mental em lidar com os transtornos e sofrimento dos sujeitos, pois podem despertar sentimentos negativos como frustrações, impotência e fracasso frente aos prognósticos nem sempre positivos e/ou resultados que podem ser em médio e longo prazo.

Em relação ao resultado das questões qualitativas, evidenciou-se que o trabalho é compreendido pelos profissionais como um aspecto importante a ser contemplado no cotidiano do homem e, no caso deste estudo, na rotina do dependente, porém evidenciou-se ainda há pouca conscientização da importância da prática e desenvolvimento de estratégias de trabalho durante o processo de reabilitação psicossocial. Por vezes, chegando a não considerar o trabalho como um dos pilares que a reabilitação psicossocial deve abordar, dissocia-o do processo, passando a considerar uma variável a ser abordada após o tratamento.

A reabilitação psicossocial deve se pautar em três aspectos fundamentais, sendo eles: oportunidades de trocas materiais e afetivas, poder contratual e cidadania. Neste sentido, o trabalho através de suas características, oportunidades e produto, possibilita ao homem inserir na sociedade e, atribui a este uma representatividade social, enquanto cidadão, além de favorecer a construção de sua rede social, de identidade e do reconhecimento de suas capacidades e habilidades (Lussi & Pereira, 2013)

Vale ressaltar que a maioria dos profissionais entrevistados (66,6%) considera que o tratamento do dependente químico deve ser pautado na prática da reabilitação psicossocial, porém verificam-se contradições ao considerarem que as práticas voltadas à reinserção pelo trabalho devem ocorrer somente após o tratamento. Bonadio (2010) refere que a reabilitação profissional apresenta resultados positivos para o dependente químico, contudo grande parte dos serviços não oferece a reabilitação ocupacional, trazendo como justificativas plausíveis para isso a falta de financiamento aos programas, inadequação do treinamento, inadequação da supervisão da equipe e os conflitos de filosofia envolvidos no tratamento.

Outro aspecto relacionado ao trabalho identificado pelos profissionais é associá-lo ao desenvolvimento e uso de atividades artesanais como modo de ocupar o tempo ocioso e de inatividade do usuário como forma de distração dos pensamentos em relação à substância e, assim consequentemente evitando a recaída; outras vezes o trabalho como alternativa de geração de renda. Desta forma, observou-se nesta pesquisa, a abordagem reducionista do trabalho e do sentido terapêutico da atividade, sendo vista como possibilidade de ocupação. Lima et al. (2013) referem que as atividades são recursos que se utilizados adequadamente possibilitam a aquisição de novos conhecimentos e experiências, e implicam em transformações pessoais, pois proporcionam interação social e autonomia, considerando assim, atividade como instrumento de (re) inserção social, através da experiência do fazer.

Quanto à influência do tratamento e as dificuldades para e na manutenção e re (inserção) profissional, a maioria dos profissionais acreditam que é possível que os dependentes realizem suas atividades profissionais quando em tratamento, porém em regime semi-intensivo e não intensivo. Ferreira et al. (2015) apontaram baixa adesão dos dependentes químicos aos serviços de saúde, pois na maioria das vezes, não há articulação entre serviço de saúde e empresa, indicando uma separação entre o tratamento e as atividades profissionais. Frente a isto, a escolha entre realizar o tratamento ou o trabalho, que permite o auto sustento e de sua família, é comum a opção do dependente em continuar trabalhando, mesmo com todas suas dificuldades.

O trabalho durante o tratamento pode ajudar o usuário na reinserção social e auxiliá-lo no manejo dos sentimentos que surgirem durante esse processo pelos profissionais do CAPSad, uma vez que é comum o dependente químico apresentar sentimentos negativos como, menos valia e baixa estima frente às situações consideradas de rotina, relacionadas às atividades sociofamiliares e de trabalho. Silva et al. (2015) apontam que o trabalho pode se apresentar como algo positivo dentro do tratamento, pois atua diretamente na manutenção da qualidade de vida, se tornando um fator protetivo contra recaídas, além de auxiliar na organização da rotina e elevar os sentimentos de pertencimento social e de autoestima.

Ferreira et al.(2016) destacam crenças negativas relacionadas às incapacidades e dificuldades do dependente em habilidades para lidar com situações de alto risco relacionadas à manutenção da abstinência e, ainda referem que quanto maiores as crenças, maiores serão as chances de recaída. Desta forma, durante o período de reinserção nestes cenários e situações, se os dependentes estiverem amparados e respaldados por profissionais especializados, estes poderão falar sobre suas dificuldades e, assim discutir e elaborar conjuntamente, estratégias de enfrentamento e ter sucesso na reinserção.

Sobre as dificuldades na realização de atividades profissionais por dependentes químicos, pesquisa realizada por Danieli et al. (2017) em duas comunidades terapêuticas, contataram que a dependência química reduz a capacidade laboral dos usuários, além de ocasionar desemprego, prejuízos em suas diversas áreas e ocasionar comorbidades psiquiátricas. Nota-se, que os profissionais entrevistados apontaram a medicação e comorbidades psiquiátricas como fatores que dificultam ou até mesmo impossibilitam a reinserção do usuário no mercado de trabalho. Hess et al. (2012) e Andrade (2014) referem que as comorbidades psiquiátricas em usuários de substâncias psicoativas são relativamente comum e estes apresentam maiores chances quando comparados a sujeitos que não fazem o uso e, geralmente tendem a apresentar sintomas mais graves. Os autores destacaram entre as comorbidades mais comuns: os transtornos de personalidade, transtornos depressivos e ansiosos, além da presença de comprometimento funcional severo e maior propensão a abandonar o tratamento, levando a piora clínica a longo prazo. Ressaltam ainda que é comum as comorbidades serem habitualmente ignoradas durante o tratamento para dependência química, porém se identificadas, podem ser tratadas e melhoram o prognóstico e adesão do dependente ao tratamento.

Os profissionais também citaram entre as dificuldades do dependente em realizar suas atividades profissionais, os efeitos colaterais das medicações. O que se contrapõe aos dados encontrados na literatura, por Cardoso e Galera (2011) ao referirem que o tratamento farmacológico auxilia na estabilização dos quadros de pacientes com comorbidades psiquiátricas. Acredita-se que os dependentes possam compartilhar esses efeitos com seus médicos e rever continuamente o processo, bem como ser readaptado à outras funções.

Outro aspecto a apontado pelos profissionais foi a relação entre as recaídas e a prática das práticas profissionais. De acordo com a literatura, o trabalho em si não oferece riscos para as recaídas dos usuários, porém quando as condições de trabalho causam desgastes físicos e emocionais, as chances de recaídas aumentam consideravelmente (Oliveira et al., 2019).

Oliveira et al. (2019) sugerem que o usuário quando não se mostra produtivo devido às recaídas, acabam por ter sua autonomia reduzida frente à sociedade e a família, necessitando de controle financeiro gerido pela família, pois o mesmo apresenta dificuldades em administrar seus bens. Devido a isso há uma preocupação de seus entes em relação ao seu futuro no âmbito do suporte financeiro e da reinserção social.

Referente às oportunidades de trabalho para os dependentes, os profissionais consideraram que estas são reduzidas se comparadas a indivíduos que não são dependentes químicos e, relacionam esse fato com o preconceito social e a discriminação existente na sociedade. Corroborando estes resultados, Souza et al. (2016) em pesquisa sobre reinserção de dependentes químicos de uma comunidade terapêutica, apontaram que a maior dificuldade ao prestar assistência refere-se à reinserção no mercado de trabalho, principalmente devido às dificuldades das empresas em aceitar os encaminhamentos, pois os empregadores apresentaram sentimentos de medo, desconfiança e preconceito frente ao usuário como referido pelos profissionais desta pesquisa.

Os profissionais desta pesquisa acreditavam na existência de preconceito e estigma social que permeia o mundo laboral do dependente químico, dificultando o vínculo empregatício. Neste sentido, a literatura aponta que o estigma traz consequências negativas tanto em níveis sociais, como: desemprego, exclusão social e conflitos familiares, quanto a nível psicológico, gerando sentimentos e pensamentos negativos que interferem em seus objetivos de vida. (Oliveira et al., 2019). Schneider et al. (2016) apontam para a necessidade de (re) construção da identidade social, um olhar para além do preconceito e, referem que para superar ou diminuir a descriminalização social seriam necessários investimentos em programas de suporte e apoio à profissionalização do dependente químico, a exemplo, desenvolvimento de cursos profissionalizantes.

O estigma está presente em todos os contextos de vida dos dependentes, podendo variar em função da intensidade do uso e até do tipo de substância consumida, a exemplo dos usuários de crack que sofrem discriminação com maior frequência e ênfase quando comparados à usuários de álcool, salientando que esta discriminação traz dificuldades para o tratamento, para a reinserção social e no mercado de trabalho (Bard et al., 2016; Silva et al., 2015). Ressalta-se, que não raro, o estigma pode ocorrer nos locais de tratamento, através de profissionais que adotam em sua prática um olhar estigmatizante e moralista, interferindo diretamente na adesão do usuário e sentimento de pertencimento àquele espaço (Oliveira et al., 2019).

Em relação às oportunidades de emprego, alguns profissionais que participaram da entrevista apontaram para o trabalho informal como alternativa de trabalho e renda para os dependentes, justificando que as oportunidades são maiores nessa modalidade de serviço. De acordo com Voltz et al. (2015), os trabalhos informais vêm crescendo no Brasil, contudo traz uma visão crítica em relação a isso, pois além de serem excluídos devido à dependência química, também são excluídos pela falta de capacitação e qualificação profissional.

A omissão da dependência química pelos usuários de substâncias psicoativas ao buscarem uma vaga de emprego foi apontada pelos profissionais que justificaram esta pelo receio dos dependentes em não serem contratados. Bard et al. (2016) apontaram que a dependência química gera consequências sociais negativas aos usuários, principalmente de crack, havendo um estereótipo de que o usuário é um ser indesejável e improdutivo. O estereótipo interfere diretamente em suas oportunidades como cidadão e na vida em sociedade, devido à perda de status e rebaixamento do nível hierárquico frente à sociedade.

A família foi apontada pelos profissionais desta pesquisa como um importante apoio aos dependentes químicos durante o tratamento, pois se constitui como ferramenta importante para a criação de novos significados na vida dos usuários e ajudam a nortear as intervenções profissionais. Contudo, a família pode ter papel ambivalente, podendo tanto ser considerado fator de risco quanto de proteção durante o tratamento e a ausência da mesma na vida dos usuários ocasiona fragilidade afetiva e prejuízos biopsicossociais (Braun et al., 2014). Devido a essa ambivalência, torna-se imprescindível a participação da família no tratamento, pois a mesma representa o elo que interliga o usuário ao mundo. Dessa forma, o tratamento no CAPS tem a finalidade de ofertar orientações à família relacionadas a estímulos e apoios ao usuário, a fim de impulsioná-lo na criação de projetos de vida, favorecer a reinserção social e tornar o tratamento mais humanizado (Braun et al., 2014).

Ressalta-se que a família deve ser compreendida em sua totalidade e considerando suas transformações sociais, devendo o profissional respeitar as diferentes relações familiares estabelecidas e seus contextos, assim como sua forma de organização e de cuidados, pois os sujeitos possuem direito de escolha e o papel do profissional em suas intervenções é priorizar a autonomia dos usuários. (Amaral & Bressan, 2015).

Os resultados revelaram que a capacitação profissional na área de dependência química é imprescindível para a qualidade do cuidado, entretanto, no relato dos participantes ficou evidenciado fragilidades na oferta e no auxílio financeiro para estas capacitações, podendo interferir diretamente na reabilitação dos dependentes químicos.

Identificou-se que os profissionais acreditam na importância do trabalho para a reabilitação psicossocial do dependente químico, pois consideram que contribui para a autonomia dos sujeitos, assim como na organização da rotina, produtividade e melhora na relação familiar e reinscreve o papel do dependente na sociedade. Verificou-se, contudo, que a reabilitação psicossocial pelo trabalho é pouco pautada durante o tratamento pelos profissionais dos CAPSad que participaram da pesquisa, pois alguns profissionais ainda acreditam que a reabilitação pelo trabalho só deve ocorrer após o tratamento, apontando assim para lacunas no que tange a prática integral e total da reabilitação psicossocial no tratamento do dependente químico. Os profissionais acreditam na existência do estigma social sobre os dependentes químicos, o que influencia negativamente em todos seus contextos de vida, principalmente o social e laboral.

Espera-se que os resultados contribuam para a melhoria do processo da reabilitação profissional dos dependentes químicos realizada pelos CAPSad, a fim de que o trabalho possa ser incorporado nas práticas de tratamento e, assim criar oportunidades de trabalho em conjunto com a comunidade, como preconizado na reabilitação psicossocial.

Como fatores limitantes do presente estudo aponta-se o tamanho da amostra, que embora seja representativa dos locais estudados, não podem ser generalizada em âmbito nacional, mas revelam dados significativos para nortear outras pesquisas relativas a essa temática. Ressalta-se ainda que o estudo se limitou a coletar o relato dos participantes, não havendo outra forma de coleta, como por exemplo, observação das práticas existentes, o que poderia ser explorado em estudos futuros.

Contribuições dos autores

Meire Silva: Administração do projeto, Concetualização, Análise formal, Investigação, Metodologia, Supervisão, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.

Cleonice Copi: Investigação, Metodologia, Curadoria dos dados, Redação do rascunho original, Márcio Marques: Redação - revisão e edição

Nilson Silva: Concetualização, Análise formal, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição

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Recebido: 27 de Fevereiro de 2020; Aceito: 22 de Novembro de 2022

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