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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.23 no.3 Lisboa Dec. 2022  Epub Dec 31, 2022

https://doi.org/10.15309/22psd230331 

Artigos

Qualidade de vida em portadores de marcapasso cardíaco definitivo acompanhados em ambulatório

Quality of life in people with definitive cardiac pacemaker assisted in ambulatory

1 Programa Associado de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade de Pernambuco/Universidade Estadual da Paraíba, Brasil, tamyres.mferreira@upe.br, givanya.melo@upe.br, monique.nascimento@upe.br, hirla.araujo@unicap.br, simone.muniz@upe.br, rosilenebaptista@servidor.uepb.edu.br


Resumo

O objetivo do estudo é avaliar a qualidade de vida de pacientes com marcapasso cardíaco definitivo. O estudo tem abordagem descritiva, transversal e quantitativa, e foi realizado com 100 pacientes. Foi utilizado o questionário SF-36 e o AQUAREL para avaliação da Qualidade de Vida (QV). A média de idade foi de 64,7 anos. Houve predomínio do sexo feminino, baixa escolaridade, baixa renda, indivíduos solteiros e sem atividade laboral. Em relação à avaliação da QV pelo AQUAREL, no que diz respeito ao domínio Dispneia ao Exercício, pacientes sem companheiro (p=0,01) e sem atividade laboral (p=0,003) tiveram pior avaliação. Pacientes tabagistas tiveram pior avaliação no domínio Desconforto no Peito (p=0,003). Pacientes que sofreram Acidente Vascular Encefálico (AVE) tiveram pior avaliação nos domínios Dispneia ao Exercício (p=0,006) e no domínio Desconforto no Peito (p < 0,0001). A QV esteve mais comprometida nos aspectos sociais e de dor. Na QV relacionada aos sintomas cardíacos, observou-se comprometimento maior na dimensão dispneia ao exercício, especialmente em indivíduos sem companheiro e inativos economicamente. Tabagismo e AVE prévios constituíram fatores de risco para pior QV no domínio desconforto no peito.

Palavras-Chave: Qualidade de vida; Marca-passo artificial; Estilo de vida; Enfermagem

Abstract

The objective of the study is evaluate the quality of life of patients with definitive cardiac pacemakers. The study has a descriptive, cross-sectional and quantitative approach conducted with 100 patients. The SF-36 questionnaire and AQUAREL were used to assess Quality of Life (QOL). Results: the average age was 64.7 years. There was a predominance of females, low education, low income, single individuals and no work activity. Regarding the assessment of QOL by AQUAREL, which concerns the domain Distribution to exercise, patients without a partner (p = 0.01) and without work activity (p = 0.003) underwent worse evaluation. Smoking patients had a worse assessment in the Chest Discomfort domain (p = 0.003). Patients who suffered Stroke Stroke suffered worse evaluations in the Exercise Distribution (p = 0.006) and Chest Discomfort (p <0.0001) domains. The QOL was more compromised in social and pain aspects. In QoL specialized in cardiac symptoms, compromising more in the exercise dimension, especially in individuals without partner and economically inactive. Smoking and stroke prevent risk factors for worse QOL in chest discomfort domain.

Keywords: Quality of life; Artificial pacemaker; Lifestyle; Nursing

O Marcapasso (MP) definitivo é um dispositivo para auxiliar no tratamento de algumas Doenças Cardiovasculares (DCV), tendo como objetivo, manter o ritmo cardíaco regular, detectar batimento cardíaco espontâneo e inibir a emissão do pulso elétrico (Martinelli et al., 2007). De acordo com o último Censo Mundial de Marcapasso e Desfibriladores, foram realizados em hospitais públicos e privados um total de 136 implantes de MP definitivo por milhão de habitantes, sendo no Brasil realizado aproximadamente 12 mil implantes por ano (Pachón-Mateos, 2013).

A tecnologia dos aparelhos disponibiliza vários recursos que se adéquam às necessidades metabólicas de cada paciente, trabalhando de forma semelhante ao MP cardíaco natural, prolongando a vida e permitindo realização de atividades diárias que antes eram restritas (Barros et al., 2014). Entretanto, reconhece-se o impacto desse tratamento na qualidade de vida (QV) desses pacientes, pois trata-se de um procedimento invasivo o qual pode interferir no estado emocional, físico e social dos portadores do dispositivo.

Conforme a Organização Mundial de Saúde (1995), QV é a “percepção do indivíduo da sua posição na vida dentro do contexto cultural e de valores que ele vive, bem como em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”, ou seja, se baseia na subjetividade humana e na percepção pessoal do indivíduo sobre o seu estado de saúde e sobre os aspectos físicos, psicológicos e sociais (Whoqol, 1995).

A transformação do comportamento e estilo de vida dos portadores de MP definitivo depende de como a presença do aparelho é interpretada e compreendida pelo paciente. Embora, o procedimento seja simples, algumas pessoas não estão preparadas para o implante desse aparelho, trazendo repercussões na vida do paciente, gerando angustia, ansiedade e medo da morte (Figueroa et al., 2016; Frota et al., 2007) ).

A QV tem sido vista como meta a ser alcançada pela medicina e área de saúde objetivando não só prolongar a vida, como também melhoria de sua qualidade (Frota et al., 2007). Dessa forma, é importante avaliar o impacto que o MP definitivo traz à QV do paciente, pois apesar desse tratamento apresentar redução na morbimortalidade, a QV pode estar alterada, pois, esses pacientes apresentam altos níveis de ansiedade e depressão (Gomes et al., 2011; Polikandrioti et al., 2018).

Vários instrumentos de medida são propostos para avaliar a QV e, de acordo com as evidências científicas, a eficácia do tratamento com o implante de MP definitivo em relação à QV é relatada, porém, ainda existe uma preocupação com a avaliação e o acompanhamento das consequências clínicas e psíquicas da terapêutica.

A relevância do estudo se fez pela necessidade de conhecer o perfil de saúde e o impacto da implantação do MP definitivo nesses pacientes, o qual poderá subsidiar estratégias de saúde que venham a facilitar a compreensão, por parte do paciente, do processo saúde-doença. Analisando a efetividade do tratamento e oferecendo um panorama completo sobre a saúde física, psíquica e social dos pacientes. Logo, o objetivo do estudo foi avaliar a QV de portadores de MP Cardíaco Definitivo.

Método

O presente estudo caracteriza-se como um estudo transversal de caráter exploratório com abordagem quantitativa.

Participantes

A população alvo foi indivíduos adultos, portadores de MP definitivo, acompanhados no Ambulatório de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca, prédio anexo do Pronto Socorro Universitário Cardiológico de Pernambuco Professor Luiz Tavares (PROCAPE), referência em cardiologia para as Regiões Norte e Nordeste do Brasil.

A amostra foi por conveniência composta por todos os indivíduos que atenderam aos critérios de inclusão. Para a delimitação da amostra foi realizado um cálculo amostral com suporte do site OpenEpi (https://www.openepi.com/Menu/OE_Menu.htm) utilizando a calculadora da amostra transversal. Para a delimitação amostra levou-se em consideração um cálculo através da equação de cálculo do tamanho amostral para médias. Para tal será utilizado um erro α de 5% que corresponde à diferença entre o valor estimado pela pesquisa e o verdadeiro valor; um nível de confiança de 95%, que é a probabilidade de que o erro amostral efetivo seja menor do que o erro amostral admitido pela pesquisa.

Para estimativa do n amostral levou-se em consideração o número de atendimentos realizados entre os meses de agosto a outro, totalizando 215 pacientes. O desvio-padrão utilizado foi de 13,9, considerando como referência uma publicação recente e avaliando, através do mesmo instrumento, a QV de pacientes pós implante de marcapasso cardíaco (Barros et al., 2014). A amostra foi corrigida para uma população finita, totalizando 100 pacientes.

Fizeram parte da pesquisa os pacientes que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: maiores de 18 anos, portadores de MP definitivo e em acompanhamento ambulatorial há pelo menos 1 mês, pois a literatura sugere que a QV seja analisada a partir de quatro semanas após a programação do MP (Ciconelli et al., 2011). Foram excluídos os pacientes que apresentavam limitações de fala, audição e entendimento que impedissem a comunicação necessária para a entrevista.

Material

A seguir, as principais variáveis analisadas serão apresentadas, juntamente com os instrumentos utilizados para aferi-las:

O primeiro instrumento foi um questionário estruturado com perguntas objetivas para caracterização dos dados sociais, demográficos, econômicos e clínico construído pelos próprios pesquisadores, com as variáveis de idade, tempo de implante, procedência, sexo, escolaridade, renda, estado civil, atividade laboral, raça/cor, comorbidades e indicação para implante de MP.

O segundo instrumento foi Medical OutcomesStudy 36- items Short-Form Health Survey (SF-36), trata-se de um questionário genérico que envolve 36 itens, que englobam oito domínios: Capacidade Funcional, Aspectos Físicos, Dor, Estado Geral da Saúde, Vitalidade, Aspectos Sociais, Aspecto Emocional e Saúde Mental. Apresentando um escore final de 0 (pior estado geral de saúde) a 100 (melhor estado de saúde) (Ciconelli et al., 2011). A questão 2 não pertence a nenhum domínio, todavia, analisa a percepção do indivíduo em relação à sua saúde comparada há um ano.

Questionários genéricos mesmo sendo bem adaptados, quando usados isoladamente para avaliação de doenças ou condições específicas, como os portadores de MP, mostraram-se pouco sensíveis (Mond & Proclemer, 2011). Embora, o SF-36 englobe vários domínios relevantes para a avaliação de portadores de MP, não incorpora questões relativas a sintomas cardíacos (Ciconelli et al., 2011).

Assim, optou-se por utilizar o terceiro instrumento, trata-se do Assesment of Qualityof Life and Related Events (AQUAREL), um instrumento específico que avalia a QV dos pacientes de MP, consiste em 20 perguntas, envolvendo três domínios: Desconforto no Peito, Arritmia e Dispneia ao Exercício. Os valores para todos os domínios variam entre 0 (com muita queixa) e 100 (que representa sem queixas), este último valor representando perfeita QV. Recomenda-se que esse instrumento seja utilizado como extensão do questionário genérico SF-36 (Oliveira et al., 2006).

Para cada uma das oito dimensões do SF-36 foram calculados os valores da média e desvio padrão. Os valores para todas as dimensões poderiam variar entre 0 e 100, sendo que quanto maior o escore, melhor a condição relacionada àquela dimensão da QV. Assim como no SF-36, para cada uma das três dimensões do AQUAREL foram calculados os valores de média e desvio padrão. Os valores para todas as dimensões também variam entre 0 e 100, onde um maior escore representa melhor resultado e consequentemente a ausência de queixas.

Procedimento

A coleta foi realizada no período de agosto de 2017 a outubro de 2017 em dias agendados para consulta ambulatorial. Após o consentimento do indivíduo em participar da pesquisa através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), procedeu-se as entrevistas individuais, nas quais foram utilizados três instrumentos.

As variáveis foram processadas e analisadas com o software IBM SPSS na versão 24.0. Utilizou-se o teste t-Student e adotou-se p < 0,05.

O presente estudo foi realizado em consonância com o estabelecido na Resolução 466/2012. Obtendo aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco sob número de Parecer 2.216.959 (14/08/2017). Todos os participantes do estudo foram esclarecidos sobre os procedimentos metodológicos e assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Um total de 100 pacientes participaram do estudo. O Quadro 1 traz a caracterização social, demográfica e clínica dos participantes. Com relação aos dados sociodemográficos, a idade variou de 18 a 96 anos, com média de 64,7, sendo que 72% apresentaram idade igual ou superior a 60; o tempo médio de implante do dispositivo cardíaco foi de 34,34 meses; 51% eram procedentes da cidade do Recife/Região Metropolitana. Em relação ao sexo, houve predominância do sexo feminino (68%). No tocante à raça/etnia, 57% declararam-se pardos. A maioria dos participantes da pesquisa não tinha companheiro (54%), não exerciam atividade laboral (97%), destacando-se os aposentados e pensionistas, apresentaram baixo nível de escolaridade (72%) e baixa renda (59%). Em relação às comorbidades, as mais frequentes foram à hipertensão (70%) e a diabetes (25%).

Em relação à avaliação da QV relacionada à saúde, o Quadro 2 apresenta os escores por domínios a partir da aplicação do questionário SF-36. Em relação à questão 2, parte dos portadores de MP (51%) respondeu que comparada há um ano atrás sua saúde está muito melhor ou um pouco melhor. Os demais se dividiram entre os que consideraram sua saúde um pouco pior (27%) ou muito pior agora (5%), e os que avaliaram que está aproximadamente igual quando comparada há um ano (17%). Em relação a seus domínios, os resultados indicam que os maiores escores foram obtidos nas dimensões Aspectos Emocionais (98,0%) e Aspectos Físicos (85,5%). Os menores escores foram observados nas dimensões Aspectos Sociais (56,3%) e Dor (40,8%).

Em relação às variáveis sociodemográficas e clínicas do Quadro 4, pacientes sem companheiro apresentaram uma pior avaliação no domínio dispneia ao exercício (p = 0,01). Pacientes sem atividade laboral também apresentaram uma pior avaliação no domínio dispneia ao exercício (p = 0,04). Por outro lado, pacientes tabagistas apresentaram pior avaliação no domínio desconforto no peito (p = 0,003). Pacientes que sofreram Acidente Vascular Encefálico (AVE) prévio tiveram pior avaliação nos domínios desconforto no peito (p < 0,001) e dispneia ao exercício (p = 0,006).

Quadro 1 Caracterização social, demográfica e clínica dos participantes 

Nota. *AVE: Acidente Vascular Encefálico; **O participante poderia apresentar mais de uma resposta; ***Renda mensal baseada no valor do salário mínimo vigente no ano do estudo (R$ 930,00).

Quadro 2 Valores obtidos para cada componente do questionário SF - 36. 

Em relação aos resultados da QV analisada pelo AQUAREL, descritos no Quadro 3, a maior média foi no escore da dimensão Desconforto no Peito (84,52%), seguida pela Arritmia (79,4%) e Dispneia ao Exercício (75,1%).

Quadro 3 Valores obtidos para cada componente do AQUAREL. 

Quadro 4 Avaliação da QV em dos Portadores de Marcapasso pelo AQUAREL em função das variáveis sociodemográficas e clínicas (N=100). 

Nota. *p: Teste t-Student

Discussão

Os resultados apontam uma população predominante idosa, do sexo feminino, com baixa escolaridade, baixa renda, sem companheiro, sem atividade laboral e parda. Em relação à idade, o último Censo Mundial de Marcapasso e Desfibriladores revela que os implantes do dispositivo foram realizados principalmente em pacientes na oitava década da vida (70 a 79 anos). Esse dado pode ser explicado pelo fato de as DCV se manifestarem principalmente em pessoas com idade mais avançada (Barros et al., 2014; Brasil, 2002). A idade é um fator muito importante, de modo que pode constituir uma dificuldade para a retenção de informações sobre a doença e seu tratamento, já que está relacionada com a capacidade do paciente em compreender e assimilar informações (Barros et al., 2014).

Em relação ao tempo médio de implante, os pacientes apresentaram média de 34,34 meses. Dessemelhante a um estudo que avaliou a correlação entre classe funcional e QV de usuários de MP cardíaco, onde o tempo médio de implante foi de 4,6 meses (Cunha et al., 2007), e a outro estudo, que mostra um tempo de implante médio de 6,36 meses (Barros et al., 2014).

De acordo com o Registro Brasileiro de Marcapassos, até a primeira década dos anos 2000 havia predominância do sexo masculino, período no qual houve uma inversão alcançando mais o sexo feminino (Barros et al., 2014). Porém, de acordo com o Ministério da Saúde os homens vivem, em média, sete anos a menos que as mulheres e são mais suscetíveis às doenças graves e crônicas. Essa inversão e diferença significativa entre homens e mulheres no estudo em questão, provavelmente estão atreladas tanto à baixa procura masculina por serviços de saúde, quanto ao aumento nas últimas décadas da incidência das DCV na população feminina, como reflexo do aumento da expectativa de vida e da idade avançada ser fator de risco para esse grupo de doenças nas mulheres. Também é inevitável considerar as mudanças nas condições de vida e trabalho na sociedade, especialmente no sexo feminino.

Em relação à baixa escolaridade dos pacientes, estima-se que isso pode repercutir no baixo entendimento das orientações de saúde sobre a doença e seu tratamento, apresentando-se como uma potencial barreira no processo de educação em saúde, pois pessoas com maior nível de educação e informação, tendem a compreender com mais facilidade a necessidade de hábitos saudáveis (Gomes et al., 2011). Ressalta-se que o nível educacional é reconhecido não apenas como uma expressão das diferenças de acesso à informação e das perspectivas de se beneficiar com novos conhecimentos, mas também tem grande importância como determinante de saúde (Lunelli et al., 2009).

No que diz respeito à renda familiar, é constatado na literatura que a mesma mantém uma associação inversa tanto com a prevalência dos fatores de risco para Doenças Cardiovasculares, quanto com a QV dos indivíduos cardiopatas (Lunelliet al., 2009; Araújo et al., 2017). Um estudo sobre repercussões quanto à adesão ao tratamento da hipertensão arterial (Lunelliet al., 2009) revelou que quanto menor a renda, maior será a prevalência de fatores de risco para Doenças Cardiovasculares. A renda afeta diretamente a saúde, já que um maior nível de renda permite uma maior aquisição de bens e serviços de saúde, principalmente à saúde preventiva. Por isso a importância do sistema único de saúde, para tentar diminuir essa desigualdade do acesso à saúde (Santos et al., 2012).

Nesse contexto, é importante compreender como determinante de saúde, não de forma pontual e acabada, mas como desdobramento dos macrodeterminantes socioeconômicos e políticos de uma nação, os quais impactam diretamente no processo saúde-doença de populações (Rocha & Laprega, 2012). Essa discussão, indubitavelmente perpassa pelo entendimento de que a saúde deve estar inserida em todas as políticas públicas com a finalidade de reduzir as iniquidades sociais e de acesso à saúde (Rocha & Laprega, 2012).

Em relação à ocupação, quase a totalidade dos pacientes não exercem atividades laborais, o que pode ser justificado pela maioria da amostra ser constituída de pacientes idosos, pensionistas e beneficiários. Em um estudo sobre portadores de MP cardíaco definitivo identificou-se que 54% dos pacientes avaliados têm dificuldades de readaptação ao trabalho após o implante e referem perda de papel produtivo (Brasil, 2002).

No tocante à raça/etnia é uma variável que pode não ser levada em consideração, pois, apesar de grupos menos favorecidos, como a população negra, apresentar consequências de complicações cardiovasculares mais frequentes, deve-se considerar a grande miscigenação racial existente no Brasil (Araujo et al., 2017). O Registro Brasileiro de MP, que também mostra a distribuição dos casos conforme a raça/etnia verifica maior incidência do implante do dispositivo em pacientes brancos seguidos pelos mestiços, diferente dos resultados do nosso estudo (Pachón-Mateos, 2013).

Os resultados relacionados às variáveis clínicas revelam que os pacientes apresentavam comorbidades associadas, como a hipertensão arterial e a diabetes, além de outros fatores de risco para doenças cardiovasculares. Esses achados corroboram com estudo sobre QV em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio também realizada na cidade do Recife (Araujo et al., 2017). A presença de diabetes associada à hipertensão acarreta um aumento do risco cardiovascular (duas vezes maior do que em hipertensos não diabéticos) e pode despertar ou acelerar as lesões macrovasculares, como o AVE, doença arterial coronariana ou doença arterial periférica (Araujo et al., 2017). Após um evento cardíaco existe uma necessidade de mudar os hábitos de vida, de forma que a prevenção é a melhor terapêutica para o não surgimento de outras complicações cardiovasculares. Essa mudança nos hábitos de vida pode influenciar diretamente na QV.

No que se refere à QV relacionada à saúde avaliada pelo SF-36, percebe-se que no geral a maior parte dos domínios apresentaram média maior que 50%, o que mostra uma boapercepção da QV pelos pacientes após o implante do MP definitivo. Em relação ao domínio Dor, a média foi considerada baixa. Esse resultado vai de encontro aos resultados de um estudo que analisa a QV nos períodos pré e pós-implante do MP, no qual o domínio Dor ficou acima da média e teve um aumento significativo após o implante do MP cardíaco (Gomeset al., 2011). A dor pode influenciar na capacidade funcional do indivíduo. Quanto mais o indivíduo sente dor, mais possivelmente comprometida encontra-se a sua QV, causando um impacto negativo nas atividades diárias e/ou profissionais (Gomes et al., 2011).

Outra avaliação importante encontra-se no domínio Aspectos Sociais, os quais refletem a capacidade de relacionamento dos pacientes. O resultado desta avaliação revela baixo escore neste domínio. No estudo que avalia a QV antes e após implante, apesar do domínio Aspectos Sociais não se apresentar com um valor abaixo de 50%, teve uma redução nesse domínio após o implante (Gomes et al., 2011). Em outro estudo qualitativo que analisa as experiências de pacientes cardiovasculares com marcapasso, a maioria dos participantes mencionaram limitações de suas relações e atividades sociais após o implante (Ghojazadeh et al.,2015). Em um estudo que avaliou o suporte social de pacientes com marcapasso, foi comprovado através de análise multivariável que o suporte social influencia a aceitação do dispositivo (Bardi et al.,2016).

Em contrapartida os resultados deste estudo mostram médias excelentes no domínio Aspectos Emocionais, resultado que difere do estudo que avalia a QV antes e após implante do dispositivo, no qual o domínio Aspectos Emocionais além de se apresentar com baixo escore antes do implante, apresentou diminuição significativa após o tratamento (Gomes et al., 2011).

Em relação ao AQUAREL, os resultados mostram menor escore nos domínios Arritmia e Dispneia ao Exercício e maior escore no domínio Desconforto no Peito. Esses resultados corroboram com o estudo que avaliou a QV em 107 pacientes portadores de MP cardíaco, no qual observou-se baixo escore na dimensão Dispneia ao Exercício e alto escore do domínio Desconforto no Peito (Barros et al., 2014).

Em relação à avaliação da QV pelo AQUAREL em função das variáveis sociodemográficas, pacientes sem companheiros e sem atividade laboral apresentaram pior avaliação da QV no domínio Dispneia ao Exercício. Contribuíram para este resultado a presença de inchaço nos pés, palpitações e sensação de desmaio pelos pacientes. Em relação ao suporte social, destacando-se a presença de um cônjuge, o relacionamento pode aliviar o estresse em situações de crise, inibir o desenvolvimento de doenças e representar importante papel na recuperação de enfermidades já instaladas, sendo considerado como fator de proteção da saúde e constituindo-se foco importante de intervenção junto a essa população específica (Araújo et al., 2017).

No que diz respeito ao domínio Dor no Peito, indivíduos tabagistas apresentaram pior avaliação da QV em comparação aos pacientes que não fazem uso do cigarro. Esse resultado corrobora com um estudo que analisa as características clínicas e QV de fumantes em um centro de referência de abordagem e tratamento do tabagismo (Castro et al., 2010). O resultado pode ser justificado pelo fato de que a nicotina aumenta a pressão arterial e leva a uma maior deposição de colesterol nos vasos sanguíneos, levando também à vasocontricção, a qual diminui o fluxo sanguíneo e provoca dor no peito. Ainda, o tabagismo é o fator de risco modificável mais importante entre jovens e idosos e morte prematura mais evitável (Araújo et al., 2017).

No tocante dos pacientes que tiveram AVE, pôde-se observar que estes apresentaram pior avaliação da QV nos domínios Desconforto no peito e Dispneia ao Exercício. Estudo que analisa a QV de pacientes que sofreram AVE em reabilitação mostra que os domínios mais prejudicados são aqueles que podem ser desencadeados na vigência da doença e suas consequências. Ainda, o mesmo estudo revela que a QV desses pacientes teve melhores resultados após reabilitação, por isso a utilização de estratégias para melhorar a função física é um diferencial útil capaz de incrementar positivamente (Rangel et al., 2013).

Este estudo apresentou resultados com significância estatística. Ainda, a predominância de idosos na amostra pode ter representado um fator de confusão, visto que existem outras patologias além das cardíacas. Ainda, os resultados não devem ser generalizados, mas analisados na intenção de fundamentar as ações de assistência com o objetivo de melhorar a QV desses pacientes. Diante disso, espera-se que o estudo motive outras pesquisas e discussões ampliando o conhecimento sobre a temática.

O presente estudo evidenciou que a QV esteve mais comprometida nos aspectos sociais e de dor. Enquanto que os aspectos emocionais e físicos representaram melhores escores. Na QV relacionada aos sintomas cardíacos, observou-se comprometimento maior na dimensão dispneia ao exercício, estando os indivíduos sem companheiro e sem atividade laboral com maior risco de pior QV nessa dimensão. Identificou-se entre os participantes uma melhor QV no domínio desconforto no peito.

O tabagismo e a história prévia de AVE representaram fator de risco para pior qualidade de vida no domínio desconforto no peito. Além disso, ter AVE prévio manteve associação inversa com melhores avaliações na QV relacionada à dispneia ao exercício.

As questões que envolvem a QV possibilitaram a reflexão dos pesquisadores sobre a real necessidade do paciente portador de MP cardíaco em relação à sua condição de saúde, o que pode, diretamente, auxiliar os profissionais de saúde envolvidos no planejamento de reabilitação, fornecendo, assim, subsídios para a implantação de uma assistência voltada para as reais necessidades desses pacientes, com estratégias de educação em saúde, como forma de promover saúde e prevenir agravos eventuais.

Contribuição dos autores

Tamyres Ferreira: Contextualização, Análise formal, Investigação, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.

Givânya Melo: Contextualização, Investigação, Redação - revisão e edição

Monique Nascimento: Redação - revisão e edição

Hirla Araújo: Contextualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Redação - revisão e edição

Simone Bezerra: Contextualização, Análise formal, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição

Rosilene Baptista: Contextualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição

Referências

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Recebido: 09 de Março de 2020; Aceito: 22 de Novembro de 2022

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