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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.24 no.1 Lisboa abr. 2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.15309/23psd240111 

Artigo

Aplicativo móvel bebômetro para controle e registro do consumo de bebidas alcoólicas

Bebômetro mobile application to track and record alcohol intake

Isabela Camargo1 

Neyrian Fernandes2 
http://orcid.org/0000-0001-7626-9733

Margarita Luis3 
http://orcid.org/0000-0002-9907-5146

Edilaine Gherardi-Donato3 
http://orcid.org/0000-0001-7475-6650

1. Estratégia Saúde da Família, Prefeitura de Serrana, São Paulo, Brasil.

2. Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Imperatriz, Maranhão, Brasil.

3. Departamento de Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, São Paulo. Brasil


Resumo

Objetivou-se desenvolver um aplicativo com as funções de registro do consumo de bebidas alcoólicas, do mal-estar relativo ao consumo e das possíveis consequências, e descrever e analisar a avaliação realizada pelos estudantes, quanto à interface, usabilidade, praticidade e aplicabilidade do aplicativo. Pesquisa descritiva exploratória, com abordagem quanti-qualitativa, com a produção tecnológica de um aplicativo na primeira etapa do estudo, incluindo o armazenamento dos dados de consumo de bebidas alcoólicas, dados referentes às emoções que o indivíduo tenha experienciado e informações relacionadas à ressaca e possíveis medidas de amenização da mesma. Foram utilizados para a coleta de dados o AUDIT e um questionário sociodemográfico. Para a segunda fase da coleta, os participantes fizeram o registro dos dados de consumo e de avaliação do aplicativo no próprio aplicativo. Com relação à avaliação do aplicativo, todas as respostas fornecidas foram positivas, bem como as avaliações qualitativas. Encontrou-se que dentre a amostra existe prevalência de binge drinking e binge drinking extremo, o que expõe o indivíduo à violência e situações de vulnerabilidade, prejuízo dos estudos e na vida pessoal. Por parte dos usuários do aplicativo, houve aprovação quanto à aplicabilidade, facilidade de uso, interface e praticidade.

Palavras-Chave: Enfermagem; Tecnologia; Transtornos relacionados ao uso de álcool

Abstract

The objective was to develop an application to track and record the alcohol intake, the hangover related to consumption and the possible consequences, and to describe and analyze the evaluation carried out by the students regarding the interface, usability, practicality, and applicability of the application. It is exploratory, descriptive research, with a quantitative and qualitative approach, with the technological production of an application in the first stage of the study, including the storage of alcohol consumption data, data regarding the emotions that the individual has experienced, and information related to the hangover and possible mitigation measures. AUDIT and a sociodemographic questionnaire were used to collect data. For the second phase of the collection, the participants registered the consumption and evaluation data of the application in the application itself. Regarding the evaluation of the application, all responses provided were positive, as well as qualitative evaluations. Results showed that among the sample, there is a prevalence of binge drinking and extreme binge drinking, which exposes the individual to violence and situations of vulnerability, impairment of studies, and personal life. Based on the application users' evaluation, we found approval in terms of applicability, ease of use, interface, and practicality.

Keywords: Nursing; Technology; Alcohol-related disorders

Devido à crescente popularidade e facilidade de compra, no Brasil, a utilização de smartphones já atinge 16 milhões de usuários, este número deve-se também ao processamento de dados que estes aparelhos são capazes de realizar (Ribeiro et al., 2017). No mundo, estima-se que aproximadamente três quartos dos usuários de internet o façam exclusivamente por meio dos smartphones até 2025 de acordo com o World Advertising Research Center (WARC, 2019). Este fenômeno por suas características, configura-se em uma ferramenta de alto potencial para ser empregado na saúde, na educação e no cuidado (Ribeiro et al., 2017).

A internet tem se mostrado uma poderosa ferramenta no processo de comunicação e ensino por promover o intercambio de ideias a um custo relativamente baixo com diversas alternativas de interação, expandindo as formas e ferramentas comunicacionais da sociedade contemporânea (Cruz et al., 2011). Atualmente, é cada vez mais frequente o uso de tecnologias móveis que acessam a internet, como smartphones e tablets, por alunos e educadores em saúde para acessar informações, racionalizar e simplificar a gestão do tempo, além de facilitar a aprendizagem de maneira inovadora (França et al., 2019).

Nos ambientes de download de aplicativos móveis, pode-se encontrar diversos relacionados à saúde, que podem ser relevantes para o conhecimento em saúde e também na educação. Dentro da área da saúde, livros de anatomia, jogos nos quais podem ser encontrados casos clínicos, que tornam possível o aprendizado mais prazeroso e leve estão disponíveis como aplicativos. Também, bulas e prescrições médicas podem ser encontradas em aplicativos móveis, facilitando o acesso a esses materiais (Oliveira & Alencar, 2017). Outro ponto é a tendência de a população geral utilizar a internet e os aplicativos móveis para buscar conhecimento acerca das doenças, bem como expor, em rede, seu próprio conhecimento empírico com sujeitos que possam estar passando por experiências semelhantes. Desta forma, a internet pode ser cúmplice no esclarecimento de informações, e ainda gerar um território de colaboração e interação (Cruz et al., 2011).

Diante desse cenário, tem-se potencializado o uso de tecnologias de informação em saúde eletrônica (eSaúde do inglês eHealth) e saúde móvel (mHealth), ferramentas poderosas no campo da saúde como telessaúde e aplicativos de software móvel, capazes de apoiar o monitoramento de doenças, coordenação do atendimento e melhorar o acesso ao cuidado em saúde (Marrie et al., 2019; Moss et al., 2019). Existem evidências científicas sobre melhorias em intervenções, aperfeiçoamento nas tomadas de decisão, cuidado, orientação de clientes, e equipe de saúde (Marrie et al., 2019; Ribeiro et al., 2017). O uso das tecnologias móveis tem sido explorado como apoio para projetos de educação continuada, direcionada à profissionais da saúde, uma vez que os núcleos científicos (de conhecimento e estudos) aglomeram-se em determinadas áreas (Ribeiro et al., 2017).

Como ferramenta de cuidado e educação em saúde, essa tecnologia pode ser aplicada em situações diversas para auxiliar os indivíduos em momentos da vida potencialmente desencadeadores de comportamentos não adaptativos (Stratton et al., 2017), como o início da vida universitária. As características pessoais e fatores relacionados ao processo de adaptação do estudante ao novo estilo de vida, e suas novas responsabilidades e vivências, dentro do contexto universitário e o impacto de tais mudanças no cotidiano destes sujeitos têm sido explorado em pesquisas de Enfermagem, apesar de os hábitos excessivos de consumo de álcool por estudantes estar bem descrito na literatura (Evangelista et al., 2018; Evans et al., 2019; Martin et al., 2016), a abordagem proposta neste estudo é nova.

O ingresso no quotidiano universitário permite ao estudante uma nova vivência (Rosa & Nascimento, 2015), que proporciona a experiência de mudança de rotina, de confronto das expectativas prévias com a realidade encontrada e de responsabilidade pelo próprio aprendizado, dentre outros desafios podem gerar dificuldade de adaptação (Hassel & Ridout, 2018) levando ao estresse. Ou seja, a entrada no meio acadêmico para além de ser um momento de crescente independência, é também um momento em que o jovem está mais vulnerável, o que os torna propensos ao consumo de drogas (Evangelista et al., 2018).

Dentre as drogas, o uso de álcool funciona como um canal para ser aceito pelos colegas e desenvolver o sentimento de pertencimento a determinados grupos sociais com os quais os jovens se identificam durante a transição de casa para a universidade. O consumo regular de álcool relacionado ao risco e o uso de drogas ilícitas são o que muitos jovens fazem, e isso faz parte da construção de identidade deles (Hepworth et al., 2018).

Levando em consideração a fácil adesão à tecnologia e a vulnerabilidade às mudanças impostas pela vida universitária dos jovens, esse ambiente torna-se um importante campo de atuação da enfermagem para a inclusão de ferramentas móveis e eSaúde nas estratégias de cuidados, informação, conscientização e redução do consumo nocivo de álcool por esses estudantes. Desta forma, o objetivo deste estudo foi desenvolver um aplicativo com as funções de registro do consumo de bebidas alcoólicas, do mal-estar relativo ao consumo e das possíveis consequências, e descrever e analisar a avaliação realizada pelos estudantes, quanto à interface, usabilidade, praticidade e aplicabilidade do aplicativo.

Método

Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória, com abordagem quanti e qualitativa, com a produção tecnológica de um aplicativo para registro e acompanhamento do padrão de consumo de bebida alcoólica por estudantes universitários.

Neste estudo, esperou-se desenvolver um produto que contribuísse para a autopercepção de uso de bebida alcoólica por estudantes universitários. Bem como promover o acompanhamento pelos sujeitos com relação ao seu padrão de consumo e as consequências do mesmo.

Participantes

Foi realizado um estudo piloto, com 22 participantes, matriculados em cursos de graduação e pós graduação de três grandes áreas: saúde e biológicas, exatas e humanas de universidades no interior do estado; visando verificar a usabilidade e a viabilidade do aplicativo móvel desenvolvido, através de preenchimento de avaliação na própria plataforma, contanto com uma questão aberta para que os participantes pudessem fazer sugestões quanto ao layout (interface), usabilidade, praticidade, e aplicabilidade do uso e possíveis outras opiniões e sugestões.

Material

Os dados de caracterização dos universitários foram coletados por meio de um questionário sociodemográfico desenvolvido pelos pesquisadores e a versão validada no Brasil (Lima et al., 2005) do Alcohol Use Disorder Identification Test - AUDIT no primeiro encontro com os participantes.

O AUDIT foi desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde, para rastrear o uso problemático de álcool, é composto por dez questões, com pontuações que variam entre 0 a 4 pontos, com um escore final entre zero e 40 (Lima et al., 2005). Traduzido, validado e adaptado à realidade brasileira, as respostas a cada questão são pontuadas de 1 a 4 e prediz quatro zonas de risco: zona I (até 7 pontos: indica uso de baixo risco ou abstinência); zona II (de 8 a 15 pontos: indica uso de risco); zona III (de 16 a 19 pontos: sugere uso nocivo) e zona IV (acima de 20 pontos: mostra uma possível dependência) (Lima et al., 2005). A consistência interna da da escala traduzida foi boa, com um coeficiente de Cronbach de 0,81.

Os dados de uso e avaliação do aplicativo foram coletados via registro no próprio aplicativo móvel. Com exceção do primeiro encontro, ou seja, após o aceite em participar da pesquisa mediante contato online, o universitário foi orientado quanto ao uso do aplicativo móvel, e preencheu os questionários utilizados neste estudo. A partir disso, a participação foi por meio do preenchimento dos dados no aplicativo móvel, houve questões relacionadas ao consumo de bebidas alcoólicas, e também relacionadas à qualidade do aplicativo desenvolvido, aos critérios previamente descritos e ao preenchidos online.

Procedimento

Os dados de caracterização dos universitários contendo informações sociodemográficas, consumo de bebida alcoólica e qualidade de vida foram coletados através dos instrumentos impressos entregues no primeiro encontro. As respostas foram digitadas em planilhas formatadas do Excel, em dupla digitação, visando verificar a sua consistência. Posteriormente, estes dados foram transportados para o programa IBM SPSS Statistics versão 25 e analisados por estatística descritiva.

Os dados referentes ao uso e avaliação do aplicativo também foram transportados para planilha do Excel e, posteriormente, para o programa IBM SPSS Statistics versão 25 e analisados por estatística descritiva. Os dados qualitativos, referentes à questão aberta sobre o uso do aplicativo foram transcritos da plataforma Firebase e submetidos à análise de conteúdo (Bardin, 2015).

Este estudo passou por apreciação e aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, conforme a Resolução 466/12, sob o número 70945817.6.0000.5393, e foi ainda fornecido Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

A primeira etapa foi o desenvolvimento do aplicativo móvel, a partir de temas e questões relativas ao consumo de álcool, suas consequências e a forma como o usuário se sente durante o consumo e após o mesmo, nesta etapa foi utilizado o conhecimento empírico acerca do consumo de álcool, e dados de questões dos instrumentos utilizados neste estudo. O desenvolvimento do produto foi realizado a partir da criação de pesquisadora na área de álcool e drogas, com o auxílio de um profissional de designer gráfico, a partir de informações e orientações da pesquisadora na área.

Após isto, foi realizada uma segunda etapa, em que o aplicativo teve sua plataforma móvel desenvolvida e disponibilizada para uso, sua interface foi desenvolvida a partir das sugestões e da descrição da orientadora e da autora desde trabalho. Após o desenvolvimento da interface do dispositivo, bem como sua adequação quanto à linguagem e informações contidas, o mesmo foi testado pelos envolvidos no projeto, citados acima, visando corrigir possíveis falhas técnicas de funcionamento e entendimento, para que o uso pelos sujeitos fosse o mais intuitivo possível.

Durante esta etapa, ajustes quanto ao layout do aplicativo foram realizados, e também adequações quanto às informações que estariam disponíveis aos usuários na ferramenta, chegando ao design final, mostrado a seguir na Figura 1. Na Figura 1, podemos visualizar o layout das telas iniciais do aplicativo, e as telas em que o participante poderia selecionar as emoções que mais condiziam com a forma com que ele se sentia naquele momento, e quais as medidas utilizadas para amenizar os sintomas de ressaca. Na região inferior da imagem está a tela de avaliação do aplicativo.

Figura 1 Telas (printscreen) do aplicativo. 

Os resultados da caracterização dos universitários aos quais o bebômetro foi disponibilizado tinham idade entre 19 e 29 anos, sendo a maior concentração (59,0%) na faixa etária dos 22 aos 25 anos de idade; 50% dos universitários era do sexo masculino e 50% do sexo feminino. A amostra constituiu-se maioritariamente por sujeitos solteiros (86,4%), católicos (54,5%), que residem em repúblicas (59,1%), e o número de pessoas com quem reside variou de zero a 17.

Com relação ao uso de álcool, foi encontrado que a idade do primeiro consumo variou entre 7 e 25 anos de idade, sendo a faixa etária mais frequente a dos 13 aos 17 anos de idade (77,3%), a maioria (77,3%) dos universitários estava acompanhada de amigos na ocasião do primeiro uso. Dentre os participantes, 31,8% relatou fazer uso de outras substâncias psicoativas, sendo a mais comum a maconha (27,3%), conforme os dados da Quadro 1. Com relação às faixas de classificação de risco para dependência, segundo o AUDIT, a maioria dos universitários (68,2%) tiveram seus resultados na Zona II ou de risco, conforme Quadro 2.

Quadro 1 Classificação dos universitários quanto ao consumo de álcool e outras substâncias 

Quadro 2 Distribuição dos universitários segundo risco para dependência pelo AUDIT. 

Por meio dos resultados da questão 3 do AUDIT, relacionada a frequência de consumo de mais de cinco e mais de oito doses alcoólicas numa mesma ocasião, classificados respetivamente como binge drinking e binge drinking extremo, identificou-se que tal forma de consumo é extremamente comum entre os jovens universitários participantes deste estudo. Ressalta-se que nenhum dos universitários marcou a opção nunca, e ainda que 36,4% deles realizam o consumo em binge semanalmente.

Quanto aos consumos de bebidas alcoólicas registrados no aplicativo, variaram entre os níveis moderado e de perigo, sendo 38,9% classificados como moderados, a quantia de doses consumidas variou entre 1 e 38 doses numa mesma ocasião, sendo a maior concentração de registros com quantidades entre 3 e 8 doses alcoólicas numa mesma ocasião. Conforme dados do Quadro 3.

Dentre as medidas utilizadas para amenizar o mal-estar relacionado ao consumo de álcool, ressaca alcoólica, as mais utilizadas foram o consumo de água (45,3%), pães e carboidratos (25,2%), café (15,8%) e doces (13,7%). Quanto aos estados emocionais experienciados pelos universitários ao consumir bebidas alcoólicas, os mais comuns foram alegria (38,9%), cansaço (31,6%), sono (30,5%) e fala pastosa (17,9%); porém é importante destacar a ocorrência de emoções negativas como raiva (5,3%), tristeza (4,2%) e irritação (2,1%).

Quadro 3 Distribuição dos registros do bebômetro sobre o consumo de álcool segundo classificação por nível de alcoolemia. 

A avaliação do aplicativo desenvolvido mostrou que todas as respostas foram positivas para as perguntas: “Este aplicativo é de fácil entendimento? Este aplicativo é de fácil utilização? Você continuaria utilizando este aplicativo?” e, “Você considera este aplicativo prático para ser utilizado no dia a dia?”. Desta forma, conclui-se que quanto à interface e ao funcionamento, o aplicativo foi considerado satisfatório pelos participantes. Através das respostas fornecidas pelos usuários a perceção geral do uso do aplicativo foi positiva, muitas das respostas (69,2%) continham avaliações positivas acerca do produto, com relação ao seu uso e ao entendimento fornecido pelo recurso “Muito bom e de fácil compreensão” (E08), “Ótimo app. Parabéns” (E07). Neste sentido, as respostas abarcaram a totalidade de funções disponibilizadas pelo Bebômetro, incluindo-se o destaque de qualidade atribuído pelos participantes às dicas e à possibilidade de registrar os sentimentos e sensações pós consumo “Uso fácil e dá umas dicas muito boas, durante o consumo e depois” (E09).

Ainda nos aspetos que conformaram a avaliação, os participantes inferiram o teor de inovação e usabilidade do Bebômetro, posicionando-se positivamente. “É prático e intuitivo (E11), O aplicativo é de muito fácil acesso... (E14), Muito viável, interessante e inovador (E01)”.

No tocante às sugestões tecidas pelos estudantes, observaram-se contribuições pertinentes para melhoria do aplicativo. Considerou-se que a intenção dos pesquisadores em buscar as sugestões dos usuários a partir do uso foi atingida, e que os participantes se mostraram colaborativos em compartilhar suas ideias para aperfeiçoamento do Bebômetro “O aplicativo poderia ter uma opção em aberto para que fosse possível preencher a avaliação de ressaca e o tipo de bebida ingerida, além das opções de seleção (E06)”.

Por se tratar de pessoas inseridas no contexto acadêmico universitário, os participantes sugeriram adequações das opções de preenchimento, para um cenário mais próximo ao que está inserido o estudante. Das respostas fornecidas, 23,0% continham sugestões de alterações nas unidades de medida de bebidas alcoólicas: “Sugiro a inclusão de consumo na modalidade open bar (E02). Apenas sugiro que coloque unidades como uma caipirinha ou vodca com energético que é melhor que em mililitros e mais acessível para quando em festas open bar. (E08). Sugiro mensuração por copos de 200ml (E04)”. Ainda na categoria referente às sugestões dos usuários, destaca-se também a indicação de possibilidade de uso off-line do aplicativo, uma vez que muitas vezes os aparelhos celulares podem ficar sem recepção de sinal ou mesmo sem serviço de internet, “Falta apenas funcionar offline (E07)”.

Na categoria referente à conscientização do consumo de bebidas alcoólicas, observou-se que os participantes veem o aplicativo como algo que lhes seria útil e favorável para tomar consciência do próprio consumo. Chegaram a expressar a possibilidade de mudança ou revisão de seus comportamentos quanto ao consumo: “Pra que possamos ver em medidas exatas o quanto consumimos de álcool e talvez até repensar no consumo (E05), Nos permite avaliar nosso consumo de bebidas alcoólicas, se está exagerado, normal, pra conseguir corrigir possíveis problemas (E13)”.

Discussão

O principal objetivo deste estudo foi o oferecimento de uma ferramenta para que estudantes possam registrar e acompanhar o consumo de bebidas alcoólicas que realizam, bem como suas consequências, em termos de experiências físicas e emocionais relacionadas a este consumo. Neste sentido, considerando-se o que foi descrito pelos usuários, o aplicativo Bebômetro por permitir o registro e o acompanhamento, pode servir como ferramenta de mudança, de estímulo, ao favorecer a conscientização.

A utilização de um aplicativo móvel, ou seja, de uma ferramenta tecnológica, pode viabilizar uma maior motivação para a utilização do aplicativo, ou do engajamento em uma pesquisa que utilize tal ferramenta.

Entre as vantagens do uso de um aplicativo móvel para coleta de informações apontadas por um estudo (Oliveira et al., 2016), estavam a validação dos dados no momento do preenchimento no aplicativo, processo de preenchimento menos cansativo do que o manual em impressos e maior agilidade no armazenamento destes dados, visto que eram transportados automaticamente para um banco de dados; tais vantagens podem ser vistas também no Bebômetro, uma vez que os dados preenchidos pelos participantes do estudo piloto eram transportados de forma automática para uma plataforma de armazenamento (Firebase).

Em um estudo (Souza et al., 2014) que propunha desenvolver um aplicativo móvel para a odontologia, foi evidenciado a intenção principal de obter um produto de fácil utilização, viabilizando que pessoas com poucos conhecimentos de informática possam utilizar a ferramenta, algo que também se atingiu com o Bebômetro, uma vez que sua interface foi desenvolvida com recursos simples e de fácil compreensão. Um estudo realizado no Brasil, voltado para a área da saúde, e testado via estudo piloto em uma universidade do nordeste, utilizou dos mesmos domínios utilizados no Bebômetro para a avaliação da interface do produto desenvolvido por eles, e obtiveram também avaliação majoritariamente positiva em todos os domínios (Souza et al., 2015).

Embora seja evidente o progressivo avanço da prática de novas tecnologias na saúde, observa-se a resistência de uma parcela de profissionais da saúde diante da utilização desta estratégia. Pesquisadores apontam a hipótese de que a percepção de utilidade destas ferramentas, a influência social e a atitude profissional influenciam o comportamento de uso (Moon & Chang, 2014; Putzer & Park, 2010).

Em um modelo teórico para compreender quais fatores estariam relacionados a escolha de utilização de tecnologias por enfermeiros, principalmente os smartphones, os resultados demonstraram que características de inovação como a observabilidade, compatibilidade, experiência pessoal com tecnologias, observação de relevância no trabalho, ambiente interno e externo influenciaram as atitudes dos enfermeiros (Putzer & Park, 2010).

O bebômetro mostrou que o consumo de álcool por universitários tinha como características o binge e o binge drinking extremo, ou seja, o consumo de cinco ou mais e oito ou mais doses alcoólicas numa mesma ocasião, a primeira dose foi antes da idade legal de consumo de álcool no Brasil, e ainda o relato de emoções negativas após o uso.

O consumo pesado de álcool pode elevar as chances de prejuízos na saúde, nos estudos e até ferimentos e morte, todos considerados problemas relacionados ao consumo de álcool (Lemley et al., 2015). Tais dados corroboram os resultados encontrados neste estudo, uma vez que 53,7% dos consumos registrados foram de cinco doses ou mais em uma ocasião, sendo que 17,9% dos consumos configuraram binge drinking extremo, ou seja mais de 10 doses numa única ocasião.

Eventos negativos como dirigir sob efeito de álcool, ferimentos e violência, o envolvimento em comportamentos de risco (Bedendo et al., 2017), e ainda aqueles em que foi identificado o risco de moderado a alto de se engajar em binge drinking, tiveram também o dobro de ideações suicidas, quando comparados à um grupo de baixo risco (Santos et al., 2017).

Uma forma de reduzir potencialmente o consumo perigoso de álcool e os níveis alcoólicos dos estudantes é a promoção de estratégias comportamentais protetivas relacionadas ao álcool, que reduzam de forma significativa as consequências negativas vindas do consumo de bebidas alcoólicas (Martin et al., 2016), conforme descrito pelos usuários do aplicativo, o mesmo configura uma forma de registro e autopercepção, podendo servir como uma estratégia de proteção para o consumo excessivo, e, por conseguinte, de consequências negativas e danos físicos e emocionais à estes universitários.

A utilização do aplicativo bebômetro foi uma experiência promissora, pois permitiu o acompanhamento dos níveis de consumo de álcool de estudantes universitários a baixo custo e com alta capilaridade. Mostrando, assim, o potencial desse tipo de ferramenta na melhoria, na abrangência das ações de enfermagem e na acessibilidade dos usuários às informações sobre a própria saúde. Através deste estudo foi possível ter uma visão próxima do consumo de álcool por estudantes, de graduação e pós-graduação. Assim como podemos notar em outros estudos em diversos países, o consumo alcoólico por estudantes é marcado pelo binge drinking, o que agrava as consequências e o risco para o bem-estar físico e psicológico, bem como aumenta os prejuízos relacionados às responsabilidades que deixam de ser cumpridas devido ao álcool.

Apesar de ser um estudo piloto, portanto restrito, com apenas 22 participantes, fica clara a necessidade de investimentos em estudos na área, uma vez que no âmbito da enfermagem não existem muitos estudos que englobem a eSaúde, hoje extremamente presente na vida dos estudantes e jovens e adultos em geral, e que pode ser utilizada como um facilitador do contato com essa população, favorecendo a participação, colaboração e o interesse em utilizar tais ferramentas.

Contribuição dos autores

Isabela Camargo: Concetualização; Investigação; Metodologia; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.

Neyrian Fernandes: Análise formal; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.

Margarita Luis: Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição

Edilaine Gherardi-Donato: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Aquisição de financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Supervisão; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.

Referências

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Recebido: 23 de Agosto de 2020; Aceito: 13 de Maio de 2023

Autor de Correspondência: Neyrian Fernandes (neyrian.maria@ufma.br)

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