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Revista Portuguesa de Ciências do Desporto

versão impressa ISSN 1645-0523

Rev. Port. Cien. Desp. v.5 n.2 Porto maio 2005

 

Nota editorial

Sinais contrários

 

Da desertificação

Todos os dias surgem novos dados a confirmar a suspeita e a justificar o receio. A desertificação está a aumentar em todo o Mundo. Do céu ou não cai água suficiente ou então ela não é repartida por igual, desobedecendo assim aos desígnios e à bondade da divina providência. Em consequência diminui, em muitos pontos do globo, a verdura dos campos, das florestas e dos rios, das perspectivas e horizontes; e aumenta o deserto das areias, dos terrenos secos e calcinados. Com isso crescem também a fome e a pobreza, a desolação e o desencanto, a indiferença e a falta de motivos para sorrir e cantar. Os olhos desaprendem de ver, o coração de sentir e a razão de inteligir. Enfim, a beleza e a harmonia cedem o lugar à estética da aridez e fealdade .

A desertificação aumenta gravosamente em muitos outros sectores. Até há não muito tempo um dos traços marcantes da pessoa era a vergonha na cara. Pois bem, a vergonha foi igualmente atacada pela moléstia da seca e esta vai alastrando de forma vertiginosa. Atingiu já a consciência, que por causa disso caiu num estado de letargia e dormência, do qual não dá mostras de acordar. Não se pode, pois, esperar dela que distinga com presteza entre a verdade e a mentira, entre a rectidão e a justiça, entre a correcção e a falsidade, entre a lisura e a falcatrua, entre a nobreza e a mesquinhez, entre a probidade e a desfaçatez, entre a honra e a desonra, entre a dignidade e a baixeza, entre o belo e o horrendo, entre o bem e o mal, entre a humanidade e a animalidade.

De sonhos e ideais fala-se pouco. O silêncio vai-se abatendo sobre eles, reduzindo o tamanho do homem e da vida. Ademais aquilo que não tem palavras, aquilo que não se diz e deixa de ser nomeado deixa forçosamente de existir.

De princípios e valores ainda há resquícios e sinais. Sobretudo em livros que são cada vez menos alvo de compra e leitura. E quem tem memória grata dessas coisas, se falar abertamente delas, corre o risco de cair no ridículo e ser objecto de mangação e troça.

Quando alguém se põe a meditar e reflectir em voz alta e, por ingenuidade, ilusão, boa-fé ou descuido, deixa escapar pela boca fora algo sobre ética e moral, um coro de gargalhadas pode ressoar ensurdecedor e implacável aos seus ouvido. A experiência é amarga e diminui a vontade de ser repetida.

Feliz anda o relativismo nas suas sete quintas! Tudo vale e tem o mesmo valor. Melhor dizendo, vale menos o que provém do mérito comprovado e do trabalho sério e abnegado, suado e esforçado e vale muito mais o prémio dado pela esperteza e safadeza, pelo oportunismo e arranjismo, pela indecência e falta de escrúpulos. Tanto é música tocar em campainhas de portas como interpretar no piano uma tocata de Beethoven. Tanto vale o gesto aprimorado e cimeiro como o incipiente e grosseiro. Tanto dá que as crianças tenham o aconchego de pai e mãe como a tutela de uniões de facto. Tanto dá uma educação pautada por exigências, obrigações e deveres como a que prescinde de tudo isso. Tanto dá o alto e elevado como o baixo e rasteiro. É o mesmo tratar o outro como gente ou como um cão tinhoso e raivoso.

Deserto de significados tradicionais está também a ficar o dicionário. Por exemplo, ‘inovar’ e ‘modernizar’ significam agora coisas antes inimagináveis: eliminar o direito ao trabalho, pôr de joelhos e poder despedir a bel-prazer quem trabalha, enxamear de desempregados a sociedade, cortar nos vencimentos e pensões, encerrar serviços públicos, privatizar a saúde, a educação e qualquer coisa que ainda reste do estado social. E outros mimos inspirados no mesmo propósito.

Diz-se à boca cheia que a democracia está atacada pela epidemia da obesidade; as banhas, enxúndias e gorduras à sua volta são tantas e tamanhas que não permitem mais lobrigar a sua forma genuína e original, mesmo a quem usa lentes potentes. Não se sabe se ainda está realmente viva ou se sobrevive apenas da ligação a artifícios. Parece que se travestiu e atingiu uma deformação que não é fácil de definir com precisão e rigor; mas há quem sustente, com fundamento nos factos, que ela é mais ou menos um negócio celebrado entre lobies e corporações, de modo que os políticos são eleitos pelos cidadãos crentes e exercem o poder em nome dos interesses vigentes. A falta de pudor impõe-lhe a continuidade do cultivo de rotinas e encenações, para melhor encobrir, iludir e manipular. É que as aparências são hoje mais importantes do que antes - ou não vivêssemos na sociedade da imagem e do virtual. Por isso os media estão em alta; de braço dado com os políticos – é um namoro pegado! - servem o mesmo amo e senhor.

Ah, já me esquecia de dizer! Um novo e fulgurante deus reina sobre toda a terra. A Economia (com letra maiúscula, evidentemente) vive na glória do máximo esplendor! Os papeis inverteram-se. Tudo lhe presta vassalagem: os direitos humanos, a educação, a saúde, o desporto, a vida e até o próprio homem. Afinal é aos pés e a mando dela que o deserto se adensa e alastra. Tudo quanto é verdadeiramente humano mingua, estiola e desaparece gradualmente do alcance da nossa vista. Mas não desaparece da nossa imaginação e conta com a nossa esperança, lucidez e determinação para um dia regressar em força, cantante e triunfante!

 

Nova designação

A partir do próximo número, a indicação da propriedade da Revista vai registar uma alteração significativa. Isto deve-se ao facto de, no dia 6 de Julho, a Assembleia da Universidade do Porto ter acolhido favoravelmente uma proposta de modificação da designação desta Faculdade, formulada pelos seus órgãos dirigentes. Assim a nova designação é a seguinte: Faculdade de Desporto. Uma designação encurtada pelas razões que, de forma sucinta, em seguida se apresentam.

Prescindiu-se da palavra ‘Ciências’, porquanto ela constituía uma espécie de pleonasmo, uma redundância escusada. Com efeito uma Faculdade tem como matriz justificativa o facto de ser uma instituição científica. Por certo dá disto sobejo testemunho o labor que temos desenvolvido, nomeadamente nesta publicação.

A renúncia à expressão ‘Educação Física’ traduz igualmente uma atitude de inteira coerência e também de conseguida maturidade. Como se sabe, a Faculdade sempre afirmou, inclusive nos seus estatutos, como objecto de estudo o ‘Desporto’ enquanto fenómeno polissémico e realidade polimórfica. Para nós o Desporto alicerça-se num entendimento plural e é o conceito mais representativo e congregador de dimensões biológicas, físicas, filosóficas, culturais,  psicológicas e afectivas inerentes às práticas de aprendizagem, exercitação, recriação, reabilitação, treino e competição no âmbito motor. O acto desportivo encerra tudo isso sem o esgotar. A ‘Educação Física’ é tão somente uma parcela do Desporto: a disciplina escolar que se ocupa de instruir, introduzir e educar nessa área.

Quando a Faculdade se constituiu optou, conscientemente, por manter na sua designação a expressão ‘Educação Física’. A decisão filiou-se na preocupação de não forçar o corte radical com o passado, mas sim de contribuir para uma evolução natural e de acertar o passo por ela. Hoje o ‘Desporto’ encontra-se publicamente consagrado como o conceito superior e abrangente do domínio sócio-cultural voltado para as actividades desportivo-lúdico-corporais. É deste modo que surge plasmado em textos legais como, por exemplo, os da União Europeia e do Conselho da Europa. Há, portanto, que corresponder às novas circunstâncias.

Nesta conformidade, ao aproximar-se da data de completar trinta anos como escola universitária, a Faculdade sente-se satisfeita por ter assumido a sua quota-parte de responsabilidade na tarefa de esclarecer e enaltecer o valor do Desporto e de lhe conferir um estatuto de maioridade intelectual, cultural e académica.

Em suma, com a nova designação a Faculdade homenageia o Desporto, homenageia-se a si própria e renova a sua missão com a convicção de que o passado serviu para construir o presente e este para edificar o futuro.

 

Jorge Olímpio Bento