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Cadernos de Estudos Africanos

Print version ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.24 Lisboa July/Dec. 2012

 

Fernando Luís Machado, Cristina Roldão, Alexandre Silva. Vidas Plurais: Estratégias de Integração de Imigrantes Africa-nos em Portugal. Lisboa: Tinta-da-China. 2011. 205 pp.

 

Ermelinda Liberato (Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Centro de Estudos Africanos - IUL, Portugal)

ermelinda.liberato@gmail.com

 

O mais recente trabalho de Fernando Luís Machado, Cristina Roldão e Alexandre Silva, três sociólogos e investigadores do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL), tem como ponto central de investigação as estratégias de integração de imigrantes laborais africanos em Portugal. Inserida no Programa de Desenvolvimento Comunitário Urbano K’CIDADE e patrocinada pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação Aga Khan, a obra retrata as trajetórias de vida de imigrantes laborais africanos que escolheram Portugal como país de acolhimento. Os autores dão assim continuidade aos trabalhos que vêm desenvolvendo ao longo dos últimos anos em torno das questões de integração de imigrantes africanos, constituindo mais um contributo para o conhecimento não só do passado que une Portugal a África, como também da África que nas últimas décadas se tem unido a Portugal.

Vidas Plurais aborda o quotidiano dos imigrantes africanos laborais ou económicos, “os modos como eles lidam com as sociedades de acolhimento, os modos como se ajustam a elas” (p. 19). Trata-se de imigrantes laborais com recursos limitados e pouca qualificação, sujeitos a empregos precários e inconstantes, na sua maioria sem rendimento fixo e/ou descontos para a segurança social, o que os leva a viver em bairros sociais, em habitações sobrelotadas, em condições de carência e em muitos casos de pobreza. Apesar das dificuldades, esses imigrantes traçam “estratégias de integração” na sociedade portuguesa, que podem ser individuais, coletivas ou familiares consoante o contexto económico e social. A presente obra trata dessas estratégias, dos obstáculos encontrados, do panorama económico e social, bem como da unidade familiar em todo esse processo.

Nas histórias relatadas pelos vinte entrevistados (de gerações diferentes e percursos de vida complexos), vemos que o quotidiano da maioria dos imigrantes laborais africanos a partir do momento que chegam a Portugal é pautado pela precariedade e a informalidade: “homem constrói, mulher limpa” (p. 38). Deste modo, vão fazendo o que aparece e consoante as suas necessidades de consumo, isto é, agarram todas as oportunidades que surgem e adaptam-nas, sendo a totalidade do rendimento gasto no sustento familiar, seja em Portugal, seja enviando dinheiro para o país de origem. Os autores propõem então seis estratégias que os imigrantes laborais africanos elaboram para se integrarem na sociedade portuguesa, e definem, ao longo da obra, cada uma dessas estratégias. São elas: empreendedorismo, trabalho manual qualificado, escolarização e formação profissional, associativismo e mediação intercultural, gestão da escassez e dependência.

O empreendedorismo, sendo uma “estratégia minoritária”, tem registado “algum crescimento nos últimos anos” (p. 57) e desenrola-se, sobretudo, num espaço transnacional (entre o país de origem e o país de acolhimento), como é o caso do comércio de artesanato, da restauração (comida africana) ou do envio de artigos para venda no país de origem (por exemplo viaturas que posteriormente são colocadas no setor informal de transportes).

Sendo na sua maioria imigrantes laborais, a qualificação profissional pode representar uma vantagem pois permite melhor integração profissional, logo, maior rendimento. Profissões como “estucadores, eletricistas, canalizadores ou carpinteiros, mecânicos, cozinheiras, costureiras e cabeleireiras” (p. 72) proporcionam vínculos laborais formais (contrato de trabalho e descontos para a segurança social) e duradouros, permitindo escapar assim ao desemprego ou à informalidade, diferenciando-se estes imigrantes daqueles que vivem em regime de gestão da escassez, ou seja, aqueles que estão confinados ao mercado de “trabalho informal, instável e com salários baixos” (p. 113) como resultado da falta de recursos (escolares, profissionais, económicos e de capital social). Estas condições levam estes últimos a situações de dependência de apoios institucionais, nomeadamente do Estado (rendimento social de inserção), deixando-os mais vulneráveis a “eventuais retrocessos do Estado social” (p. 139) que os fariam depender essencialmente do apoio familiar.

Trata-se de situações que a segunda e, mais recentemente, a terceira geração tentam ultrapassar, investindo na escolarização e formação profissional bem como no associativismo e mediação intercultural. Estas duas estratégias têm permitido aos entrevistados melhor inserção profissional, bem como condições de trabalho mais favoráveis (salário fixo, descontos para a segurança social, horário de trabalho). Por outro lado, registam igualmente menor número de descendentes (filhos), o que permite melhores condições de vida. No geral, “o quadro de vida dos filhos dos imigrantes laborais africanos é melhor do que o dos pais” (p. 146), o que é proporcionado pela integração numa sociedade com mais acesso à formação e à informação do que aquela do país de origem. Por outro lado, as pessoas da segunda e terceira geração não passam pelo constrangimento do não reconhecimento das suas habilitações, como acontece muitas vezes com os imigrantes da primeira geração.

À medida que as situações vão surgindo, outras estratégias vão sendo elaboradas e as presentes adaptadas à nova realidade, sendo também comum passar-se de uma estratégia para outra.

Os autores chamam igualmente a atenção para o contexto atual que se vive em Portugal. A crise económica terá com certeza impacto negativo nos imigrantes laborais, pois as “suas taxas de desemprego são superiores à média da população ativa” (p. 146). O risco do desemprego e a possibilidade da redução dos apoios sociais podem levar a um aumento da precariedade laboral em que se encontram e encaminhá-los cada vez mais para a informalidade, agravando assim as situações de pobreza e exclusão social, dificultando ainda mais a sua integração social. Nesse segmento recorre-se uma vez mais à família que, em situações como essa, funciona como “uma fonte de sociabilidade quotidiana que impede o isolamento e o sentimento de solidão” (p. 138).

Embora o mito do regresso ao país de origem esteja sempre presente, sobretudo para a primeira geração, o facto é que na maioria dos casos tal não se verifica e vão-se deixando ficar em Portugal. Para os mais novos, da segunda e terceira geração, apesar da curiosidade em conhecerem as suas origens, não colocam essa hipótese e elaboram as suas próprias estratégias para se manterem numa sociedade que muitos não veem como totalmente sua. Talvez seja por isso que se encontrem vidas plurais, na procura de um espaço numa sociedade que não lhes é assim tão estranha, como é o caso da sociedade portuguesa.

Tratando-se de um trabalho feito por sociólogos e tendo sido utilizados “instrumentos teóricos e metodológicos próprios da sociologia” (p. 14), os autores utilizam uma linguagem simples e acessível a qualquer leitor, com ou sem formação na área das ciências sociais. Por outro lado, as fotografias apresentadas ao longo da obra tentam complementar a informação ao darem “rosto aos imigrantes e corpo aos lugares onde eles circulam” (p. 14).

Uma das grandes contribuições da obra é levar-nos a pensar nas dificuldades que estes imigrantes laborais enfrentam no acesso ao mercado de trabalho e na inserção na sociedade portuguesa. A obra enriquece os estudos e investigações sobre a presença de africanos em Portugal, abrindo novos caminhos e demonstrando o quanto ainda pode ser feito neste campo no âmbito da investigação em ciências sociais.

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