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Cadernos de Estudos Africanos

versão impressa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.25 Lisboa jan./jun 2013

 

Palavras sobre Mário Murteira I

 

Luís Moita

Director do Departamento de Relações Internacionais, Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal

Director do OBSERVARE – Observatório de Relações Exteriores, Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal

 

Numa altura em que a ciência económica parece sofrer de desumanização, é bom recordar o pensamento de economistas que relacionam o seu saber com a vida de comunidades concretas, com o trabalho de pessoas reais, com a satisfação das necessidades mesmo quando os bens são escassos. Mário Murteira pertenceu a essa geração de economistas que ainda não tinha sido contaminada pela redução dessa ciência à formalização abstracta de modelos matemáticos, nem pela pura econometria que parece ignorar os factores humanos.

O rigor das suas análises abriu-se para um vasto leque de temas, desde os agentes económicos e a própria gestão empresarial, até às grandes visões em torno da globalização. A atenção ao macro e ao micro foi porventura uma das suas principais características. Consciente dos traços fundamentais do sistema mundial, Mário Murteira cuidou com especial ênfase dos problemas do subdesenvolvimento, de tal modo que a problemática africana invade boa parte da sua obra e a sua prática de cooperação dirigiu-se para países irmãos de endémica pobreza. E foi, entre nós, dos que mais cedo antecipou a importância da China para a economia global.

A revista que em tempos dirigiu tinha um título que era ele próprio um programa: Economia e Socialismo. Naqueles anos de 1970-80, a construção do socialismo estava na ordem do dia, tanto nas sociedades industrializadas como nas próprias economias pré-capitalistas. Hoje afigura-se-nos como, pelo menos, um anacronismo, talvez também um erro histórico. Seja qual for o nosso juízo acerca disso, temos de reconhecer o mérito da busca incessante de alternativas às graves distorções do sistema dominante. Isso explica o papel político assumido pelo economista Mário Murteira, foi ministro em tempo de revolução, ambicionou orientar a economia para a justiça, a produção de bens para a prosperidade comum.

Universitário de primeira linha, desenvolveu actividade de investigação e docência em influentes escolas de Lisboa e deixou escrita uma obra onde sempre se conjugaram a validação científica e a acessibilidade a públicos razoavelmente vastos. Político empenhado, foi arrojado em fases históricas difíceis, deixando marcas da sua passagem nas sociedades onde interveio. Além de tudo isso, todavia, Mário Murteira foi um homem de grande qualidade humana, conciliando três das melhores características que uma pessoa pode agregar: a inteligência, a ironia e a generosidade. Aqueles de nós que o conhecemos de perto ao longo de décadas sabemos que sempre nos atraiu para o lado bom da vida.

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