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Cadernos de Estudos Africanos

Print version ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.25 Lisboa Jan./June 2013

 

Dos “nàgó” da Bahia aos “pọ́rtúgérè” de Lisboa: Um olhar sobre identidade e religião em diáspora

From the “nàgó” of Bahia to the “pọ́rtúgérè” of Lisbon: A look at diaspora identity and religion

 

João Ferreira Dias*

*Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Lisboa, Portugal

joaobferreiradias@gmail.com

 

RESUMO

O presente artigo pretende observar a construção da identidade religiosa yorùbá em duas diásporas distintas no tempo e no espaço: a primeira diz respeito à diáspora forçada pelo comércio negreiro para o Brasil, dando origem à constituição da identidade “nàgó” na Bahia de Todos os Santos oitocentista e em diante; a segunda diz respeito à diáspora contemporânea de yorùbás para Lisboa, fruto da procura de oportunidades no mercado de trabalho globalizado. É intento deste trabalho entender como uma cultura africana se adapta a novas contingências socioculturais, dialogando com os elementos que lhe são exógenos, observando como os yorùbás operaram e operam uma “invenção da tradição”.

Palavras-chave: invenção, tradição, diáspora, identidade, religião, yorùbás

 

ABSTRACT

The present paper aims to analyze the construction of the yorùbá religious identity in two of the diaspora’s historical moments. The first of these is the slave trade to Brazil, which gave rise to the “nàgó” identity in eighteenth-century Bahia de Todos os Santos. The second case-study refers to the contemporary yorùbá diaspora in Lisbon, which came about due to employment opportunities in the globalized labor market. The purpose of this article is to stress how an African culture has accommodated to new sociocultural contexts and entered into dialogue with exogenous elements. I conclude by examining the specific tools with which the yorùbá people operated an “invention of tradition”.

Keywords: invention, tradition, diaspora, identity, religion, yorùbá

 

O que é ser yorùbá? Essa é uma pergunta importante para entendermos a construção da identidade em diáspora. Conhecendo as especificidades, os padrões de pensamento, em suma os atavismos culturais que conferem identidade a um determinado povo na sua terra de origem poderemos aferir melhor as transformações operadas em terras diaspóricas. Ademais, no caso específico, saber o que é ser yorùbá compreende, de facto, uma densa reflexão, porquanto implica jogar com o devir permanente típico dos imaginários culturais e religiosos africanos, amplamente permeáveis à mudança. Para a compreensão da identidade aqui em jogo importa pois tomar duas considerações centrais, que servirão como fio condutor para a presente análise: a ideia de tradição inventada (Hobsbawm & Ranger, 1992) e de alteridade (Laplantine, 2003, p. 14).

O problema que aqui se levanta é o de saber o que constitui ser yorùbá e como essa identidade é construída nativa e diasporicamente, reconhecendo que no presente caso a própria construção dos padrões nativos de identidade está ligada aos processos de construção em contextos diaspóricos, i.e., a própria identidade yorùbá emerge, no espaço autóctone, da experiência de alteridade noutras geografias onde os elementos exógenos exercem função de transformação.

Importa, pois, começar por dizer que quando nos referimos aos yorùbás, aludimos às populações que ocupam grande parte da Nigéria e em menor proporção o Togo e a República do Benim (o ex-Daomé) e que estão divididos em subgrupos étnicos como: Ẹgbá, Ẹgbádo, Ọ̀yọ́, Ijéṣà, Ìjẹ̀bú, Ifẹ̀, Ondo, Ilọrìn, Ibàdàn, Kétu, entre outros; respeitando os matizes étnicos que estes utilizam como referenciais identitários, mesmo tendo presente o complexo tema das identidades étnicas expressas em Amselle e M’Bokolo (2005). Sabemos também que o termo “yorùbᔠtraz consigo toda uma complexa história de alteridade, porquanto traduz uma designação haúça para os povos de Ọ̀yọ́. Segundo Verger (2002), entre 1656 e 1730 os registos dos primeiros viajantes apelidam de “Ulkumy” a região que corresponderia, mais ou menos, à área de influência Ọ̀yọ́ e que se tornaria o “país” Yorùbá. Seria em 1734, com a elaboração do mapa da região por parte de Snelgrave que o termo “Ulkumy” daria lugar a “Ayo” ou “Eyo”, pretendendo designar a cidade de Ọ̀yọ́. Sobre o próprio termo “yorùbá”, a linguística não nos dá grandes explicações. Todavia, de acordo com um informante natural de Iléṣà, o obscuro termo “yorùbᔠderivaria de aouba ou uaba, que em árabe significaria “pagão”. Diversos autores (Clapperton, 1829; Law, 1997) falam em “Yarriba” como o termo arábico e haúça para designar os de Ọ̀yọ́. O primado da alteridade começava a expressar-se convincentemente, através da dialética entre os cultuadores dos òrìṣàs (abòrìṣà), “pagãos”, e os africanos islamizados do norte.

A construção da identidade yorùbá nativa

As dinâmicas de transformação social e cultural compreendem um aspeto central no conhecimento de uma dada identidade cultural que tomemos como objeto de estudo. Nenhuma cultura é estanque, mesmo aquelas que têm para si mesmas o referencial da manutenção de um modelo que se crê definido num passado, i.e., mesmo as culturas que se orientam no sentido da manutenção de uma tradição – muitas vezes idealizada – não estão isentas de mudanças de paradigmas. O curioso, no caso yorùbá, como veremos, é que a construção e a aprimoração, em suma a tecelagem da identidade, não estão independentes da ideia de “comunidade imaginada” (Anderson, 1991) que a ideia de yorùbánidade contém. Isto porque esta tecelagem de identidade partilhada tem lugar precisamente quando o Império Ọ̀yọ́-Yorùbá era já um resquício da memória histórica da região. Oficialmente caído em 1830, o Império era, desde o último quarto do século XVIII, uma vã imagem de si mesmo. A morte do Aláàfín Abiodun em 1789 trouxe uma querela entre o seu sucessor, Awole, e os chefes e representantes locais, querelas que só terminaram com a deposição deste em 1796. Por trás deste movimento esteve, à cabeça, o governador de Ilorin, Afonja, que tinha aspirações – que não se traduziram em sucesso – ao lugar de Aláàfín de Ọ̀yọ́. Por volta de 1823, Afonja foi assassinado pela rebelião dos seus aliados islâmicos, e Abudusalami tomou a chefia de Ilorin, proclamando a sua aliança com o Califado de Sókótó (Peel, 2000). Estava em marcha o fim de Ọ̀yọ́, ao mesmo tempo que Lagos se ia tornando palco de uma nova dinâmica cultural proto-yorùbá. Ilé-Ifẹ̀, por seu turno, preservava – como ainda hoje – o seu lugar simbólico de capital espiritual e cultural, terra dos òrìṣàs funfun, os “deuses de branco”, e do rei-sacerdote, o Ọọ̀ni ti Ilé-Ifẹ̀.

Apesar do papel de Lagos, chamada nativamente de Èkó, na constituição da identidade yorùbá como a conhecemos, é impossível desligá-la da sua génese histórica, essa tendo o ponto de partida em Ọ̀yọ́. Não se trata apenas das referências históricas derivadas de ulkumy, yarriba, etc., mas antes de todo um passado histórico feito de propagação de um modelo político-cultural-religioso em apogeu, mesmo nos casos em que os elementos culturais de Ọ̀yọ́ são mais de origem núpé do que da área metropolitana de Ọ̀yọ́ (como é o caso dos deuses Ṣàngó, Yèmọ(n)já, e o cultos dos ancestrais Bàbá Eégún – ou pelo menos assim são percecionados pelos nativos). Em África, e para o caso na África Ocidental, a simbiose cultural, a bricolagem e aculturação ocorrem a ritmo alucinante, motivadas pelas próprias características centrais dos sistemas religiosos locais: comunicação, eficácia e manipulação. Voltando a Ṣàngó ou Ṣọ̀ngó, encontramos um exemplo paradigmático da dinâmica de eficácia contida na aculturação e bricolagem dos imaginários culturais e religiosos. Enquanto as populações de Ọ̀yọ́ se referem a Ṣàngó como de origem núpé (a quem os yorùbás chamam de Tapa), embora o seu culto seja claramente de Ọ̀yọ́, por seu turno, no Daomé traça-se a origem de Ṣàngó a Ọ̀yọ́. Além do mais, as fórmulas religiosas (na perspetiva antropológica, i.e., os ritos, os cânticos, etc.) expressam também a realidade local e do seu período histórico. Observe-se a cantiga entoada a Ṣàngó: “Káwòóo, Káwòóo Ṣọ̀ngó Dàhọ̀mì / Káwòóo, ká biyè sí ẹ Ṣọ̀ngó Dàhọ̀mì”[1], que pede a Ṣọ̀ngó (ou Ṣàngó) proteção face às guerras do Daomé, i.e., as guerras de libertação e expansão do Daomé; ou a seguinte, que faz referência ao povo Tapa, como referencial de precedência do culto: “Ẹ kí Yẹmọnja àgò, Tapa Tapa/ Ẹ kí Yẹmọnja àgò, Tapa Tapa”[2]. Pesem estas andanças religiosas, o valor simbólico de Ọ̀yọ́ mantém-se, não precisando de existir para ser respeitado.

De certa maneira, ao lidarmos com a construção da identidade yorùbá estamos a lidar com o que viria a ser o nacionalismo nigeriano. Contudo, com uma singular diferença: enquanto a yorùbánidade nos coloca em diálogo com o que viria a chamado de “religião tradicional”, o nacionalismo nigeriano está particularmente acantonado ao cristianismo (mais do que ao islamismo, que já mais se diluía em africanidade e agia orientado para os califados e emirados do norte). Ademais, as classes cristianizadas de Lagos, Abẹ́òkúta, etc., reconheciam valor ao império britânico, vendo-o como um instrumento para a promoção da africanidade (“Negro Race”). Em todo o caso, o que para aqui importa é a formulação de yorùbánidade. Como vimos, o surgimento do termo é traçado até à experiência de alteridade dos haúça (ou haussa) diante dos povos da grande região de Ọ̀yọ́, vistos como idolatras, pagãos, etc. O termo “yorùbᔠfoi apropriado também pelos missionários e pelos diplomatas britânicos e de outras proveniências europeias referindo-se aos negros da região imperial de Ọ̀yọ́. Todavia, pesem os inúmeros elementos culturais partilhados entre os povos proto-yorùbás, e a própria origem traçada (traced origins) face a Ilé-Ifẹ̀, não há referências que indiquem que estes povos (Ẹ̀gbá, Ọ̀yọ́, Kétu, Ìbàdàn, etc.) se vissem a si mesmos como uma unidade política e cultural. O guarda-chuva que o termo “yorùbᔠhoje alberga é resultado de uma construção histórica, i.e., uma tradição inventada. Não obstante, onde quer que estes povos estivessem em diáspora, o processo de emergência de uma identidade própria e partilhada tomou lugar: como no Brasil (“nàgó”), na Serra Leoa (“sàró” e “aku”), Cuba (“lukumi”), etc. O termo idealizado para chamar a estes povos em conjunto, ou seja, a fabricação de um termo unitário, era algo que muito preocupava os missionários evangélicos (Sigismund Koelle, 1854), em particular a Church Missionary Society (CMS), missão evangélica para África. O passo definitivo na emergência do termo “yorùbᔠe com ela o lançamento das bases da constituição da identidade que lhe estará subjacente, haveria de ser dado por Samuel Ajayi Crowther com o seu livro Vocabulary of the Yoruba Language de 1843, resultado da sua participação na expedição do Níger de 1841.

Ora, com Vocabulary of the Yoruba Language estavam lançados os dados definitivos para a formatação da identidade yorùbá sob a tutela cristã, como veremos que irá acontecer também na Bahia oitocentista. Crowther leva a cabo também a tradução da Bíblia para yorùbá e no seio de tão grande movimento evangélico de missão e conversão da região que o próprio Crowther outrora havia chamado de “Eyo Country” (1836), toma lugar a difusão de uma identidade que os nativos – não esquecendo as suas próprias identidades locais (que os missionários apelidam de “tribos” em referência às tribos de Israel) – começam a assimilar e a assumir para si próprios. É claro que esta nova identidade não está independente do cristianismo. Na verdade, toda ela é uma articulação de pendor cristão: criar uma nação cristã onde outrora imperava um aglomerado de localismos umbiligados a Ọ̀yọ́ e Ifẹ̀. No fundo, a articulação semântica permitia recodificar o velho império de Ọ̀yọ́ numa identidade nova, operando uma dupla-pertença e uma dupla-referência, apesar dos iniciais constrangimentos em particular da parte dos Ẹ̀gbá (Peel, 2000, p. 285) – afinal, a adoção da linguística de Ọ̀yọ́ (“Yorùbá Proper”) significava um suprimir dos matizes locais.

Pesem os esforços missionários de constituir uma identidade nova yorùbá que seria o espelho de uma “nação” cristã, os elementos dos velhos costumes mantinham-se como cimento da identidade renovada. Aliás, é a própria ideia de “religião tradicional” (ẹ̀sìn ìbílẹ̀) que emerge no seio deste laboratório interétnico sob o selo de yorùbánidade. Como refere Matory (2005): “Ifá, Odùduà and Ṣàngó remain central in any 20th-century discussion of collectively Yorùbá political and cultural tradition” (p. 61). O interessante de notar é que à medida que os finais do séc. XIX viam florir todo o evangelismo africano, que preconizava uma nação cristã, a valorização da identidade autóctone ganhava também relevo. Nativos educados em escolas missionárias e viajantes europeus elaboram um grande número de obras dedicadas à religião dos agora yorùbás. Ora, todas estas obras, mesmo que do ponto de vista científico possam ser tidas por metodologicamente naïfs – porquanto postulam o imaginário cristão na leitura dos padrões africanos – não deixam de recolher, preservar e divulgar elementos culturais que começam a surgir na categoria de “tradicionais”.

Pese o papel simbólico de Ọ̀yọ́, já referido, a costa, palco dos encontros intra-africanos e destes com os elementos exógenos, em particular o cristianismo dos comerciantes de escravos, missionários e viajantes, tornou-se o locus da constituição da yorùbánidade. O declínio de Ọ̀yọ́ coincidiu com a emergência do reino do Daomé, e com isso a emergência da captação de escravos de reinos do interior da Yorùbáland. A colonização britânica de Lagos em 1861 pôs termo ao protetorado do reino do Benim, de que Lagos era parte integrante. Recorrendo às expressões de Matory (2005), a presença inglesa traz consigo uma Pax Britannica que faz de Lagos a Meca de todos os grupos do interior da região yorùbá. Mas Lagos tornou-se também porto de chegada de outros grupos que contribuíram decisivamente para a fundação da yorùbánidade: os retornados do processo escravocrata. Ainda de acordo com Matory (2005) entre 1820 e 1899 – período que coincide com o movimento abolicionista e a consequente extinção da escravatura no Brasil (Lei Áurea de 1888) – cerca de oito mil afro-brasileiros regressaram à África Ocidental, ficando sob o protetorado inglês. Estes afro-brasileiros deram um contributo importante, nomeadamente na renovação arquitetónica da Lagos colonial e outros pontos da costa, para além de terem, eles próprios, reinventado a sua identidade, através da introdução de elementos culturais trazidos do Brasil. Pela própria expressão da sua africanidade já amplamente marcada pela experiência brasileira, eles surgem como uma franja da sociedade, ocupando inclusive bairros próprios, como o Brazilian Quarter em Lagos, sendo chamados no Daomé (atual República do Benim) de Agudás (Guran, 2000). Ao lado destes afro-brasileiros retornados (os “nàgó”) tiveram importante papel na construção da yorùbánidade os “sàró”, retornados da Serra Leoa, que no exílio, partilhando a sua diferença face às populações locais, fizeram emergir uma identidade conhecida por “aku” e que jogou importante papel na fabricação da ideia de yorùbánidade. Aliás, como vimos, a emergência de uma ideia de identidade yorùbá está intimamente ligada à pregação do cristianismo, razão pela qual os “sàró”, literatos e cristianizados, se embrenharam em uniformizar os matizes linguísticos dos diferentes povos da região de modo a que a tradução da Bíblia do inglês fosse possível ser entendida por todos. Uniformizada a língua ficava lançada a base do pan-yorùbánismo, passo finalizado com o já citado Samuel Ajayi Crowther, que embora nascido em Ìṣéyìn, na região de Ọ̀yọ́, era tudo menos yorùbá, melhor se definindo como um europeu-evangélico nascido em África.

“Araketu re, fara imora”[3]: a reinvenção brasileira de yorùbánidade

Como vimos, a lagosian renaissance é fabricada na interseção das tradições regionais de Ọ̀yọ́, de onde se importa o termo “yorùbá”, com os retornados dos espaços esclavagistas. Portanto, a própria identidade é um produto histórico de uma diáspora forçada. Diante do diferente o semelhante sobressai. A experiência de autoconhecimento resulta da experiência da alteridade. Na Lagos do séc. XIX o renascimento yorùbá é uma operação cultural intensa de africanidade, elevando os valores tradicionais, a língua, a religião, a dança, a música, os trajes, etc. A anglofilia inicial dos “sàró” deu lugar à yorùbáfilia e à exaltação do patriotismo africano.

Paralelamente, na margem bahiana do Atlântico, os “nàgó” punham em marcha a sua ação hobsbawmiana. O comércio de escravos para o Brasil foi também um processo de deslocamento de costumes. Desde o século XVII que há registo de práticas religiosas africanas no Brasil que se convencionaram chamar de “calundu colonial” (Silveira, 2007). Todavia, seria somente com a transferência de escravos do Golfo da Guiné para o Brasil, em particular durante o “Ciclo do Benim”, entre 1770 e 1850 (Lépine, 2001), altura de intenso tráfico negreiro resultante do desmantelamento do Império de Ọ̀yọ́ e das guerras de libertação e expansão do reino do Daomé (Peel, 2000), que se daria a formação de um cânone religioso africano no Brasil, propriamente dito, com base nas tradições religiosas dos povos proto-yorùbás, fons do Daomé e com elementos herdados dos ameríndios, dos africanos bantus e apropriados/inculcados do catolicismo popular ibérico.

De acordo com a tradição oral, o candomblé nasce nas imediações da Igreja da Barroquinha, em Salvador, onde os negros terão alugado terrenos anexos à igreja para a constituição de um salão nobre, intitulado Ilé Ìyá Omi Àṣẹ Áyrá Íntílé, razão pela qual este período é descrito por “candomblé da Barroquinha” e data entre os finais do séc. XVIII e inícios do séc. XIX, embora a fundação do citado templo date, possivelmente, de 1807 (Ferreira Dias, 2011). Enquanto o calundu ocorria nas senzalas e, posteriormente, em casas particulares, o candomblé institucionaliza-se imediatamente em espaços sacralizados sob a forma de templo, a partir da arquitetura colonial. A compreensão do processo da emergência do candomblé não está independente dos seus promotores: o candomblé é uma invenção yorùbá-fon, mesmo que se tenha apropriado de elementos angolano-congoleses. Este candomblé, de matriz yorùbá-fon, é descrito no Brasil como “jeje-nagô”, sendo que o primeiro termo (àjèjì, “forasteiro” em yorùbá) se refere aos fons do Daomé, e o segundo (nàgó, “sujo”, em fon) se refere aos yorùbás. Simultaneamente, a cidade de Kétu torna-se sinónimo de yorùbánidade no interior da comunidade do candomblé. Cidade palco das movimentações culturais yorùbás-fons, embora tenha permanecido até hoje como parte do território do Daomé e mais tarde da República do Benim, a sua fundação é claramente yorùbá como denota Emmanuel Babatunde (1990). O trânsito cultural africanista bahiano começa o seu intenso périplo a partir de 1780, dando início a intensa recodificação identitária.

De acordo com a tradição oral (fundamental para a consolidação de um património cultural e de uma memória identitária própria), Ìyá Násò Òká (fundadora da Casa Branca do Engenho Velho, templo chamado em yorùbá de Ilé Àṣẹ Ìyá Násò Òká, que sucedeu ao templo da Ladeira do Berquó, junto à Barroquinha) teria recebido do Aláàfin de Ọ̀yọ́, Amodó ou Awuelu, a missão de organizar o culto a Ṣàngó na Bahia. Todavia, como este período é precisamente marcado pela dissolução do Império de Ọ̀yọ́ (circa 1830), é possível que o objetivo do imperador em decadência fosse preservar as estruturas identitárias de Ọ̀yọ́ na Bahia, palco onde a dinâmica cultural e religiosa era intensa. Só isto justificaria abrir mão de Ìyá Násò Òká, sabendo que o nome é na verdade um título: sacerdotisa-mor do culto imperial e palaciano a Ṣàngó em Ọ̀yọ́. Ṣàngó, deus do trovão e da justiça, foi um antigo rei de Ọ̀yọ́ deificado após a sua morte.

Vimos, anteriormente, que a formulação da identidade yorùbá em Lagos, Nigéria, não está independente do regresso dos “sàró” e dos “nàgó”. Para a constituição desta identidade assente num pressuposto antigo (o velho modelo cultural e político de Ọ̀yọ́), que é na verdade uma reinvenção da tradição, muito contribuiu, portanto, a experiência da diáspora. Dessa forma, a experiência brasileira é particularmente importante, constituindo-se um processo de laboratório que permitiu a consolidação de uma identidade supralocal. Aportados à Bahia, os negros eram organizados em confrarias religiosas de natureza católica, sendo que os negros yorùbás ou nàgós ficaram sob a tutela da Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha, ou simplesmente Igreja da Barroquinha, dividida em duas irmandades: a da Nossa Senhora da Boa Morte (que veremos adiante), destinada às mulheres, e a do Nosso Senhor dos Martírios, reservada aos homens (Verger, 2002). Naturalmente que uma circulação entre negros àjèjìs (“jejes” na terminologia afro-brasileira) e nàgós seria natural, até porque dificilmente não haveria uma mistura derivada de uma má diferenciação étnica por parte quer dos comerciantes de escravos quer dos missionários católicos. Ademais, esta divisão entre nàgós e àjèjìs é muito ampla, até porque a cidade de Salvador de 1800 fervilhava de kétus, ijéṣàs, sábés, ọ̀yọ́s, et al., que compunham um rendilhado étnico-cultural que se haveria de organizar a partir da experiência religiosa do candomblé. Enquanto Ìyá Násò Òká e seus coadjuvantes estruturavam o culto em torno de Ṣàngó e Ọ̀ṣọ́ọ̀sì (embora não negligenciassem outros òrìṣàs), Ìyá Otampè e Bàbá Aláji, seu esposo, pretendiam instaurar o culto de Òṣùmàrè, divindade do arco-íris, da mutação e da gestação do tempo e da vida, tendo fundado o Terreiro[4] do Alakétu (Silveira, 2003). Ademais, os primeiros estavam ligados à tradição imperial de Ọ̀yọ́, ao passo que estes últimos se ligavam à tradição de Kétu. Essa distinção que se notaria na fundação do Ilé Ìyá Násò Òká pelos primeiros e do Ilé Alakétu pelos segundos, faz-se ainda hoje sentir pela distinção (bastante ténue) entre o candomblé de matriz kétu (na verdade kétu-ọ̀yọ́) da Casa Branca do Engenho Velho e o candomblé de matriz alakétu, ligado à tradição de Ìyá Otampè. Curioso caso é o da Casa de Oxumarê (Ilé Òṣùmàrè Àràká Àṣẹ Ogodò), fundada por Bàbá Tálábi, batizado de Manoel José Ricardo, que desde finais do século XVIII funcionava no calundu do Obitedó, na cidade de Cachoeira de São Félix, na Bahia, e que haveria de ser transferido para o imensurável bairro da Federação, pelo famoso “Seu” António das Cobras (António Maria Belchior; Bàbá Sálákó de Ṣàngó) depois de uma passagem pelo bairro da Cruz do Cosme (atual bairro do Pau Miúdo). Curioso, também, e particularmente para o propósito deste trabalho, é o facto de Manoel José Ricardo, o africano Bàbá Tálábi, ter fundado a casa, em Cachoeira, consagrando-a ao Vodu Ajunsun, um dos vários epítetos do deus da varíola, demais doenças e do interior da terra, chamado também de Sakpta, Ṣànpọ̀nná, Ọbalúwàiyé, Ọmọlú, etc., mas fê-lo, todavia, segundo o preceito fon-daomeano, embora o seu nome fosse yorùbá. Isto é peculiarmente pertinente uma vez que, como vimos, o eixo fon-yorùbá entrecruzava-se cada vez mais na formulação de uma identidade cultural autóctone africana e muito particularmente na formulação de uma identidade africana na diáspora brasileira.

A fabricação do culto e as “nações” religiosas

Ora, com tão intenso trânsito cultural e religioso, cujo palco é todavia nefasto (a escravatura), normal seria que os diferentes grupos étnicos yorùbás – ou proto-yorùbás, pois sabemos que a definição de identidade yorùbá está a tomar forma neste preciso período histórico na costa africana – se organizassem e procurassem tecer uma identidade partilhada num contexto geográfico onde eles não são mais rivais e diferentes, mas fortemente similares diante de uma cultura brasileira de matriz europeia. Dessa forma, africanos de diferentes origens do espaço conhecido por yorùbáland, organizaram-se em torno de um ideal religioso, colocando em diálogo deuses (que já tinham dialogado ao longo da história e que viram o seu diálogo reforçado com o sistema de Ifá), rituais, processos iniciáticos, modos de fazer e estar na experiência religiosa, produzindo uma concertação religiosa de amplitude diplomática. Toda esta estruturação que se tornou o candomblé, tem a particularidade de reconstituir um ideal palaciano, no qual todos os oficiantes religiosos estão sob a tutela de um sacerdote ou sacerdotisa, ou como refere Olabiyi (1993) sob a tutela do que parece um Pontifex Maximus. No entanto, esta estruturação religiosa não apagou as identidades nativas, mesmo que as tenha aculturado, em particular no candomblé da Barroquinha. Isto conduz-nos, necessariamente, às denominadas “nações” de candomblé, que se constituem como referenciais simbólicos de tradição e linhagem para as comunidades-terreiros, para além do facto de serem ferramentas de autoidentificação e de alteridade. Apesar do primado da identidade de Ọ̀yọ́ e Kétu, o candomblé, como vimos, nasce de um rendilhado étnico. Nas andanças de constituição identitária, as nações políticas proto-yorùbás deram lugar a “nações-de-candomblé”. Como vimos, a “nação” Kétu passa a figurar como sinónimo de yorùbánidade, como paradigma do modelo cultural àjèjì-nàgó, tomado como referencial para os demais padrões étnicos sob a ideia de “nação”. A tradição ewe-fon, especificamente, é compreendida como a “nação Jeje” no contexto afro-brasileiro do candomblé, locus da preservação das heranças culturais daomeanas, em particular as constituídas ao tempo do rei Tegbesu, influenciado pelas estruturas político-religiosas de Ọ̀yọ́ e por uma nova ordenação conceptual importada dos missionários e formulada em torno das especificidades políticas locais (Olabiyi, 1993). A “nação Ijéṣà”, que representa a herança dos negros dessa grande região yorùbá, vive ainda através do seu particular contributo para o complexo religioso da Barroquinha, com as divindades Ọ̀ṣun e Lògúnẹdẹ. Há, contudo, uma ressalva a ser feita. A “nação Ijéṣà” liga-se fortemente ao batuque do Rio Grande do Sul, de onde se expandiu para a Argentina e Uruguai, pese a presença de alguns terreiros de tradição ijéṣà no Brasil (Ferreira Dias, 2012).

Diante deste polvilhar étnico a meio do qual se recodificam as antigas nações africanas proto-yorùbás em nações religiosas, conservando parte dos matizes originais, mas que simultaneamente necessita de encontrar um equilíbrio estético e litúrgico, emerge um conjunto de práticas rituais que se constituem como um cânone litúrgico candomblecista. A fabricação do culto, portanto, corresponde à definição dos modos de fazer religião, i.e., às fórmulas práticas de fazer rito. Os processos iniciáticos utilizados em África para Òòṣàálá e Ọ̀ṣun (traje branco e pintura branca corporal) adotaram-se nas iniciações para todos os òrìṣàs, definiu-se o tempo de reclusão iniciática, e a própria ordem da liturgia. No fundo, fabricou-se o candomblé a partir da herança plural africana proto-yorùbá.

A linhagem masculina e a cidade das mulheres: a construção da identidade nàgócêntrica do candomblé da Bahia como memória coletiva

Ruth Landes chega à Bahia em 1939. Da sua presença na velha Salvador resultou uma obra que se tornaria um clássico da literatura afro-brasileira: A Cidade das Mulheres (1947). Reportando-se às “mulheres do partido alto”, i.e., às negras do candomblé bahiano, Ruth Landes não se limita à produção de um trabalho antropológico de observação do candomblé, ela procura enfatizar o papel vital da mulher nesse contexto religioso. Feminista convicta, a sua obra, fruto da presença nos candomblés tradicionais da Bahia, irá reconfigurar a perceção do sacerdócio e do espaço religioso afrodescendente. No seu artigo original, Landes (1940) afirma: “Tradition says baldly that only women are suited by their sex to nurse the deities, and that service of men is blasphemous and unsexing” (pp. 387-388). Ruth Landes esqueceu-se de explicitar, claramente, a que tradição está ela a aludir, ao mesmo tempo que faz tábua rasa não apenas dos inúmeros sacerdotes masculinos do seu tempo como, mais importante ainda, que o candomblé é por si só uma tradição inventada, que acumula diferentes tradições proto-yorùbás. Enquanto em África diversos òrìṣàs somente permitem que o seu sacerdote seja masculino (Ifá), outros somente permitem mulheres na função (Ọ̀ṣun), ao passo que outros há que não têm tal objeção (Òòṣàálá). Portanto, fica por explicitar a que tradição Landes alude. É facto que as casas-mãe do candomblé somente aceitam a liderança feminina, exceção feita à Casa de Oxumarê (Ilé Òṣùmàrè Àràká Àṣẹ Ogodò) que foi fundada por Bàbá Tálábi, cuja liderança varia entre homens e mulheres, indiscriminadamente (talvez por isso tenha ficado de fora do discurso da cidade das mulheres e do nagôcentrismo). Todavia, é também facto que da fundação e consolidação da Casa Branca do Engenho Velho participaram Bámgbóṣé Obitíkó e Bàbá Áṣipá, e o mesmo pode ser dito para o Axé Opô Afonjá, fundado por Ìyá Aninha (Ọbabìyìí) com a coadjuvância de Bàbá Ọbasanya, e para o Alakétu, fundado por Ìyá Otampè e Bàbá Aláji. Ora, temos, pois, quatro autoridades masculinas (Bámgbóṣé Obitíkó, Bàbá Áṣipá, Bàbá Obasanya e Bàbá Aláji) na fundação de três casas de candomblé. Tal facto é contraditório ao discurso de Landes em torno de uma suposta tradição feminina que faria da Bahia uma “cidade das mulheres”. Matory (2008) dá uma resposta diferente: “a liderança masculina no Candomblé era um fenómeno antigo. Por toda parte do século XIX, havia muito mais pais-de-santo que mães-de-santo na Bahia” (p. 113).

O que parece haver é, na verdade, uma fundamentação histórico-económica, muito mais do que uma razão de natureza religiosa. No Brasil a mulher foi alforriada primeiro, pelo simples facto do homem representar uma força de trabalho maior e indispensável pelo tempo necessário às práticas rituais. Há ainda outro fator a levar em linha de conta (e que não foi abordado por nenhum autor): estas mulheres, fundadoras das correntemente designadas como “casas tradicionais do candomblé”, estavam ligadas ao culto Gẹ̀lẹ̀dẹ́ (Guélédé), um culto yorùbá de forte expressão religiosa e teatral (Lawal, 1996), que valoriza o sagrado feminino e que se manteve através da adaptação sincrética na Irmandade da Boa Morte (Bernardo, 2005). Se de facto há uma longa tradição africana na Bahia que sustenta uma ideia de “cidade das mulheres”, ela não é contraditória à ideia de tradição masculina. Ìyá Násò Òká tem tanto peso na memória coletiva afro-brasileira quanto Bámgbóṣé Obitíkó. Nesse sentido, Landes valorizando o papel da mulher no espaço do candomblé desvalorizou a linhagem masculina amplamente presente. Não podemos, contudo, deixar de assumir a possibilidade de a “cidade das mulheres” ser, ela própria, uma criação das mulheres do candomblé, i.e., que Landes apenas enfatizou uma manipulação já vigente.

Em suma, com o particular impulso dado por Ruth Landes e com uma tradição matriarcal das casas de candomblé tidas na “comunidade imaginada” yorùbá-nàgó, o primado da mulher como sacerdotisa tomou papel de relevo na constituição da identidade religiosa yorùbá em terras de Vera Cruz. A ideia de “negras, mulheres e mães”, título, aliás, da obra de Teresinha Bernardo (2003), tornou-se símbolo da identidade coletiva yorùbá na Bahia, pese o importante contributo masculino à formação do culto. Não independente desse princípio, está a construção da ideia de “nagôcentrismo” que, em nome do rigor, se constitui como um formular de tradição. O discurso do “nagôcentrismo” ou da “pureza nagô” (Dantas, 1988) é resultado de um percurso histórico do candomblé bahiano. Edison Carneiro, em Candomblés da Bahia (1948) é um grande promotor da chancela da pureza nagô (de nàgó), trajeto a que Bastide (1958) daria particular impulso. Bem alicerçado no estruturalismo ocidental, Bastide categorizou as culturas religiosas africanas no Brasil em “tradicionais” e “degeneradas”. Ao primeiro grupo corresponde o candomblé de matriz jeje-nagô, ou simplesmente nagô (nàgó), ao passo que ao segundo correspondem os candomblés bantus (Congo-Angola) e particularmente a macumba do Rio de Janeiro. Para Bastide o candomblé é lugar de tradicionalidade, de valores comunitários, de solidariedade, etc., ao passo que a macumba corresponde à degeneração urbana dos valores africanos ideais. Todavia, quer Ramos (1934), quer Carneiro (1948), quer Bastide (1958), quer Lima (1977), todos são, em boa medida, herdeiros de Raymundo Nina Rodrigues (1900, 1932). Nina Rodrigues, seguindo os modelos do evolucionismo cultural, considerava que havia uma clara distinção entre os africanos yorùbás e os demais, sendo que os primeiros constituíam uma verdadeira elite africana. Trabalhando com a comunidade-terreiro do Gantois e com o Bàbáláàwó Martiniano Eliseu do Bonfim, o médico legista foi o grande pioneiro dos estudos antropológicos no Brasil.

Independentemente dos diferentes discursos sobre o que seria depois perda de originalidade do candomblé bahiano ou não (Lima, 2004), o mais importante é a construção, por um lado de uma tradição segundo os termos de Hobsbawm e Ranger (1992), e por outro de uma “comunidade-imaginada” (Anderson, 1991). O foco desta construção de memória africana no Brasil, e em particular na Bahia, teve nos yorùbás o seu principal agente e produto. Ser-se yorùbá-descendente e/ou do candomblé jeje-nagô significou (e significa) ser-se herdeiro de uma elite cultural africana, cujo ideal é devedor de um intenso laboratório antropológico-científico. A vivência nos “terreiros” de candomblé concebidos como ortodoxos, a sua nomenclatura em yorùbá, os cânticos evocativos na mesma língua, etc., operam em conjunto para cristalizar um sentimento de partilha identitária entre participantes (“comunidade-imaginada”) que de outra forma não teriam quaisquer ligações entre si. Em suma, dentro das paredes do espaço religioso, todos são arakétu, i.e., “cidadãos (imaginados) de Kétu”, experimentando uma vivência étnica espiritual e simbólica, cuja construção foi real e histórica.

Pọ́rtúgérè: os yorùbás de Lisboa

Tal como vimos anteriormente, a identidade yorùbá é consequência de um processo de construção histórico-cultural resultante da experiência da alteridade. As regras que determinaram a formação da identidade yorùbá autóctone operaram na constituição da identidade yorùbá na Bahia. A invenção da tradição (Hobsbawm & Ranger, 1992) em contexto diaspórico constitui-se como uma súmula de diferentes culturas religiosas proto-yorùbás em contexto exógeno cuja ação de bricolagem diplomática intra-africana originou um sentido de pertença (“comunidade-imaginada”; Anderson, 1991) em torno do modelo religioso designado por candomblé. Os “nàgó” da Bahia tornaram-se símbolo de resistência cultural e religiosa africana-yorùbá, fazendo dos seus “terreiros” espaços de preservação e socialização dos e nos padrões culturais yorùbás, nativos ou inventados no novo contexto.

Cabe-nos agora observar o processo tomado pelos yorùbás em Portugal. Não existem dados sobre o número exato quer de nigerianos quer de yorùbás em Portugal. De acordo com os nossos informantes[5], vivem em Portugal entre 15 a 30 yorùbás, dentro de um número maior de nigerianos. Tal grupo constitui uma pequena comunidade dentro da grande presença africana em Portugal (contra, por exemplo, a presença angolana, com 21.563 residentes, a cabo-verdiana com 43.920 e a moçambicana com 3.028), em particular na área metropolitana de Lisboa. Segundo dados do relatório de 2011 do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em Portugal a população de origem nigeriana conta com 325 pessoas, embora estes dados reflitam valores oficiais e não contenham a imigração ilegal. A possibilidade de os números serem um tanto ou quanto superiores, constatou-se nas comemorações da Independência da Nigéria (1 de Outubro de 1960) celebradas em Lisboa, em Outubro de 2009. Dessa experiência direta, prevê-se que a comunidade nigeriana deverá rondar as quinhentas pessoas, entre muçulmanos, cristãos-evangélicos e praticantes da Ẹ̀sin Ìbílẹ̀ (religião tradicional). Como notámos em dissertação de mestrado (Ferreira Dias, 2011), no caso dos yorùbás a filiação religiosa é feita de fronteiras permeáveis, pois não raras vezes a religião tradicional se mescla com o Islão e o cristianismo, numa vivência ecuménica em torno de uma ideia de Ser-Supremo (Allah, Deus, Olódùmarè). Adétàyò Adénúbi, nigeriano-yorùbá (circa 40 anos) a propósito desta questão religiosa, diz-nos “u know en the westerners came to us they brought to us thier religion and told us to drop ours, but i as a person i am a christian but i still know my root, so that is how i beleive some other yorubas think (sic)”[6]. A mescla religiosa, a dupla pertença, está assim bem patente.

Excetuando funções diplomáticas, os yorùbás emigram para Portugal como quaisquer outros africanos: em busca de oportunidades num mercado globalizado e numa economia capitalista, oportunidades que não têm nas suas terras de origem, mesmo diante do estatuto político local (boa parte deles advêm de velhas famílias da nobreza local), amplamente mais simbólico do que económico. Mesmo com formação superior, trabalham na construção civil, limpezas, segurança, ou ainda mais precariamente. Há quem esteja também a estudar língua e tradução portuguesa, segundo Adétàyò Adénúbi. Os yorùbás de Lisboa, conhecidos em África por “pọ́rtúgérè” – nota-se o continuum de nomenclatura para os yorùbás em diáspora, como vimos para os “sàró” na Serra Leoa, os “lukumi” em Cuba e os “nàgó” na Bahia, o que equivale a um referencial de alteridade intra-yorùbá – constituem um caso diferente dos “nàgó” da Bahia. Enquanto estes últimos chegaram ao Brasil através do comércio de escravos, reconfigurando a sua identidade cultural e religiosa no meio de uma experiência traumática de desenraizamento, os “pọ́rtúgérè” são recém-chegados a Portugal, oriundos de uma Nigéria capitalista, global, pós-moderna. A experiência de desenraizamento cultural não teve lugar, ocorrendo antes uma acomodação da sua cultura de partida à realidade social, económica, cultural e política do espaço de chegada. A experiência não foi traumática, havendo quem tenha chegado via Alemanha e Espanha, depois de uma passagem pelo Porto até à fixação em Lisboa, como é o caso de Adétàyò, já citado, natural de Ìjẹ̀bú. Apesar da relativamente fácil acomodação a Portugal, a maioria dos yorùbás ou para o constante dos “pọ́rtúgérè”, tem no seu horizonte a cosmopolita cidade de Londres, onde a comunidade yorùbá atinge números expressivos. Tal é o caso de Taywo, que no ano de 2009 partiu para a capital inglesa. Culturalmente, os yorùbás organizam-se, parcamente, na Ẹgbẹ́ Ọmọ Odùduwà, associação informal fundada e dirigida por um nativo de Ọ̀yọ́, chamado Adérẹ̀mí, e cuja denominação aporta às narrativas tradicionais yorùbás que apontam Odùduwà como seu fundador mítico e para a organização fundada em 1945, em Londres, por Ọbáfẹ́mi Awólọ́wọ̀ e outros estudantes yorùbás e que iriam ter importante papel na independência da Nigéria. Apesar desse referencial, a portuguesa Ẹgbẹ́ Ọmọ Odùduwà não tem dinâmica cultural, constituindo-se como referencial para esta “comunidade imaginada” que são os “pọ́rtúgérè”. Excetuando-se uma loja na Rua do Desterro, em Lisboa, onde se vendem produtos alimentares mas acima de tudo tecidos e vestuário importado da Nigéria, os “pọ́rtúgérè” têm poucos espaços de convívio e socialização, formando melhor pequenos agrupamentos habitacionais, de 2-3 pessoas, ao mesmo tempo que partilham pouco as suas dificuldades quotidianas, preservando acima de tudo um sentido de ìrera, i.e., orgulho. Paralelamente, e ao contrário do que aconteceu no Brasil, em que a alteridade foi marcada pelo trauma da escravatura[7], a que gostaríamos de chamar também de “trauma cultural”, na medida em que se constitui como um choque civilizacional, e que levou à dissolução ou pelo menos ao atenuar das fronteiras étnico-culturais locais, em Portugal a tensão entre identidades locais faz-se sentir, de alguma forma, entre os “pọ́rtúgérè”, que mantêm o referencial como Ara-Ọ̀yọ́, Ara-Ìjẹ̀bú, Ara-Iléṣà, etc. Finalmente, coletivamente, os “pọ́rtúgérè” perderam grande parte do seu sentido coletivo com o regresso à Nigéria de M. A. Onaderu, diplomata em missão em Portugal, até 2009. Apelidado por todos de “Mr. Onaderu”, possuía status social entre os “pọ́rtúgérè”, estatuto esse derivado das suas funções políticas.

Do ponto de vista religioso, o trabalho criterioso das missões cristãs e das igrejas cristãs africanas, como a Alàdúrà (Peel, 1968), faz-se sentir entre os nigerianos em Portugal, em grau inferior, todavia, entre os yorùbás. A Ẹ̀sin Ìbílẹ̀ tem grande peso entre os yorùbás de Portugal, mesmo no caso de Bámidélé, natural de Ọ̀yọ́ e com ligações ao Islão. Intrincados nos cultos locais, os “pọ́rtúgérè” não celebravam culto religioso em Portugal até 2009, altura em que o citado M. A. Onaderu estabeleceu laços informais com a Associação Portuguesa de Cultura Afro-Brasileira (APCAB), instituição que ir-se-ia constituir na Comunidade Portuguesa do Candomblé Yorùbá (CPCY), primeira pessoa coletiva religiosa tradicional africana reconhecida pelo Registo Nacional de Pessoas Coletivas, em Janeiro de 2010. Ora, os laços formados por Onaderu reconfiguraram a experiência religiosa dos yorùbás de Lisboa. Se no Brasil os yorùbás com o objetivo de preservação cultural e religiosa reconfiguraram as suas tradições dando origem ao candomblé, em Portugal, através de iniciativa de um representante informal da sua “comunidade imaginada”, os yorùbás acomodam os seus princípios religiosos autóctones contemporâneos às estruturas da CPCY, uma instituição de natureza religiosa afro-brasileira. Ou seja, acomodam o seu imaginário yorùbá nativo ao imaginário diaspórico do candomblé de ortodoxia nàgó (cuja constituição e formulação vimos anteriormente). Confirmam tal ideias as palavras de Adétàyò: “only wen we come to benavente thats wen we are close to our home land (sic)”[8].

Temos, pois, um curioso processo de acomodação religiosa, na qual os “pọ́rtúgérè” reconhecem valor/eficácia religiosa a uma comunidade fundada com base nos seus princípios exportados para o Brasil, criando uma nova dinâmica de interpenetrações religiosas euro-afro-brasileiras. Ou seja, a partir do momento em que os yorùbás de Lisboa aderem livremente ao candomblé e procedem a novas alianças com os seus òrìṣàs, agora segundo o modelo afro-brasileiro do Ilé Ìyá Násò Òká, a identidade “pọ́rtúgérè” transforma-se, reconfigura-se. Ser “pọ́rtúgérè” não é apenas ser yorùbá de Portugal, ou mais correntemente de Lisboa; ser “pọ́rtúgérè” é ser yorùbá de Lisboa, sim, mas também ser do candomblé, essa religião nascida da experiência dos escravos yorùbás, fons e bantus no Brasil e à qual aderem na busca de um pedaço da sua terra em novo contexto cultural e geográfico. Do ponto de vista da experiência religiosa, a transformação merece também nota. Ao passo que nas suas terras de origem estavam dedicados aos cultos dos òrìṣàs locais e familiares – na maioria dos casos Ògún, senhor do ferro e das atividades que requerem este metal –, em Portugal o òrìṣà da linhagem sanguínea é secundarizado, sobressaindo o òrìṣà individual, o qual lhes era desconhecido. Tal é o caso de Adékanmí, que em África se dedicava ao culto de Ògún, divindade da família, e em Portugal viu-se consagrado ao òrìṣà Ọbalúwàiyé, a que dão o nome de Ṣànpọ̀nná. Dessa forma, a referida acomodação se apresenta como uma reconfiguração das relações entre os sujeitos e as divindades yorùbás, agora individualizadas.

No referente à interação dos “pọ́rtúgérè” com outras comunidades de africanos, esta é baixíssima. Inicialmente supôs-se que as razões residiriam (sabendo à partida que ao contrário da ideia corrente há de facto uma interação baixa) particularmente nas barreiras linguísticas, tendo presente que os yorùbás e lato senso os nigerianos falam inglês para além das línguas nativas. Colocada tal possibilidade a Adétàyò, este foi pragmático: “not really, you know we have differences in culture and beliefs”[9]. Temos pois a barreira cultural e um sentido de si bastante vincado, que impossibilita a interação com africanos de outras nacionalidades. A experiência partilhada do desenraizamento derivado da emigração não chega para criar laços. Ademais, porque a experiência de desenraizamento não é absoluta, como se constata nas palavras do informante: “I feel like a normal yoruba man, mostly seeing my yoruba people around me, only feel far away when there is no one to speak our mother tongue with”[10].

Ora, o caso dos “pọ́rtúgérè” é contudo diferente dos casos cubano e americano. O primeiro, analisado demorada e cuidadamente por Palmié (2007), embora baseado na experiência religiosa como no caso brasileiro, distancia-se daquele consideravelmente. As andanças cubanas cuja estrutura de base é Regla de Ocha ou Santería (nome para as tradições religiosas afro-cubanas) resultam de uma construção que acompanhou a experiência nativa yorùbá e que se baseou num processo intelectual de “alinhamento retrospetivo” (nas palavras de Arthur Danto aplicadas ao presente caso por Palmié) por parte de intelectuais afro-cubanos, e não de uma ressignificação coletiva, como no caso brasileiro. Já o caso americano, analisado por Capone (2004, 2011) resulta de um processo histórico-cultural do séc. XX: o movimento negro norte-americano de feição cultural que se inspirava na procura de uma autenticidade e de uma identidade moderna própria[11]. O combate ideológico afro-americano e um renascimento cultural pró-africano, nas décadas de 1950, 60 e 70, estiveram na base da experiência yorùbá norte-americana.

Em todo o caso, nem a experiência cubana nem a norte-americana são objeto deste trabalho, quer pelo roteiro traçado cujo pendor é, claramente, alicerçado no eixo luso-afro-brasileiro, quer pelo espaço exíguo à sua produção. Servem, todavia, para nos dar conta que a experiência de ressignificação identitária opera sob plurais formas, ainda que o referencial seja homólogo.

Conclusão

A cultura e com ela a religião do espaço de influência de Ọ̀yọ́ sofreram ao longo dos últimos séculos intensa transformação. Desde a expansão de Ọ̀yọ́ até à sua queda, passando por uma reconquista e declínio, anexação e libertação do Daomé, as mutações culturais e religiosas foram tremendas. Costumes e crenças foram permanentemente renegociados ao sabor dos encontros intra-africanos, ou mais especificamente, proto-yorùbás, e destes com elementos exógenos, como o Islão vindo do norte e o cristianismo vindo do mar. Todas estas transformações desembocaram na constituição de uma identidade yorùbá, baseada num ideal político ligado a Ọ̀yọ́, num ideal mítico ligado a Ilé-Ifẹ̀, e na experiência de alteridade dos retornados da diáspora escravocrata: os “sàró” da Serra Leoa, os “lukumi” de Cuba e os “nàgó” da Bahia.

Como vimos também, essa experiência de alteridade e reconfiguração de identidade não foi um dado de ação autóctone, exclusivamente. Na outra margem do Atlântico, na Bahia, os vários povos de influência Ọ̀yọ́ procediam à reconfiguração da sua identidade num contexto traumático: a escravatura. O candomblé, experiência religiosa de intenso cariz diplomático, tornou-se símbolo de resistência cultural ao mesmo tempo que a identidade “nàgó” se configurava como guarda-chuva cultural para os diferentes povos proto-yorùbás, sob a chancela da cidade de Kétu.

O que se passou, portanto, em ambas as margens, foi um intenso trabalho cultural de “inventar tradição” e construir uma “comunidade imaginada”. Fabricação essa que não esteve independente de utilidades políticas, i.e., a reconfiguração identitária foi também um deslocar de forças e um jogo de tensões: em África entre os imaginários abraâmicos e os valores autóctones, no Brasil entre um contexto novo e os valores nativos. A forma como o candomblé se definiu é, pois, prova disso mesmo, à medida que se moldaram e esbateram os matizes rituais e cosmogónicos diversos, e se reconfigurou um discurso deste como locus feminino, ao qual Ruth Landes haveria de dar particular impulso a partir das narrativas orais da fundação do candomblé – oralidade a operar como ferramenta de fabricação de tradição e comunidade.

Posterior a este intenso tráfego afro-brasileiro, ou yorùbá-bahiano, encontramos similar mutação cultural e religiosa, mais ténue (mais acomodação do que reconfiguração) mas não menos expressiva. Na Lisboa do séc. XXI, yorùbás oriundos da Nigéria procuram melhores condições de vida, abandonando um estilo de vida nobiliárquico rural por uma economia dos bens de consumo. Ao passo que como comunidade não se verifica a constituição de uma dinâmica de comunitarismo, religiosamente, através do impulso particular de um diplomata a exercer funções temporárias em Lisboa, estes yorùbás, designados por “pọ́rtúgérè”, são agentes de alteração de paradigma religioso, acomodando a sua perceção da ẹ̀sìn ìbílẹ̀, i.e., da sua religião “tradicional” aos padrões de uma comunidade já estabelecida, curiosamente uma comunidade de candomblé bahiano de modelo “nàgó”. Sendo apenas uma pequena fatia da imigração nigeriana, também ela significativamente inferior à imigração dos países africanos de expressão portuguesa, estes “pọ́rtúgérè” interagem essencialmente entre si, não por uma barreira linguística, mas antes pela barreira cultural, acantonados que estão aos seus valores tradicionais e à sua forte ideia de “si” enquanto identidade coletiva. Pese as diferenças entre os imaginários religiosos autóctones e os modelos de configuração ritual e cosmogónica do candomblé, estes “pọ́rtúgérè” parecem expressar-se num continuum identitário, acomodando-se com considerável facilidade. Livres dos traumas da escravatura, o processo de adaptação difere então dos acontecimentos brasileiros, e inclusive cubanos e norte-americanos, os quais expressam processos de ressignificação próprios.

Em suma, fica claro que falar em identidade yorùbá equivale a falar em negociação com o espaço e o tempo; no fundo equivale a um diálogo mais ou menos dramático de uma cultura com um contexto exógeno. Quer a constituição da yorùbánidade, quer a constituição da identidade “nagô-ketu” e até mesmo da identidade “pọ́rtúgérè”, representam a resposta de um dado conjunto de pessoas, com uma ideia de si mesmas, a estímulos externos. Fabricar yorùbánidade, nagôcidade e pọ́rtúgérècidade, consistiu em processos de “inventar tradição” e constituir “comunidades imaginadas”.

Portanto, diante da nossa indagação inicial, i.e., “o que é ser yorùbá?”, concluiu-se que a resposta estará sempre dependente dos contextos, pois que ser yorùbá em África é amplamente diferente de o ser na Bahia, Cuba, Estados Unidos ou Lisboa. Afinal, é amplamente mais fácil delimitar as fronteiras de uma cultura extinta do que de uma cultura viva, em permanente renegociação e reconfiguração e que simultaneamente é fruto de um processo histórico de self-construction tendo por ferramenta a própria alteridade e a necessidade de forjar tradição.

Opções linguísticas

A língua yorùbá possui diferentes formas de acordo com a área geográfica de incidência. Contudo, seria com o século XIX que se iria definir uma grafia corrente, cuja fonética esteve influenciada determinantemente pela linguística de Ọ̀yọ́. Para nossa revisão foi usada a acentuação da página em yorùbá do sítio wikipedia [yo.wikipedia.org – tal opção resulta do facto de se tratar de um site feito para yorùbás, o que equivale a uma utilização coerente e correta da grafia yorùbá (yorùbá proper e outras aceites)] e o dicionário de 1918 da Church Missionary Society de Lagos.

 

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Recebido 15 de maio de 2012; Aceite para publicação 8 de janeiro de 2013

 

Notas

[1]     “Vossa alteza real, sua real majestade/Poderoso Xangô! Proteja-nos das guerras do Daomé” (Oliveira, 2002, p. 100).

[2]     “Vós que cumprimentais Yemonja/Pedindo licença à nação Tapa” (Oliveira, 2002, p. 108).

[3]     “Araketure Fara Imora Fara Imora Oluwo Fara Imora”, cântico ritual da “nação” de candomblé kétu (Amaral & Silva, 1992), muitas vezes designado como hino de kétu, que se utiliza para saudar os visitantes ilustres que visitam uma casa de candomblé, numa reatualização do primado de Kétu como identidade coletiva. Apesar de surgir na comunidade do candomblé (passim) como significando “Usamos o corpo para nos abraçar, Nós nos abraçamos, Somos todos filhos do Povo de Kétu, E pedimos a benção. Unidos em um só corpo”, a verdade é que a tradução parece conter pressupostos poéticos que pouco têm a ver ipsis verbis com o que é cantado, até porque na tradução não surge a palavra “sacerdote”, tradução para Oluwo. Dessa forma, fugindo à tentação literária, consideramos mais viável a tradução por “Povo de Kétu reunamo-nos em torno do sacerdote/líder” (Baba Adigun Olosun, via Facebook, 8 de Novembro de 2012).

[4]     O termo “terreiro” é utilizado correntemente para designar o espaço de culto religioso afro-brasileiro, termo oriundo dos velhos terrenos amplos e despojados usados pelos africanos para diversas celebrações. Compõe-se do “barracão”, i.e., do salão de festas, e de variados espaços sagrados, dos quais se podem citar, a título exemplar, a Casa de Èṣù, divindade das trocas, comunicação e protetor das cidades e templos, que se encontra na porta do templo, e mais ou menos casas de outras divindades, consoante a área que ocupa o “terreiro”. Sobre a organizaçã o espacial dos “terreiros” de candomblé ver R. S. Oliveira (2005).

[5]     Entrevistas realizadas desde 2009, passim, a membros da comunidade nigeriana yorùbá em Portugal. As mesmas não foram alvo de registo pela natureza da nossa interação com os informantes e por forma a garantir maior abertura e disponibilidade da parte destes.

[6]     Entrevista via Facebook a 9 de Novembro de 2012, em função do presente trabalho.

[7]     Sobre as questões do trauma e da escravatura, ver Mello (2010), M. Pereira (2011) ou S. Pereira (2010).

[8]     Entrevista via Facebook a 9 de Novembro de 2012, em função do presente trabalho.

[9]     Entrevista via Facebook a 9 de Novembro de 2012, em função do presente trabalho.

[10]   Entrevista via Facebook a 9 de Novembro de 2012, em função do presente trabalho.

[11]   A proposta da modernidade própria escora-se na ideia de “múltiplas modernidades” de Eisenstad (2007) e na assunção de “adaptação criativa” (Taylor & Lee, s.d.).

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