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Cadernos de Estudos Africanos

Print version ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.33 Lisboa Jan. 2017

 

DOSSIÊ

 

Apresentação

 

Sílvia Hunold Lara1; Lucilene Reginaldo2; José C. Curto3

1Universidade Estadual de Campinas, CECULT- IFCH - UNICAMP, Rua Cora Coralina, 100, 13083-896 Campinas SP, Brasil, endereço de correio eletrónicoshlara@unicamp.br
2Universidade Estadual de Campinas, CECULT- IFCH - UNICAMP, Rua Cora Coralina, 100, 13083-896 Campinas SP, Brasil, endereço de correio eletrónico: luregi@unicamp.br
3Department of History, York University, 4700 Keele Street, Toronto, ON, Canada M3J 1P3, endereço de correio eletrónico: jccurto@yorku.ca

 

 


Temas centrais na historiografia africanista, o domínio político, a escravidão e o trabalho forçado são abordados nesse dossiê a partir da reação dos africanos ao modo como esses fenômenos ocorreram em Angola, Moçambique e no Congo. Os artigos resultam de apresentações realizadas durante o Seminário Internacional Cultura, Política e Trabalho na África Meridional, que teve lugar na Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (Brasil), entre 11 e 14 de maio de 2015, promovido pelo Centro de Pesquisa em História Social da Cultura - CECULT (IFCH-UNICAMP) e pelo Harriet Tubman Institute for Research on Africa and its Diasporas (York University).

Os textos aqui reunidos abordam, num largo arco temporal, o confronto entre as práticas políticas africanas e as dinâmicas decorrentes da presença colonial. Seguindo as diretrizes mais amplas do mencionado seminário, todos valorizam o ponto de vista dos africanos e exercitam estratégias metodológicas para que essa perspectiva possa ser alcançada por meio de fontes majoritariamente produzidas pelos colonizadores.

Almeida visita o tema clássico da incorporação do catolicismo pelas sociedades centro-africanas bem como os debates a respeito do cristianismo africano, para mostrar a natureza conflituosa desse processo. A análise de três guias para a atividade missionária produzidos por religiosos capuchinhos em fins do século XVII e meados do XVIII permite vislumbrar os conflitos e, especialmente, a dinâmica da resistência das sociedades africanas à proposta católica de reconfiguração do universo cosmológico e social centro-africano.

Antunes esmiúça os significados clássicos dos movimentos de resistência, ao tratar de eventos e processos que se desenvolveram em Moçambique setecentista. O primeiro é a ação ostensiva e direta do macua Murimuno contra as tropas portuguesas, nas décadas de 1750 e 1780, na região da Macuana. Vitoriosas, as operações militares dos africanos puseram em risco a circulação de marfim e escravos, envolveram chefaturas diversas e somaram-se à rebeldia endêmica dos escravos que fugiam do cativeiro. O segundo, mais fluido do ponto de vista cronológico, é a manutenção do cultivo de algodão nativo e de machiras à revelia da imposição do consumo e uso de têxteis indianos. Resistência de caráter econômico e cultural, a produção e tecelagem de machiras mostra raízes antigas de práticas africanas que se fazem presentes até nossos dias.

O balanço da longa e penosa transição da escravatura para outras formas de exploração compulsória do trabalho e dos trabalhadores africanos é empreendido por Maria da Conceição Neto, a partir do exame da história angolana. O texto, que registra a conferência proferida pela autora no seminário realizado na UNICAMP, realiza uma discussão sobre as características que aproximavam e afastavam os “escravos”, “serviçais”, “recrutados”, “resgatados” e “contratados”. Por esse caminho, chega-se ao debate conceitual e ao diálogo historiográfico sobre as diversas formas do trabalho forçado colocadas a serviço da economia colonial, com interessantes sugestões de pesquisa.

Allina chama a atenção para a necessidade de abordar o ponto de vista africano para caracterizar as práticas de exploração do trabalho sob o regime colonial. Revisita, assim, os debates históricos e historiográficos sobre as diferenças e semelhanças entre a “escravidão à moda antiga” e o sistema de trabalho forçado predominante em Moçambique no início do século XX. A análise leva a uma discussão das noções de trabalho livre, em particular das formas de coerção sobre o trabalhador africano, de um lado, e do modo como essas práticas eram compreendidas pelos africanos, a partir de princípios que envolviam dignidade e honra, e dos significados da degradação.

Ao examinar o levante ocorrido no Kongo em 1913 contra o recrutamento forçado de trabalhadores, Vos empreende uma análise das relações clientelistas estabelecidas entre o Estado colonial português, os governantes do Kongo e seus eleitores locais. No centro das relações de reciprocidade em meio ao domínio colonial estava a exploração do trabalho, mas o processo de cooptação dos sistemas políticos locais implicou modos específicos de reagir à cobrança de impostos, à imposição da ordem e ao recrutamento forçado de mão de obra.

As modalidades do trabalho forçado na região do antigo Médio-Congo francês constituem o centro da análise realizada por Keese, que examina o modo como os africanos se aproveitavam das fronteiras entre vários sistemas de dominação colonial (incluindo o domínio português em Cabinda) para enfrentar e driblar as pressões a que estavam submetidos. Nesse caso, a análise avança para o período da independência, com comparações entre o trabalho forçado colonial e as medidas de trabalho forçado para as populações consideradas “vadias”.

O dossiê traz, assim, contribuições significativas para o debate sobre as dimensões da agência africana diante da conquista e do domínio colonial e dos modos de exploração do trabalho. Os diversos artigos abrem um campo analítico interessante ao colocar em paralelo as formas de submissão presentes na escravidão e no trabalho forçado, bem como as condições da resistência dos trabalhadores (escravos ou forçados), ao longo do tempo.

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