SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número34Interview with Ebba DohlmanEvolução do(s) Conceito(s) de Desenvolvimento: Um Roteiro Crítico índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Cadernos de Estudos Africanos

versão impressa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.34 Lisboa dez. 2017

https://doi.org/10.4000/cea.2335 

DOSSIÊ

 

Desenvolvimento ou Pós-Desenvolvimento? Des-Envolvimento e... Noflay![1]

 

Development or post-development? De-(en)velopment and… noflay!

 

 

Rogério Roque Amaro

Departamento de Economia Política, ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, Av. das Forças Armadas,1649-026 Lisboa, rogerio.amaro@iscte-iul.pt

 

 


RESUMO

Pretende-se, neste artigo, contribuir para o debate e a reflexão sobre o sentido, a pertinência e a actualidade do conceito de desenvolvimento, tendo como provocação as críticas que lhe têm sido dirigidas pelos autores da corrente do “pós-desenvolvimento”. É ainda útil e pertinente falar e utilizar o conceito de desenvolvimento? Ou é uma palavra e um conceito definitivamente pervertido, desqualificado e irrecuperável, como defendem os “pós-desenvolvimentistas”? Assume-se neste artigo que a atitude mais interessante e enriquecedora é a que coloca alguns destes conceitos em diálogo e em interacção uns com os outros. Por isso, e simbolicamente, se termina propondo um diálogo inovador e desafiante entre o “des-envolvimento” (redescoberta semântica do sentido original dessa palavra) e o “noflay” (palavra que, em língua wolof, do Senegal, quer dizer “bem-estar” ou “estar bem”), como uma das propostas mais recentes para este debate a partir de um continente normalmente esquecido – a África.

Palavras-chave: desenvolvimento, desenvolvimento comunitário, desenvolvimento sustentável, pós-desenvolvimento, buen vivir, noflay


ABSTRACT

The aim of this article is to foster the debate on the meaning, the relevance and the current usefulness of the concept of development, given the criticism voiced by post-development authors. Is it still useful and relevant to speak of development and use this concept? Or is it a word and a concept that is definitively perverted, disqualified and irrecoverable, as post-developmentalists advocate? This article assumes that the most interesting and enriching attitude in this regard is to put those concepts in dialogue and interaction with one another. For this reason, symbolically it ends up proposing an innovative and challenging dialogue between “de-(en)velopment” (semantic rediscovery of the original meaning of the word) and “noflay” (a word that in the Wolof language of Senegal means “wellbeing” or “being well”), as one of the most recent proposals for this debate from a usually forgotten continent – Africa.

Keywords: development, community development, sustainable development, post-development, buen vivir, noflay


 

 

1 - Introdução

O tema do desenvolvimento continua a suscitar abordagens e controvérsias várias[2]. Para uns, continua a ser um objectivo e um sonho a perseguir com determinação. Para outros, não passa de um mito, que continua a mobilizar e a atrair povos e nações, de forma não justificável, porque inalcançável. Para outros ainda, é uma peça de uma ideologia e de uma estratégia de dominação das potências sobre os países periféricos. Para outros, trata-se de um conceito “zombie” ou moribundo, que se impõe banir e substituir por outros mais adequados. Para outros ainda, trata-se de um conceito em renovação, aberto a novos caminhos e pistas.

Este artigo parte do pressuposto de que ainda é pertinente discutir este tema e tentar esclarecer o sentido e os conteúdos dessa discussão. Tem mesmo a pretensão de contribuir para a elucidar um pouco mais, sem a encerrar, como é óbvio, mas sobretudo procurando mantê-la em aberto. Esse é o seu principal objectivo, considerando que ainda há espaço e bases para tal.

Procura, portanto, partilhar algumas reflexões, interrogações e sugestões, tendo o conceito e as práticas de desenvolvimento como mote.

Para o fazer, entendeu-se dividir o artigo em dez pontos, começando por esta Introdução e acrescentando-lhe mais nove pontos.

No segundo, que se segue a esta Introdução, procura-se situar genericamente o importante debate actual, que coloca em confronto e/ou em diálogo os/as que entendem, com uma extraordinária diversidade de posições, argumentos e consequências, que a expressão “desenvolvimento” ainda é pertinente e pode continuar a ser utilizada, mesmo que, eventualmente, com novas acepções, e os/as que defendem que esse termo está indubitável e irreversivelmente inquinado e contaminado, anunciando e propondo uma nova “era de pós-desenvolvimento”, em que o conceito de “desenvolvimento” deve ser abandonado, terminando a sua “era”, e substituído por conceitos alternativos.

No ponto seguinte (3), relembram-se as principais características do conceito de desenvolvimento tradicional, que se implantou e predominou no pós-Segunda Guerra Mundial, com as suas lógicas eurocêntricas, antropocêntricas e economicistas, sendo ainda para muitos o conceito de referência.

De seguida, no ponto 4, enunciam-se e apresentam-se sucintamente os seis conceitos, com maior validação científica e reconhecimento político-social, que surgiram nos últimos cerca de trinta anos, como conceitos e práticas de desenvolvimento alternativo, em que, mantendo a palavra-chave (“desenvolvimento”), se acrescentam novos adjectivos, marcando as críticas e as sugestões de alternativas ao conceito tradicional do pós-guerra.

No ponto 5 resumem-se as principais críticas que os autores “pós-desenvolvimentistas” dirigem aos conceitos de “desenvolvimento alternativo”, considerando que as suas propostas e “boas intenções” foram apropriadas pelo sistema, o que as torna inadequadas e impotentes para as mudanças e o carácter alternativo que visavam, pelo que, na sua opinião, são uma falácia.

Na sequência dessas críticas, no ponto seguinte (6), indicam-se e analisam-se os conceitos que podem ser considerados “alternativos ao desenvolvimento” e, de certa forma, inspirados em epistemologias “do Sul”, embora, na maioria, não tenham sido propostos ou explicitados, ou sequer considerados, por autores “pós-desenvolvimentistas”, como se explicará então.

Propondo uma outra leitura, no ponto 7 procura-se sublinhar as mais-valias e inovações que alguns conceitos de “desenvolvimento alternativo” propunham e ainda contêm, nomeadamente tendo em conta que também foram e são, nalguns casos, oriundos de epistemologias do Sul e de práticas alternativas e emancipatórias, recusando-se tratá-los todos por igual, à luz das referidas críticas “pós-desenvolvimentistas”.

Em consequência, no ponto 8 formulam-se alguns comentários às posições e propostas dos principais autores “pós-desenvolvimentistas”, sublinhando-se o que se considera serem as suas críticas e contribuições mais pertinentes e inovadoras, mas também anotando o que se entende serem riscos de arrogância, desconhecimentos ou inesperadas ingenuidades.

Por isso, no ponto seguinte (9) tem-se em vista apresentar as razões por que se rejeita uma visão disjuntiva, maniqueísta e dualista na abordagem deste tema (“desenvolvimento” e afins), propondo-se antes uma perspectiva copulativa, assente numa epistemologia do “E” (e não do “OU”), que procura tirar proveito e valorizar as vantagens do diálogo entre algumas das formulações dos conceitos de desenvolvimento alternativo e alguns dos conceitos alternativos ao desenvolvimento, como se pode ilustrar com as pontes, sinergias e pontos comuns entre os conceitos e as práticas de desenvolvimento comunitário e de buen vivir.

Finalmente, no último ponto (10), enunciam-se algumas notas conclusivas, ilustradas pelas pistas sugestivas e substantivas contidas na decomposição semântica da palavra “desenvolvimento” (des-envolvimento) e pelo diálogo que elas permitem com, por exemplo, a proposta menos conhecida decorrente do conceito de “bem-estar”, inerente à palavra “noflay”, da língua wolof, proveniente de uma abordagem de origem africana, normalmente muito mais descurado nestas reflexões.

 

2 - Desenvolvimento ou pós-desenvolvimento – As razões de um confronto

O conceito de desenvolvimento só adquiriu validação científica (no sentido de dispor de uma bibliografia em línguas internacionais com circulação académica, de inspirar cursos e disciplinas em universidades relevantes e de fundamentar trabalhos académicos de certificação científica – teses de mestrado e de doutoramento) e reconhecimento político-institucional (no sentido de ser usado para designar departamentos e documentos estratégicos de governação ou ainda organismos de referência internacional e de justificar agendas de cimeiras, conferências e encontros internacionais) após a Segunda Guerra Mundial, por várias razões[3].

É verdade que a justificação normalmente invocada[4] refere-se à (então) independência recente das antigas colónias europeias, servindo sobretudo para “orientar” essas “jovens nações”[5], como genericamente todos os países de outros continentes que não os da Europa ou os Estados Unidos da América, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, todos classificados, após o célebre discurso de 1949 do Presidente Truman (dos EUA), como “subdesenvolvidos”[6], nos caminhos do progresso e... da “civilização” (como alguns autores referiam explicitamente).

Esta associação exclusiva das origens e da “utilidade” do conceito de desenvolvimento aos “países subdesenvolvidos” e ao seu “caminho para o progresso e a civilização” escamoteia ou ignora, não só outras razões para a sua emergência, apropriação e “prestígio”, como também outras críticas que lhe foram dirigidas, a partir não só dos “deserdados” do desenvolvimento (oriundos do “Sul global”), mas também dos críticos dos sistemas dominantes e dos que recusaram os seus supostos “benefícios” e lutaram (de múltiplas formas) por alternativas (ainda que vivendo no “Norte global”, mas situando-se num “Sul do Norte”, ou num “Sul epistemológico”).

De facto, foram também, sem dúvidas, razões para a validação científica e o reconhecimento político-institucional do conceito de desenvolvimento, estas outras[7]:

A necessidade de o associar e servir de referência à “reconstrução europeia”, depois de todas as destruições que a guerra provocou, na Europa em geral[8], entendida, antes de mais, como uma retoma dos “caminhos de progresso e de desenvolvimento”, já anteriormente experimentados – o desenvolvimento como pilar da reconstrução e da retoma do progresso;

A importância de ser a base de fundamentação e de referência para os processos de acumulação, necessários para suportar a competição desenfreada entre as duas grandes potências do pós-guerra (os EUA e a URSS), nomeadamente como pilares de financiamento e de rentabilização dos complexos tecnológicos e militares da corrida aos armamentos (cada vez mais sofisticados e destrutivos) e da conquista do espaço – o desenvolvimento como fundamento e suporte da Guerra Fria;

A urgência de se tornar a “palavra de ordem” de uma (desejada) “nova era de paz e progresso”, que pudesse suceder aos horrores e destruições das duas Guerras Mundiais e da Grande Crise dos anos 30[9] – o desenvolvimento como o mote desejado de um mundo ansioso pela paz;

A convergência que assumiu com as lógicas intervencionistas (do Estado) na economia e na sociedade, que se tornaram predominantes depois da Segunda Guerra Mundial, quer no contexto dos países de regime socialista (segundo o modelo do Estado socialista e as referências do marxismo-leninismo), quer nos países capitalistas (sob a protecção do Estado-providência e a inspiração do keynesianismo) – o desenvolvimento como um objectivo e uma justificação geral das intervenções do Estado, em ambas as situações[10].

Pelo cruzamento e combinação destes factores, o desenvolvimento tornou-se, depois da Segunda Guerra Mundial, um conceito de referência, um objectivo a atingir, um caminho a prosseguir, um sonho para muitos povos.

Como conceito, mobilizou desenvolvimentos teóricos diversos, tanto de inspiração keynesiana (ou pró-keynesiana)[11], como de inspiração marxista-leninista[12]. Embora com diferenças assinaláveis, há também pontos comuns entre um “capitalismo desenvolvimentista” e um “socialismo desenvolvimentista”[13], como já se referiu[14].

Como objectivo, mobilizou políticos e populações, na procura de caminhos e sonhos.

Como caminho, justificou estratégias e planos e assumiu amiúde um carácter e um interesse ideológico.

Como sonho ou utopia, tornou-se, muitas vezes, um mito!

Como conceito, foi objecto, desde o início, de várias críticas, sendo de assinalar[15]:

As de economistas, como Ragnar Nurkse (sobre o “círculo vicioso da pobreza”)[16], Gunnar Myrdal (sobre a “causalidade cumulativa” e a necessidade de “novos homens”)[17] e François Perroux (sobre a diferença entre progresso ou progressividade e progressos e sobre os “custos humanos” do crescimento económico)[18];

As de vários técnicos e várias técnicas do terreno da “ajuda ao desenvolvimento”, ligados/as a departamentos da ONU ou a ONGD, que puseram em causa os modelos de desenvolvimento, inerentes e impostos com essas “ajudas” e propuseram e praticaram métodos alternativos, que ficaram conhecidos como de “desenvolvimento comunitário”[19];

As dos autores da Escola da Dependência, provenientes sobretudo da América Latina, denunciando os efeitos de dominação dos processos de desenvolvimento, baseados nas lógicas propostas/impostas pelos chamados “países desenvolvidos” e no facto de o “subdesenvolvimento” não ser de facto mais do que “a outra face” e o efeito do “desenvolvimento” dos “países desenvolvidos”[20];

As dos autores da Teoria do Sistema-Mundo, que, a partir da teoria dos ciclos históricos de Fernand Braudel, e retomando algumas das ideias da Escola da Dependência (mas não a sua visão pessimista e determinística), introduzem um terceiro conceito (lugar na economia-mundo), o de “semi-periferia” e, consequentemente, uma leitura dinâmica dos processos de desenvolvimento, recusando tanto uma visão optimista (como a Teoria da Modernização de Arthur Lewis ou a Teoria das Etapas de Crescimento Económico, de Walt Whitman Rostow), como uma visão pessimista (como a Escola da Dependência) desses processos[21].

Foi a partir de 1992 que a corrente do “pós-desenvolvimento” se afirmou, propondo o “fim da era do desenvolvimento” e o início de uma nova era, liberta das influências negativas de um conceito, dominado por “intenções geo-estratégicas de natureza capitalista, colonialista e patriarcal”[22].

A partir de então, vários autores têm juntado as suas vozes a uma crítica contundente ao conceito de desenvolvimento. Entre eles, podem referir-se os nomes de Alberto Acosta, Arturo Escobar, Boaventura de Sousa Santos, Claude Alvares, Eduardo Gudynas, Gilbert Rist, Gustavo Esteva, Ivan Illich, Majid Rahnema, Serge Latouche e Wolfgang Sachs, entre muitos outros[23].

São três as principais críticas, em síntese, ao conceito de desenvolvimento[24]:

É um conceito baseado nas experiências de industrialização e crescimento económico, assumidas como o caminho do progresso, pelos países europeus e pelos seus replicadores (como o caso mais notável dos EUA), desde a Revolução Industrial, na construção do capitalismo, ou seja, é uma via e uma forma de dominação do capitalismo, como modo de produção e modelo de sociedade;

É um conceito baseado nos valores culturais e nos interesses geo-estratégicos do Norte e do Ocidente, propondo-se, ou melhor impondo-se como “um farol”, a guiar o caminho do progresso e da “civilização” dos países considerados “subdesenvolvidos”[25], ou seja, é um instrumento de dominação colonialista (ou neo-colonialista)[26];

É um conceito que assenta numa lógica de desigualdade e de dominação de género, atribuindo, em geral, às mulheres papéis subordinados e desqualificados, ou seja, é uma forma de dominação patriarcal.

Sendo um conceito ferido irremediavelmente por estes três modos de dominação, deve ser abandonado[27], pondo um fim à “era do desenvolvimento” e abrindo as portas a novos conceitos, critérios e designações, a partir de outras origens, influências e valores (com base no Sul global)[28].

A questão que se pretende abordar neste trabalho é precisamente a de reflectir como se situar perante estas críticas e esta proposta radical de se abandonar o conceito de desenvolvimento, actualizando a reflexão que já se tinha proposto em momento anterior[29]. Desenvolvimento ou pós-desenvolvimento, eis pois a questão central deste artigo!

 

3 - Um desenvolvimento eurocêntrico, antropocêntrico e economicista

É certo que o conceito de desenvolvimento sofre, nas suas formulações dominantes, de diversos enviesamentos e provoca vários efeitos nefastos[30]. Relembrem-se alguns dos mais relevantes:

Uma das características mais marcantes, desde o início, talvez até a mais dominante do conceito é o seu carácter economicista e produtivista e o seu vínculo decisivo ao crescimento económico (com o qual se confunde amiúde), aos seus indicadores (como o PIB ou o rendimento per capita) e aos factores e variáveis económicas como determinantes dos processos de mudança e de realização do bem-estar e da felicidade das pessoas. Este determinismo e absolutismo economicista tem tido consequências nefastas a muitos níveis, nomeadamente social (como desigualdades, entre países e dentro dos países, em agravamento, situações cada vez mais sofisticadas e difíceis de pobreza e exclusão social e psico-social, desemprego e empregos precários, injustiças sociais de vários tipos), ambiental (diferentes formas de destruição e de insustentabilidade da Vida na Casa Comum), cultural (destruição e menorização de culturas, valores e identidades, arrogância e intolerância, nas relações entre diferentes culturas, tendência para o uniformismo), territorial (abandono, em geral, das regiões rurais mais pobres; congestionamento e guetização da pobreza e exclusão social, nas zonas urbanas/metropolitanas; futuro desaparecimento de zonas costeiras, ribeirinhas e insulares, derivado das alterações climáticas), político (submissão da democracia e das decisões políticas aos poderes económicos e financeiros), cognitivo (desvalorização do conhecimento crítico, em face dos interesses económicos e da manipulação da “sociedade da informação” e das grandes multinacionais dos “negócios da informação e das redes sociais”) e ético (defesa da “amoralidade” da economia e consequentes efeitos imorais, não questionados). Este determinismo economicista e produtivista do conceito de desenvolvimento traduziu-se também no mito irresponsável e predador do crescimento económico, como sonho de uma abundância sem limites[31], e ainda na associação do conceito a onze mitos ou crenças – economicismo, produtivismo, consumismo, industrialismo, tecnologismo, quantitativismo, antropocentrismo (individualista ou colectivista), racionalismo, urbanicismo, etnocentrismo e uniformismo[32]. Embora com algumas diferenças, no essencial, esta marca economicista do conceito de desenvolvimento está/esteve presente, tanto no modelo desenvolvimentista capitalista, como no “socialista real”/(nomeadamente das sociedades do “modelo soviético”[33]), igualmente desenvolvimentista, sendo que a maioria daqueles onze mitos estão, de certo modo, presentes em ambos os modelos[34]. É certo, contudo, que as versões capitalistas desenvolvimentistas foram mais numerosas (têm ocorrido em mais países) e têm deixado marcas mais perduráveis.

Outra das características essenciais do conceito de desenvolvimento é o seu etnocentrismo de origem eurocêntrica[35], que o tornou, frequentemente, de natureza colonialista e imperialista ou neo-colonialista, não só nas suas expressões político-formais e territoriais, mas também e sobretudo nos seus processos mais insidiosos de natureza cultural, económica, social, ambiental, cognitiva, simbólica e ética, que se impuseram como “modelos ou caminhos a seguir”, como modernidade e civilização superiores a alcançar, ou como farol ou sol de referência[36]. E também neste caso, existe um etnocentrismo capitalista (mais marcante e omnipresente), mas, de igual modo, um etnocentrismo associado aos modelos socialistas reais (nomeadamente de origem soviética)[37].

É, por outro lado, um conceito que foi profundamente marcado por uma das características mais nucleares da Modernidade, nascida da Revolução Industrial e da Revolução Francesa: o antropocentrismo, como reacção aos teocentrismos dominantes, em geral, nas sociedades pré-modernas, e como “modo histórico” dos últimos cerca de 230 anos. Assenta, entre outros pilares epistemológicos e filosóficos, numa hiper-valorização da Liberdade, no predomínio da Razão e numa relação utilitarista de domínio sobre a Natureza... “irracional”, introduzindo, na História, um outro modo de dominação (para além do que resulta da relação desigual entre nações, numa lógica colonialista, e da exploração do “homem pelo homem”, numa lógica capitalista), que é a exploração da Vida da Casa Comum e dos outros seres vivos e componentes abióticos pelos “seres humanos racionais” (logo superiores...)[38]. Também neste caso, ambos os modelos de referência, que se confrontaram na Modernidade, sobretudo na segunda metade do século XX – capitalismo e socialismo –, assumiram profunda e intrinsecamente[39] uma natureza e um modo de exploração antropocêntrico, com graves destruições da Natureza e da Vida, em geral, no primeiro caso com foco no indivíduo (e na sua Liberdade), no segundo com foco no colectivo (e no enunciado da Igualdade): está-se assim em presença de dois antropocentrismos, um ideologicamente mais individualista, outro mais colectivista.

Outra característica nuclear deste conceito, mas que já vinha de trás, é o que se pode designar por androcentrismo, ou seja, o que se poderia chamar de modo de dominação patriarcal, traduzido numa desigualdade de oportunidades e de resultados entre homens e mulheres e, mais ainda, num predomínio de valores e de perspectivas masculinas (ou mesmo machistas), sobre outros de natureza feminina, independentemente de serem protagonizados por homens ou mulheres[40]. Também neste caso, esta lógica foi dominante, quer nas sociedades capitalistas, quer nas socialistas, construídas historicamente, sem prejuízo de, em ambos os casos, ter havido lutas heróicas das mulheres e dos movimentos feministas em geral, na conquista dos seus direitos.

Refira-se ainda o pendor inevitavelmente uniformista do conceito, como o resultado mais grave da sua lógica etnocêntrica, propondo/impondo modelos e caminhos “one best way”, segundo o “American way of life” (a “Ocidente”), ou seguindo o “Sol da [41]. Este uniformismo, a que a aplicação do conceito dominante de desenvolvimento tem conduzido, tem concretizações a variados níveis – económico, social, ambiental, cultural, político, cognitivo (impondo, por exemplo, modelos e conteúdos de conhecimento, que desprezam e desperdiçam outras formas e propostas de conhecimento não académicas nem convencionais) –, mas é sobretudo factor de eliminação da Vida, a todos os níveis, uma vez que, como mostra a Ecologia, esta só é sustentável na diversidade.

Esta leitura crítica do conceito de desenvolvimento – assente em cinco principais características e formas de dominação: economicismo, etnocentrismo, antropocentrismo, androcentrismo e uniformismo – pode parecer menos ideológica do que a que veiculámos atrás, para sintetizar as críticas dos autores da corrente do “pós-desenvolvimento”. Pode até parecer tendencialmente tecnocrática... Mas parte de uma perspectiva epistemológica, mas não menos ideológica, só que afastando-se dos limites e condicionalismos das duas ideologias dominantes no século XX, que, aliás como se viu, apresentam ambas, ainda que com intensidades, amplitudes e implicações diferentes, manifestações e consequências graves a todos aqueles níveis. Pelo que o século XXI tem de as criticar, nomeadamente nas suas falhas e insustentabilidade, e se libertar das suas formas de dominação e dos seus condicionalismos interpretativos, para abrir as portas a novos caminhos e quadros de referência.

Como se verá de seguida, há vários caminhos, experiências e propostas que anunciam novas perspectivas e são portadores de sinais de esperança, para viabilizar uma Vida (numa perspectiva ecocêntrica, e não meramente antropocêntrica) com mais dignidade, sustentabilidade e diversidade.

E esses caminhos estão nas encruzilhadas e nos diálogos entre os “desenvolvimentos alternativos” (alguns) e as “alternativas ao desenvolvimento” (algumas), e não na recusa radical de uns, a favor de outras. As portas para o futuro assentam mais no E, do que no Ou!

 

4 - As propostas de desenvolvimento alternativo

As várias críticas que foram surgindo, desde o início, ao conceito de desenvolvimento, marcado pelas cinco características enunciadas no ponto anterior, fizeram surgir a necessidade de o reformular.

É contudo no contexto da passagem da década de 60 para a de 70 que vários factores vão contribuir decisivamente para várias reformulações do conceito, nas décadas seguintes (sobretudo nas de 80 e 90. Entre esses factores, sublinham-se cinco[42]:

A frustração e a revolta de alguns dos chamados países do Terceiro Mundo, em face das insuficiências dos resultados do desenvolvimento e do não cumprimento dos compromissos assumidos pelos “países desenvolvidos” de “ajuda ao desenvolvimento”, no quadro da “década do desenvolvimento” (década de 60), seguida de reivindicações dos “direitos dos povos” e de uma “nova ordem económica internacional”. Um momento simbólico importante foi a aprovação, por 77 países (de África, da América Latina e da Ásia) do chamado Movimento dos Não Alinhados, da Carta de Argel, em 24 de Outubro de 1967[43], onde essas reivindicações eram apresentadas.

Os vários movimentos cívicos e sociais e sintomas de mal-estar social e de críticas violentas ao modelo de sociedade predominante nos “países desenvolvidos”, que assolaram estes países entre finais dos anos 60 e inícios de 70. O acontecimento mais simbólico foi, sem dúvida, os protestos estudantis em França, normalmente conhecidos por “Maio de 1968”, mas podem-se citar muitos outros: as lutas cívicas nos EUA desde Martin Luther King (assassinado em 1968), até ao movimento dos Black Power[44] e ao partido dos Black Panthers (com Malcom X, como referência); os protestos estudantis de Maio de 1969 em Itália; o movimento hippie, de contestação e de recusa da sociedade de consumo e de opção por uma vida simples, sem preconceitos e mais perto da Natureza, baseada no Amor (“Make love, not war”, era um dos seus slogans, contra a Guerra do Vietname) e na Paz, que se alastrou a vários países; o início das primeiras iniciativas e reivindicações do movimento feminista (por exemplo, o protesto conhecido por “Bra burning”, ou “Queima dos soutiens”, aquando da eleição da “Miss América”, em 1968); as guerrilhas urbanas das Brigatte Rosse (Brigadas Vermelhas), criadas em 1969, em Itália, do Grupo Baader-Meinhof (cujo nome de facto era “RAF - Rote Armee Fraktion”, ou “Fracção do Exército Vermelho”, liderada por Andreas Baader e Ulrike Meinhof), com grande actividade bombista e de sequestros, na República Federal da Alemanha, sobretudo entre 1967 e 1972, e ainda da WUO - Weather Underground Organization (mais conhecida por “Weather Underground”), criada nos EUA, em 1969, a partir do movimento SDS - Students for a Democratic Society, e que, entre 1969 e 1973, realizou vários atentados à bomba contra edifícios públicos e instalações bancárias, para protestar contra as intervenções militares dos EUA (nomeadamente no Vietname) e para “derrubar o governo capitalista norte-americano”.

A tomada de consciência dos problemas ambientais, provocada pelo modelo de desenvolvimento economicista, obcecado pelo crescimento económico, tendo como datas de referência: a Conferência de Estocolmo de 1972, sobre o Meio Ambiente Humano, a primeira organizada pelas Nações Unidas para abordar esse tema, da qual derivou a criação, em 1983, da WCED - World Commission on Environment and Development (Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento), presidida pela primeira-ministra norueguesa, Gro Harlem Brundtland e que publicou o conhecido “Relatório Brundtland”, com o título de Our Common Future[45]; a publicação, também em 1972, do estudo, encomendado pelo Clube de Roma, sobre os recursos naturais (não renováveis) estratégicos, cuja principal conclusão (autêntico balde de água fria para os defensores do “crescimento económico ilimitado”) está no próprio título – Limits to Growth[46].

O fim do modelo de crescimento económico fordista do pós-guerra, baseado no tripé virtuoso do fordismo empresarial (produtividade-lucros-salários, conjugados em alta), na concertação social, assegurando a “paz social”, na protecção social do Estado-providência, na regulação económica keynesiana e no adiamento para o futuro (externalização) dos custos ambientais, que entrou em entropia e em crise em finais dos anos 60: os indicadores da OCDE mostram claramente uma sequência de evoluções nesses países, a partir de 1964-1966, que interrompem os (supostos) “gloriosos trinta anos de crescimento económico do pós-guerra” – desaceleração da produtividade média, queda das taxas de lucro e da rentabilidade do capital, diminuição das taxas de investimento e desaceleração das taxas de crescimento económico; verifica-se uma crise, com desvalorização da libra esterlina, em 1967; igualmente uma crise, com desvalorização do dólar norte-americano, em 1971, seguindo-se o abandono do sistema de padrão-ouro e das regras de Bretton Woods, nos pagamentos internacionais; constata-se uma situação inédita de “stagflation” na economia dos EUA, a partir de 1971[47]. A partir da crise e do fim do modelo fordista de crescimento económico do pós-guerra, sucede-se uma série de crises, que a vão ampliar (como as crises do petróleo de 1973-1974[48] e 1979-1980) ou dar-lhe continuidade, até à actualidade. Deixa, desse modo, de ser possível associar, de forma virtuosa, crescimento económico com desenvolvimento, ainda que se continuasse a acreditar nessa relação sine qua non, uma vez que o “novo” crescimento económico deixa de ser criador de emprego seguro e de ser acompanhado de maior igualdade na distribuição de rendimentos.

Sucessão de crises e de situações de ruptura nos países socialistas, tendo, como situação mais simbólica inicial, a crise da chamada “Primavera de Praga”, entre Janeiro e Agosto de 1968. Sucederam-se diversas crises económicas e de abastecimento, sobretudo na URSS, na República Democrática da Alemanha e na Polónia, as greves e crises laborais na Polónia (com o protagonismo central do sindicato autónomo Solidarnosć e do sindicalista Lech Walesa, e com a eleição de um papa polaco – Karol Wojtila/João Paulo II – a ajudar), as crises políticas e sociais na URSS, com o consequente “efeito Gorbachov” (e as suas palavras de ordem “Perestroika” e “Glasnost”) e a crise nuclear do desastre da central de Chernobyl, em 1986, culminando tudo, simbolicamente, com a Queda do Muro de Berlim, em 1989.

As críticas e os abalos provocados por estes factores, entre outros, estiveram na origem de diversas reformulações e renovações do conceito de desenvolvimento, sobretudo nas décadas de 80 e 90. Surgiram várias propostas, quase todas adjectivando a palavra “desenvolvimento”. Das muitas dezenas de expressões sugeridas nesse período, assinalam-se as seis cuja validação científica e reconhecimento político-institucional (segundo os critérios indicados no início do ponto 2, acima) são mais notórios[49]: desenvolvimento sustentável, desenvolvimento local, desenvolvimento participativo, desenvolvimento humano, desenvolvimento social e desenvolvimento integrado[50]. São o que se pode designar por conceitos de “desenvolvimento alternativo”.

Apresentam, como principais inovações, as sete seguintes[51]:

Propõem, em geral, uma perspectiva multidimensional e interdisciplinar[52] do desenvolvimento, por oposição a uma visão economicista, profundamente disciplinar, sectorial e segmentada;

Valorizam mais (ou, pelo menos, também) a realização das capacidades do que a mera satisfação das necessidades;

Assentam frequentemente em dinâmicas participativas e de “empowerment”, implicando associar o conceito de desenvolvimento à promoção de cidadania e da democracia;

Abrem as portas a uma nova relação do desenvolvimento com a Natureza, marcada pelo princípio da sustentabilidade, o que implica mudar de uma relação utilitarista de dominação, para outra de interdependência sistémica;

Sugerem novos níveis territoriais de acção, para além do tradicional “Estado-nação”, nomeadamente ao nível local e supranacional;

Convocam todo o tipo de protagonistas para as acções para o desenvolvimento, o que se traduz obrigatoriamente em lógicas de co-responsabilização e de parcerias;

Exigem o princípio da diversidade, aplicado ao desenvolvimento, aos seus caminhos, modelos e conteúdos, por total oposição à lógica do “one best way” (ou “one size fits all”), predominante na visão convencional do desenvolvimento, reencontrando-se com as condições necessárias para a Vida prevalecer.

 

5 - As críticas pós-desenvolvimentistas aos desenvolvimentos alternativos

Como já se referiu, segundo os autores da corrente do “pós-desenvolvimento”, o conceito de desenvolvimento apresenta, na sua formulação dominante, três principais “pecados originais”: ser capitalista, colonialista e patriarcal.

E, segundo a maioria desses autores, não são as reformulações ou renovações[53], de que se falou no ponto 4, que o salvaram, uma vez que, desde logo, ao manterem a palavra “desenvolvimento”, estão irremediavelmente contaminadas e inquinadas com aqueles “pecados originais”, pesem embora as “boas intenções” (nalguns casos, a hipocrisia...) de alguns “burocratas das instituições internacionais”[54], dos “novos cruzados do ‘desenvolvimento alternativo'”[55], de “tecnocratas humanistas”[56], de “algumas ONG cristãs”[57].

Consideram esses autores que essas supostas reformulações não são mais do que meras tentativas para salvar o conceito de desenvolvimento e para mascarar os seus efeitos perversos, procurando, embora agora com novas roupagens (com adjectivos), perpetuar a sua influência de dominação ideológica, mas sem de facto pôr em questão o seu verdadeiro objectivo. Leia-se, por exemplo, Serge Latouche:

Entramos en la era de los desarrollos “en partículas” para intentar conjurar mágicamente los efectos negativos de la empresa desarrollista. Hemos visto los desarrollos “autocentrados”, “endógenos”, “participativos”, “comunitarios”, “integrados”, “auténticos”, “autónomos y populares”, “equitativos”... por no hablar del desarrollo local, del microdesarrollo, del endodesarrollo, e incluso del etnodesarrolllo! Al añadirle un adjetivo al concepto de desarrollo no se pone en cuestión realmente la acumulación capitalista[58].

Por isso, como escreveu Gustavo Esteva:

Necesitamos oponernos con firmeza a la esperanza adicional de vida que se quiere dar al desarrollo con la creación de alternativas. Padecimos ya las consecuencias de adjetivos cosméticos, que trataban de disimular el horror: desarrollo social, integral, endógeno, centrado en el hombre, sustentable, humano, “otro”... No podemos esperar que la salida provenga de burócratas de las instituciones internacionales ni de los nuevos cruzados del “desarrollo alternativo”, que derivan dignidad e ingresos de la promoción del desarrollo[59].

Há pois uma crítica generalizada destes autores aos conceitos de desenvolvimento alternativo, considerando que não trouxeram nada de radicalmente novo, embora tenham eventualmente, nalguns casos, permitido e enquadrado algumas iniciativas e projectos interessantes e com resultados positivos para algumas comunidades ou grupos de população sem, no entanto, pôr em causa “a fé, a ideologia e o modelo” inerentes ao conceito de desenvolvimento, nos seus efeitos estruturais nefastos[60].

Consideram, em geral, que sobretudo conceitos como “desenvolvimento sustentável”[61] e “desenvolvimento humano”[62], mas também outros como “basic needs[63], “desenvolvimento local”[64], “desenvolvimento social”[65] ou genericamente “outro desenvolvimento”[66] e “desenvolvimento alternativo”[67] são conceitos que foram, além do mais, apropriados pelos poderes hegemónicos, económicos (nomeadamente pelas empresas transnacionais[68]) e políticos, e pelas instituições internacionais que os suportam, degenerando nas suas (eventualmente) boas intenções iniciais e tornando-se apenas maquilhagens ou “operações cosméticas” do mesmo conceito original, nas suas características essenciais de dominação capitalista, colonialista e patriarcal.

Daí concluírem da inevitabilidade de exorcizar e declarar defunto o conceito e o próprio termo de “desenvolvimento”, porque irrecuperável, e ser necessário passar a uma nova era, a do “pós-desenvolvimento”[69].

 

6 - Conceitos alternativos ao desenvolvimento – Uma epistemologia do Sul?

No início, os autores do “pós-desenvolvimento” não se preocuparam muito com sugerirem “conceitos alternativos ao desenvolvimento”. Como referiu explicitamente Gilbert Rist, na sua principal obra de referência:

that supporters of ‘post-development' merely denounce the unacceptable character of the present situation (by blaming it on ‘development' in general) without offering new solutions, and in the opinion of Jan Nederveen Pieterse this ultimately reinforces the status quo. This point is indicative of the normative orientation of the ‘development' loyalists: if previous measures have not produced results, then others need to be suggested fast – as it is assumed that ‘development' is both necessary and desirable. If, however, development is at the root of the problems besetting the world, then we should give it up – and certainly not replace it with a new development programme claiming universal validity. Besides, is it not rather presumptuous to speak in the place of others? That is why ‘post-development' theorists have often cited the successes of social movements which, instead of pinning their hopes on those in power and on international assistance or ‘co-operation', organize among themselves by inventing new kinds of social network and new ways to provide for their existence[70].

Contudo, mais tarde, defenderam a importância de se referirem “conceitos alternativos ao desenvolvimento”, tomando como base experiências e valores provenientes, desta vez, de povos e comunidades do “Sul global”, ou seja, a partir de “Epistemologias do Sul”[71], assentando esta em “três orientações: aprender que existe o Sul; aprender a ir para o Sul; aprender a partir do Sul e com o Sul”[72].

O caminho é pois, segundo os autores desta corrente, o de valorizar e aprender com as sociedades tradicionais do Sul, pela riqueza dos seus conhecimentos e tradições, dos seus modelos (muitas vezes informais) de organização social, das suas vivências, das suas relações comunitárias e com a Natureza, das suas cosmovisões. Como escreveu Gilbert Rist:

The aim should therefore be to regain political, economic and social autonomy for the marginalized regions, to break loose from monetary exchanges, to ask nothing of the State except that it refrain from crushing forms of self-organization, and to ensure that decisions are taken by the people directly concerned. The idea is to invent new ways of living, between a modernization that causes suffering yet offers some advantages and a tradition that may be a source of inspiration even with the knowledge that it cannot be revived[73].

E foi “a partir do Sul”, das vivências tradicionais das comunidades indígenas dos Andes, que alguns destes autores começaram a propor e a afirmar uma ideia de “Boa Vida” e de “Buen Vivir”, como tradução, em língua castelhana, de quatro expressões de povos locais[74]:

Da expressão “Sumak Kawsay”, do povo Quíchua (ou Quechua, Kichwa ou ainda Inga), descendentes dos Incas, que se distribuem por várias zonas do Equador e da Bolívia, onde a sua presença se faz notar mais, por melhor organização, mas também do Peru, Argentina, Chile e Colômbia. O seu sentido é “viver em plenitude”, em comunhão com a Mãe-Terra, a “Pachamama” ou “Pacha Mama”.

Da expressão “Suma Qamaña”, do povo Aymará, presente na Bolívia, Argentina, Chile e Peru, que também tem o sentido de “vida plena”, “boa vida”, “conviver”.

Da expressão “Teko Porã”, do povo Guarani, presente na Bolívia, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com o significado de “bem viver”.

Da expressão “Teko Kavi”, também do povo Guarani, com o sentido de “boa vida” ou o “bom modo de ser e viver”.

Em geral, estas expressões têm pois o sentido de “bem viver” (buen vivir), em harmonia com a Natureza e com os outros que nos rodeiam (em comunidade), tendo o suficiente, quanto à satisfação das necessidades fundamentais, para viver e morrer com dignidade[75], e as suas competências, identidades e símbolos culturais reconhecidos e valorizados[76].

Como conceito, ganhou maior peso e reconhecimento a partir do momento em que foi incorporado nas Constituições do Equador[77], em 2008, e da Bolívia, em 2009, como conceito de referência estratégica para o “bem viver” e o “bem-estar” das populações, a partir dos valores culturais indígenas.

Este é o conceito (“Buen Vivir”) mais referenciado pelos autores da corrente do “pós-desenvolvimento”, como “alternativo ao desenvolvimento”.

Outro conceito, também associado às análises “pós-desenvolvimentistas”[78], é o de “decrescimento” ou “decrescimento sereno”, cujo principal autor de referência é Serge Latouche[79].

Contudo, pode-se considerar, também como “alternativos ao desenvolvimento”, pelo menos mais quatro conceitos, com origem em “Epistemologias do Sul”, embora estes autores não lhes façam grandes ou mesmo nenhumas referências[80]:

“Felicidade” ou “Felicidade Interna Bruta”: este conceito nasceu de uma iniciativa, em 1972, do Rei do Butão (nos Himalaias), Jigme Singye Wangchuck, tendo sido trabalhado pelo Centro de Estudos do Butão, não para ser alternativo ao PIB, mas sim complementar[81]. Assenta na conjugação de nove dimensões, de tipo muito diferente: bem-estar psicológico, saúde, uso equilibrado do tempo, vitalidade comunitária, educação, diversidade e resiliência cultural, diversidade e resiliência ecológica, boa governança e padrão de vida. Procura articular dimensões de bem-estar material com outras mais espirituais e subjectivas, tomando como referência valores e critérios de inspiração budista, e portanto de uma cultura não originária do Norte[82].

Wellbeing” / “Bem-estar”: conceito que tem sido proposto por autores como Sarah White e Robert Chambers (com diferenças entre eles) e por organizações como a Oxfam de Hong Kong e a New Economics Foundation. Centrando-se aqui nos contributos de Sarah White[83], a partir de trabalhos e investigações desenvolvidas com comunidades sobretudo na Índia (mas também na África do Sul), define o wellbeing como a interacção entre três dimensões (o chamado “triângulo do wellbeing”): subjectiva ou psicológica (compreendendo as perspectivas, valores e crenças pessoais), material ou objectiva (correspondendo aos aspectos económicos) e relacional (cobrindo as interacções e práticas sociais e as relações políticas)[84]. O peso relativo de cada dimensão e a configuração e os resultados das interacções entre elas depende do contexto cultural e ambiental de cada comunidade, pelo que não é um conceito de expressão rígida e uniforme, antes flexível, socialmente construído e percepcionado subjectivamente, em cada situação[85].

“Florescimento humano” (“human flourishing”): é um conceito que se pode dizer ser originário de uma “Epistemologia do ‘Sul' disciplinar”, quanto à análise dos temas do desenvolvimento, pois é oriundo da Saúde Mental e da sua abordagem, a partir da Psicologia Positiva (ou Apreciativa). Tem em Corey Keyes o seu principal autor de referência[86] e propõe opor-se a “languidez”. Define-o como a conjugação positiva de três componentes: bem-estar emocional (que avalia o estado afectivo), bem-estar psicológico (relacionado com os aspectos psicológicos da auto-avaliação, auto-aceitação e autonomia) e bem-estar social (que se centra na aceitação e na integração social e, em regra, nas relações com os outros)[87]. “Assim sendo, as pessoas em florescimento têm uma boa ‘saúde emocional' quanto à vida, são mais produtivas e capacitadas e revelam mais resiliência perante mudanças e gestão dos problemas (Keyes, 2002, pp. 217-218), tal como manifestam mais optimismo e autonomia, têm objetivos de vida, conseguem satisfazer as suas necessidades, possuem relações positivas com os outros, mostram maior envolvimento na vida e na sociedade e desenvolvem sentimentos de pertença (Keyes, 2002, pp. 208-209). Portanto, o florescimento humano é um processo multidimensional, que é alcançado através da realização do potencial humano e que, além de dotar o indivíduo, contribui para o bom funcionamento da sociedade como um todo, o que alude a um desenvolvimento integrado da pessoa e da sociedade para um funcionamento positivo entre e para ambos e para um bem-estar coletivo”[88]. Por estas razões, pode ser um conceito complementar interessante de alguns dos outros já enunciados, trazendo componentes normalmente não consideradas, o que pode justificar a sua referência neste ponto e neste artigo[89].

“Ubuntu”: conceito de origem xhosa, povo da África do Sul[90], que se pode traduzir por “Uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”[91], assinalando a importância da interconexão dos seres humanos entre si, sendo que o bem-estar de um/a está ligado e pressupõe o bem-estar do/a outro/a. Como tal, é um conceito avesso à ideia de competição e que sublinha o facto de cada um/a e todos/as serem co-responsáveis pela existência de um bem-estar colectivo[92].

Estes quatro conceitos podem ser todos considerados como decorrentes de “Epistemologias do Sul”[93], mas não estarão sempre de acordo com os critérios, que podem delimitar os “conceitos de pós-desenvolvimento”[94], pois não basta não usarem a palavra “desenvolvimento”. De qualquer modo, partem de e propõem valores e referências culturais e conteúdos, por vezes muito diferentes dos que apareciam tradicionalmente associados ao “desenvolvimento” e correspondem a perspectivas de ver a realidade e cosmovisões distintas das que dominaram até agora, combatendo assim o seu etnocentrismo.

Mais recentemente, foi aflorado um conceito, proveniente de uma reivindicação africana de designar com palavras próprias o que se pretende nomear com a palavra dos colonizadores “desenvolvimento”. Foi o economista e escritor senegalês Felwine Sarr quem chamou a atenção para a necessidade de usar termos da sua cultura, que as pessoas possam entender (sobretudo afectiva e emocionalmente), em vez de importar ou aceder a usar os que são trazidos de fora, pelos que os vieram colonizar, abusar e, nalgumas casos, destruir. O exemplo dado é o da palavra noflay, da língua wolof (a língua autóctone mais falada no Senegal) e que designa “bem-estar”, ou o equivalente senegalês ao conceito andino de “buen vivir”, assinalando que o “bem viver” é também de ordem cultural, filosófica e moral e assume um perspectiva integral da Pessoa, em todas as suas dimensões[95]. Trata-se, neste caso, de mais uma proposta de uma “epistemologia do Sul” (africana), que enriquece a reflexão e a discussão sobre estes temas. E, desta vez, África não fica de fora.

 

7 - As mais-valias dos desenvolvimentos alternativos

Depois de percorrer os “conceitos alternativos ao desenvolvimento”, convém voltar aos “conceitos de desenvolvimento alternativo”, para completar a análise dos seus “valores acrescentados”, sintetizada no ponto 4, e situá-los face aos primeiros.

Em primeiro lugar, na verdade, as origens destes conceitos de desenvolvimento alternativo situam-se, na maioria, nas margens e nas periferias dos sistemas dominantes e também provêm do “Sul global” ou do “Sul do Norte” (ou seja, situado dentro dos próprios países do Norte), ou seja, por vezes também espelham “Epistemologias do Sul”.

O caso mais claro e explícito é o do conceito e das práticas de desenvolvimento local ou comunitário[96]. Com origens variadas, e até contraditórias, que vêm do século XIX. Entre essas origens, podem-se citar factores tão diversos como o colonialismo inglês, o papel do Serviço Social em respostas de proximidade às comunidades mais desfavorecidas dos EUA, o Programa New Frontiers, nos EUA, na primeira metade dos anos 60 (com John Kennedy e Lyndon Johnson), as estratégias da ONU para alguns projectos de “ajuda ao desenvolvimento”, as dinâmicas das Comunidades Eclesiais de Base (CEB), sob a inspiração das correntes da Teologia da Libertação, em conjugação com as da Educação de Adultos, segundo as metodologias da “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire[97].

Por outro lado, é um conceito que se situa nas encruzilhadas de percepções indutivas (a partir do protagonismo essencial dos actores e dos seus conhecimentos, vivenciado perante situações e problemas concretos, a que era necessário dar respostas) e de propostas dedutivas (a partir da observação/investigação e sistematização de autores, tendo em conta os seus esforços de construção de conhecimento abstracto), ou seja, como o resultado dos diálogos (assimétricos, na maioria dos casos) e, sobretudo, das interacções entre saberes diferentes, tradicionalmente rivais e distanciados[98].

Trata-se portanto de um conceito que:

Tem várias versões;

Algumas inclusive cumprem claramente os critérios (menos usarem a palavra “desenvolvimento”...) associados aos “conceitos alternativos ao desenvolvimento”;

Com proveniências explícitas de “Epistemologias do Sul global” e de “Epistemologias do ‘Sul' do Norte”;

É, nas versões mais críticas e anti-sistema, expressamente anti-economicista, anti-etnocêntrico, anti-antropocêntrico, anti-androcêntrico e anti-uniformista;

Apresenta dinâmicas concretas de participação comunitária, de apoio à economia local e de convergência com a economia solidária, numa perspectiva claramente anti-capitalista... sem deixar de usar a palavra “desenvolvimento”;

Tem muitos pontos de contacto e de convergência com o conceito e as práticas de “buen vivir[99];

É de construção prática, vivencial e experimental e não meramente teórica e reflexiva, com um papel importante (decisivo mesmo) dos actores-sujeitos da acção[100], em interacção com a reflexão - sistematização[101], numa lógica de “Ecologia de Saberes”[102];

Como é construído de baixo para cima (“bottom-up”), implica uma diversidade de caminhos, ritmos e soluções, em função das lógicas culturais e dos contextos específicos de cada comunidade, o que é completamente o oposto do uniformismo dos modelos dominantes.

Por seu turno, o conceito de desenvolvimento participativo, apesar de, também ele, ter sido objecto de apropriação e de degeneração, por parte de algumas organizações internacionais (como o Banco Mundial), trouxe consigo um importante e inovador contributo para uma análise destes processos de desenvolvimento, bem-estar, progresso, felicidade ou bem viver, em termos políticos, associando-os à participação, ao “empowerment”, à democracia e à cidadania, contribuindo para a sua “politização” e a sua “destecnicização” e “deseconomização”... pelo menos relativa[103]. E esta abordagem política destes temas é fundamental.

Por outro lado, este conceito foi, antes de mais, uma reivindicação e uma proposta, mais das organizações de base (algumas que fazem parte do “Sul do Norte”), do que das instituições mais “top-down”, sugerindo uma abordagem mais democrática e descentralizada.

Mas é no desenvolvimento sustentável que se têm concentrado as críticas mais demolidoras dos “pós-desenvolvimentistas”[104]. De facto, parece pelo menos inequívoco que:

É um conceito cujos princípios e sentido são contraditórios com a lógica predadora, insaciável e ilimitada do desenvolvimento subordinado ao crescimento económico;

Tem sido progressiva e crescentemente recuperado e apropriado pelas empresas transnacionais e pelos poderes económicos e financeiros, nomeadamente desde a Cimeira de Joanesburgo (2002), convertendo-se num conceito conveniente para continuar a prosseguir a luta pela ganância da maximização do Lucro (o “Profit”), ainda que aparentemente amenizado por preocupações e “responsabilidades” com as Pessoas (“People”) e com o ambiente (o “Planet”), para citar e situar a tão propalada “estratégia do triple bottom-line”. É, por outro lado, conveniente para dar uma imagem de “cidadania empresarial”, com a ajuda dos “relatórios de sustentabilidade” e ainda para abrir as portas para os já apetitosos negócios das quotas de poluição, dos direitos de propriedade e dos chamados “negócios verdes” da chamada “economia verde” e agora da “sua irmã mais nova”, a “economia circular”[105][106];

Mantém um carácter essencialmente antropocêntrico, na medida em que a “sustentabilidade” que verdadeiramente lhe interessa é a dos seres humanos (e sobretudo de alguns...), e não a da Vida e de todos os seres vivos, em geral;

Assume fundamentalmente uma lógica defensiva, de conservação, preservação e protecção ambiental, e não ousa uma perspectiva mais ofensiva de recuperação e de valorização ambiental.

E contudo o desenvolvimento sustentável tem, na sua origem, uma das lutas e um dos novos movimentos sociais mais importantes e marcantes das últimas décadas – o Ecologismo e a sua expressão organizacional, o Associativismo Ambientalista, nas suas várias facetas. É, por isso, um resultado de uma luta anti-sistemas dominantes (e tanto contra o capitalismo, como contra o socialismo real, ambos predadores[107]), ou seja, de um “Sul”, tanto de um “Sul global”[108], como de um “Sul do Norte”[109], claramente, em muitas das suas expressões, anti-capitalista (e anti-socialista real).

Por outro lado, eu próprio participei recentemente de um projecto europeu (Projecto ECOS), baseado duplamente em periferias – a chamada Macaronésia (que compreende os Açores, Cabo Verde, as Canárias e a Madeira), ou seja, um “Sul geográfico do Norte”, e centrado nas organizações de economia solidária, ou seja, um “Sul dentro da lógica económica” – onde pude, em contexto de reflexão e discussão colectiva, sobretudo com actores (maioritariamente dos Açores e de Cabo Verde), mas também com alguns investigadores, propor uma reformulação do conceito de desenvolvimento sustentável (integrado), a partir de uma perspectiva ecocêntrica, e já não antropocêntrica. Passa a ser definido[110] como a conjugação de oito componentes: segurança económica[111], coesão social, segurança e valorização ambiental, diversidade cultural e interculturalidade, coesão territorial, conhecimento e aprendizagem crítica permanente (ou seja, literacia para a sustentabilidade, numa lógica de Ecologia de Saberes), governança partilhada e ética partilhada para a sustentabilidade.

Julgo, por isso, que é um conceito que merece ser tido em conta, pelas potencialidades e valores que transporta e propõe, não devendo ser desperdiçado.

Uma referência final ao conceito de desenvolvimento integrado que, ao propor uma (nova) Epistemologia Copulativa (do E da integração e da interacção, do diálogo e do estabelecimento de pontes), por oposição a uma Epistemologia convencional (do Ou e da separação e da fragmentação), se inspira e aplica alguns dos desafios mais interessantes e revolucionários da ciência da pós-modernidade, como o paradigma da complexidade[112], a Teoria Geral dos Sistemas[113], a Teoria do Caos[114] e a Teoria das Estruturas Dissipativas[115], a Geometria dos Fractais[116] e a Teoria dos Sentimentos e da Razão e da Inteligência Emocional[117]. Trata-se, por isso, de um conceito revolucionário, que abre as portas a perspectivas de análise e de práticas completamente novas e ainda não totalmente descortináveis e que, portanto, não deve ser descartado nem ignorado[118].

Em síntese, é certo que tem existido uma lógica de apropriação destes conceitos, mas essa é uma característica estrutural, intrínseca do sistema capitalista, com o qual se está inevitavelmente em (algum) contacto e que tem acontecido e continuará a acontecer com todos os conceitos e práticas que sejam interessantes e atraentes. É o que aconteceu também, por exemplo, com “conceitos alternativos” como “microcrédito”, “finanças éticas”, “comércio justo”, “felicidade”, “economia social”... É provavelmente o que irá acontecer com os conceitos de “buen vivir”, “boa vida” e outros. Essa é a natureza do sistema de mercado. Será que a melhor solução é a descartabilidade permanente e a “fuga para a frente”[119]?

Além disso, trata-se de conceitos que tiveram, na sua origem, muitas vezes, as mesmas preocupações e críticas que mobilizam os “pós-desenvolvimentistas”, o mesmo tipo de impulso e de vontade de mudança e de procura de alternativas reais, a partir de acções concretas e de tentativas de abrir e experimentar novos caminhos, a mesma militância e crença num futuro diferente e melhor, com dignidade e sustentabilidade. É injusto simplesmente descartar e “arrumar” esses e essas protagonistas numa “era do desenvolvimento”, a deitar para o lixo da História, como se fosse tudo a mesma coisa, não tendo, pelo menos, a preocupação de observar, escutar e partilhar, e não apenas de olhar, ler e recusar.

Têm, em muitos casos, origem também na diversidade dos “Sul”, de que é feita a realidade complexa do mundo actual, que não se confina a um maniqueísmo de “escuro” e “claro” ou de “bons” e “maus”. Constituem e ilustram a diversidade e a complexidade das “Epistemologias do Sul”, dos vários “Sul”.

São, por fim, anti-economicistas, anti-etnocêntricos, anti-antropocêntricos, anti-androcêntricos e anti-uniformistas. E, só por isso, já merecem ser tidos em conta!

 

8 - Comentários às posições pós-desenvolvimentistas

Tendo em conta o que foi referido nos pontos anteriores, é importante sintetizar os seguintes comentários, em relação às posições predominantes dos autores “pós-desenvolvimentistas”:

As principais críticas de fundo que são dirigidas ao conceito de desenvolvimento[120], no que se refere à sua origem, às suas bases históricas de referência, às lógicas dominantes no pós-guerra, à sua manipulação e utilização, para efeitos de dominação, de condicionamento e de influência geo-estratégica de uns países por outros, de umas sociedades por outras, do Sul pelo Norte são, no essencial, fundamentadas, coerentes e certeiras e estão em consonância com a análise que é feita no ponto 3;

Também parece fundamentada e adequada a crítica feita à apropriação e à recuperação que tem sido feita, para benefício próprio, pelos interesses económicos e políticos dominantes nos países capitalistas e à escala global e pelas instituições, nacionais e internacionais, dos conceitos reformulados (com adjectivos) de “desenvolvimento alternativo”;

Contudo, em relação a estes últimos conceitos, parece haver uma atitude radical e fundamentalista de os englobar todos no mesmo tipo de crítica total e de consequente rejeição absoluta, em grande e decisiva parte porque continuam com a palavra “desenvolvimento” acoplada, “agarrada à pele”;

Em contrapartida, tendem a desvalorizar ou a escamotear que, muitas vezes, esses conceitos de “desenvolvimento alternativo” correspondem a posições com as mesmas bases, argumentos e objectivos (inclusive de propostas de... alternativas) das dos “desenvolvimentistas”, oriundas frequentemente de lugares geográficos e/ou ideológicos iguais ou semelhantes;

Tendem também a desvalorizar ou a ignorar os enraizamentos, envolvimentos e as lógicas e processos de participação comunitários e de respeito e fundamentação cultural de muitas das experiências e projectos que exprimem e concretizam os “desenvolvimentos alternativos”;

Pelo menos alguns dos seus autores parecem ter um grande desconhecimento ou distanciamento efectivo dessas experiências e práticas concretas, que só observam teoricamente, sem as vivenciar e conhecer de perto;

Parecem acreditar, por convencimento ou por ingenuidade, que os “conceitos alternativos” não serão, por seu turno, também eles objecto de apropriação, usurpação e utilização, para benefício e controle dos interesses dominantes e das instituições correspondentes, logo que se tornarem mais conhecidos e atractivos[121];

Tendem, por isso, a descartar conceitos e expressões, procurando e acreditando resolver o problema da sua “contaminação” e “inquinação”, através de uma espécie de “fuga para a frente”, em busca de conceitos que sejam “virgens”.

Por tudo isto, em vez de uma postura radical de disjunção, entre “desenvolvimento” e “pós-desenvolvimento”, que se rejeita, opta-se por considerar e incluir na equação um terceiro elemento, o “desenvolvimento alternativo”, que permite uma abordagem mais flexível, tornando-a copulativa.

 

9 - Para uma epistemologia do Sul simbólico e não geográfico – Proposta de uma abordagem copulativa dos temas do desenvolvimento, da felicidade, do bem-estar e do bem viver

Como se argumentou e se referenciou cientificamente no ponto 7[122], entendo que os desafios deste início do século XXI exigem, de forma sistemática, um novo paradigma de abordagem da realidade, de construção do Conhecimento e de Acção, implicando uma Epistemologia Copulativa ou do E, ou ainda Integrativa.

Daí resulta que, em vez de opor, o que é necessário, interessante e útil é contrapor e colocar em diálogo os conceitos de “desenvolvimento alternativo” (ou, pelo menos, alguns) e os “alternativos ao desenvolvimento”, para mútuo enriquecimento teórico-conceptual, metodológico, prático e cultural.

Os conceitos de um lado e de outro têm muito a oferecer e a aprender mutuamente, até pelos seus diferentes pontos de partida geográficos, culturais e comunitários e também pelos seus diferentes resultados e implicações.

Um exemplo das vantagens e da riqueza desse diálogo (epistemológico, teórico, metodológico e prático) e das consequentes convergências pode ser dado pelas relações e proximidade entre os conceitos de desenvolvimento local ou comunitário e de buen vivir.

 

10 - Notas finais –Des-envolvimento e noflay!

Após este percurso, pode-se constatar a extraordinária riqueza e variedade de propostas conceptuais e práticas de que uma “História do desenvolvimento e de conceitos similares e próximos” dá conta. Uma história feita de actores e de autores, muitas vezes ignorando-se ou de costas voltadas, outras dialogando e interagindo, outras ainda fundindo-se e confundindo-se.

Uma história feita de sonhos e pesadelos, de ilusões e de desilusões, de empolgamentos e euforias e de frustrações e desânimos e até desistências. Uma história feita de encontros e desencontros, de estórias bonitas e outras feias, de solidariedades e apoios desinteressados, mas também de dominações e explorações, de convicções, mas também de oportunismos. De tudo isto tem a história deste conceito e dos aparentados e similares, dos sinónimos e dos antónimos.

Reduzi-la a uma dicotomia, a um binómio do tipo “desenvolvimento ou pós-desenvolvimento” parece-me totalmente redutor, simplista e injusto. Em particular para todos aqueles e todas aquelas que lutaram e lutam convictamente, às vezes heroicamente, por um mundo melhor e mais justo, por uma humanidade mais digna e por uma vida mais sustentável. Em nome do “desenvolvimento” , ou da “felicidade”, ou do “bem-estar”, ou do “buen vivir”, ou do “bem viver”, ou da “boa vida”, ou do “florescimento”, ou do “noflay”, ou...

Por tudo isto, não me parece muito positivo, interessante e fecundo adoptar, sistematicamente, uma epistemologia disjuntiva. Ao invés, parece-me muito mais adequado, ousado e inovador a adopção de uma epistemologia copulativa, que arrisque e desafie o diálogo, o confronto, a interacção, a dialéctica, neste caso, entre conceitos de “desenvolvimento alternativo” e “conceitos alternativos ao desenvolvimento”, mas também entre prática e teoria, entre acção e investigação, entre actores e autores, entre conhecimentos e percepções diferentes e até, aparentemente e à partida, rivais, entre intuições e reflexões, entre Emoção e Razão.

Esta é a primeira pista que queria deixar com este artigo.

Uma segunda tem a ver com a palavra “desenvolvimento”. Retomando um exercício que já apresentei noutras reflexões[123], esta é uma palavra composta, “des-envolvimento” e quer dizer “a libertação dos ‘embrulhos', envolvimentos e obstáculos, que impedem a afirmação e pleno desabrochar e florescimento de sementes e potencialidades, que estão ocultas, à espera de se realizarem”. Tal como as sementes lançadas à terra, que levam o seu tempo a desabrochar e a romper com a terra onde estão envolvidas e a vencer os obstáculos das ervas daninhas, das pedras e da terra mais dura, que vão encontrando pelo caminho. No que poderão ser ajudadas por “facilitadores” ou animadores, não para substituir o seu “élan”, ou para determinar a natureza e o sentido da sua afirmação e realização, mas para ajudar e animar o seu processo. Sementes que depois darão aquilo para que têm potencialidades, sendo depois apreciadas e valorizadas, não apenas pelos metros e gramas que alcançam (aspectos quantitativos), mas também pelo aroma, sabor e estética dos seus frutos (aspectos qualitativos).

Esta alegoria é-me particularmente grata: pelas minhas origens rurais e pelo que via à minha volta, na minha infância e juventude; pelo que vi e aprendi do heróico esforço de des-envolvimento dos homens e das mulheres do campo cabo-verdianos e cabo-verdianas, lançando as sementes à terra seca, à espera do “milagre” da chuva (que, quando vem, faz desabrochar, em poucas horas, todas aquelas sementes, lançadas teimosamente com esperança, contra a razoabilidade... da Razão!); pelas esperanças de des-envolvimento que tenho semeado, testemunhado e apoiado em tantos projectos e experiências de... desenvolvimento alternativo, nomeadamente em processos de desenvolvimento comunitário, em que a palavra “desenvolvimento” não tem atrapalhado, nem sido um obstáculo, nem uma alienação, antes pelo contrário, tem sido uma motivação, um factor de emancipação e de libertação e um alicerce de Utopia.

Neste processo de diálogos, interacções e aprendizagens permanentes, em que a humildade de estar à escuta é fundamental e decisiva, uma terceira e última nota de reflexão que quero deixar relaciona-se com a extraordinária riqueza e com os enormes desafios que novos conceitos e percepções sobre estes temas nos trazem. Nesse sentido, os contributos, as cosmovisões diferentes, as perspectivas alternativas, essas outras hermenêuticas, com origem noutros lugares (topos) de observação e acção da procura da Felicidade, do Bem-estar e do Bem Viver são completamente bem-vindos e bem-vindas, pelo enriquecimento que nos permitem, pela diversidade e pluralidade (condições essenciais de Vida) que viabilizam, pelas relativizações das nossas tendenciais arrogâncias a que nos obrigam.

São pois bem-vindos os novos “conceitos alternativos ao desenvolvimento”, como a felicidade interna bruta, o wellbeing, o buen vivir, o florescimento humano, o ubuntu e o noflay, para além de outros menos conhecidos. Que obviamente não são todos iguais em sentido, em potencialidades de construir futuro e em mobilizar a acção ou em valor heurístico ou emancipatório, por exemplo.

Saúdo pois a proposta mais recente de olharmos para o conceito de noflay e para os seus desafios de nos mobilizar para estarmos à escuta dos anseios e dos sonhos de bem-estar de comunidades de um continente (África), que tem sido sistematicamente explorado, desqualificado e objecto sobretudo de análises pessimistas.

Nesse sentido, o conceito noflay pode estar para África como o de buen vivirestá para a América Latina.

Para mim são dois desafios imensos, a que me dedicarei com entusiasmo, porque acredito e luto pelo des-envolvimento!

 

Referências

AA.VV. (1968). La Carta de Argel. El Trimestre Económico, 35 (138)(2), 343-364.         [ Links ]

AA.VV. (2009). La agonía de un mito: Como reformular el “desarrollo”? América Latina en Movimiento, 445 (número temático).         [ Links ]

Acosta, A. (2010). El Buen Vivir en el camino del post-desarrollo: Una lectura desde la Constitución de Montecristi. Fundación Friedrich Ebert (online), Policy Paper 9, pp. 1-43. Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/bueros/quito/07671.pdf        [ Links ]

Acosta, A. (2014). El Buen Vivir, más allá del desarrollo. In G. D. Ramos (Org.), Buena vida, buen vivir: Imaginarios alternativos para el bien común de la humanidad (pp. 2-60). México, UNAM: Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades (online). Disponível em: http://computo.ceiich.unam.mx/webceiich/docs/libro/BuenaVida%20BuenVivir.pdf        [ Links ]

Alvares, C. (1994). Science, development and violence: The revolt against modernity. Oxford & Nova Deli: Oxford University Press.         [ Links ]

Amaro, R. R. (1990). Desenvolvimento e injustiça estrutural. Communio, 5, pp. 449-459.         [ Links ]

Amaro, R. R. (2003). Desenvolvimento - Um conceito ultrapassado ou em renovação? Da teoria à prática e da prática à teoria. Cadernos de Estudos Africanos, 4, pp. 40-60.         [ Links ]

Amaro, R. R. (2009). Desenvolvimento local. In A. D. Cattani et al. (Coord.), Dicionário internacional da outra economia (pp. 108-113). Coimbra: Almedina & CES.         [ Links ]

Amaro, R. R. (2016). A sustentabilidade das organizações de economia solidária - Proposta de conceptualização e de avaliação. Revista de Economia Solidária, 1, pp. 11-29.         [ Links ]

Amin, S. (1973). Le développement inégal. Essai sur les formations sociales du capitalisme périphérique. Paris: Éditions de Minuit.         [ Links ]

Amin, S. (1976). L'impérialisme et le développement inégal. Paris: Éditions de Minuit.         [ Links ]

Amin, S. (1986). La déconnexion: Pour sortir du système mondial. Paris: La Découverte.         [ Links ]

Arndt, H. W. (1987). Economic development: The history of an idea. Chicago: The University of Chicago Press.         [ Links ]

Arrighi, G. (2002). The long twentieth century: Money, power and the origins of our times. Londres & Nova Iorque: Verso.         [ Links ]

Bahro, R. (1984). From red to green. Londres: Verso.         [ Links ]

Barsky, R. B., & Kilian, L. (2002). Do we really know that oil caused the great stagflation? A monetary alternative. NBER Macroeconomic Annual 2001, 16, pp. 137-197. Cambridge: MIT.         [ Links ]

Boff, L. (2009). ¿Vivir mejor o el “buen vivir”? Agencia Latinoamericana de Información (online). Disponível em: http://www.alainet.org/es/active/29839        [ Links ]

Brenner, Y. S. (2013). “The Soviet theories”. Theories of economic development and growth (pp. 223-247). Nova Iorque: Praeger. (Obra original publicada em 1966)        [ Links ]

Carmo, H. (1999). Desenvolvimento comunitário. Lisboa: Universidade Aberta.         [ Links ]

Clarkson, S. (1978). The Soviet theory of development: India and the Third World in marxist-leninist scholarship. Toronto: University of Toronto Press.         [ Links ]

Cypher, J. M., & Dietz, J. L. (1997). The process of economic development. Londres: Routledge.         [ Links ]

Dávalos, P. (2014). Reflexiones sobre el Sumak Kawsay (el Buen Vivir) y las teorías del desarrollo. In A. Hidalgo-Capitán et al. (Orgs.), Sumak Kawsay Yuyay: Antología del pensamiento indigenista ecuatoriano sobre Sumak Kawsay (pp. 143-151). Huelva & Cuenca: FIUCUHU.         [ Links ]

Diagne, M. (1999). Comment dit-on « Développement » en wolof ? Ethiopiques, 62, pp. 111-115.         [ Links ]

Dos Santos, T. (1978). Imperialismo y dependencia. Cidade do México: Era.         [ Links ]

Dos Santos, T. (2000). A teoria da dependência: Balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.         [ Links ]

Escobar, A. (1995). Encountering development: The making and unmaking of the Third World. Princeton: Princeton University Press. (Obra original publicada em 1951)        [ Links ]

Escobar, A. (1988). Power and visibility: Development and the invention and management of the Third World. Cultural Anthropology, 3(4), 428-443.         [ Links ]

Esteva, G. (1992). Development. In W. Sachs (Org.), The development dictionary: A guide to knowledge as power (pp. 6-25). Londres & Nova Iorque: Zed Books.         [ Links ]

Esteva, G. (2009). Más allá del desarrollo: La buena vida. América Latina en Movimiento, 445, pp. 1-5.         [ Links ]

Faletto, E., & Cardoso, F. H. (1970). Dependência e desenvolvimento na América Latina: Ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Feldman, G. A. (1964). On the theory of growth rates of national income. In N. Spulber (Ed.), Foundations of Soviet strategy for economic growth. Bloomington: Indiana University Press.

Fragoso, A. (2005a). Desenvolvimento participativo: Uma sugestão de reformulação conceptual. Revista Portuguesa de Educação, 18(1), 34-44.         [ Links ]

Fragoso, A. (2005b). Contributos para o debate teórico sobre o desenvolvimento local: Um ensaio baseado em experiências investigativas. Revista Lusófona de Educação, 5, pp. 63-83.         [ Links ]

Frank, A. G. (1966). The development of underdevelopment. Nova Iorque: Monthly Review Press.         [ Links ]

Friedmann, J. (1996). Empowerment: Uma política de desenvolvimento alternativo. Oeiras: Celta.         [ Links ]

Gonçalves, T. et al. (2014). Gross National Happiness: Um novo contributo ao conceito de Desenvolvimento. Economia Solidária, 6, pp. 180-225.         [ Links ]

González, F. J. A. (2011). El Buen Vivir, un paradigma anticapitalista. Visiting Academic, University of Cambridge, Winter 2011, pp. 1-34.         [ Links ]

Gudynas, E. (2011). Buen Vivir: Today's tomorrow. Development, 54(4), 441-447.         [ Links ]

Harvey, D. (2005). A brief history of neoliberalism. Oxford & Nova Iorque: Oxford University Press.         [ Links ]

Hidalgo-Capitán, A. L. et al. (2014a). El pensamiento indigenista ecuatoriano sobre Sumak Kawsay. In A. L. Hidalgo-Capitán et al. (Orgs.), Sumak Kawsay Yuyay: Antología del pensamiento indigenista ecuatoriano sobre Sumak Kawsay (pp. 23-73). Huelva & Cuenca: FIUCUHU.         [ Links ]

Hidalgo-Capitán, A. L. et al. (Orgs.) (2014b). Sumak Kawsay Yuyay: Antología del pensamiento indigenista ecuatoriano sobre Sumak Kawsay. Huelva & Cuenca: FIUCUHU.         [ Links ]

Keyes, C. (2002). The mental health continuum: From languishing to flourishing in life. Journal of Health and Social Behavior, 43(2), 207-222.         [ Links ]

Latouche, S. (1999). La « double imposture » du développement durable. Geographica Helvetica, 54(2), 90-96.         [ Links ]

Latouche, S. (2009). Sobrevivir al desarrollo: De la descolonización del imaginario económico a la construcción de una sociedad alternativa (2ª ed.). Barcelona: Icaria.         [ Links ]

Latouche, S. (2011). Vers une société d'abondance frugale: Contresens et controverses sur la décroissance. Paris: Mille et une nuits.         [ Links ]

Lewis, W. A. (1955). The theory of economic growth. Londres: Allen e Unwin.         [ Links ]

Mahalanobis, P. (1953). Some observations on the process of growth of national income. Sankhyā: The Indian Journal of Statistics, 12(4), 307-312.         [ Links ]

Marcelino, A. (2016). O desenvolvimento local e o buen vivir como alternativas para um “outro” desenvolvimento. Tese de mestrado em Estudos de Desenvolvimento, ISCTE-IUL, Lisboa,         [ Links ] Portugal.

Meadows, D. H. et al. (Orgs.) (1972). The limits to growth. Nova Iorque: Universe Books.         [ Links ]

Meier, G. M., & Seers, D. (Eds.) (1984). Pioneers in development. Nova Iorque: Oxford University Press.         [ Links ]

Murteira, M. (1990). Lições de Economia Política do Desenvolvimento. Lisboa: Presença.         [ Links ]

Myrdal, G. (1957). Economic theory and under-developed regions. Londres: Duckworth.         [ Links ]

Myrdal, G. (1968). Asian drama: An inquiry into the poverty of nations. Nova Iorque: Random House.         [ Links ]

Nurkse, R. (1953). Problems of capital formation in underdeveloped countries. Oxford: Blackwell.         [ Links ]

Paulo VI. (1989). Carta Encíclica “Populorum Progressio”. Lisboa: Edições Paulistas.         [ Links ]

Perroux, F. (1962). L'économie des jeunes nations. Paris: Presses Universitaires de France.         [ Links ]

Perroux, F. (1963). A ideia de progresso perante a ciência económica do nosso tempo. Análise Social, 1(2), 173-182.         [ Links ]

Perroux, F. (1964). L'économie du XXe siècle (2ª ed.). Paris: Presses Universitaires de France.         [ Links ]

Perroux, F. (1987). Ensaio sobre a filosofia do novo desenvolvimento. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.         [ Links ]

Pieterse, J. N. (1998). My paradigm or yours? Alternative development, post-development, reflexive development. Development and Change, 29(2), 343-373.         [ Links ]

Pieterse, J. N. (2000). After post-development. Third World Quarterly, 21(2), 175-191.         [ Links ]

Priesner, S. (1999). Gross National Happiness – Bhutan's vision of development and its challenges. Gross National Happiness: Discussion Papers (online), 4, pp. 24-52. Disponível em:http://archiv.ub.uni-heidelberg.de/savifadok/320        [ Links ]

Rahnema, M. (1997a). Introduction. In M. Rahnema & V. Bawtree (Eds.), The post-development reader (pp. ix-xix). Londres: Zed Books.         [ Links ]

Rahnema, M. (1997b). Towards post-development: Searching for signposts, a new language and new paradigms. In M. Rahnema & V. Bawtree (Eds.), The post- development reader (pp. 377-403). Londres: Zed Books.         [ Links ]

Rahnema, M. & Bawtree, V. (Eds.) (1997). The post-development reader. Londres: Zed Books.

Ramos, G.D. (Org.) (2014). Buena vida, buen vivir: Imaginarios alternativos para el bien común de la humanidad. México, UNAM: Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades, (online). Disponível em: http://computo.ceiich.unam.mx/webceiich/docs/libro/BuenaVida%20BuenVivir.pdf        [ Links ]

Rimalov, R. (1962). Economic cooperation between the USSR and underdeveloped countries. Moscovo: Foreign Languages.         [ Links ]

Rist, G. et al. (1992). Le Nord perdu: Repères pour l'après-développement. Lausanne: Éditions d'en bas.         [ Links ]

Rist, G. (2008). The history of development: From Western origins to global faith (Trad. P. Camiller, 3ª ed.). Londres & Nova Iorque: Zed Books.         [ Links ]

Rodhain, F., & Llena, C. (2006). Le mythe du développement durable. Préventique Sécurité, 85, pp. 41-47.         [ Links ]

Rostow, W. W. (1960). The stages of economic growth: A non-communist manifesto. Cambridge: Cambridge University Press.         [ Links ]

Sachs, W. (Org.) (1992). The development dictionary: A guide to knowledge as power. Londres & Nova Iorque: Zed Books.         [ Links ]

Santos, B. S. (1995). Toward a new common sense: Law, science and politics in the paradigmatic transition. Nova Iorque: Routledge.         [ Links ]

Santos, B. S. (2010). Para além do pensamento abissal: Das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In B. S. Santos & M. P. Meneses (Orgs.), Epistemologias do Sul (2ª ed.) (pp. 23-71). Coimbra: Almedina/CES.         [ Links ]

Santos, B. S. (2014). Epistemologies of the South: Justice against epistemicide. Nova Iorque: Routledge.         [ Links ]

Santos, B. S., & Meneses, M. P. (Orgs.) (2010). Epistemologias do Sul (2ª ed.). Coimbra: Edições Almedina/CES.         [ Links ]

Sarr, F. (2016a). Afrotopia. Paris: Philippe Rey.         [ Links ]

Sarr, F. (2016b). Développement: « Toute une terminologie à revoir ». Brennpunkt Drëtt Welt, 296, pp. 7-9.         [ Links ]

Silva, M. M. (1963). Fases de um processo de desenvolvimento comunitário. Análise Social, 1(4), 538-558.         [ Links ]

Silva, M. M. (1964). Oportunidade do desenvolvimento comunitário em Portugal. Análise Social, 2(7-8), 498-510.         [ Links ]

So, A. Y. (1990). Social change and development: Modernization, dependency and world-systems theory. Londres: Sage.         [ Links ]

Tortosa, J. M. (2009). Sumak Kawsay, Suma Qamaña, Buen Vivir. In Fundación Carolina, Nombres Propios, pp. 133-137. Madrid: Fundação Carolina. Disponível em: http://www.plataformabuenvivir.com/wp-content/uploads/2012/07/TortosaSumakKawsayBuenVivir09.pdf        [ Links ]

Tyagunenko, V. L. et al. (Eds.) (1973). Industrialisation of developing countries. Moscovo: Progress.         [ Links ]

Unceta, K. (2014). Desarrollo, postcrecimiento y Buen Vivir: Debates e interrogantes. Quito: Abya Yala.         [ Links ]

Ura, K. (2008). Felicidade Interna Bruta (online). Disponível em: http://www.visaofuturo.org.br/pdfs2/FelicidadeInternaBruta-DashoKarmaUra.pdf        [ Links ]

Wallerstein, I. (1974). The modern world-system, Vol. I: Capitalist agriculture and the origins of the European world-economy in the sixteenth century. Nova Iorque & Londres: Academic Press.         [ Links ]

Wallerstein, I. (1980). The modern world-system, Vol. II: Mercantilism and the consolidation of the European world-economy, 1600-1750. Nova Iorque: Academic Press.         [ Links ]

Wallerstein, I. (1989). The modern world-system, Vol. III: The second great expansion of the capitalist world-economy, 1730-1840's. San Diego: Academic Press.         [ Links ]

Wallerstein, I. et al. (1982). Dynamics of global crisis. Londres: Macmillan.         [ Links ]

WCED - World Commission on Environment and Development (the Brundtland Report). (1987). O nosso futuro comum. Lisboa: Meribérica.         [ Links ]

White, S. (2009a). Analysing wellbeing: A framework for development practice. WeD Working Paper 09/44.         [ Links ]

White, S. (2009b). Bringing wellbeing into development practice. WeD Working Paper 09/50.         [ Links ]

Ziai, A. (2014). Post-development concepts? Buen vivir, ubuntu and degrowth. Fourth International Conference on Degrowth for Ecological Sustainability and Social Equity, Leipzig (online). Disponível em: https://co-munity.net/conference2014/science/content/post-development-concepts-buen-vivir-ubuntu-and-degrowth

 

 

Recebido: 29 de setembro de 2017

Aceite: 30 de novembro de 2017

 

 

NOTAS

[1] Texto escrito de acordo com a grafia antiga da língua portuguesa.

[2] Cf., por exemplo: Murteira (1990, pp. 69-71), Sachs (1992, pp. 1-5), Esteva (1992, pp. 6-25), Rist (2008, pp. 8-24).

[3] Cf., por exemplo, Amaro (2003, pp. 40 e 41).

[4] Frequentemente a única, basta consultar as principais obras ou manuais de referência sobre o tema “desenvolvimento” desses primeiros tempos. Daí decorre a ideia, assumida por muitos autores do desenvolvimento, de que este é um tema que só diz respeito e interessa aos “países subdesenvolvidos” e não aos “países desenvolvidos”. Este é também o que poderíamos designar por “senso comum do desenvolvimento” ainda hoje.

[5] Esta é, por exemplo, a designação utilizada por um dos primeiros autores a debruçar-se sobre os desafios desses países: François Perroux (1962).

[6] Cf., por exemplo, Esteva (1992, p. 6).

[7] Cf., por exemplo, Amaro (2003, pp. 40 e 41).

[8] Não é seguramente por acaso que, no final da aplicação do Plano Marshall de ajuda dos EUA à reconstrução da Europa, o organismo intergovernamental que o coordenava (a OECE - Organização Europeia de Cooperação Económica, criada em 1948), se transformou, em 1961, em OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, envolvendo “países desenvolvidos” (30 europeus e ainda os Estados Unidos, o Canadá e o Japão), aparecendo o termo “desenvolvimento” associado a “países desenvolvidos” e não apenas a “países subdesenvolvidos”.

[9] Esta ideia, que se tornou, por vezes, quase um slogan (por exemplo no já citado discurso do presidente Truman de 1949), teve vários protagonistas e intenções (com hipocrisias à mistura...), sendo curioso que o próprio Papa Paulo VI retoma essas ideia na sua Encíclica Populorum Progressio, em 1967, ao afirmar que o “desenvolvimento é o novo nome da paz” (título do parágrafo 76). Cf. Paulo VI (1989).

[10] Embora com diferenças ideológicas e de formas de intervenção do Estado, ambos os modelos (capitalismo e socialismo) foram desenvolvimentistas, economicistas, industrialistas (nas suas origens), tecnologistas, antropocêntricos, racionalistas, etnocêntricos e uniformistas (“one size fits all”), tomando como referências os EUA e a URSS, respectivamente. Cf. Amaro (2003, pp. 46-47).

[11] Com autores como Arthur Lewis, Ragnar Nurkse, Paul Rosenstein-Rodan, Walt Whitman Rostow, Gunnar Myrdal, Albert Hirschman, Gerald Meier ou Robert Baldwin, entre muitos outros. Cf., por exemplo: Nurkse (1953), Lewis (1955), Rostow (1960) e Myrdal (1968). Para uma visão geral, cf., por exemplo: Meier e Seers (1984), Arndt (1987) e Cypher e Dietz (1997).

[12] Com autores como: Paul Sweezy e Paul Alexander Baran (da corrente marxista dos EUA); Charles Bettelheim, Christian Palloix, Arghiri Emmanuel e Gérard Destanne de Bernis (das correntes marxistas francesas); Michal Kalecki e Joan Robinson (cruzando as influências de Keynes e de Marx, numa combinação menos inesperada do que parece); Andreasyan, A. S. Solonitskii, Grigory Feldman, L. I. Aleksandrovskaya, R. A. Ulyanosky, V. Rimalov, V. G. Solodovnikov e V. L. Tyagunenko (entre muitos outros, da escola soviética); e Oskar Lange e Prasanta Chandra Mahalanobis (de outras experiências socialistas). Cf., por exemplo: Mahalanobis (1953), Rimalov (1962), Feldman (1964) e Tyagunenko et al. (1973). Para uma visão geral, cf., por exemplo: Clarkson (1978) e Brenner (2013).

[13] Cf., por exemplo, Clarkson (1978) e Brenner (2013).

[14] Ver nota 10. A existência e as influências de um “socialismo desenvolvimentista” e estas “convergências” parecem ser ignoradas ou desprezadas, em geral, pelos autores das correntes “pós-desenvolvimentistas”.

[15] Ver, por exemplo, Amaro (2003, pp. 51-52) e So (1990).

[16] Ver Nurkse (1953).

[17] Ver Myrdal (1957 e 1968).

[18] Ver Perroux (1963, 1964 e 1981).

[19] Ver, por exemplo, Silva (1963).

[20] São vários os autores que se podem considerar nesta corrente, que é riquíssima, do ponto de vista da produção bibliográfica, embora hoje esteja frequentemente esquecida ou desvalorizada (quantos são os cursos de Economia e as disciplinas de Desenvolvimento em que se fala ainda destes autores e desta corrente?). Citem-se, a título de exemplos, os nomes de Theotônio dos Santos, Maria da Conceição Tavares, Enzo Faletto, Fernando Henrique Cardoso, Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank, Samir Amin, Ladislau Dowbor, Clive Thomas (tive o privilégio de conhecer pessoalmente muitos deles, após a Revolução do 25 de Abril de 1974). Como obras mais referenciadas, cf., por exemplo: Dos Santos (1978 e 2000), Faletto e Cardoso (1970), Frank (1966) e Amin (1973, 1976 e 1986). Para uma visão geral, cf., por exemplo So (1990).

[21] O grande inspirador desta teoria é Immanuel Wallerstein, mas podem citar-se também os nomes de Giovanni Arrighi e ainda dos “convertidos” (da Escola da Dependência) André Gunder Frank, Samir Amin e Theotônio dos Santos. Cf., por exemplo: Wallerstein (1974, 1980 e 1989), Wallerstein et al. (1982), Arrighi (2002) e Dos Santos (2000). Para uma visão geral, cf., por exemplo, So (1990).

[22] Normalmente associa-se a afirmação da expressão “pós-desenvolvimento” à publicação, em 1992, do livro colectivo, coordenado por Wolfgang Sachs, com o título The development dictionary: A guide to knowledge as power (cf. Sachs, 1992). Contudo, a primeira vez que o tema foi abordado, de forma explícita, foi em 1991, no âmbito de um Colóquio, organizado em Genebra pela Eckenstein Foundation com o Institut d'études sur le développement (cf. Rahnema, 1997a: xi e xix e Rist et al., 1992).

[23] Da inúmera literatura que se pode associar a esta corrente, refiram-se algumas das obras mais relevantes ou ilustrativas: Alvares (1994), Esteva (1992), Escobar (1988, 1995), Latouche (2009), Rahnema e Bawtree (1997), Rist (2008), Sachs (1992), Santos (2014). Veja-se também o número especial da revista América Latina en Movimiento, sobre “La agonia de un mito: Cómo reformular el ‘desarrollo'?”, nº 445, junho 2009.

[24] Cf., numa análise transversal, a bibliografia indicada na nota anterior, mas em particular: Sachs (1992), Escobar (1995) e Rist (2008).

[25] Cf. Sachs (1992, p. 1): “Like a towering lighthouse guiding sailors towards the coast, ‘development' stood as the idea which oriented emerging nations in their journey through post-war history. No matter whether democracies or dictatorships, the countries of the South proclaimed development as their primary aspiration, after they had been freed from colonial subordination. Four decades later, governments and citizens alike still have their eyes fixed on this light flashing just as far away as ever: every effort and every sacrifice is justified in reaching the goal, but the light keeps on receding into the dark”.

[26] Cf., por exemplo, Esteva (2009, p. 1): “La era del desarrollo: nuevo episodio colonial”.

[27] Cf. Esteva (2009, p. 1): “El desarrollo es hoy el emblema de un mito en agonía y un lema político para vender productos tóxicos.”

[28] Cf., por exemplo, Rahnema (1997b, p. 391): “The end of development should not be seen as an end to the search for new possibilities of change, for a relational world of friendship, or for genuine processes of regeneration able to give birth to new forms of solidarity. It should only mean that the binary, the mechanistic, the reductionist, the inhumane and the ultimately self-destructive approach to change is over. It should represent a call for the ‘good people' everywhere to think and work together. It should prompt everyone to begin the genuine work of self-knowledge and ‘self-polishing' (...), an exercise that enables us to listen more carefully to others, in particular to friends who are ready to do the same thing”.

[29] Ver Amaro (2003, pp. 64-66).

[30] Eu próprio já os abordei por diversas vezes. Ver, a título de exemplos, Amaro (1990, pp. 449-459) e Amaro (2003, pp. 49-52).

[31] Cf., por exemplo, Latouche (2009).

[32] Cf. Amaro (2003, pp. 46-48).

[33] Como também, nas últimas décadas, no modelo chinês de “um país, dois sistemas”, a partir das reformas introduzidas por Deng Xiaoping, numa lógica que mais se deve classificar como “capitalismo de Estado”. Cf., por exemplo, Harvey (2005, pp. 120-151).

[34] Cf. Amaro (2003, p. 47).

[35] Presto aqui homenagem ao meu amigo e colega, o antropólogo e ex-professor de Antropologia Social do ISCTE, Raúl Iturra, de origem chilena, que, há quase 40 anos, foi o primeiro a chamar-me a atenção para o carácter etnocêntrico do conceito de desenvolvimento.

[36] Vários exemplos se poderiam dar a estes diferentes níveis, como o predomínio das lógicas racionais na construção do conhecimento e na interpretação da realidade, a suposta superioridade dos comportamentos produtivistas sobre os tempos da festa e da meditação, por exemplo, ou da cidade sobre o campo, ou ainda a adopção recorrente de uma visão utilitarista na relação com a Natureza, uma concepção individualista da ideia da liberdade ou dos direitos humanos.

[37] Como eu próprio tive múltiplas ocasiões de observar e testemunhar, nas minhas várias andanças por África (sobretudo) e América Latina.

[38] Cf., por exemplo, Amaro (1990) e Amaro (2003, p. 46). Trata-se, como é evidente, de uma forma de exploração diferente daquelas que são normalmente teorizadas nos outros dois modos referidos – colonialismo e capitalismo –, que assumem sobretudo uma natureza económica e política (embora com expressões noutras áreas), e muito inspiradas, em geral, pelas teorizações de origem marxista. Neste caso, trata-se sobretudo de uma exploração ecológica e ontológica (relativa às formas do Ser e da Vida, numa acepção mais ampla), que não se enquadra bem nas lógicas explicativas mais sociocêntricas ou... antropocêntricas, típicas daquelas teorizações, porque subsidiárias dos paradigmas da Modernidade.

[39] Estruturalmente, designei eu em Amaro (1990).

[40] Exemplo típico foi o protagonizado por uma mulher, Margaret Thatcher, num claro exercício de poder de natureza masculina, marcado profundamente por uma ideologia neo-liberal. É claro que esta referência a “valores masculinos” e “valores femininos” necessitaria de uma explicação e um aprofundamento, que não vai ser possível no âmbito deste artigo.

[41] Exemplos claros e explícitos são os modelos propostos por Arthur Lewis (segundo a sua “teoria da modernização”) e por Walt Whitman Rostow (segundo a sua “teoria das etapas de crescimento económico”). Cf., por exemplo, Lewis (1955), Rostow (1960) e Amaro (2003, pp. 47-48). Para a lógica da “cooperação” soviética, na relação com outros países, cf. Clarkson (1978).

[42] Segue-se aqui de perto a análise que já apresentei em Amaro (2003, pp. 52-55).

[43] Cf., por exemplo, “La Carta de Argel” (1968).

[44] Tendo como momento particularmente simbólico a decisão de, nos Jogos Olímpicos de Verão de 1968, no México, dois atletas negros norte-americanos, Tommie Smith (medalha de ouro) e John Carlos (medalha de bronze), caminharem descalços (com os ténis na mão) para o pódio e erguerem o punho com uma luva negra (símbolo do movimento), baixando a cabeça, no momento de ser tocado o hino nacional dos EUA, na cerimónia de atribuição das medalhas, na prova de atletismo dos 200 m.

[45] Cf. WCED (1987).

[46] Cf. Meadows et al. (1972).

[47] A “stagflation” traduz-se numa situação simultânea de inflação e desemprego elevados, com desaceleração do crescimento económico, aparentemente contraditória e inexplicável. O termo terá sido utilizado pela primeira vez por Iain Macleod, um membro do Partido Conservador do Reino Unido, em 1965 e em 1970, para se referir à situação da economia do seu país, tendo depois sido retomado por Paul Samuelson, para se referir à economia norte-americana do início dos anos 70, e aparecendo no número da revista The Economist de 19 de Março de 1973, ou seja, sempre bem antes do grande choque petrolífero, a partir de Outubro de 1973, ao qual a maioria das análises económicas deste período imputa a causa daquela situação. Ver, a este propósito, Barsky e Kilian (2002).

[48] A qual, deste modo, e ao contrário do que a maioria das análises económicas quis fazer crer, não é a causa da interrupção da “Golden Age” do pós-guerra. Ver ainda, até porque insuspeitos, Barsky e Kilian (2002, pp. 137-138).

[49] Cf., a este propósito, Amaro (2003, pp. 55-60).

[50] No artigo referido (Amaro, 2003), apresento e analiso mais em pormenor estes seis conceitos, reunindo-os em três categorias ou famílias: o primeiro na “fileira ambiental”, o segundo e o terceiro na “fileira ‘people-centred'”, o quarto e o quinto na “fileira dos direitos humanos e na defesa dos ‘mínimos sociais'” e o sexto, como conceito transversal, com relações com todos os outros (pp. 55-60).

[51] Cf. Amaro (2003, pp. 59-60).

[52] Senão mesmo indisciplinar ou pós-disciplinar. Cf. Amaro (2003, pp. 66-67).

[53] Serge Latouche fala inclusive de tentativas de “ressurreição”. Cf. Latouche (2009, pp. 9-17), cap. I - “Vida, muerte y resurrección de un concepto”.

[54] Cf. Esteva (2009, p. 1).

[55] Cf. Esteva (2009, p. 1).

[56] Cf. Latouche (2009, p. 49).

[57] Cf. Latouche (2009, p. 49).

[58] Latouche (2009, p. 25).

[59] Esteva (2009, p. 1).

[60] Cf., por exemplo, Rist (2008, p. 258): “some population groups have certainly improved their living conditions as a result of ‘development' operations. But the advocates of ‘post-development' have never claimed to examine or assess each single initiative taken in the name of ‘development'; their critique is mainly directed at a faith, an ideology, a vision of the world's future, an explanatory model, or a discursive formation that shapes certain practices tending towards ‘universal commodification', with the consequences that we know”.

[61] Sem dúvida o mais criticado, por constituir em si mesmo uma contradição (cf. Latouche, 2009, p. 38: “Se llama un oxímoron o antinomia a una figura retórica que consiste en yuxtaponer dos palabras contradictorias (...). El desarrollo sostenible es una de esas antinomias”) e por ter sido apropriado e (ab)usado pelos poderes económicos e políticos, para perpetuarem os seus interesses e o seu modelo de crescimento económico ilimitado. Cf., por exemplo: Rist (2008, pp. 178-196), Latouche (2009, pp. 38-49) e ainda Latouche (1999, pp. 90-96) e Rodhain e Llena (2006, pp. 51-47).

[62] Cf., por exemplo: Rist (2008, pp. 205-210) e Latouche (2009, pp. 32-34).

[63] Cf., por exemplo, Rist (2008, pp. 162-170).

[64] Cf., por exemplo, Latouche (2009, pp. 34-38).

[65] Cf., por exemplo, Latouche (2009, pp. 26-32).

[66] Cf., por exemplo, Rist (2008, pp. 154-157).

[67] Cf., por exemplo, Latouche (2009, pp. 49-51).

[68] Como é o caso evidente do conceito de “desenvolvimento sustentável”, sobretudo após a Cimeira de Joanesburgo de 2002. A adopção, por muitas destas empresas, de relatórios de sustentabilidade e da chamada estratégia do “triple bottom-line” (ou “tripé da sustentabilidade” - profit, people and planet) ilustra esse processo de apropriação.

[69] Cf., por exemplo, Rist (2008, pp. 256-261): “In previous editions of this work, I wrote that ‘development' was like a star whose light can still be perceived even though it has been dead for a long time, and for ever” (p. 256). Cf. também Sachs (1992, p. 1): “The idea of development stands like a ruin in the intellectual landscape and the time is ripe to write its obituary”. Cf. ainda, por exemplo, Esteva (2009, pp. 3-5) e Latouche (2009, pp. 65-83), cap. V - “Salir del desarrollo”.

[70] Rist (2009, p. 258). Cf., numa perspectiva crítica, aliás referida por Rist, Pieterse (1998).

[71] Cf., em particular, Santos (1995, 2010, 2014).

[72] Cf. Santos (1995, p. 508), citado em Santos (2010, p. 9).

[73] Rist (2009, p. 259).

[74] Da vasta bibliografia existente sobre este conceito, indicam-se algumas obras: Acosta (2010, 2014), Boff (2009), Dávalos (2014), González (2011), Gudynas (2011), Hidalgo-Capitán et al. (2014a, 2014b), Ramos (2014), Tortosa (2009), Unceta et al. (2014) e Ziai (2014). Estas expressões começaram a ser mais conhecidas a partir das lutas dos povos e comunidades indígenas da América Latina pelos seus direitos culturais e às suas terras, desde finais dos anos 80 do século passado, mas a sua teorização, sistematização e divulgação científica só se deu verdadeiramente nos últimos cerca de dez anos – cf., por exemplo, Marcelino (2016, pp. 53-54).

[75] A morte digna é uma das componentes importantes e interessantes deste conceito, inédita e surpreendente, comparando com a habitual recusa de explicitar esta dimensão na ideia de felicidade e bem-estar ou desenvolvimento, nas culturas do Norte.

[76] Cf., por exemplo, Hidalgo-Capitán et al. (2014b, pp. 35-38).

[77] Também conhecida por “Constituição de Montecristi”, por ter sido discutida e aprovada nesse local.

[78] Os critérios segundo os quais se podem classificar como “conceitos de pós-desenvolvimento” são: serem alternativos ao desenvolvimento e não de desenvolvimento alternativo; rejeitarem completamente esse paradigma; basearem-se na cultura e nos conhecimentos locais e defenderem a diversidade cultural; serem críticos em relação aos discursos científicos dominantes, considerados apenas como uma forma de conhecimento; defenderem e promoverem movimentos locais, plurais e de base comunitária; criticarem o crescimento económico, a lógica do Homo œconomicus e a ciência económica dominante – cf. Ziai (2014, p. 3) e Escobar (1995, pp. 215, 226, 58-61). Neste sentido, o “decrescimento”, por exemplo, em rigor, não cumpre todos estes critérios, sem entrar agora em pormenores – cf., por exemplo Ziai (2014, p. 8).

[79] Cf., por exemplo, Latouche (2011) e Ziai (2014, pp. 6-8).

[80] Cf., a este propósito, a síntese apresentada em Marcelino (2016, pp. 49-52).

[81] Esta é uma das razões para este conceito não ser considerado pelos autores do “pós-desenvolvimento”. Contudo, os valores e os critérios que o balizam são, no essencial, de inspiração budista, correspondendo a uma “leitura do Sul”.

[82] Cf. , por exemplo, Priesner (1999) e Ura (2008). Para uma visão de síntese, ver: Gonçalves et al. (2014) e Marcelino (2016, pp. 49-50).

[83] Com quem tive a oportunidade de discutir este conceito e as suas relações com os de desenvolvimento.

[84] Cf. White (2009b, pp. 3-10) e Marcelino (2016, p. 50).

[85] Cf. White (2009a, pp. 10-12) e Marcelino (2016, p. 51).

[86] Para além de outros, como Carol Ryff, Edward Diener e Martin Seligman.

[87] Cf. Keyes (2002, pp. 208-210) e Marcelino (2016, pp. 51-52).

[88] Marcelino (2016, p. 52).

[89] É certo que não é anti-capitalista, mas propõe uma análise não economicista e não uniformista.

[90] A que, por exemplo, pertencia Nelson Mandela.

[91] Na língua ubuntu, “Ubuntu ungamntu ngabanye abantu“ – cf. Ziai (2014, p. 5). Aram Ziai é um autor que, ao enunciar e analisar conceitos de “pós-desenvolvimento”, refere explicitamente este, a par de “buen vivir” e “decrescimento”.

[92] Cf. Ziai (2014, p. 5). Este autor considera que este conceito cumpre alguns dos critérios dos “conceitos de pós-desenvolvimento” (ver Ziai, 2014, pp. 8-9).

[93] Embora de diferentes “Sul”...

[94] Ver nota 78.

[95] Cf. Sarr (2016b, pp. 7-8) e, para uma abordagem mais geral, Sarr (2016a). Ver também Diagne (1999, pp. 111-115). Este autor refere-se a uma outra expressão wolof (“yokutte”), que “ne se réduit pas à la simple accumulation quantitative de biens matériels (« yokkule ») ; il la déborde pour faire signe vers l'épanouissement moral ou spirituel, qui est développement intégral ou intégrateur”.

[96] Não abordarei aqui a questão de tentar esclarecer se há diferenças entre “desenvolvimento local” e “desenvolvimento comunitário”, mas, nesta análise, assumirei que são, no essencial, equivalentes. Cf., para melhor esclarecimento, Amaro (2009).

[97] Para mais elementos, cf., por exemplo: Amaro (2009, pp. 108-110), Carmo (1999, pp. 78-79), Fragoso (2005a, pp. 26-32) e Marcelino (2016, pp. 25-27). Cf. também Fragoso (2005b) e Silva (1963, 1964).

[98] Cf. Amaro (2009, pp. 109-111). A esta interacção entre saberes de tipo diferente e mesmo rivais, chama Boaventura de Sousa Santos uma “Ecologia de Saberes” (cf. Santos, 2010, pp. 23-71).

[99] Como está muito bem estudado e documentado na tese de mestrado de Andreia Marcelino (cf. Marcelino, 2016).

[100] Como se pode ver e eu vivi e vivo, testemunhei e testemunho, em locais e comunidades tão diversas como: Bairros do Padre Cruz, Horta Nova, Quinta Grande, Galinheiras, Lóios, Alto do Lumiar, Quinta da Calçada e das Fonsecas, Liberdade e Serafina, Casal dos Machados (Lisboa); Bairros da Quinta da Fonte e Quinta do Mocho (Loures); Bairros da Adroana, Alcoitão e Cruz Vermelha (Cascais); Bairros do Alto da Cova da Moura, Alfragide, Brandoa e Casal da Mira (Amadora); Bairro do Pica-Pau Amarelo (Almada); Bairro do Pendão (Sintra); Bairros do Viso e do Vale de Campanhã (Porto); Messejana (Aljustrel); Alcáçovas e Viana do Alentejo (Viana do Alentejo); Serpa; Castelo de Vide; Monsaraz (Reguengo de Monsaraz); Bairros de Quelelé, Belém e Militar (Guiné-Bissau); Buba, Gabú e S. Domingos (Guiné-Bissau); Ilha do Maio, Lajedos, S. Pedro, Achada de S. Filipe e Rui Vaz (Cabo Verde); Bairro da Graça - Benguela (Angola); Porto Alegre, Vila Malanza, Ponta Baleia e Ilhéu das Rolas (S. Tomé e Príncipe); favelas de Lima (Peru); Conjunto Palmeiras - Fortaleza (Brasil); Baucau (Timor-Leste). Para só citar as principais experiências onde estive envolvido até agora.

[101] Que eu próprio procurei fazer e ajudar a fazer.

[102] Ver nota 98.

[103] Cf, por exemplo, Fragoso (2005a) e Friedmann (1996).

[104] Como se referiu no ponto 5.

[105] A descodificação, o esclarecimento e a desmontagem do que são realmente estas novas formulações da Economia são tarefas fundamentais e urgentes, mas não cabem neste artigo.

[106] O que é comparável à trama dos chamados “negócios sociais” (ou “social business”), a grande descoberta de abastardamento (para não dizer “prostituição”) dos princípios originais da economia social.

[107] Cf. Bahro (1984), do filósofo alemão Rudolf Bahro, dissidente das duas Alemanhas do pós-guerra, que se tornou crítico do “socialismo real alemão” e se tornou ecologista (From Red to Green, título do seu livro de 1984), depois dirigente do partido Die Grünen, da República Federal da Alemanha, com o qual entrou também posteriormente em colisão.

[108] Nomeadamente as lutas contra a desflorestação e a expropriação de terras dos indígenas e dos camponeses (por exemplo, na Amazónia e na América Latina em geral).

[109] Neste caso, nos chamados “países desenvolvidos”, contra os grandes interesses económicos predadores.

[110] Cf. Amaro (2016, pp. 98-107).

[111] Conceito que substitui o de crescimento económico e que inclui soberania alimentar, salários decentes, distribuição equitativa de rendimentos, consumo suficiente e responsável, comércio justo, valorização da economia local, gestão orçamental justa e não fundamentalista, sistemas de financiamento para todos, com condições justas e éticas, garantia de um rendimento incondicional básico, preferência por energias limpas e renováveis.

[112] Com Edgar Morin, por exemplo.

[113] Com Karl Ludwig von Bertalanffy, por exemplo.

[114] Com James Gleick e Ilya Prigogine, por exemplo.

[115] Com Ilya Prigogine, por exemplo.

[116] Com Benoît Mandelbrot, por exemplo.

[117] Com António Damásio, por exemplo.

[118] Cf. Amaro (2003, p. 59).

[119] Como propõe e estimula, quase obriga a fazer, a sociedade de consumo e o hedonismo da insatisfação permanente, que a alimenta e sustenta.

[120] Cf. o ponto 2 deste artigo.

[121] Como aconteceu com alguns dos conceitos de “desenvolvimento alternativo” ou com outros “conceitos alternativos”, que têm marcado a procura de alternativas aos problemas, ameaças e desafios da actualidade, como, por exemplo, “microcrédito”, “finanças éticas”, “comércio justo”, “felicidade”, “economia social”, “sustentabilidade”. E é já visível alguma apropriação em curso quanto ao conceito de “bem viver”...

[122] Cf. as notas 112 a 117.

[123] Cf. Amaro (2003, pp. 65-66) e Amaro (1990).

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons