SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número36A Cooperação Bilateral Brasil-Moçambique, com Enfoque Especial na Área da DefesaPolíticas de Adaptação às Mudanças Climáticas e a Produção Transescalar da Sujeição Social na Guiné-Bissau índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Cadernos de Estudos Africanos

versão impressa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.36 Lisboa dez. 2018

 

DOSSIÊ

 

Desmistificando Práticas de Gestão Chinesas na Diáspora: Extensão de abordagens weberianas ou romantização da análise?

 

Demystifying Chinese management practices in the diaspora: Extension of Weberian approaches or romanticization of the analysis?

 

 

João Feijó

Observatório do Meio Rural, Rua Faustino Vanombe, 81, 1º andar, Maputo, Moçambique, joaofeijo@hotmail.com

 

 


RESUMO

O interesse da comunicação social e de académicos em torno do sucesso dos empresários chineses, particularmente no sudeste asiático, tem reanimado as análises sobre as culturas de gestão. A partir do último quartel do séc. XX, passou-se a chamar a atenção para as particularidades das pequenas e médias empresas chinesas formadas na diáspora, destacando o papel das redes de confiança e de familiaridade nos processos de gestão. Ao longo desta reflexão procura-se analisar a forma como os traços culturalistas ou a etnicidade vêm sendo recuperados na explicação do que ficou conhecido como milagre económico chinês. Num último momento, pretende-se alertar para o risco de essencialismo nestas análises, propondo que se trata de estratégias de adaptação a contextos políticos e socioeconómicos desfavoráveis.

Palavras-chave: asiocentrismo, guanxi, paternalismo, nepotismo, capitalismo chinês


ABSTRACT

The interest of the media and academics around the success of Chinese entrepreneurs, particularly in Southeast Asia, has reanimated the analyses on management cultures. From the last quarter of the twentieth century, attention was drawn to the particularities of small and medium-sized Chinese enterprises formed in the diaspora, highlighting the role of networks of trust and familiarity in management processes. Throughout this reflection, we try to analyse the way culturalist traits or ethnicity have been recovered in the explanation of what became known as Chinese economic miracle. Finally, it is intended to alert to the risk of essentialism in these analyses, proposing that these are strategies of adaptation to unfavourable political and socio-economic contexts.

Keywords: Asiacentrism, guanxi, paternalism, nepotism, Chinese capitalism


 

 

Em finais do séc. XIX, Max Weber procurou explicar o desenvolvimento do espírito capitalista a partir da religião. Analisando a ética de conduta protestante, Weber (1996) considerava que o fiel se julgava constantemente vigiado por Deus, numa relação como que jurídica, de superior para inferior. A vida terrena era representada como um sacrifício para uma futura recompensa no além, pelo que o praticante se via obrigado a disciplinar os seus comportamentos, em busca de um sinal de eleição. Perante a condenação do ócio e do prazer, o fiel encontrava na avareza e no trabalho uma saída para a sua salvação, desenvolvendo assim um conjunto de atitudes consentâneas com o espírito do capitalismo: orientação para a poupança, acumulação e constante (re)investimento na produção. Analisando as religiões orientais, Weber constatava a existência de orientações mais contemplativas e místicas. Cultivado sobretudo por leigos, o confucionismo era analisado como um modelo de conduta em busca do autocontrolo e da harmonia do Homem no mundo, através do culto do respeito e da piedade ou do ajustamento às convenções sociais (Weber, 1968, p. 153). Ao contrário do protestantismo, marcado por uma maior impessoalidade das relações inter pares, na China o indivíduo estava constrangido pelas relações com o seu clã, assentes no dever de lealdade, obediência e subordinação. Comparativamente com o puritanismo, o homem não vivia na angústia de pecar e consequente punição no além, procurando unicamente o autocontrolo e a salvação da grosseria da barbárie social (Weber, 1968, pp. 156-157), reduzindo deste modo as suas tensões com o mundo. Para o sociólogo alemão, ao excluir a ideia de salvação o confucionismo teria impedido a formação de uma ascese racional, de orientação materialista, que conduzisse à dominação do mundo. Apesar de a atividade económica ser apreciada, o confucionismo instituía reservas quanto à ganância económica, uma vez que o equilíbrio e a harmonia da alma seriam abalados pela cobiça. Por sua vez, ao invés de promover na elite instruída uma “iluminação mística” – por via da “fuga contemplativa ao mundo” (Weber, 2006, p. 214) – o protestantismo professava aquilo que Weber (2006, p. 278) designava de “ascetismo intramundano”, de cariz proativo.

Se até finais da década de 1970 as teorias weberianas se mantiveram úteis para explicar o avanço económico e capitalista dos países do norte dos continentes europeu ou americano, a partir de finais da década de 1970 o rápido crescimento da economia chinesa fez renascer o interesse sobre as práticas de gestão asiáticas. No início da década de 1990, Redding (1993, pp. 4-5) constatava que as análises sobre as empresas chinesas no estrangeiro representavam as formas culturais de organização de uma forma enigmática, o que acontecia essencialmente por três motivos: pela atitude relutante e defensiva das empresas chinesas, enquadradas muitas vezes em contextos hostis para com a sua presença; pelo défice de académicos interessados na análise destas organizações, geograficamente bastante dispersas; e pela tendência de as empresas chinesas adotarem uma atitude discreta nos seus contextos de destino, tanto ao nível do financiamento, da produção ou dos canais de distribuição.

A verdade é que a expansão económica do capital oriundo deste país asiático despoletou a produção de inúmera literatura sobre práticas de gestão chinesa, frequentemente de cariz etnográfico, destacando-se aspetos como o papel das redes familiares, as práticas paternalistas ou as redes de confiança nos processos de gestão.

A partir da análise de diversa literatura académica, produzida em vários contextos do globo acerca de práticas de gestão em empresas chinesas na diáspora, complementada com dados resultantes da observação e entrevistas semiestruturadas junto de empresários e trabalhadores chineses residentes em Maputo[1], ao longo deste texto procura-se abordar o carácter essencialista de inúmeras abordagens de cariz culturalista. Pretende-se demonstrar que aquilo que é frequentemente definido como “características chinesas de gestão” constitui não só uma generalização abusiva – colocando num mesmo saco um conjunto de práticas bem mais heterogéneas, em função de diferentes vagas migratórias, das circunstâncias encontradas nas comunidades de destino ou de ramos de atividade económica –, mas também estratégias de adaptação a contextos desfavoráveis que, na realidade, constituem características de empresários das mais diversas nacionalidades.

Contextualização da presença chinesa em Moçambique

A presença chinesa em Moçambique não constitui um fenómeno recente. Tal como vinha acontecendo na África do Sul (Park, 2008, pp. 9-31), Maurícias (Pineo, 1998, pp. 351-355), Reunião ou Madagáscar (Yu-Sion, 1998, pp. 347-350), em 1858 chegaram à Ilha de Moçambique um grupo de 30 chineses, o primeiro da época moderna, contratado pelo Governador-geral (Medeiros, 2007, p. 158). Já em finais do século, a construção das cidades de Lourenço Marques e da Beira, dos respetivos portos marítimos e caminhos de ferro, de edifícios públicos e casas particulares e outros projetos coloniais careciam de uma mão de obra minimamente qualificada e de baixo custo. Ainda que Moçambique não tenha constituído um destino de contratados chineses em grande escala, tal como o foram várias colónias francesas e inglesas, foi neste contexto que os coolies[2] constituíram uma alternativa bem mais económica, comparativamente com a dispendiosa mão de obra europeia. Os imigrantes chineses que vieram para Moçambique eram na sua maioria originários da província de Guangdong, pelo que a língua dominante destas comunidades era o cantonês.

Ao longo do século XX, a população de origem chinesa em Moçambique registou um crescimento contínuo. De acordo com a informação dos censos demográficos (Castelo, 2007, p. 216), a população “amarela” era composta em 1940 por 1449 indivíduos, aumentando para 2266 em 1950 e atingindo os 3814 indivíduos em 1970, representando então 0,05% da população de Moçambique. Considerando que estes dados não captavam os clandestinos nem os filhos mestiços que foram nascendo[3] ao longo do séc. XX é provável que a população sino-africana fosse três vezes superior à população “amarela” das estatísticas coloniais (Medeiros, 2007, p. 161).

Nas primeiras décadas do século XX, os chineses destacaram-se nos trabalhos artesanais especializados, como cantineiros ou como agricultores, constituindo importantes fornecedores de hortícolas à cidade (Zamparoni, 2000, p. 200). Embora os chineses tivessem grande presença na construção civil, tal como os indianos no comércio, ambas as comunidades estavam excluídas das associações comerciais ou profissionais[4]. Quer para se protegerem destas contrariedades, quer para proporcionarem momentos recreativos e reforçarem os laços identitários, estes cidadãos organizaram as suas comunidades e (re)criaram as suas próprias associações[5]. Na década de 1930 surgiram comerciantes na cidade de cimento e, ao longo das décadas de 1950 e 1960, alguns abriram pequenas indústrias de confeções. Saídos das escolas portuguesas, os mais novos passaram a trabalhar nas instituições públicas e privadas (Medeiros, 2007, p. 162), em atividades profissionais diferentes das primeiras gerações, nomeadamente como funcionários públicos, bancários, engenheiros, arquitetos ou topógrafos[6].

Contrariamente aos progenitores, as segundas gerações de sino-asiáticos e os sino-africanos resultantes de casamentos mistos passaram sobretudo a utilizar a língua portuguesa nas relações sociais. A partir da segunda e terceira geração a comunidade viu reduzida a sua singularidade relativa à língua, aos hábitos, costumes e relacionamentos, embora os mais velhos pretendessem moldar a totalidade da vida dos seus filhos, através de casamentos endogâmicos, da escola e dos clubes chineses ou das celebrações festivas (Medeiros, 2007, p. 170). Nas décadas de 1950 e 1960, o convívio com jovens portugueses nas escolas, na catequese, nas atividades desportivas e recreativas (escutismo ou concursos de beleza), a interação nas atividades profissionais ou o recrutamento no exército, bem como o casamento com europeus ou descendentes de europeus promoveram a integração destas populações nas comunidades portuguesas. As novas gerações constituíam grupos mais adaptáveis, com múltiplas pertenças identitárias, que se assumiram como intermediários entre as respetivas famílias e a sociedade colonial.

A comunidade chinesa não constituía um grupo homogéneo, sendo significativas as clivagens sociais no seio do grupo[7], que passavam despercebidas aos olhos da comunidade portuguesa (Medeiros, 2007, p. 178; Cabaço, 2010, p. 213). Por detrás de uma aparente homogeneidade étnica existiam inúmeras diferenças, estruturadas nas várias atividades profissionais e níveis de rendimento, em questões de género ou etárias ou em termos de estilos de vida.

Na sequência do processo de independência de Moçambique, receando pela segurança e desconfiando das novas políticas económicas, uma grande parte dos sino-moçambicanos partiu para diversos países (entre os quais Portugal, África do Sul, Brasil, Inglaterra, Estados Unidos ou Macau), abandonando bens e propriedades. Contudo, na sequência da independência de Moçambique e do estabelecimento de relações de cooperação com a China, assistiu-se a uma nova vaga de migração chinesa, constituída essencialmente por quadros técnicos, integrada em diversos projetos relacionados com a saúde, com a cooperação técnica agrícola (Ekman, 2012, p. 205), com a indústria têxtil e calçado ou com a energia eólica (Liu, 2009, p. 226), entre outros.

Já no século XXI, Moçambique conhece a maior vaga de imigração e de investimento chinês de sempre, particularmente visível nos sectores da construção civil, das telecomunicações, do comércio, da restauração e do sector florestal. A China em Moçambique esteve também presente ao nível bancário (Alves, 2012, p. 49), assistindo-se a investimentos nos sectores dos cimentos, mobiliário, agrícola ou de recursos minerais (Roque & Alden, 2012, p. 19; Chichava, 2012, p. 44). O investimento chinês tem sido acompanhado por um aumento dos fluxos migratórios para Moçambique. De acordo com várias estimativas o total de imigrantes chineses rondava, em 2009, os 10 mil habitantes[8], que gradualmente fundam as suas próprias associações[9].

A atitude separatista de muitos empresários e trabalhadores chineses, as dificuldades de comunicação ou a disciplina laboral e ritmos de trabalho vêm alimentando inúmeros rumores e preconceitos em torno destas populações. Em Moçambique, como noutros países africanos, circulam representações de trabalhadores chineses que cumprem, em África, penas de prisão, despertando a imaginação popular em torno dos respetivos comportamentos[10]. Tal como noutros contextos do globo, as empresas chinesas em Moçambique são frequentemente vistas pelas populações locais de uma forma enigmática.

Alguns elementos culturalistas presentes na análise de pequenas e médias organizações de origem chinesa na diáspora

Da análise das pequenas e médias empresas chinesas na diáspora – em contextos diversos como o Sudeste Asiático (Redding, 1993), os Estados Unidos (Wong, 1998) ou a Europa (Pieke, Nyíri, Thunø & Ceccagno, 2004) – a família surge como um importante pivot de estruturação de negócios, pela sua capacidade de providenciar bem-estar, gerar lealdades e contribuições por parte dos respetivos membros. Os autores constatam práticas de recrutamento preferencial junto de elementos da família, mas também da mesma região natal ou origem linguística. Neste sistema, as formas de gestão assentam fortemente no personalismo (Redding, 1993, p. 135). Trata-se da tendência de permitir que relacionamentos pessoais penetrem no processo de tomada de decisão, negando por isso a objetividade e a neutralidade a partir da qual um sistema burocrático e racional poderia florescer. Neste sentido, a avaliação dos recursos humanos, particularmente em processos de recrutamento e seleção, depende sobretudo de fatores como a lealdade à organização e não apenas da habilidade técnica. A detenção de uma especialidade ou o domínio das línguas locais não é totalmente ignorada e pode até ser alvo de atenção[11], mas não constitui o único, ou até o principal critério em consideração. Como explica Redding (1993, p. 135), o sistema de obrigações mútuas daqui resultante influencia outros aspetos das dinâmicas empresariais, tais como as decisões de investimento, de crédito e de financiamento (sobretudo quando originado na família).

A partir de observações realizadas em Maputo, concluiu-se que o recrutamento junto dos grupos familiares constitui uma característica omnipresente em todas as pequenas empresas analisadas. Da mesma forma, foi no seio da família que se encontrou o capital para investimento, assim como as decisões estratégicas de gestão, que frequentemente se confundiam com a própria organização familiar. O local de trabalho constitui, frequentemente, o próprio espaço de residência do agregado familiar, sendo as dinâmicas da família organizadas em sintonia com as exigências da organização.

Contudo, este fenómeno apresenta alterações nas grandes empresas analisadas. A título de exemplo, nas grandes empresas de construção civil, o recrutamento de trabalhadores chineses ultrapassa largamente as lógicas familiares, ainda que a maioria dos funcionários sejam oriundos da mesma cidade ou da mesma província na China. Da mesma forma, numa empresa multinacional de capital chinês no sector das telecomunicações, os quadros são oriundos de diversas grandes cidades chinesas, assentando os critérios de seleção em torno da detenção de competências linguísticas e de engenharia específicas.

Na explicação da importância do relacionamento e das conexões sociais, diversas análises académicas têm privilegiado o estudo daquilo que se designa de guanxi[12]. Tratando-se de um termo fluido e abrangente, diversos autores – Tsui e Fahr (1997, p. 59); Boden (2008, p. 125) – constatam a inexistência de um consenso quanto à definição ou tradução do conceito, quer na literatura chinesa, quer em língua inglesa. Não obstante, as abordagens vêm referindo que o conceito traduz uma relação entre pessoas que partilham um determinado estatuto ou que estão ligadas a uma pessoa em comum (Bian, 1994), que exprime a formação de contactos com vista a garantir favores em assuntos complicados (Luo, 2007, p. 2), constituindo um elemento equilibrador das relações de poder (Trigo, 2003, p. 72). Trata-se de um conceito utilizado para traduzir precisamente as relações de confiança entre os indivíduos, que assume um papel fulcral ao nível da condução dos negócios, da gestão de clientes e fornecedores ou de recrutamento e seleção de recursos humanos (Redding, 1993; Trigo, 2003, pp. 72-76). Neste sistema “it is not what you know, it is who you know, and the ‘who’ are people with the right connections” (Redding, 1993, p. 135).

Luo (2007, pp. 10-12) sintetiza vários princípios inerentes à utilização e manutenção do guanxi, entre os quais a transferibilidade. Ou seja, se A tem guanxi com B e B é amigo de C, logo B pode apresentar ou recomendar A a C ou vice-versa, sendo que o sucesso da transferência depende da satisfação que B sentir sobre o guanxi relativamente a A e B. Uma vez que está assente em redes de confiança pessoais, esta relação assume um carácter fortemente personalista. Por outro lado, o guanxi tem um carácter recíproco (uma vez que obriga à retribuição de um favor, ainda que não necessariamente equivalente, sob risco de quebra de prestígio e de confiabilidade), intangível (já que as relações estão comprometidas através de um código invisível de reciprocidade) e de longa duração (de carácter implícito, a reciprocidade não tem especificações temporais). Ao remeter para a resposta a pedidos de assistência concretos, o guanxi assume também uma dimensão utilitária[13].

Um aspeto largamente partilhado na literatura (Redding, 1993; Bian, 1994; Tsui & Fahr, 1997; Trigo, 2003; Luo, 2007; Boden, 2008, p. 125; António, 2008) relaciona-se com o carácter penetrante[14] e intricado que as redes (neste caso o guanxi) assumem na sociedade chinesa, cultivadas por isso de forma subtil, ativa e criativa por parte dos atores sociais. Para Luo (2007, p. 2), empregadores, gerentes, funcionários públicos e, inclusivamente, estudantes chineses transformaram o guanxi numa “carefully calculated science”. Trigo (2003, pp. 73-74) analisa ainda o papel desempenhado pelo guanxi na transição chinesa para a economia de mercado, nomeadamente na ultrapassagem das ineficiências da burocracia comunista ou de desvantagens institucionais, resultantes de deficiências e ambiguidades no contexto envolvente às organizações. A realidade é que o controlo dos contactos ao longo dos canais de negócios permite a redução da incerteza num determinado contexto económico, a estabilização dos processos de financiamento, o fornecimento ou recrutamento nos mercados, cimentando relações mais confiáveis no seio da organização (Redding, 1993, p. 112).

Num país como Moçambique, marcado pela enorme burocracia do Estado e elevados índices de corrupção, o sucesso no mundo empresarial apresenta-se fortemente dependente da rede de contactos estabelecida em torno de sectores-chave da sociedade. A existência de um sócio influente ou de uma boa rede de contactos junto de elementos influentes na administração pública ou no governo central constitui, na verdade, um importante capital social, facilmente convertível em soluções no foro económico, quer na tramitação de atos administrativos, quer ao nível da proteção contra fiscais e agentes oportunistas, quer ao nível da obtenção de contratos privilegiados com o Estado. Trata-se de uma realidade vivenciada pelo universo empresarial no país, independentemente da nacionalidade, pelo que os empresários chineses não constituem exceção. A vulnerabilidade dos empresários asiáticos num país estrangeiro com grandes diferenças na legislação ou na língua de comunicação exerce um efeito dúbio: por um lado, aumenta a desconfiança das populações chinesas em relação às populações locais, entendidas como oportunistas e predadoras de recursos externos. Por outro, torna a existência de redes de proteção ainda mais necessária para a sobrevivência diária dos indivíduos.

Por parte dos empresários chineses foi reconhecida a existência de relações clientelistas com funcionários governamentais. Um dos gerentes tem-se esforçado por conquistar a amizade de um funcionário influente do Ministério das Finanças, a quem oferece presentes e dinheiro, em troca de favores e da venda de serviços. Um segundo entrevistado reconheceu que, por vezes, solicita à Embaixada da China para interceder junto de empresas públicas moçambicanas, suas clientes, aquando da existência de concursos públicos. Um terceiro afixou no escritório uma fotografia, onde confraternizava com um membro sénior do partido no Governo. Numa quarta organização foi vendida uma quota da empresa a um trabalhador moçambicano com bons contactos em diversos ministérios. O facto de grande parte das empresas chinesas operar com trabalhadores estrangeiros acima da quota desencadeou uma série de serviços paralelos, criada por solicitadores moçambicanos. Tal como noutros países africanos[15], o sistema funciona em rede, por intermédio de um grupo de angariadores com bons contactos nos serviços de migração e fronteiras e noutros ministérios, que cobram valores variáveis pela prestação de serviços diversos, como a renovação de vistos, a legalização de cidadãos estrangeiros com visto caducado ou, inclusive, a obtenção de um Documento de Identificação e Residência de Estrangeiros (DIRE).

Uma consequência destas abordagens culturalistas, particularmente na explicação da segregação das famílias e empresários chineses na diáspora, relaciona-se com a revalorização da etnicidade. A atitude segregacionista dos imigrantes chineses tem sido explicada a partir do legado histórico de (des)integração em ambientes pouco recetivos a investidores chineses. A vulnerabilidade sociopolítica das comunidades chinesas nos contextos de destino[16] é geradora de uma atitude de desconfiança relativamente a grupos externos, colocando reservas à realização de negócios com indivíduos de outras nacionalidades (Redding, 1993, p. 38), sobretudo nas primeiras gerações (Wong, 1998, p. 81). Apercebendo-se dos efeitos do seu sucesso nas comunidades de acolhimento e dos ressentimentos daí resultantes, os imigrantes chineses tendem a reforçar a solidariedade grupal, numa atitude pragmática e defensiva. As diferenças linguísticas são igualmente utilizadas na explicação das dificuldades de comunicação intercultural e tendência de segregação social (Wong, 1998). Em suma, uma forte identidade étnica (Menkhoff, 1998, p. 95), uma desconfiança em relação ao exterior e um sentido de mútua dependência e confiança são considerados responsáveis pela tendência de concentração em torno de canais exclusivamente chineses dos recursos financeiros e humanos, bem como de informações sobre os mercados ou apoio social. Neste contexto, a família, a etnia e a nacionalidade[17] constituem poderosas fontes de confiança e de associação nos processos de estruturação de negócios e relações comerciais (Redding, 1993, p. 38; Wong, 1998; Boden, 2008).

Da eficácia organizacional nas empresas chinesas na diáspora

Apesar de conter uma conotação negativa num sistema legal-racional (associado ao favoritismo e à valorização de pessoas ineficientes), diversos autores – Redding (1993); Wong (1998) – mostram como nas empresas chinesas na diáspora o nepotismo, o personalismo e o paternalismo concorrem para a eficácia organizacional, transformando-se numa vantagem competitiva para as organizações. Em contextos de dificuldade de acesso ao crédito por parte de micro e pequenas empresas, as poupanças familiares tendem a constituir a base de financiamento das organizações, sobretudo nas primeiras gerações (Wong, 1998, p. 72). Por outro lado, nas empresas familiares torna-se mais fácil a formação dos trabalhadores (Wong, 1998, p. 66). Através de práticas de educação informal, os mais novos são frequentemente testados nas suas posições, onde desenvolvem competências de negociação, de avaliação dos mercados e de gestão financeira. A preparação do jovem empreendedor constitui um processo complexo e demorado (Redding, 1993, p. 133), onde em função da ultrapassagem dos desafios que lhes são apresentados, os candidatos tendem a receber maiores responsabilidades. Num contexto de socialização familiar, as probabilidades de desenvolvimento e partilha de uma identidade comum são também maiores, contribuindo para o reforço da motivação e da cultura organizacional. Em terceiro lugar, a tendência de proporcionar baixos salários aos membros mais novos da família[18] e de os manter em condições equiparáveis aos dos trabalhadores da base da pirâmide organizacional permitem, simultaneamente, economizar recursos financeiros, estimular o desejo de acumulação de riqueza e de promoção social, mas também a sensibilidade para com as diferentes perspetivas dos trabalhadores. Em quarto lugar, num contexto em que a sobrevivência do indivíduo está condicionada à sobrevivência da empresa-família, o mau desempenho de um elemento do clã tende a ser publicamente condenado pelos restantes membros, assistindo-se a um escrutínio permanente da respetiva performance. Uma vez que todos na empresa estão envolvidos no processo de acumulação e de bem-estar familiar, em períodos de sobrecarga de trabalho ou de maior exigência organizacional tende a haver uma maior correspondência dos trabalhadores[19]. Como explica Redding (1993, p. 38) “that family wealth is normally seen as a common pool[20]. Finalmente, para os chineses na diáspora, em contextos de dificuldade de integração social e inclusivamente de reações hostis por parte das populações locais, o nepotismo constitui uma forma de proteção, tornando-se inclusive mais fácil garantir a confidencialidade da informação empresarial (Redding, 1993, pp. 133-134; Wong, 1998, p. 66).

Valores confucionistas e ética religiosa – estendendo a racionalidade weberiana: reflexões finais

As análises acerca dos chamados “valores confucionistas” fizeram renascer os debates em torno do desenvolvimento do capitalismo a partir da ética religiosa, ou dos sistemas legais-racionais de gestão. Para Weber (1968, p. 227), pelo facto de ser defensor de uma conduta harmoniosa para com os mais velhos, para com o clã e a natureza em geral – preservando desta forma o status quo –, o confucionismo não foi gerador de uma tensão com Deus e com o mundo, que desencadeasse uma postura proativa no crente, catalisadora de mudança[21] e de controlo. Ao contrário do puritanismo, no confucionismo a noção de pecado aplicava-se sobretudo no sentido da descortesia para com o Outro, da desonra ou da inexistência de uma educação letrada. Por outro lado, a desconfiança nas relações pessoais que o chinês construía em seu redor (particularmente fora do seu clã de origem), contrastava com o sentido de confiança e de honestidade do puritano, estabelecido no quadro de relações impessoais (Weber, 1968, p. 237) e meramente utilitárias. Para Weber (1968, p. 241), ao invés de racionalizar as atividades empresariais, reduzindo-as a relações comerciais, um sistema confucionista chinês teria mantido uma lógica patrimonial, clientelista e assente no favor pessoal. Aqueles fatores que, para Weber, negavam a emergência de qualquer forma de objetividade e de neutralidade e que impediam o desenvolvimento de um profissionalismo burocrático, a partir da década de 1970 apareceram como explicativos do crescimento económico registado no sudeste asiático.

A obra de Redding (1993) veio demonstrar que fenómenos aparentemente não racionais – como o personalismo, o familismo ou o nepotismo – podem, afinal, ser transformados em vantagens económicas. Por um lado, os recursos (humanos e financeiros) da família são capitalizados para fins comerciais. Por sua vez, o envolvimento dos indivíduos nas redes familiares constitui um fator fundamental no desenvolvimento de redes de confiança e para a sobrevivência em contextos de imprevisibilidade. As famílias permanecem a unidade básica de sobrevivência, largamente autossuficientes, num contexto competitivo onde os seus membros são motivados pelas exigências pragmáticas de proteger e melhorar os recursos familiares, dos quais, por sua vez, são altamente dependentes. O relacionamento integrado entre a empresa e a família reflete-se naquilo que Lau (1984, p. 72) descreveu como “utilitarianistic familism[22]. Os diversos autores vieram demonstrar que as alianças matrimoniais facilitam a constituição e o alargamento de redes comerciais e de influência, capitalizáveis para fins económicos.

Por outro lado, considera-se que a tolerância para com a rotina e a repetição, a contenção em gastos supérfluos[23] e o elevado pragmatismo resultam de alegados valores confucionistas que norteiam o dia a dia dos chineses na diáspora, particularmente em situações de instabilidade e insegurança (Redding, 1993, pp. 69-70). Em contextos onde a sobrevivência económica da empresa se confunde com a sobrevivência da família (e por extensão de cada membro da mesma) ser considerado preguiçoso ou egoísta e não contribuir para o bem-estar do grupo acarreta, não apenas sanções imediatas (pela não disponibilização dos benefícios), mas também sanções psicológicas, por intermédio da reprovação moral e consequente isolamento social. A honra constitui um outro valor que promove o trabalho árduo para atingir o sucesso, de forma a dignificar o nome e a sobrevivência da família e, por extensão, do indivíduo.

O respeito pela hierarquia e a valorização da obediência e da harmonia tendem a reduzir a ambiguidade na cadeia de comando, a promover a disciplina (Wong, 1998, p. 80) e a diminuir as contradições entre o capital e o trabalho[24]. Por sua vez, o valor de respeito pela senioridade estimula os mais jovens a envolverem-se desde cedo nas atividades económicas desencadeadas pelos progenitores (Wong, 1998, p. 80).

Estas abordagens enquadram-se naquilo que se tem designado por “asiocentric perspectives” (Asante, 1989, 1990, 2001), que procuram questionar a aplicabilidade universal daquilo que é definido como conceitos, valores ou pressupostos metodológicos ocidentais[25] (Miike, 2008, p. 57), enraizados no que se define como “tradição ocidental” ou “eurocentrista”. As abordagens partem do pressuposto de que as visões ocidentais sobre os asiáticos não só se apresentam limitadas na explicação das respetivas dinâmicas, como frequentemente os descontextualizam das suas realidades culturais, negando a centralidade dos mesmos no processo de análise (Miike, 2008, p. 57). As perspetivas asiocêntricas predispõem-se a analisar os problemas a partir do que se designa de “olhar asiático”, a construir paradigmas de investigação a partir de valores locais[26] – baseados por exemplo em sistemas filosóficos como o confucionismo[27] –, bem como a alargar as possibilidades metodológicas e epistemológicas de análise[28]. Para Miike (2008) a pesquisa de realidades asiáticas a partir de conceitos e agendas de investigação ocidentais vem influenciando o processo de colocação dos problemas de pesquisa, que aparecem como testagem de teorias desenhadas a partir de realidades ocidentais, com vista ao estabelecimento de generalizações universais. A identificação e explicação de problemas locais a partir de perspetivas asiocêntricas possibilitaria o desenho de novos programas de investigação, que forneceriam importantes contributos para os problemas teóricos.

Estas abordagens culturalistas não deixam de apresentar as suas limitações. Como salienta Hsing (2003, pp. 221-223), a literatura que destaca a existência de práticas universais chinesas – repetidamente associadas à “tradição” e assentes em atributos e fronteiras culturais rígidas e estáticas – não é consonante com a observação empírica e com a diversidade de práticas empresariais chinesas ou de gestão dos respetivos recursos humanos. Estas abordagens culturalistas não evitaram a armadilha do essencialismo, desencadeando aquilo que Nonini (1997) designou de “high romance of transnational Chinese capitalism”. De facto, as perspetivas centraram-se na análise de um conjunto de atributos considerados “chineses” ou “confucionistas”, assentes na confiança personalista ou no valor da família, que não estiveram presentes em todas as empresas chinesas ao longo dos tempos, nas diversas regiões do globo e sectores de atividade (Hsing, 2003, p. 222).

A noção de uma rede global chinesa, sustentada por um sistema de valores ancestrais, oriundos de uma China tradicional e homeostática parte do pressuposto de que esses valores se mantiveram estáveis ao longo do tempo, persistindo até à modernidade, ignorando as constantes transformações e influências a que estiveram sujeitos os empresários chineses. Como explica Ma (2003, p. 12), a partir de meados da década de 1960 a diáspora chinesa sofreu profundas transformações e tornou-se particularmente heterogénea, não só em termos de tamanho populacional, de locais de origem e de destino geográfico, de padrões de assentamento urbano[29], de características socioeconómicas ou de ocupações profissionais, com impacto nas prementes questões relacionadas com a identidade[30] ou a cidadania[31]. Mais escolarizados e dominando a língua local, os descendentes das primeiras vagas de imigrantes tendem a ser menos propensos a continuar as atividades dos progenitores (Wong, 1998, p. 81), procurando no mercado local um emprego melhor remunerado, menos exigente e desgastante[32], que proporcione uma melhor inserção e promoção social.

Em segundo lugar, estas abordagens partem do pressuposto de que os sistemas de valores em questão podem ser generalizados a comunidades chinesas espalhadas por diferentes contextos (de África aos Estados Unidos da América, da Europa ao Sudeste Asiático), marcados por diferentes sistemas políticos, económicos e sociais, ignorando assim a heterogeneidade das práticas de adaptação das comunidades chinesas aos contextos locais (Menkhoff, 1998, p. 95). As empresas devem ser entendidas como sistemas abertos, onde as influências do meio envolvente – como as restrições à contratação de estrangeiros, qualificações dos recursos humanos locais, eficiência dos fornecedores, características dos clientes ou abertura da comunidade de destino a populações estrangeiras, entre outros aspetos – exercem uma influência importante nas práticas de gestão.

Em terceiro lugar, o crescimento das empresas não deixa de ser acompanhado por uma transformação das formas de gestão[33]. As joint ventures e corporações globais melhor sucedidas tendem a ser hoje culturalmente mais diversas e adaptáveis às condições locais, retirando partido das oportunidades oferecidas pelo processo de globalização e de integração regional. De forma a melhor competirem num mercado global, as organizações transnacionais ou do sector da alta tecnologia têm adaptado as suas formas de gestão às lógicas assentes no ideal tipo legal-racional, caracterizadas pelo recrutamento no mercado ou pela separação entre a propriedade e a gestão. Trata-se de sectores que empregam uma força de trabalho com elevados níveis de escolaridade e competências profissionais, proficiência na língua inglesa, baixo nível etário e beneficiária de elevados índices salariais. Como explica Ma (2003, p. 30), ainda que retenham algumas características da “economia tradicional chinesa”, nestes sectores o papel do guanxi ou a dependência na confiança pessoal ao nível da condução dos negócios não devem ser sobrevalorizados[34]. Se é verdade que se torna complexo demonstrar o processo de mudança dos empresários chineses – nomeadamente de códigos de conduta assentes em obrigações assentes no parentesco, no nepotismo ou no paternalismo, para práticas mais “modernas” (entenda-se mais próximas do modelo legal-racional de Max Weber) – também é verdade que a investigação empírica não comprova um congelamento das práticas chinesas na “tradição” ou em modelos culturalmente uniformes e distintos[35].

Como explica Hsing (2003), as práticas de gestão mais personalistas e patrimoniais estiveram sobretudo presentes em contextos políticos e socioeconómicos desfavoráveis. Nesta perspetiva, o “estilo chinês de gestão” constitui mais uma estratégia de adaptação do que propriamente um estilo identitário, próprio de uma população etnicamente definida. Aliás, a formação de estruturas empresariais a partir de laços familiares constitui uma característica das pequenas e médias empresas em geral, fenómeno que é sensível nos diversos países do globo[36] (Menkhoff, 1998, p. 95). Ao invés de se procurar um sistema comportamental coerente num quadro conceptual rigidamente definido, diversos autores chamam a atenção para o desafio de se traçar um modelo cultural mais dinâmico, onde se prevejam múltiplas identidades e práticas de gestão, que interajam de forma simultânea, contraditória e em confronto. Nesta perspetiva, as práticas “modernas” e “tradicionais” tendem a convergir.

 

Referências

Alves, A. (2012). Os interesses bancários chineses em Moçambique: O caso da Geocapital. In S. Chichava, & C. Alden (Orgs.), A mamba e o dragão. Relações Moçambique-China em perspectiva (pp. 49-60). Maputo: IESE/SAIIA.         [ Links ]

António, N. (2008). Economia e gestão chinesas – Aspectos fundamentais. Lisboa: Sílabo.         [ Links ]

Asante, M. (1989). Afrocentricity. Trenton, N.J.: Africa World Press.

Asante, M. (1990). Kemet, Afrocentricity and knowledge. Trenton, N.J.: Africa World Press.

Asante, M. (2001). Transcultural realities and different ways of knowing. In V. Milhouse, M. Asante, & Peter Nwosu (Eds.), Transcultural realities (pp. 71-81). Thousand Oaks, Califórnia: Sage.

Asante, M. K. (2008). The ideological significance of Afrocentricity in intercultural communication. In M. K. Asante, Y. Miike, & J. Yin (Eds.), The global intercultural communication reader (47-55). Nova Iorque: Routledge.         [ Links ]

Bian, Y. (1994). Guanxi and the allocation of urban jobs in China. The China Quarterly, 140, pp. 971-999.         [ Links ]

Billioud, S. (2007). Confucianism, “cultural tradition” and official discourses in China at the start of the new century. China Perspectives, 2007/3, pp. 50-65.

Boden, J. (2008). The wall behind China’s open door. Bruxelas: Academic and Scientific Publishers nv.

Bunkenborg, M. (2012). Será tudo parte de um grande plano? Encontros etnográficos com os chineses em Moçambique. In S. Chichava, & C. Alden, A mamba e o dragão. Relações Moçambique-China em perspectiva (pp. 81-98). Maputo: IESE/SAIIA.         [ Links ]

Cabaço, J. L. (2010). Moçambique – Identidades, colonialismo e libertação. Maputo: Marimbique.         [ Links ]

Cartier, C. (2003). Diaspora and social restructuring in postcolonial Malaysia. In L. Ma, & C. Cartier, The Chinese diaspora – Space, place, mobility, and identity (pp. 69-96). Lanham: Rowman & Littlefield.         [ Links ]

Castelo, C. (2007). Passagens para África. O povoamento de Angola e Moçambique com naturais da metrópole (1920-1974). Porto: Afrontamento.         [ Links ]

Chan, A. (2005). Recent trends in Chinese labour issues: Signs of change. China Perspectives, 57, pp. 23-31.         [ Links ]

Chen, G.-M., & Chung, J. (2000). The “five Asian dragons”: Management behaviors and organizational communication. In L. Samovar, & R. Porter (Eds.), Intercultural communication: A reader (pp. 317-328). Belmont: Wadsworth.

Chichava, S. (2012). Impacto e significado da ajuda e do investimento chinês em Moçambique (2000-2010). In S. Chichava, & C. Alden, A mamba e o dragão. Relações Moçambique-China em perspectiva (pp. 33-48). Maputo: IESE/SAIIA.         [ Links ]

Dobler, G. (2008). Solidarity, xenophobia and the regulation of Chinese businesses in Namibia. In C. Alden, D. Large, & R. Soares de Oliveira (Eds.), China returns to Africa – A rising power and a continent embrace (pp. 237-255). Londres: Hurst.         [ Links ]

Ekman, S. (2012). Mito e realidade: O envolvimento chinês no sector agrícola de Moçambique. In S. Chichava, & C. Alden, A mamba e o dragão. Relações Moçambique-China em perspectiva (pp. 99-124). Maputo: IESE/SAIIA.         [ Links ]

Esteban, M. (2009). The Chinese amigo: Implications for the development of Equatorial Guinea. The China Quarterly, 199, pp. 667–685.         [ Links ]

Fan, C. (2003). Chinese Americans: Immigration, settlement, and social geography. In L. Ma, & C. Cartier (Eds.), The Chinese diaspora – Space, place, mobility, and identity (pp. 261-291). Lanham: Rowman & Littlefield.         [ Links ]

Fei, X. (1939). Rural China (G. G. Hamilton & Wang Zheng, Trad.). Institute of Governmental Affairs: University of California.         [ Links ]

Feijó, J. (2010). Relações sino-moçambicanas em contexto organizacional – Um estudo de empresas em Maputo. In C. Serra (Dir.), A construção social do Outro – Perspectivas cruzadas sobre estrangeiros e moçambicanos (pp. 245-316). Maputo: Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane.         [ Links ]

Foucault, M. (1987). Vigiar e punir – História da violência nas prisões (R. Ramalhete, Trad.). Petrópolis: Vozes. (Obra original publicada em 1975)        [ Links ]

Hsing, Y. (2003). Ethnic identity and business solidarity: Chinese capitalism revisited. In L. Ma, & C. Cartier (Eds.), The Chinese diaspora – Space, place, mobility, and identity (pp. 221-235). Lanham: Rowman & Littlefield.         [ Links ]

Kincaid, L. (1987). Communication East and West: Points of departure. In L. Kincaid (Ed.), Communication theory: Eastern and Western perspectives (pp. 331-340). San Diego: Academic Press.         [ Links ]

Lai, D. (2003). From downtown slums to suburban malls: Chinese migration and settlement in Canada. In L. Ma, & C. Cartier (Eds.), The Chinese diaspora – Space, place, mobility, and identity (pp. 311-336). Lanham: Rowman & Littlefield.         [ Links ]

Lau, S. K. (1984). Society and politics in Hong Kong. Hong Kong: Chinese University Press.         [ Links ]

Liu, H. (2009). Stepping into Africa: More internationalized or not – Chinese companies in Angola, Mozambique and Uganda. Chinese in Africa / Africans in China – Conference Papers (pp. 217-242). Centre for Sociological Research – University of Johannesburg.         [ Links ]

Luo, Y. (2007). Guanxi and business. Singapura: World Scientific.         [ Links ]

Ma, L. (2003). Space, place, and transnationalism in the Chinese diaspora. In L. Ma, & C. Cartier (Eds.), The Chinese diaspora – Space, place, mobility, and identity (pp. 1-49). Lanham: Rowman & Littlefield.         [ Links ]

Medeiros, E. (2007). Os sino-moçambicanos da Beira. Mestiçagens várias. Cadernos de Estudos Africanos, 13/14, pp. 155-187.         [ Links ]

Menkhoff, T. (1998). Chinese business networks: A hypothetical dialogue. In L. Pan (Ed.), The encyclopedia of the Chinese overseas (pp. 94-95). Singapura: Chinese Heritage Centre.         [ Links ]

Miike, Y. (2008). Toward an alternative metatheory of human communication – An Asiacentric vision. In M. K. Asante, Y. Miike, & J. Yin (Eds.), The global intercultural communication reader (pp. 57-72). Nova Iorque: Routledge.         [ Links ]

Nonini, D. (1997). Shifting identities, positioned imaginaries: Transnational traversals and reversals by Malaysian Chinese. In A. Ong, & D. Nonini (Eds.), Undergrounded empires: The cultural politics of modern Chinese transnationalism (pp. 203-227). Nova Iorque: Routledge.         [ Links ]

Pan, L. (1998). The encyclopedia of the Chinese overseas. Singapura: Chinese Heritage Centre.         [ Links ]

Park, Y. (2008). A matter of honour – Being Chinese in South Africa. Joanesburgo: Jacana Media.         [ Links ]

Pieke, F., Nyíri, P., Thunø, M., & Ceccagno, A. (2004). Transnational Chinese: Fujianese migrants in Europe. Stanford: Stanford University Press.         [ Links ]

Pineo, H. (1998). Mauritius. In L. Pan (Ed.), The encyclopedia of the Chinese overseas (pp. 351-355). Singapura: Chinese Heritage Centre.         [ Links ]

Redding, G. (1993). The spirit of Chinese capitalism. Nova Iorque: de Gruyter.         [ Links ]

Roque, P., & Alden, C. (2012). China em Moçambique: Prudência, compromisso e colaboração. In S. Chichava, & C. Alden, A mamba e o dragão. Relações Moçambique-China em perspectiva (pp. 11-32). Maputo: IESE/SAIIA.         [ Links ]

Sautman, B., & Park, Y. (2009). ‘Dragon slayers’: Political oppositions and anti-China / anti-Chinese mobilization in Southern Africa. Chinese in Africa / Africans in China – Conference Papers (pp. 255-291). Centre for Sociological Research – University of Johannesburg.

Trigo, V. (2003). Entre o Estado e o mercado. Lisboa: Ad Litteram.         [ Links ]

Tsui, A., & Fahr, J. L. (1997). Where guanxi matters: Relational demography and guanxi in Chinese context. Work and Occupations, 24, pp. 56-79.         [ Links ]

Weber, M. (1968). The religion of China: Confucianism and Taoism (H. H. Gerth, Trad. & Ed.). Nova Iorque: Macmillan. (Obra original publicada em 1915)         [ Links ]

Weber, M. (1996). A ética protestante e o espírito do capitalismo (4ª ed.) (A. F. Bastos & L. Leitão, Trads.). Lisboa: Presença. (Obra original publicada em 1904)         [ Links ]

Wong, B. (1998). Ethnicity and entrepreneurship – The new Chinese immigrants in the San Francisco Bay Area. Boston: Allyn & Bacon.         [ Links ]

Yu-Sion, L. (1998). Madagascar. In L. Pan (Ed.), The encyclopedia of the Chinese overseas (pp. 347-350). Singapura: Chinese Heritage Centre.         [ Links ]

Zamparoni, V. (2000). Monhés, baneanes, chinas e afro-maometanos: Colonialismo e racismo em Lourenço Marques, Moçambique, 1890-1940. Lusotopie 2000, pp. 191-222.         [ Links ]

 

 

Recebido: 07 de setembro de 2017

Aceite: 12 de fevereiro de 2018

 

 

Notas

[1]  Trata-se de 14 entrevistas semiestruturadas realizadas a gerentes e outros trabalhadores de nacionalidade chinesa residentes em Maputo, pertencentes a oito empresas de capital chinês e em diferentes sectores de atividade, nomeadamente de construção de edifícios, fabricação de produtos de plástico, serviços de alimentação e bebidas, impressão de material publicitário, telecomunicações e atividades de saúde. As entrevistas contaram com o apoio de um intérprete chinês, que colaborou não só na introdução aos entrevistados, mas também na tradução e, por vezes, na interpretação das respetivas respostas, fornecendo comentários importantes sobre os valores, motivações e expectativas inerentes aos respetivos discursos. Dezenas de entrevistas foram também realizadas a trabalhadores moçambicanos das empresas analisadas. Os dados foram recolhidos entre 2009 e 2011.

[2]  Coolies constituiu o termo usado pelos britânicos durante a segunda metade do século XIX e primeiro decénio do século XX para designar os contratados indianos e chineses nas suas possessões do Oceano Índico e da Ásia do Sudeste.

[3]  Segundo Medeiros (2007, pp. 164-165), muitos desses filhos chegaram a ser enviados para a China para serem educados segundo a tradição local, para conhecerem a família do pai ou para receberem a esposa que lhe havia sido atribuída. As características patrilineares das sociedades da Beira e de Lourenço Marques facilitaram a formação de grupos familiares de descendência sino-africana.

[4]  Segundo Zamparoni (2000, p. 210), os chineses estavam excluídos da Câmara de Comércio, da Associação Comercial dos Lojistas bem como de outras associações de classe, cívicas, recreativas e políticas de Lourenço Marques, tais como a Associação de Fomento Agrícola, a Associação dos Empregados do Comércio e Indústria, a União dos Trabalhadores de Moçambique ou a Associação dos Velhos Colonos. Não obstante a desconfiança em relação às populações de origem asiática (sobretudo pela ameaça económica e pelas diferenças físicas e culturais), Castelo (2007, p. 279) considera que os chineses constituíram uma comunidade demasiado pequena e pouco concorrencial para originar uma grande animosidade.

[5]  A existência de organizações com características não lucrativas e assentes na filiação étnica constitui um aspeto característico da comunidade chinesa na diáspora. Dependendo das regiões e das vicissitudes locais, estas associações assumiram diversas funções, entre as quais a assistência a novos emigrantes, a proteção social em relação às ameaças do exterior, espaços de convívio e de expressão cultural, pontos de referência para negócios ou veículos de comunicação com os governos locais. Entre as organizações chinesas de Lourenço Marques, Zamparoni (2000, p. 211) destaca, entre outras, o Club Fiel Observante do Direito (Chee Kung Tong), a Associação d’Operários Chinezes Beneficente “Boa União” (que em 1914 mudou o nome para Chinese Republic Association of Lourenço Marques), o Club Chinez de Lourenço Marques ou Pagode Chinez (Associação Chineza). Esta última constituiu uma das mais ativas associações, tendo como objetivo a promoção do bem-estar da comunidade através da educação, da organização de festas, de jogos e da assistência social aos membros necessitados, nomeadamente em caso de desemprego, doença, invalidez ou morte. Em 1938 fundaram a Escola Chinesa, ministrando a instrução primária em chinês e português às crianças da comunidade. Apesar de a maioria da população ser de origem cantonesa, a escola introduziu o ensino do mandarim.

[6]  De acordo com os dados demográficos de 1970 (cf. Medeiros, 2007, p. 170), da população chinesa ativa, 26,8% trabalhava no comércio a grosso e a retalho, 23% eram comerciantes e vendedores e 13,7% eram agricultores. Porém, 10,1% da população trabalhava nos serviços à coletividade, 8% como empregados de escritório, 4,5% eram trabalhadores especiais dos serviços, 1,8% estavam nas profissões liberais e 0,6% constituíam quadros superiores da administração pública, o que no conjunto já representava um quarto da população chinesa.

[7]  Como refere Eduardo Medeiros (2007, p. 178), durante o último quartel do século XIX e toda a primeira metade do século XX nas próprias levas de contratados chegavam indivíduos em fuga de perseguições políticas que avassalaram o sul e o sudeste da China: “era gente da militância republicana, das confrarias políticas. Mas chegaram também escravos, mandados pelos ou fugidos dos seus senhores, controlados na diáspora pelas tríades, e também, no seguimento dos contratados, emigrantes livres que se diferenciavam daqueles por serem já comerciantes ou artesãos especializados. Neste contexto migratório, os chefes clânicos locais e das tríades procuraram manter o status quo dessas clivagens que só os sucessivos contextos coloniais permitiram modificar”. José Luís Cabaço (2010, p. 214) corrobora a existência de divisões internas entre os que apoiavam a China continental e os simpatizantes da Formosa de Chiang Kai-shek, que deu origem à formação de associações separadas.

[8]  Os serviços de migração de Moçambique não dispõem de dados sistematizados sobre o assunto e os serviços consulares da China foram relutantes em fornecer essa informação. O número apontado constituiu uma estimativa fornecida tanto por um diplomata da Embaixada da China em Joanesburgo, como pelo presidente de uma associação de chineses de Fujian, sedeada em Maputo. Este último estimava, em 2010, a existência de cerca de 5000 chineses na capital do país e de um número equivalente espalhado pelas restantes províncias.

[9]  Já no século XXI foram fundadas duas novas associações, nomeadamente a Associação de Conterrâneos de Fujian (com o objetivo de promover negócios e integração socioeconómica em Moçambique dos naturais desta província) e a Associação da Reunificação Pacífica da China (com objetivos recreativos e culturais, reunindo cidadãos de Taiwan e da China continental). Bunkenborg (2012, p. 91) constatou também a existência de uma associação de empresas chinesas em Pemba, com “algumas atividades puramente sociais”, mas também com a intenção de ajudar a solucionar problemas com que os chineses se deparam em Moçambique, servindo de representante da comunidade chinesa local junto da Embaixada da China em Maputo, sobre a qual procuram exercer alguma pressão.

[10] Este tipo de rumor foi identificado em muitas outras cidades africanas, não só em Maputo (Feijó, 2010), mas também na Zâmbia (Sautman & Park, 2009, p. 277), Namíbia (Dobler, 2008, p. 243), Angola (Liu, 2009, p. 219) ou Guiné Equatorial (Esteban, 2009, p. 683). A existência deste rumor pode ser explicada a partir de um conjunto de quatro fatores (Feijó, 2010, p. 254). Em primeiro lugar, pela existência de uma memória histórica de trabalho forçado, largamente existente na África subsariana. Um segundo fator está relacionado com o facto de muitos africanos não estarem familiarizados com populações de origem não africana a realizar trabalhos braçais (conduzir máquinas nas obras, carregar baldes, etc.) e a dormir em camaratas, como o fazem muitos trabalhadores chineses. Em terceiro lugar, pelas rigorosas condições de trabalho a que se sujeita a mão de obra chinesa (particularmente a primeira geração de emigrantes), pela disciplina laboral extrema e largamente desconhecida nestes países. Por fim, este estereótipo é encorajado pela reduzida interação entre os expatriados chineses e os trabalhadores locais, resultante não só da existência de barreiras linguísticas, mas também pela desconfiança de populações chinesas quando interpeladas por homólogas não asiáticas, particularmente em contextos de ameaça externa ou imprevisibilidade.

[11] Na análise das comunidades chinesas em São Francisco (Wong, 1998, p. 73) ou no sudeste asiático (Luo, 2007, p. 5), verificou-se que, em contextos de crescimento empresarial ou onde no grupo doméstico não se encontram determinadas competências – como por exemplo de gestão industrial ou de domínio da língua local – assiste-se a uma tendência de contratação de mão de obra local ou externa ao grupo familiar.

[12] Luo (2007, p. 2) explica a origem da palavra guanxi a partir dos seus dois caracteres. Por um lado, guan (que originalmente significa “porta” e, por extensão, “fechar-se”) traduz metaforicamente que para dentro da porta alguém pode pertencer ao grupo, mas que para lá da mesma a sua existência pode ser mal aceite. Por sua vez o termo xi significa atar e ampliar relacionamentos (como o parentesco) ou a sua manutenção a longo prazo.

[13] Luo (2007, pp. 4-6) sintetiza ainda as bases para a constituição de guanxi na localidade de origem ou no dialeto (com destaque para as redes de entreajuda regionais), no parentesco e laços matrimoniais (a partir das quais se constituem redes de negócio confiáveis), no local de trabalho (onde relações de confiança são construídas após anos de colaboração conjunta, proporcionando muitas vezes a constituição de redes para abertura de novos negócios), nas associações de negócio e clubes sociais (que facilitam encontros e oportunidades de interação com potenciais clientes, fornecedores e financiadores) ou na amizade (que apesar de não ser considerada uma verdadeira base de guanxi, não deixa de fortalecer os laços sociais entre indivíduos, favorecedores da constituição de negócios).

[14] Para Redding (1993), Luo (2007) ou Boden (2008), fruto de uma influência confucionista, os chineses tendem a autorrepresentar-se como interdependentes do meio social envolvente (contrastando por isso com uma visão individualista predominantemente ocidental). Esta perspetiva analisa os negócios e as organizações a partir dos sistemas de crenças e de valores dos investidores chineses ou da forma como regulam o comportamento social e negocial, fortalecendo a coesão entre os membros da comunidade. Neste sistema, aqueles que não corresponderem às obrigações familiares – violando assim a ordem moral dominante – arriscam-se a perder os recursos providenciados pela rede, interpretada como um importante elemento do seu próprio capital social.

[15] Na Namíbia, num contexto de contestação pública e do consequente aumento do rigor do Ministério do Interior na atribuição de permissões de trabalho a negociantes chineses, desenvolveram-se formas mais criativas de obtenção de vistos de trabalho. De acordo com Dobler (2008, p. 248), muitos negociantes que chegam não vêm sozinhos, mas enquadrados em esquemas organizados, nos quais negociantes estabelecidos atuam como corretores de migração e agentes de autorização de trabalho.

[16] Como explica Redding (1993, p. 22), uma das motivações da diáspora chinesa resultou da fuga à pobreza, tendo esse movimento migratório decorrido sem qualquer apoio do Estado. Por outro lado, a história tem sido repleta de massacres e discriminações a emigrantes chineses nos países de destino. A legislação laboral que restringe o acesso de chineses a determinadas áreas profissionais (sobretudo em contextos de desemprego), os obstáculos criados no acesso a universidades ou à obtenção da cidadania (Pan, 1998, p. 237) funcionam como pequenas e subtis (re)lembranças de separação, que vêm sublinhar o sentimento de incerteza e de vulnerabilidade das populações na diáspora. Sentindo-se particularmente expostas e vigiadas – e portanto punidas, na linha de Foucault (1987) –, muitas comunidades chinesas desenvolveram comportamentos discretos, procurando manter-se longe da visibilidade externa.

[17] Xiao Fei (1939) propôs uma análise dos sistemas de relacionamento na China rural através da imagem dos círculos concêntricos, que abrangem a família (no núcleo) e depois, sucessivamente mais afastados, as redes de vizinhança, as cidades e províncias, e respetivo país. Quanto mais próximo do centro, mais força adquire o relacionamento e a lealdade do indivíduo para com o círculo. Esta imagem contribui para a compreensão do sentimento de desconfiança relativamente a populações estrangeiras.

[18] Como explica Wong (1998, pp. 66-69), os membros da família são normalmente pagos com base naquilo que são as necessidades diárias e as crianças tendem a prestar ajuda após o horário escolar. Os membros da família tendem a realizar as refeições em conjunto, o que resulta numa melhor gestão financeira (uma vez que o custo dos equipamentos e das despesas alimentares são partilhados por todos) e rentabilização dos recursos humanos. O dinheiro poupado pode ser aplicado na expansão do negócio ou na aquisição de comodidades, como um veículo automóvel.

[19] Uma vez que a viagem e o pagamento do visto e das despesas de instalação são muitas vezes patrocinados pelo empregador patriarca, os imigrantes recém-chegados sentem-se obrigados a retribuir o favor com dedicação à empresa (Wong, 1998, p. 73).

[20] Esta situação de mútua dependência, reforçada por uma aparência de harmonia familiar, não deixa de esconder a existência de conflitos no seio da família-empresa. De facto, as tensões são inevitáveis, sobretudo em condições de escassez, estruturadas em tensões intergeracionais, entre homens e mulheres, entre os mais dinâmicos e os menos ativos ou entre as diferentes personalidades. Porém, para Redding (1993), os conflitos são aliviados por uma moral confucionista valorizadora da honra e da harmonia. Não obstante as tensões internas, quando se trata de lidar com o mundo exterior, uma frente unida deve ser apresentada por toda a família.

[21] Para Weber (1968, pp. 244-247), enquanto o típico confucionista investia as poupanças familiares numa educação letrada, através da qual adquiria um melhor estatuto pessoal (por intermédio até de uma carreira burocrática), o puritano típico, por intermédio de uma compulsão ascética para a poupança, aplicava as suas economias racionalmente na empresa, com vista a adquirir e acumular mais capital.

[22] Trata-se de uma tendência normativa e comportamental dos indivíduos em colocar os interesses da família acima dos interesses da sociedade e de outros indivíduos e grupos, de tal forma que a principal preocupação é a promoção dos interesses familiares. Entre os interesses familiares assiste-se a uma prioridade dos interesses económicos sobre os não económicos. O utilitarismo manifesta-se na interdependência económica entre os membros da família ou nos critérios interesseiros de recrutamento de membros periféricos para o grupo doméstico (Lau, 1984, p. 72). O indivíduo tende a ser representado unicamente a partir da sua rede imediata de pertença e, por extensão, a sociedade é vista como compreendendo não indivíduos – que não dispõem por si sós de nenhum lugar legítimo na sociedade – mas famílias, em redor das quais a vida social é formada (Redding, 1993, p. 53). Neste contexto de interdependência familiar, quando os indivíduos olham para o exterior encontram um “vacuum of no-man’s land […]. They are pulled to the family, but they are pushed also” (Redding, 1993, p. 129).

[23] A contenção de gastos de consumo entre a população chinesa constitui uma particularidade entre os quadros recém-chegados, sobretudo nos primeiros anos em Moçambique. Os respetivos funcionários moçambicanos manifestaram-se bastante surpreendidos com a parcimónia dos seus superiores hierárquicos chineses, que se apresentam com o mesmo guarda-roupa ao longo de vários anos, que nunca se afastam do local de trabalho ou saem para se divertir nos fins de semana. Trata-se, contudo, de uma realidade que sofre alterações ao fim de vários anos em Moçambique, sobretudo quando se atinge algum sucesso económico, ou entre funcionários bem pagos de empresas multinacionais.

[24] Analisando a evolução dos discursos oficiais do governo chinês relativamente aos “valores tradicionais”, Billioud (2007) constata que se as abordagens maoistas associavam o confucionismo ao feudalismo, à escravidão ou à contrarrevolução, nos últimos anos emergiu um novo discurso que enaltece valores como a harmonia, o respeito pela regra e pela virtude, entre outros valores confucionistas. O budismo e o taoismo atraíram um crescente número de indivíduos, assumindo inclusivamente um interesse turístico. Através da televisão, da internet ou da republicação e leitura dos clássicos emerge uma nova cultura de massas, de (re)descoberta e (re)invenção de valores tradicionais. Para Billioud, a revalorização da harmonia acontece num cenário de transformação para uma economia de mercado, de crescente sentimento de insegurança em virtude da desintegração das redes familiares, do aumento da competição e das clivagens sociais. Ao nível laboral, Chan (2005, pp. 23-26) reporta um agravamento das condições de trabalho (jornadas que podem atingir as 100 horas semanais), a diminuição dos salários reais, fenómenos de salários em atraso ou irregularidade nos pagamentos, geradores de tensões sociais. Para Billioud (2007, pp. 51-53) a mudança do discurso oficial constitui uma hábil atitude política, que preserva uma certa continuidade ideológica, bem como o autoritarismo e a coesão social, ao mesmo tempo que evoca de forma vaga os valores da tradição, fornecendo um antídoto para a ocidentalização.

[25] Miike (2008, p. 58) fornece como exemplo as descrições eurocêntricas acerca da “modéstia asiática”, simplesmente como uma tática com um objetivo relacional, ou a associação do confucionismo ao culto da opressão. O autor preconiza não tanto o abandono dessas teorias, mas o reconhecimento das suas limitações.

[26] Não obstante, os autores admitem a inexistência de um acordo entre académicos asiáticos acerca do conceito de “valores asiáticos” (Miike, 2008, p. 59).

[27] A título de exemplo, Chen e Chung (2000) realizam uma análise dos custos e dos proveitos resultantes da influência de “valores confucionistas” nas organizações. Os autores isolaram assim os custos relacionados com a aprendizagem das regras, da interação a longo prazo, da exclusão de membros externos ao grupo, da necessidade de intermediários para a condução de negócios, dos custos relacionados com os contactos pessoais e de educação. De acordo com os autores, estes custos são compensados pela redução da incerteza, com a promoção do respeito mútuo, com a fácil motivação, com a redução de conflitos, com o aumento da lealdade e do comprometimento organizacional e com a redução de mal-entendidos e de esforços de clarificação.

[28] Na linha de Asante (2008) estabelece-se uma distinção entre o que se designa de perspetivas materialistas ocidentais (de carácter empírico, valorizando o que é material e sensível através da experiência dos sentidos, remetendo o espiritual para o campo da ilusão) e as abordagens espiritualistas asiáticas (que assumem a ideia de inter-relacionamento do indivíduo com o Universo e da necessidade de estar conectado com ele, tanto no espaço como no tempo). Como ilustra Kincaid (1987, p. 335) “in the West you do something to achieve whatever ends make you happy. In the East you become one with something greater than yourself for no other conscious purpose. Both speak of freedom”.

[29] Análises de comunidades chinesas no Canadá (Lai, 2003) ou nos Estados Unidos (Fan, 2003) demonstram que, se no passado a maioria habitava as chinatowns (representadas como espaço de diferença e ilhas de externalidade, que acolhiam residentes oriundos das classes sociais mais baixas e empregados em restaurantes, pequenas lojas ou confeções), no presente expandiram-se por áreas suburbanas, melhorando os seus padrões habitacionais e ultrapassando os constrangimentos sociais e raciais que limitaram a sua integração espacial na sociedade em geral.

[30] Como explica Ma (2003), as novas gerações de investidores chineses, sobretudo aqueles formados em universidades ocidentais ou com experiência profissional em empresas estrangeiras, conectados globalmente através das autoestradas da informação, reinterpretam hoje os valores culturais de origem. Da mesma forma, os descendentes de imigrantes chineses nas comunidades de destino tendem a assumir novas tradições culturais, marcadas por valores ocidentais ou dos contextos de destino (Park, 2008). As populações tendem a desenvolver identidades híbridas e situacionais, referentes a diferentes lugares e em diferentes países.

[31] Como explica Ma (2003, p. 33), a diáspora chinesa tende a processar-se em espaços transnacionais, num quadro de intensa mobilidade de pessoas, capital, bens, tecnologia e informação. Neste contexto, não só as fronteiras culturais se tornam indefinidas e contestadas, como a própria cidadania se torna mais flexível. Recorrendo ao conceito de “cidadania flexível” o autor ilustra os cenários de constantes viagens e deslocações que induzem os sujeitos a responderem fluida e oportunisticamente às mudanças de condições políticas e económicas. Muitos migrantes têm mais do que um passaporte ou documento de residência, o que não deixa de traduzir a complexidade dos relacionamentos com as comunidades de origem e de destino, com a comunidade de negócios internacional, com a família e com os Estados (Ma, 2003, p. 33).

[32] As palavras de um filho de um imigrante chinês em São Francisco (entrevistado por Wong, 1998, p. 82) são disso ilustrativas: “the immigrant business is good only for those who have no higher education and other economic opportunity”.

[33] Apesar de as micro e pequenas empresas de capital chinês serem maioritariamente de origem familiar, Bernard Wong (1998, pp. 67-72) distingue a este respeito três tipos de organizações. Em primeiro lugar, as empresas geridas pela família nuclear, com forte envolvimento dos descendentes, em linha direta ou colateral. Em segundo lugar, aquelas geridas por um grupo de irmãos, normalmente maiores que as anteriores. Em terceiro lugar, aquelas geridas por sociedades entre indivíduos com laços de parentesco entre si, mas também com pessoas externas à família que, pela maior dimensão que tendem a adquirir, empregam com maior frequência elementos externos à família. Para o autor, as empresas formadas por indivíduos sem ligações familiares tendem a desintegrar-se assim que as mesmas assumem uma maior dimensão, em resultado de diferenças de opinião, acusações de desfalque, entre outros conflitos.

[34] Na Malásia, os chineses têm ultrapassado o fator étnico, à medida que as relações de classe se têm transformado em fatores mais importantes ao nível das operações comerciais (Cartier, 2003).

[35] A persistência da imagem popular de comunidades chinesas homogéneas e fechadas entre si em redes de relacionamento económico não deixa de estar em continuidade com as representações do passado sobre a comunidade chinesa – como indivíduos fechados entre si, racistas ou imundos (Pan, 1998; Zamparoni, 2000) – que transformaram frequentemente essas populações asiáticas em bodes expiatórios para os problemas das comunidades de destino. Trata-se de uma imagem que não deixa de cair no risco da exacerbação de estereótipos raciais e de tensões étnicas.

[36] Menkhoff (1998, p. 95) relativiza a importância do grupo de origem, referindo os inconvenientes que este pode gerar para os investidores. As obrigações de reciprocidade para com as redes de origem (por exemplo ao nível da atribuição de emprego, de concessão de descontos ou pagamentos a crédito) não deixa de constituir um obstáculo que limita as opções económicas.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons