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Cadernos de Estudos Africanos

Print version ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.38 Lisboa Dec. 2019  Epub June 12, 2021

 

ARTICLES

O Conflito de Casamansa e as Relações de Poder na Senegâmbia: Senegal, Guiné-Bissau e Gâmbia

The Conflict of Casamance and the Relations of Power in Senegambia: Senegal, Guinea-Bissau and Gambia

Antonieta Rosa Gomes1 

1Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL), Portugal, arosagomes54@gmail.com


Resumo

O conflito de Casamansa é um conflito armado de secessão no sul do Senegal, com início em 1982, quando o Movimento das Forças Democráticas de Casamansa (MFDC) se opôs ao governo senegalês, reivindicando a independência da região de Casamansa. Este conflito tem efeitos transfronteiriços para os países vizinhos do Senegal, que são a Guiné-Bissau e a Gâmbia, que têm em comum alguns grupos étnicos, como o Jola, maioritário em Casamansa, que também faz parte do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa. A proximidade das fronteiras e as ligações interétnicas têm influenciado o conflito e as relações de poder entre os três países. Embora a Guiné-Bissau e a Gâmbia tenham adotado posição oficial de neutralidade, o governo senegalês não tem demonstrado total confiança nessa posição.

Palavras-chave: conflito de Casamansa; Senegal; Guiné-Bissau; Gâmbia

Abstract

The conflict of Casamance is an armed conflict of secession in southern Senegal, beginning in 1982, when the Movement of Democratic Forces of Casamance (MFDC) opposes the Senegalese government, claiming the independence of the Casamance region. This conflict has transboundary effects for the neighbouring countries of Senegal, which are Guinea-Bissau and The Gambia, which have in common some ethnic groups, such as Jola, majority in Casamance, which is also part of the Movement of Democratic Forces of Casamance. The proximity of borders and interethnic links have influenced conflict and power relations between the three countries. Although Guinea-Bissau and the Gambia have adopted an official neutrality position, the Senegalese state has not demonstrated full confidence in that position.

Keywords: Casamance conflict; Senegal; Guinea-Bissau; Gambia

O Movimento das Forças Democráticas de Casamansa surgiu em 1947, com o objetivo de reivindicar o desenvolvimento da região de Casamansa em igualdade às outras comunas do Senegal, como Dakar, Saint-Louis, Gorée e Rufisque (Allen Yero Embaló, comunicação pessoal, Bissau, 20 de junho de 2011), e a autonomia económica e maior peso político no contexto das colónias francesas da África Ocidental (Diouf, 1994). Há outras fontes que informam que o MFDC existiu desde 1944 (Seck, 2005), contudo começou a ter notoriedade somente a partir de 1947. Após a independência do Senegal em 1960, ficou inativo por algum período e ressurgiu em 1982 como movimento armado de secessão, reivindicando a independência de Casamansa. As causas do ressurgimento do MFDC foram as seguintes: que a região de Casamansa foi ilegalmente anexada pelo Senegal, aquando da independência do Senegal, em 1960 (Diouf, 1994; Marut, 2001, p. 8); que os terrenos dos autóctones foram expropriados e atribuídos de forma prioritária pela Administração local aos senegaleses vindos do norte (Marut, 2010); que os casamanceses, na sua maioria Jola, foram marginalizados dos postos da Administração local e do direito das pescas e não beneficiavam dos recursos de Casamansa, que eram desviados para o centro e norte do Senegal, maioritariamente Wolof (Beck, 2008; Darbon, 1985).

O abade Augustin Diamacoune Senghor foi o primeiro líder deste movimento, que organizou em colaboração com outros casamanceses uma manifestação em Ziguinchor, em dezembro de 1982, para reivindicar a independência da região de Casamansa. Os manifestantes tiraram a bandeira oficial do Estado e içaram a bandeira do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa. O governo senegalês respondeu a este ato através das forças de gendarmaria, houve confrontos que resultaram em vários mortos e feridos de ambos os lados, dando início ao conflito armado. Em 1990, o MFDC fundou o seu braço armado designado Atika, que em jola significa combatente, flecha (cf. Tomàs, 2010). Como muitos conflitos armados em África, o conflito de Casamansa é de secessão. Com a independência dos países africanos a partir de 1960, surgiram conflitos intraestatais e internacionais com base em contestações das fronteiras coloniais herdadas, fronteiras essas artificiais, que criaram algumas “linhas da frente” ou “guerra” (Sall, 1992). Para conter essas tensões relativas às contestações das fronteiras coloniais e revisões territoriais que punham em causa a paz no continente africano, a Organização da União Africana (OUA), atualmente designada União Africana (UA), aprovou em 1964 uma Resolução adotando o princípio da intangibilidade das fronteiras coloniais: “The borders of African States, on the day of their independence, constituent a tangible reality1. Mediante este princípio as fronteiras coloniais herdadas devem ser respeitadas pelos Estados pós-coloniais, para evitar conflitos derivados de alterações de traçados das fronteiras.

Porém, a adoção do princípio da intangibilidade das fronteiras não impediu o surgimento de movimentos secessionistas com fundamentos na contestação ou manutenção de fronteiras coloniais. Por exemplo, a Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) é um movimento de secessão que desde a independência de Angola (1975) reivindica a independência do enclave de Cabinda, argumentando que foi protetorado português ilegalmente incorporado ao território angolano no momento da independência. Na República Democrática do Congo (antigo Congo Belga), logo após a sua independência em 1960, surgiram forças internas centrífugas reivindicando a independência da região de Katanga, rica em minérios, numa guerra de secessão (1960-1963) (Badi & Tshibambe, 2010). O fundamento último da secessão era o acesso ao recurso petrolífero.

Já a Frente Polisário, em nome do povo saarauí, reivindica a soberania do Sara Ocidental, antigo Sahara Espanhol, desde 1976, e opõe-se à anexação pelo Marrocos. Contrariamente a muitos conflitos em África, este não é de contestação, mas de manutenção da fronteira colonial (Badie, 1995, p. 89).

Localização e população de Casamansa

A região de Casamansa, cuja capital é Ziguinchor, fica localizada no sul do Senegal, fazendo fronteira com o norte da Guiné-Bissau e o sul da Gâmbia (Figura 1).

http://www.google.pt./search?q=mapa+de+casamansa

Figura 1:  Mapa do Senegal 

Esta região de Casamansa pertencia o domínio colonial português, desde a implantação portuguesa nos anos de 1645, e por quase dois séculos e meio, tendo como principal atividade o comércio, que compreendia escravos, marfim, couro, álcool, tecidos e armas de fogo (Boulègue,1989, pp. 16-17).

Com o acordo de delimitação das fronteiras entre Portugal e França, em 1886, Casamansa passou para o domínio colonial francês. Em contrapartida, Portugal ficou com o rio Cacine e o direito de pescas na Terra Nova2 (cf. Esteves, 1988; Gautron, 1982; Mota, 1946).

Desde então, a região de Casamansa passou a ter um estatuto administrativo especial, diretamente subordinada à administração do governador da África Ocidental Francesa, em Saint-Louis, no Senegal. Com a independência do Senegal em 1960, a região de Casamansa foi incorporada como distrito do Senegal (Foucher, 2009, p. 100). Paradoxalmente, desde 2008 a esta parte, Casamansa não consta no elenco das regiões administrativas do Senegal. O governo senegalês fez desaparecer do mapa o nome “Casamansa”, através da reforma administrativa e territorial pela Lei nº 14/2008 de 18 de março, que dividiu Casamansa em três regiões: Ziguinchor, Kolda e Sédhiou (Figura 2), contando com 1.592.392 habitantes, de acordo com o censo de 2002.

www.afrique-planete.com/senegal/carte_regions_senegal.php

Figura 2: Divisão administrativa e territorial do Senegal 

A região de Casamansa é caracterizada por uma grande diversidade étnica como é o Senegal, com mais de 10 grupos étnicos, onde o grupo Jola destaca-se como maioritário. Por isso, a reforma administrativa territorial é vista como uma forma de acabar com o regionalismo e o etnicismo defendidos pela etnia Jola, que também é considerada etnia maioritária no Movimento das Forças Democráticas de Casamansa.

Em paralelo à diversidade étnica existe a diversidade religiosa, em que os cristãos, estimados em 30% da população, coabitam com os muçulmanos, animistas e todas as crenças jola. O tecido sociocultural de Casamansa destaca-se por esta diversidade étnica e religiosa. Porém, os Jola são regionalistas, diferente dos Wolof que são centristas.

Não obstante a medida política concebida em reforma administrativa e territorial que extinguiu formalmente a denominação Casamansa, o espaço geográfico natural tradicionalmente designado Casamansa continua sendo assim denominado, tanto pela população como pelos investigadores, escritores e analistas políticos. O governo senegalês não alcançou os fins políticos preconizados com essa reforma administrativa e territorial.

Casamansa significa, na linguagem local, rei do rio dos Cassangas (Gonçalves, 2006, pp. 42-43). Esta região era o reino de Kasa, mansa significa rei em mandinga e Kasa era a sub-região ao sul do rio Casamansa dominada pelo grupo étnico Banhun. O reino de Kasa mansa deu nome à região que é conhecida como Casamansa.

O conflito de secessão em Casamansa está associado à contestação da fronteira colonial e o acesso aos recursos; e os argumentos do MFDC são os seguintes:

Que a região de Casamansa enquanto possessão colonial não estava integrada na colónia francesa do Senegal e foi, por conseguinte, indevidamente anexada no momento da independência do Senegal, conforme o abade Augustin Diamacoune Senghor: “Casamance never formed part of the French colony of Senegal and was therefore improperly annexed at the time of Senegal’s independence3 (Beck & Foucher, 2009, p. 100; Marut, 2001, p. 8).

As populações de Casamansa não foram consultadas, nem pelo poder colonial, nem pelo governo senegalês, para escolher entre as três soluções possíveis: integração territorial ao Senegal, Federação ou Confederação, ou independência. Nestas condições, Casamansa deve tomar sua independência após 20 anos de experiência unitária, em que o balanço tem sido desastroso (Diouf, 1994, p. 152).

A Administração central senegalesa tem marginalizado Casamansa dos benefícios económicos e sociais em benefício de Dakar, pois algumas infraestruturas da região eram desviadas para o centro do Senegal (Beck, 2008; Darbon, 1985). Os senegaleses do norte eram maiores beneficiários dos postos da Administração, da alienação dos terrenos sem títulos e do direito de pescas, em detrimento dos senegaleses (casamanceses) do sul (Gomes, 2016).

Destes argumentos apresentados pelo MFDC como fundamentos do conflito armado de secessão, destacam-se essencialmente duas razões: política e económica. Relativamente à razão política, segundo a qual a região de Casamansa não estava integrada à colónia francesa do Senegal e foi ilegalmente anexada por Senegal no momento de sua independência sem que a população fosse consultada, o MFDC tentou provar este facto, mas o resultado foi adverso. Por solicitação do movimento, o Estado senegalês pediu parecer da França, com o fim de clarificar às partes se a região de Casamansa foi administrada de forma independente ou não do território do Senegal, então colónia francesa. Em 1993, a França enviou para o Senegal o consultor Jacques Charpy, que tomou parte na reunião, em Ziguinchor, entre o MFDC e o governo senegalês, estando presentes os representantes do Estado da Guiné-Bissau, para o fim de clarificar esta situação. Jacques Charpy apresentou um relatório sobre a Administração colonial francesa de Casamansa e concluiu que a região de Casamansa nunca foi administrada de forma independente, mas integrada ao território do Senegal colónia francesa (Marut, 1994, pp. 213-231). Porém, o então líder Augustin Diamacoune Senghor discordou do relatório apresentado e decidiu continuar a luta armada para a independência.

Analisando os factos empíricos da história da colonização francesa do Senegal, não existem dados probatórios de que a região de Casamansa não integrava a área de soberania territorial do Estado senegalês. Se isso fosse comprovado, isto é, que a região de Casamansa foi administrada independente do Senegal, não subsistiriam dúvidas sobre a legitimidade do argumento político de secessão.

O artigo III, nº 3 da Carta da OUA, atual União Africana (UA), consagra o princípio da intangibilidade das fronteiras coloniais ou artificiais ao referir-se à soberania e integridade territorial dos Estados e os seus direitos inalienáveis de existência independente. Com fundamento neste princípio, uma região pode pretender separação ou independência, desde que os pretendentes consigam provar que durante determinado período colonial foi administrada pela Metrópole independente do resto dos territórios. Se assim não for, qualquer pretensão secessionista carece de bases legais para ser acolhida, permanecendo a fronteira colonial herdada. Tendo em conta os factos não provados, o MFDC viu reduzida a força de sua reivindicação separatista, contudo se recusou a aceitar esta realidade e continuou a rebelião, que também se fundamenta sobre a base económica.

A par do argumento económico de falta de acesso aos recursos está subjacente a questão étnica e regionalista Jola do sul, versus Wolof do norte do Senegal, o que leva alguns investigadores a darem uma certa ênfase à etnicidade do conflito. Porém, esta questão merece uma abordagem mais profunda para situá-la no contexto de um conjunto de elementos e demais motivações do conflito.

Recursos económico-sociais de Casamansa

Casamansa é uma região com muitos recursos naturais, considerada “um celeiro do Senegal”, em que pesam a agricultura (arroz, amendoim, caju, manga), a pesca e o turismo. A produção do arroz em Casamansa corresponde a 50% de toda a produção do arroz do Senegal, embora atualmente esta produção se verifique insuficiente para a subsistência dos casamanceses, por razões de explosão demográfica, que fez aumentar a procura e que obrigou ao consumo do arroz importado. A recente exploração da castanha de caju para exportação soma-se ao amendoim proveniente do norte e é comercializada em todo o Senegal. O algodão produzido na Alta Casamansa corresponde a dois terços da produção nacional. Mas existe um défice de unidades de produção e meios de transporte que dificulta a evacuação de mercadorias para o norte do Senegal (Diouf, 1994). A pesca de uma maneira geral é centrada sobretudo em peixes, camarões, crustáceos e outros moluscos, mas a pesca artesanal é amplamente desenvolvida pelos casamanceses. O turismo é uma das principais fontes de receita, considerado estratégico para o desenvolvimento económico do Senegal, sendo que as infraestruturas estão concentradas no litoral de Casamansa, onde existem redes de hotéis e praias.

Relativamente aos recursos minerais, o “ouro cinzento” é explorado em regime de monopólio pelos ganeses que se encontram no estuário de Casamansa, em Elinkine e Diogué. Em Falémé existe um jazigo de produção de ferro e um outro de ouro em Sabodala, na região de Kédougou, cuja exploração teve início em 20094. Ao largo da costa de Casamansa existem reservas petrolíferas offshore calculadas em centenas de milhões de toneladas, mas não foi iniciada a exploração devido ao elevado custo do barril (70 dólares), o que reduz a sua rentabilidade (Marut, 2010). Mas a quantidade de petróleo existente, caso seja explorado a custos moderados será uma grande fonte de receitas para o Senegal. Portanto, o acesso aos recursos é um dos argumentos utilizados para a rebelião, em que o MFDC reclama que os casamanceses, na sua maioria Jola, estão afastados dos benefícios desses recursos, que são desviados pelo Governo para o centro e o norte do Senegal, maioritariamente Wolof e muçulmano. Na verdade, os recursos de Casamansa contrastam com a pobreza de sua população, comparativamente ao centro e ao norte do Senegal, onde os marabouts (muçulmanos) detêm mais poder económico que os do sul. A precariedade das infraestruturas rodoviárias em Casamansa dificulta as ligações com Dakar, o que impõe a necessidade de restauração das ruas e estradas, construção de pontes e de um aeroporto internacional, porque a linha aérea Dakar-Ziguinchor e vice-versa, inaugurada em 2011, minimizou apenas as dificuldades de ligação mas não as colmatou.

Paradoxalmente à pobreza e a precariedade infraestrutural, no domínio da educação, a região de Casamansa (Ziguinchor) possui a taxa de escolarização mais elevada do Senegal (100%), muito superior à de Dakar, que é de 57%, e que noutras regiões varia entre 33% e 17%. O serviço de saúde de Ziguinchor também está qualificado entre os três primeiros do Senegal: Dakar, Thiès e Ziguinchor (Diouf, 1994).

Relativamente à sustentação do conflito, os combatentes do MFDC asseguram a sua autossubsistência (alimentos e medicamentos) através da exploração dos recursos da região. Em Balantacounda, a castanha de caju é a principal fonte de subsistência; em Bignona, a colheita de castanha de caju tem sido dominada pelos combatentes em prejuízo da população local; e em muitas vilas tem-se registado incidentes entre os guerrilheiros e os militares para o controlo da colheita da castanha de caju. A exploração e o contrabando da madeira e de canábis também são outras fontes de rendimento (Marut, 2010, p. 52). Mas as drogas (canábis) já eram produzidas em Bignona antes do início da rebelião, porque em 1980 as forças da ordem já haviam apreendido algumas toneladas de canábis e em 1996 apreenderam em Diouloulou 300 toneladas5. Além do contrabando de mercadorias, o roubo de bois e mercadorias às populações assumiu grandes proporções na zona fronteiriça entre Salquenhé, Balantacounda e Ziguinchor. Portanto, o prolongamento do conflito é assegurado por estes tráficos promovidos pelos atores internos do movimento, que segundo Marut (2001) têm contribuído para a compra de armas de baixo custo nesta região da África Ocidental e sua proliferação (p. 15) e para o contrabando de produtos locais e animais para a Gâmbia e a Guiné-Bissau. Outras fontes de financiamento têm sido ajudas da comunidade jola e donativos dos membros do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa.

A questão da independência é a principal causa do conflito que divide o MFDC em diferentes fações, em que César Atoute Badiate lidera a fação considerada moderada, localizada em Cassolol, perto de Farim, na região norte da Guiné-Bissau e Salif Sadio lidera a fação considerada dura, perto da fronteira da Gâmbia em Brikama. Este conflito é considerado de baixa intensidade, porque os confrontos armados entre as Forças Armadas senegalesas e os combatentes do MFDC acontecem de forma esporádica e com longos períodos de acalmia.

Capacidade bélica e zonas de conflito

No início do conflito, na década de 1980, o Movimento das Forças Democráticas de Casamansa possuía uma capacidade bélica rudimentar: arcos, flechas, catanas e contava com uma média de 2.000 homens sem experiência de guerrilha, ocupando as zonas florestais de difícil acesso e próximas às fronteiras, bem como os subúrbios de Ziguinchor (Marut, 2010). Quando o governo senegalês enviou militares das Forças Armadas para Casamansa, os atos de violência passaram a centrar-se nas emboscadas e ataques contra os veículos das Forças Armadas. Os confrontos armados que ocorreram entre os guerrilheiros do MFDC e os militares das Forças Armadas sempre resultaram em várias dezenas de vítimas (Beck & Foucher, 2009, p. 107). Nas operações de guerra as minas antipessoais e anticarros têm sido utilizadas pelas duas partes em conflito e até esta data fizeram mais de 800 vítimas entre mortos e feridos6.

As principais zonas onde estão os militares são: Baixa Casamansa, Média e Alta Casamansa, porque as Forças Armadas senegalesas dividiram-se em duas regiões militares: Ziguinchor e Kolda; uma parte para a Baixa Casamansa está estacionada em Ziguinchor, Bignona e Elinkine e outra parte para a Média e a Alta Casamansa, em Kolda (Marut, 2010, pp. 163-164). Durante o evoluir do conflito foram criados muitos aquartelamentos militares à volta de Ziguinchor, uns próximos à fronteira com a Guiné-Bissau em Santhiaba (M’Pack, Youtou e Manjaco) e em direção à Oussouye e Cap Skirring; e outros próximos à fronteira com a Gâmbia (Bignona e Banjul). Os aquartelamentos estão próximos às bases dos rebeldes constituindo uma espécie de cerco, com exceção das zonas florestais onde não foram criados por causa das minas.

O número de guerrilheiros do MFDC foi progressivamente aumentando com a adesão dos jovens ao movimento e atualmente o MFDC conta com cerca de 4.000 a 5.000 guerrilheiros, com experiências de guerrilha adquiridas ao longo de mais de 35 anos de conflito.

As Forças Armadas senegalesas têm cerca de 14.000 homens; em Casamansa estão entre 5.000 e 8.000 homens que fazem parte da Gendarmerie, que integra grupos móveis de intervenção (GMI), um número duas vezes superior ao dos guerrilheiros do MFDC (Marut, 2010). Mas apesar da supremacia numérica, profissionalismo, formação e experiência, as Forças Armadas senegalesas não representam uma ameaça séria contra os guerrilheiros do MFDC e vice-versa.

As relações de poder na Senegâmbia: Senegal, Guiné-Bissau e Gâmbia

As relações de poder na Senegâmbia (Senegal, Gâmbia e Guiné-Bissau) associadas à questão de a etnia Jola (Felupe) pertencer aos três países e integrar o MFDC, têm influenciado os posicionamentos da Guiné-Bissau e da Gâmbia relativamente ao conflito de Casamansa.

Em 1981, antes do início do conflito armado de Casamansa, houve uma tentativa de golpe de Estado na Gâmbia, para derrubar o regime do então presidente Dawda Jawara, mas falhou pela intervenção do Senegal, que enviou suas tropas para apoiar o Presidente e o Governo. Por consequência, o então líder militar protagonista do golpe, Kukoi Samba Sanyang, acompanhado de suas tropas munidas de armas provenientes da Líbia (Allen Yero Embaló, comunicação pessoal, Bissau, 20 de junho de 2011), pediu asilo político à Guiné-Bissau, onde foi acolhido. Na época, o então presidente da Guiné-Bissau era João Bernardo Vieira (Nino), que também assumiu o poder pelo golpe de Estado em 1980, derrubando o primeiro presidente da República da Guiné-Bissau, Luís de Almeida Cabral. Um militar que assumiu o poder através de um golpe de Estado dificilmente poderia negar asilo a um outro que tentou assumir o poder pela mesma via mas falhou. As posições ambivalentes da Guiné-Bissau e do Senegal relativamente ao golpe de Estado na Gâmbia foram influenciadas pelo ambiente político que se vivia nos dois países. Contudo, esses posicionamentos contribuíram para a quebra de confiança nas relações entre estes Estados, sendo que o Senegal foi considerado Estado oponente ao golpe de Estado na Gâmbia, pela ajuda que o então presidente Abdou Diouf prestou ao seu homólogo, enquanto o Estado da Guiné-Bissau foi considerado apoiante do golpe, por ter dado asilo ao líder golpista e seu grupo.

O contexto geopolítico da Senegâmbia determinado pela situação geográfica de proximidade dos países, associado às políticas destes, no âmbito sub-regional é fortemente influenciado pelo ambiente interno de cada um dos países. Aqui, há uma correlação entre o espaço geográfico externo e a política interna com objetivos estratégicos estabelecidos. Como afirma Almeida (1990), “A geopolítica é a ciência que estuda os fundamentos geográficos dos acontecimentos políticos” (p. 121). Esta ciência estuda a relação entre o homem político e o espaço territorial, analisa a influência das questões espaciais nas opções políticas, bem como o impacto destas na organização do espaço. Foi nesse ambiente de quebra das relações de confiança entre os países da Senegâmbia que ressurgiu em 1982 o MFDC como rebelião armada independentista, contra o Estado senegalês.

No início da década de 1990, as tensões entre o Senegal e os seus vizinhos (Guiné-Bissau, Gâmbia e Mauritânia) e o ambiente de conflitualidade regional com as guerras civis da Libéria (1989-1997) e Serra Leoa (1997-2000) são geralmente apontados como fatores que contribuíram para a entrada de armas na região de Casamansa através de tráfico e contrabando, dificultando a resolução do conflito por meios alternativos pacíficos.

A esta situação acrescenta-se o conflito político-militar na Guiné-Bissau em 1998/99, entre as Forças Armadas guineenses e o então presidente da República, Nino Vieira, cuja razão principal foi o tráfico de armas da Guiné-Bissau para Casamansa. Daí resultou a construção de alianças: o Senegal aliou-se ao então presidente da República e Governo da Guiné-Bissau, enviando tropas senegalesas a Bissau, e os elementos do MFDC da ala de Salif Sadio aliaram-se à Junta Militar chefiada pelo então chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas guineenses, brigadeiro Ansumane Mané. Porém, a Gâmbia manteve-se equidistante do conflito e teve uma intervenção diplomática que conduziu o Presidente Nino Vieira ao exílio em Portugal, passando pela Gâmbia, após ter renunciado ao seu cargo de Presidente da República, em virtude da derrota pela Junta Militar.

Em 2000, os presidentes eleitos da Guiné-Bissau, Kumba Ialá e do Senegal, Abdoulaye Wade, tiveram como missão principal o reforço das relações de cooperação entre a Guiné-Bissau e o Senegal, abaladas pelo conflito. O presidente da República da Guiné-Bissau posicionou-se claramente contra o conflito de Casamansa e a utilização do território guineense como base de retaguarda pelos guerrilheiros do MFDC. O presidente Abdoulaye Wade condenou a aliança entre Ansumane Mané e Salif Sadio durante o conflito, manifestando solidariedade ao novo poder eleito, em particular ao seu homólogo Kumba Ialá, a quem ele chamava mon fils (meu filho) e que poderia contar com o seu apoio na eventualidade de uma rebelião interna protagonizada por Ansumane Mané e seus aliados.

No plano externo e ao nível sub-regional, impunha-se à Guiné-Bissau não só o reforço das relações de cooperação com o Senegal, mas com a República da Guiné, que também foi interveniente no conflito político-militar, em 1998/99, na Guiné-Bissau.

A aproximação entre as novas autoridades guineenses e senegalesas abriu portas para negociações e acordos e o reforço da cooperação no domínio da Defesa e igualmente no domínio económico, que permitiu a revisão ao acordo de pescas entre os dois países. Em agosto de 2000, durante uma visita oficial do presidente Kumba Ialá ao Senegal, os dois chefes de Estado acordaram assinar um protocolo adicional ao acordo de partilha dos recursos petrolíferos e haliêuticos, em que a Guiné-Bissau passaria a beneficiar de 20% da exploração dos recursos petrolíferos, ao invés dos 15% anteriormente acordados entre os presidentes Abdou Diouf e João Bernardo Vieira7. Mas foi um mero ato político assumido apenas pelos dois presidentes, Abdoulaye Wade e Kumba Ialá, sem consequências de ratificação pelos parlamentos e engajamento dos respetivos governos. Portanto, prevalece o acordo anterior que concede 15% de recursos petrolíferos à Guiné-Bissau e 85% ao Senegal e a instituição da agência de exploração conjunta sediada em Dakar, desde 1996. Contudo, após 20 anos desta experiência, a Guiné-Bissau requereu ao Senegal a renegociação para assinatura de um novo acordo. Paralelamente à diplomacia económica e política, as autoridades políticas guineenses, com fundamento na destruição do material bélico decorrente do conflito armado em Bissau, não hesitaram em comprar material militar da China e da Ucrânia para rearmamento das Forças Armadas. O Presidente senegalês Abdoulaye Wade, por sua vez, viajou a Paris solicitando o apoio do governo francês em material bélico8. O recurso à compra de material bélico pelos dois países espelhava um clima de desconfiança que se supôs ter derivado do aumento de incidentes e da insegurança das pessoas nas zonas fronteiriças. Havia informações dos serviços de Segurança do Estado de que a fação do MFDC liderada por Salif Sadio estabelecera sua base no norte da Guiné-Bissau, mas a reação do governo guineense não se fez esperar - foi expulso do território.

Após o derrube de Kumba Ialá por um golpe de Estado em 2003, o presidente de transição, Henrique Pereira Rosa, durante o seu mandato (2003-2005) procurou manter boas relações com o Senegal e não tomou qualquer posicionamento político que merecesse destaque relativo ao conflito de Casamansa ou sobre o processo de paz.

Foi nesse contexto que em 2005, a fação do MFDC liderada por Salif Sadio, após ter recusado assinar o acordo de paz com o governo senegalês em 2004, foi instalar-se na Barraca Mandioca9, no norte da Guiné-Bissau. Foi expulso pelas Forças Armadas guineenses, em 2006, numa operação militar designada “Limpeza”, que foi organizada pelo então chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Tagme Na Waie, sob o comando operacional do então coronel António Indjai, na qual participaram 600 militares guineenses e uma centena de guerrilheiros da fação de César Atoute Badiate e de Magne Diémé 10 (Marut, 2010, pp. 292-293). A operação contou com o apoio político do então presidente da República, Nino Vieira, que reassumiu o poder após ter vencido as eleições presidenciais em 2005. No seu regresso ao poder, Nino Vieira passou a apoiar os separatistas do MFDC adversários de Salif Sadio e reforçou a cooperação militar com o Senegal.

Após o assassinato do presidente Nino Vieira em 2009, Malam Bacai Sanhá, candidato do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), foi vencedor das eleições presidenciais. Na presidência de Malam Bacai Sanhá (2009-2012), este privilegiou as relações político-diplomáticas com o Senegal e assumiu uma posição de neutralidade relativa ao conflito de Casamansa. A mesma estratégia política foi adotada pelo então governo liderado por Carlos Gomes Júnior e os governos que lhe sucederam. Portanto, neste contexto de análise do comportamento das autoridades guineenses face ao conflito de Casamansa, convém destacar que o presidente Kumba Ialá foi o único que assumiu sem ambiguidade uma posição de clara condenação do conflito quer pelos seus discursos, quer pela ação do Governo.

As relações do Senegal com a Gâmbia

As relações do Senegal com a Gâmbia nunca foram amistosas, salvo no período da Confederação da Senegâmbia (Senegal e Gâmbia)), criada em 1982 como espaço político e militar. O Senegal passou a ter influência política sobre a Gâmbia, assumindo o compromisso político-militar de garantir a proteção do então presidente Dawda Jawara contra uma eventual rebelião militar interna. Como contrapartida económica, controlava a evasão das divisas do contrabando dos produtos da zona11. Por consequência desta influência, a Confederação durou apenas sete anos e foi dissolvida, porque já não agradava à Gâmbia, que precisava ter mais autonomia político-militar e controlo interno do seu fluxo monetário.

O presidente Dawda Jawara foi destituído do poder em 1994, por um golpe de Estado liderado por Yahya Jammeh, que assumiu o poder e implantou o regime militar. Em 1996, Yahya Jammeh foi eleito presidente da República da Gâmbia, em eleições presidenciais livres e democráticas. Para os senegaleses, com a ascensão ao poder do presidente Yahya Jammeh, da etnia Jola, a mesma dos separatistas de Casamansa, a Gâmbia era um parceiro necessário, todavia inconfortável para a resolução do conflito de Casamansa, pois tanto poderia intervir como terceira parte na negociação ou para apoiar os rebeldes do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa. Houve desconfiança de uma das partes protagonistas do conflito, o Estado senegalês, sobre a neutralidade da Gâmbia, condição necessária da terceira parte interveniente (Jabri, 1990).

O presidente Yahya Jammeh foi sistematicamente acusado de apoiar os rebeldes e consta que alguns elementos de sua guarda presidencial faziam parte do movimento separatista, “mas sempre recusou sua ligação com os rebeldes” (Marut, 2010, p. 133). Apesar disso, o Senegal não prescindiu claramente da sua intervenção na resolução do conflito. Em 2005, as relações entre a Gâmbia e o Senegal tornaram-se tensas, porque o governo da Gâmbia aumentou o preço da travessia do barco que garante a ligação deste país com o Senegal. A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) designou o então chefe de Estado nigeriano e presidente em exercício da União Africana, Olusegun Obasanjo, para utilizar os seus bons ofícios para a normalização das relações entre os dois países12. Para suprir as ligações precárias entre os dois países, o Senegal avançou com a proposta de construção da ponte que liga os dois países, mas a Gâmbia recusou e as ligações terrestres entre Banjul e Ziguinchor continuaram sendo realizadas normalmente através de viaturas ligeiras até 2018. Para os senegaleses a razão dessa recusa era derivada da antipatia dos gambianos pelos francófonos de uma maneira geral e pelos senegaleses de um modo particular. Mas esta questão já foi ultrapassada, porque o atual presidente da Gâmbia, Adama Barrow, mantém boas relações com o presidente do Senegal, Macky Sall, e a ponte de Farafenni, também denominada Senegambia Bridge, foi construída e inaugurada este ano (BBC, 2019). Esta ponte irá facilitar a mobilidade dos habitantes do norte do Senegal para a região de Casamansa no sul e vice-versa e o desenvolvimento do comércio. Existem estreitas relações económicas entre a Gâmbia e o Senegal do ponto de vista informal, sustentadas por trocas comerciais e circulação de vendedores ambulantes.

A Gâmbia é um pequeno país com 11.000 km2, encravado no Senegal, com exceção de sua fachada marítima, razão pela qual todas as suas trocas comerciais terrestres com os países vizinhos passam necessariamente pelo território senegalês. Não possui recursos minerais como petróleo ou urânio, sua economia depende essencialmente da agricultura e do turismo internacional, mas possui influência natural no conflito de Casamansa devido à sua localização geográfica e à etnia Jola. Salif Sadio, após ter sido expulso da Guiné-Bissau, foi fixar a sua base perto da fronteira da Gâmbia e muitos casamanceses encontram-se como refugiados neste país.

Em 21 de outubro de 2010, a polícia nigeriana interveio no porto de Lagos, por causa do carregamento de 13 contentores de armas sofisticadas provenientes do Irão com destino à Gâmbia. Segundo informações das fontes oficiais iranianas, essas armas destinavam-se a apoiar o MFDC13. Isso fez aumentar o clima de desconfiança entre as autoridades gambianas e senegalesas, não obstante o desmentido da Gâmbia sobre o destino das armas14. Outras informações davam conta que o MFDC recebeu armas provenientes do contrabando da Líbia, Iraque e Burquina Faso, que transitaram por Mauritânia, Gâmbia e Guiné-Bissau. As Forças Armadas senegalesas responderam de forma incisiva a estas informações e os confrontos armados intensificaram-se no norte de Casamansa. A violência de um conflito pode não ser imputável à técnica dos combatentes ou às paixões dos beligerantes, mas à geometria dos relatórios de forças (Aron, 1962, p. 161).

Apesar das suspeitas de envolvimento da Gâmbia no apoio ao MFDC, as relações entre o Senegal e a Gâmbia não estiveram em causa. Os dois países reforçaram a cooperação em matéria de segurança, a 24 de fevereiro de 2011, com a assinatura do acordo de patrulhamento conjunto na linha da fronteira entre Casamansa e Gâmbia.

Senegal cortou as relações diplomáticas com Irão em 23 de fevereiro de 2011, porque não admitiu qualquer desculpa de Teerão sobre as armas iranianas utilizadas pelo Movimento das Forças Democráticas de Casamansa.

Alguns incidentes ocorridos posteriormente deterioraram as relações entre o Senegal e a Gâmbia, por exemplo, a execução de dois senegaleses entre os nove condenados à morte em agosto de 2012. O governo senegalês disse que a Gâmbia deveria informar ao Senegal por via diplomática, sobre a condenação à morte de dois cidadãos senegaleses antes de os executar, o que não aconteceu. O presidente do Senegal, Macky Sall, condenou duramente a execução e afirmou ser “uma violação flagrante da Convenção de Viena de 1963, sobre os assuntos consulares e das relações de boa vizinhança entre Senegal e Gâmbia” (Juillet, 2012). Exigiu que fossem aplicadas sanções contra a Gâmbia pelo ato que ele qualificou de desprezo do presidente gambiano pela vida humana.

O presidente Yahya Jammeh afirmou que as relações entre o Senegal e a Gâmbia não eram boas, porque o Senegal acolheu e deu asilo aos seus opositores e aos implicados na tentativa de golpe de Estado na Gâmbia (ANGOP, 2013). Estes episódios demonstram que o conflito de Casamansa influencia o contexto geopolítico da Senegâmbia, porque interfere nas relações do Senegal com os seus vizinhos Guiné-Bissau e Gâmbia, devido ao triângulo fronteiriço e étnico entre os três países. O Senegal tem investido em influências diplomáticas e políticas para ter os seus vizinhos como parceiros e incentivá-los a não permitirem que seus territórios sejam utilizados pelos rebeldes de Casamansa como bases de guerrilha.

Neste sentido, convém ao Senegal ver no poder, tanto na Guiné-Bissau como na Gâmbia, governantes que lhe inspirem confiança.

O presidente da Gâmbia, Yahya Jammeh, não inspirava confiança ao poder de Dakar por ser ele da etnia Jola e suspeito de ser apoiante da ala de Salif Sadio, pelo que sua derrota presidencial era desejável pelas autoridades políticas senegalesas.

Em 2016, Adama Barrow, o adversário do Presidente Yahya Jammeh às eleições presidenciais na Gâmbia, venceu com 43% dos votos. Numa primeira posição, Jammeh parecia ter reconhecido a derrota, mas depois fez uma reviravolta e recusou reconhecer os resultados eleitorais definitivos, alegando irregularidades. Disse que iria interpor recurso no Tribunal e só aceitaria os resultados após a apreciação e decisão do Tribunal. O proclamado vencedor, Adama Barrow, recusou aceitar a intenção de Yahya Jammeh e instaurou-se o clima de conflitualidade. Por consequência, Yahya Jammeh decretou o estado de emergência, impedindo a realização da cerimónia de tomada de posse do presidente eleito Adama Barrow, que foi refugiar-se em Dakar por questões de segurança.

A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) declarou-se disposta a intervir na Gâmbia, através de sua força militar ECOMOG, que é Grupo de Monitoramento ou Brigada de Supervisão de cessar-fogo, para obrigar o então presidente Yahya Jammeh a reconhecer a sua derrota eleitoral e abandonar o poder. A intervenção seria a partir de Dakar, e Nigéria e Gana declararam-se prontos a enviar militares. Paralelamente à tomada de decisão da CEDEAO, Adama Barrow, alegando “circunstâncias excecionais”, tomou posse como presidente da Gâmbia, na Embaixada da Gâmbia no Senegal. Por consequência, a CEDEAO encetou negociações diplomáticas com o presidente Yahya Jammeh e este aceitou abandonar o poder e foi para o exílio na República da Guiné, sem que houvesse a programada intervenção militar.

No quadro da CEDEAO, a Nigéria e o Senegal têm peso económico e influência político-diplomática significativa; associados ao Gana, o peso triplicou. Portanto, era quase segura a intervenção militar da CEDEAO, caso o então presidente Yahya Jammeh não abandonasse pacificamente o poder. O apoio imediato do Senegal a Adama Barrow e o seu empreendimento político-militar para a saída do poder de Yahya Jammeh foram sem dúvida motivados pelas relações precárias e de desconfiança política entre as autoridades de Dakar e de Banjul, devido ao conflito de Casamansa. É neste sentido que Paul Claval afirma: “o poder se traduz, nas relações, pelo aparecimento de assimetrias e desequilíbrios” (1979, p. 7), que se constatam nas relações sociais, e no caso concreto, nas relações entre os Estados.

Para as autoridades senegalesas saiu do poder um presidente “jola” do país vizinho suspeito de apoiar os elementos do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa. A saída de Yahya Jammeh do poder na Gâmbia representa uma nova fase nas relações de cooperação entre Senegal e Gâmbia, porque o novo Presidente, Adama Barrow, à partida tem a confiança das autoridades do Senegal, sendo mais próximo do presidente do Senegal, Macky Sall.

Para Salif Sadio, líder da fação radical do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa, a saída do poder de Yahya Jammeh na Gâmbia não deverá influenciar o curso do conflito, porque “embora mantinham ligações”, este apoiava mais as posições do governo senegalês15. Pois a sua luta é para a independência de Casamansa e afasta a hipótese eventual de autonomia. Nas suas declarações Salif Sadio defendeu a independência com o argumento de que “Casamansa foi colónia portuguesa e foi anexada ilegalmente por Senegal”. Esta é a razão fundamental do prolongamento do conflito, uma posição defendida pelo então sacerdote Augustin Diamacoune Senghor, que foi líder espiritual do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa.

Considerações finais

As relações de poder entre os Estados se construíram e se constroem em função de interesses comuns ou particulares de cada um deles. Com relação ao conflito de Casamansa, a estratégia geopolítica dos Estados da Senegâmbia conduziu algumas vezes posições equidistantes e outras vezes alianças bilaterais entre Senegal e Guiné-Bissau ou entre Senegal e Gâmbia. Foi neste contexto de alianças bilaterais que se realizaram operações de patrulhamento conjunto entre o Senegal e a Guiné-Bissau, decorrentes da assinatura do Protocolo Adicional ao Acordo de Cooperação em Matéria de Segurança e Defesa, em 1992, para garantir a segurança das populações das zonas fronteiriças e mais tarde entre o Senegal e a Gâmbia. O Senegal sempre duvidou da neutralidade do então presidente da Gâmbia, Yahya Jammeh, em relação ao conflito, porque havia uma desconfiança de que ele apoiava a ala de Salif Sadio. Porém, Salif Sadio esclareceu que não recebia nenhum apoio material de Yahya Jammeh - embora esse esclarecimento pode não ter convencido o Senegal.

Não obstante o firme propósito do Senegal em influenciar posições políticas da Guiné-Bissau, sobretudo durante a presidência de Abdoulaye Wade (2000-2013), não conseguiu envolver as autoridades guineenses de então na gestão do conflito de Casamansa. O poder do Senegal de influenciar os seus vizinhos é relativo e assimétrico.

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1“As fronteiras dos Estados africanos, na data de suas independências, constituem uma realidade concreta” (Tradução da autora).

2É o direito à pesca do bacalhau na Terra Nova, região que está situada no pequeno território francês de Saint-Pierre e Miquelon, junto ao sul do Canadá.

3“Casamansa nunca fez parte da colónia francesa do Senegal e foi por conseguinte indevidamente anexada no momento da independência do Senegal” (Tradução da autora).

4Kédougou é a antiga região de Tambacounda que o MFDC considera localidade pertencente à Casamansa.

5Dados do Observatório Geopolítico das Drogas do Senegal.

6Denúncias das ONG que atuam no domínio da paz, como por exemplo a Associação dos Jovens para a Promoção da Paz e a Cooperação Transfronteiriça e a Associação Nacional para o Desenvolvimento Local Urbano.

7A autora, enquanto ministra da Justiça e membro do Governo, integrou a delegação presidencial de visita oficial a Dakar.

8Notícia avançada pela Agence France Presse (2000).

9Barraca Mandioca está situada a leste de M’Pack, linha de fronteira que divide o território da Guiné-Bissau do Senegal.

10Magne Diémé liderava uma fação que se subordinava às ordens de César Atoute Badiate e deixou de existir após a sua prisão e morte em 2007.

11www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/gambia/gambia.php

12www.panapress.com/Presidente-nigeriano-medeia-diferendo-entre-senegalegambia (Acedido a 20 de setembro de 2013).

13Os contentores tinham granadas, obuses, morteiros, etc. Consultar: www.voaportugues.com/content/article-02-23-2011-ivory-coast-iran-weapons-116752259/1259614.html

14O chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas do Senegal apresentou o relatório sobre a utilização de armas do Irão pelo MFDC.

15Entrevista de Salif Sadio concedida à jornalista da RTP África, Indira Baldé, em Casamansa, a 24 de maio de 2016.

Recebido: 19 de Abril de 2018; Aceito: 07 de Janeiro de 2019

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