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Cadernos de Estudos Africanos

versión impresa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.40 Lisboa dic. 2020  Epub 14-Mar-2022

https://doi.org/10.4000/cea.5585 

Book review

Simão Milagres & Lutina Santos. Fluxos migratórios em Angola: Novos contextos e desafios. Luanda: Mayamba Editora. 2018. 170 pp .

i Universidad Pontificia Comillas, 3, 28049 Madrid, España, avelinochc621@gmail.com


Esta obra faz parte de um contexto que começa a registar-se em Angola a partir de 2002. Nesse ano, o país alcançara os Acordos de Paz de Luena (Moxico), assinados entre o governo e a UNITA e, ao mesmo tempo, a economia do país crescia a um ritmo acelerado, situando-se em 7% ao ano. Estes desenvolvimentos serviram de fator de atração (pull factor), pois levaram a que muitos estrangeiros (imigrantes e refugiados) de diferentes origens optassem por Angola para realizar seus projetos migratórios.

Tratava-se de uma experiência nova para o país, uma vez que Angola foi sempre um país emissor de migrantes. A guerra civil foi o principal fator de expulsão (push factor), provocando a saída dos angolanos para os países vizinhos e não só. Até 2001, Angola contava com cinco milhões de deslocados internos, que constituíam 37% da população. Também tinha 450 mil refugiados acolhidos pelos países vizinhos, sobretudo a República Democrática do Congo (RDC) e 870.514 emigrantes, sendo a sua maioria estabelecidos em Portugal. Todos os emigrados não buscavam mais que segurança, bem-estar, oportunidades económicas e trabalho. O relato sobre os fluxos de migrantes para Angola constitui um dos objetivos principais desta obra de Milagres e Santos (p. 19).

Para além da introdução, o livro contém sete capítulos, uma conclusão e um apartado bibliográfico. Todas estas partes aparecem dentro de dois blocos. O primeiro bloco parte do primeiro capítulo e termina com o quarto capítulo. O segundo compreende os capítulos quinto, sexto e sétimo. O primeiro capítulo leva o título O fenómeno migratório; o segundo, Os fluxos migratórios no quadro global; o terceiro, Gestão das migrações e segurança migratória; o quarto, A imigração ilegal; o quinto, Abordagem ao fenómeno migratório em Angola; o sexto, Fenómeno migratório em Angola 2007-2010, e o sétimo, Fenómeno da imigração ilegal em Angola.

Contudo, do ponto de vista temático, a obra abarca três partes essenciais. A primeira tem um carácter conceitual e nela se definem conceitos relacionados com as migrações (p. 27 ss; p. 65 ss). Esta primeira parte, que abrange o primeiro capítulo, termina com o quarto capítulo, onde se esclarecem as noções de imigração irregular (pp. 65-66), crimigração e fronteiras (pp. 75-77). Do mesmo modo se fala sobre as implicações dos movimentos migratórios e a atuação dos governos para afrontar o fluxo de imigrantes em situação irregular (p. 69). A primeira parte tem que ver com a definição de conceitos, a segunda com a abordagem dos fluxos migratórios. A dita abordagem engloba o segundo capítulo, assim como o terceiro e o quinto. Milagres e Santos começam por narrar os movimentos migratórios que decorreram e continuam a realizar-se a nível global (pp. 35-43) e a nível do continente africano (p. 44). A partir desta perspetiva geral, entra-se no contexto de Angola (pp. 81-115).

Além de imigrantes (estrangeiros), a obra descreve o fluxo de retornados (pp. 93-4). Trata-se de ex-emigrantes e ex-refugiados angolanos que chegavam desde a RDC, República do Congo, Zâmbia, Namíbia, África do Sul e outros países africanos. Também se refere à contínua saída de cidadãos nacionais, que já não o faziam por motivo de guerra, senão negócios e estudos (p. 100). O livro fornece cifras de todos estes movimentos de indivíduos que retornavam ao país depois do conflito armado. Da mesma maneira identifica as principais fronteiras aéreas e terrestres com maior fluxo de entrada e saída de cidadãos nacionais e estrangeiros (p. 94). Também determina as nacionalidades de imigrantes que olhavam para Angola como o El Dorado a nível da África subsariana (p. 97). Com respeito aos africanos, os autores identificam os nacionais congoleses como coletivo maioritário no país (p. 97). Os chineses são maioritários entre os estrangeiros vindos a Angola no âmbito do Programa de Reconstrução Nacional (PRN) (p. 103). Finalmente, destacam-se as cifras de indivíduos expulsos do país por terem entrado de maneira irregular. Outrossim as pessoas expulsas por via judicial ou administrativa (p. 101).

Para integrar toda esta realidade que o país estava a viver marcado com o regresso de emigrantes angolanos, bem como a vinda de estrangeiros que chegavam no âmbito do PRN liderado diretamente pela Presidência da República através do Gabinete de Obras Especiais (GOE), o livro expõe um conjunto de normas que o Estado foi aprovando (p. 118). A parte da lei sobre o regime jurídico dos estrangeiros (Lei n.º 2/07 de 31 de agosto), remete para a Constituição de 2010, o Decreto Presidencial n.º 108/11 de 25 de maio, que regulamenta a Lei n.º 2/07 (p. 125) e, finalmente, as legislações laborais (p. 127). Algumas dessas legislações têm que ver com os trabalhadores estrangeiros residentes e trabalhadores estrangeiros não residentes (p. 132).

Por último, a terceira parte temática corresponde ao terceiro capítulo e ocupa-se da tarefa dos Estados na gestão dos fluxos migratórios (pp. 45-64). Citando António José Fernandes, reitera-se que os Estados “tomam as decisões políticas fundamentais, que geralmente revestem a forma de lei” (p. 46). Nessa perspetiva, identificam-se os órgãos estatais que se ocupam da gestão dos fluxos migratórios (p. 47). À parte o controlo das fronteiras, os autores sublinham que a gestão das migrações também engloba a preocupação pela segurança migratória. Esta última tem que ver com um “conjunto de métodos e/ou procedimentos, quer de ordem técnica quer de ordem operacional, que concorrem para a garantia da estabilidade de um determinado Estado” (p. 51). Os autores desenvolvem estes temas partindo do contexto global. Por isso aludem à experiência da Europa e dos EUA (pp. 52-53), da África do Sul (p. 60) e do norte de África (p. 62). As fronteiras destas nações são sistematicamente assediadas por jovens emigrantes em busca de segurança, emprego e oportunidades económicas.

Assim, o livro tem o mérito de tratar de um tema que desperta a atenção de todos. Angola foi sempre vista como um país emissor e falar dele como uma sociedade de destino atrai vários leitores. Não obstante, existem inúmeros temas que esperávamos que fossem tratados no livro. Primeiro, se fornece as cifras de imigrantes que chegam a Angola até ao ano 2010. Ao tratar-se de uma obra publicada em 2018 e, ao mesmo tempo, por ser uma segunda edição, nos surpreende que não se tenha dados dos fluxos de estrangeiros para Angola dos anos posteriores. Segundo, a gestão das migrações se reduz ao Ministério do Interior, esto é, ao Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) (p. 115). Além do SME, existem outros organismos estatais que manejam dados sobre as migrações: o Instituto Nacional de Estatística (INE), o Ministério de Assuntos Sociais (MINARS) e o Banco Nacional de Angola (BNA). Poderíamos incluir organismos internacionais sediados no país como ACNUR, OIM e outros da sociedade civil. Um diálogo com estas entidades enriqueceria o apartado sobre a gestão das migrações. Terceiro, não se contempla nem um capítulo nem um apartado sobre as políticas de integração em Angola. A descrição sobre os fluxos massivos de imigrantes para Angola poderia ser complementada com o tema das políticas ou modelos de integração que Angola está adotando face à nova conjuntura migratória. Dita política de integração não tem que ver com os mecanismos de admissão ou entrada ao país, senão com a gestão da diversidade e condições de estabelecimento ou permanência da população de origem estrangeira. Quarto, omite-se a abordagem dos fluxos de estrangeiros para Angola no período de crise económica que o país está vivendo a partir de 2014. Finalmente, estas apreciações não subtraem o mérito da obra. A delimitação é sempre conveniente para um tema tão vasto como o dos fluxos migratórios. Apesar da crise financeira, o fluxo de estrangeiros continua em alta. Hoje, Angola é um país plural, diverso, coeso e multicultural.

REFERÊNCIAS

Milagres, Simão & Santos, Lutina (2018). Fluxos migratórios em Angola: Novos contextos e desafios. Luanda: Mayamba Editora. [ Links ]

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