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Cadernos de Estudos Africanos

Print version ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.42 Lisboa Dec. 2021  Epub June 27, 2022

https://doi.org/10.4000/cea.6609 

Artigo Original

Introdução

1 Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL), Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal, arosagomes54@gmail.com


Este número temático dos Cadernos de Estudos Africanos reúne algumas contribuições dos participantes na Conferência Internacional “O Processo de Paz do Conflito de Casamansa”, realizada nos dias 22 e 23 de fevereiro de 2019 no ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa, em Lisboa, Portugal. A Conferência foi organizada no âmbito do projeto de pesquisa sobre Resolução do Conflito de Casamansa da investigadora associada do Centro de Estudos Internacionais - CEI-IUL, Antonieta Rosa Gomes, que integra o grupo de investigação Instituições, Governação e Relações Internacionais, centrado no programa Desafios de Segurança e Paz em África no século XXI.

A Conferência contou com cerca de 60 participantes nacionais e internacionais, dentre os quais se destacaram professores, investigadores, especialistas em estudos de conflitos e processos de paz, em África e em particular em Casamansa, e estudantes universitários de Portugal e vindos de outros países como Senegal, Gâmbia, França, Espanha, Alemanha, Egito e Estados Unidos com o objetivo de debater e partilhar experiências e contribuir para as estratégias de paz. A significativa audiência académica multidisciplinar e de líderes associativos ajudou a enriquecer o debate sobre a problemática do conflito e do processo de paz de Casamansa, em que foram analisados os seguintes temas:

O conflito de Casamansa: comparações e perspetivas;

O conflito, as dimensões transfronteiriças e o jogo das potências externas;

Dimensões étnicas, religiosas e culturais do conflito;

O papel das mulheres e das organizações da sociedade civil na construção da paz e a defesa do meio ambiente em Casamansa;

Os pontos mortos e os silêncios na literatura sobre o conflito de Casamansa;

O jogo de interesses dos protagonistas (MFDC e Estado): procuram eles a paz? Uma mediação é possível? A tentativa da Comunidade de Sant’Egídio;

O conflito e os recursos naturais: desafios e consequências.

Os artigos reunidos neste número temático refletem o cerne do debate durante a conferência, em que estiveram em análise os diferentes aspetos e dimensões do processo de paz, demonstrando o estado da arte desta problemática.

Vincent Foucher, um dos oradores do primeiro tema, no seu artigo debruça-se sobre o conflito de Casamansa e faz uma análise comparativa do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa do Senegal com o grupo jihadista Boko Haram da Nigéria, destacando alguns pontos que lhes são comuns e diferentes. Por exemplo, os dois movimentos são separatistas e radicais, mas as razões das suas reivindicações diferem, porque as do MFDC são do âmbito local e territorial, reivindicando a independência da região de Casamansa do Senegal. As razões separatistas do Boko Haram são do âmbito global e de base religiosa, com tendência para a imposição do Alcorão em rutura com o Estado Federal da Nigéria pro-cristianismo e hostil ao verdadeiro islamismo.

Álvaro Nóbrega faz um enquadramento geopolítico do conflito de Casamansa no Senegal e no contexto sub-regional da África Ocidental, analisando o espaço e os interesses dos diversos atores estatais e não estatais envolvidos. Jean-Claude Marut, especializado no conflito de Casamansa, centrou sua análise na geoestratégia e interesses dos Estados Unidos, nos últimos anos, na resolução deste conflito através da ação diplomática e económica. Desenvolveu o tema que intitulou “Pax Americana en Casamance?” A resposta a esta interrogação encontra-se nas várias iniciativas da Embaixada dos Estados Unidos em Dakar visando promover a aproximação entre o MFDC e o Estado.

Mark Deets fez uma abordagem histórica do conflito, debruçando-se sobre a distinção que os separatistas casamanceses fazem entre senegaleses e casamanceses e as influências culturais. Jordi Tomàs fez uma análise da diversidade de grupos e subgrupos étnicos em Casamansa e as relações destes com aqueles que são de vilas diferentes, considerados estrangeiros.

Soukeyna Niang focaliza-se no papel das organizações da sociedade civil na construção da paz e destaca a dinâmica das associações femininas sobre as iniciativas de paz em Casamansa, numa abordagem sociológica das relações sociais conjuntivas. Markus Rudolf analisou os efeitos do conflito para as mulheres, em assumirem mais tarefas e responsabilidades que os homens, e o contributo que dão às suas comunidades.

Paul Diédhiou, um dos oradores da referida conferência internacional, e Eugène Tavares fizeram uma abordagem inovadora sobre as trajetórias individuais dos dirigentes do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa, para melhor compreensão dos seus engajamentos no conflito e deram pistas para aprofundar as investigações futuras sobre esta matéria.

Antonieta Rosa Gomes, coordenadora e uma das oradoras da Conferência Internacional, analisou o processo de paz, a sua complexidade, os atores intervenientes e os fracassos dos diferentes acordos de paz assinados entre o MFDC e o governo senegalês. Numa abordagem qualitativa e interdisciplinar analisou o papel da Guiné-Bissau como garante do processo de paz e o mecanismo de mediação utilizado em diferentes fases, e nos últimos anos, pela Comunidade de Sant’Egídio. E deixa algumas reflexões para a construção da paz duradoura.

Tomas Serna Salichs fez uma abordagem sobre a desminagem humanitária levada a cabo em Casamansa, as contradições, a falta de diálogo entre o Governo e o MFDC e o papel da população e da sociedade civil. Robert Baum fez uma abordagem histórica do conflito e destacou as diferenças entre Casamansa e o resto do Senegal e a era pós-colonial; analisou as causas do conflito relacionando-as com os métodos para alcançar a paz duradoura.

Finalmente, Mamadou Thior, um dos oradores da conferência, no artigo apresentado em coautoria com outros colegas, fez explanação sobre as atividades da pesca marítima e a forma como os ataques armados esporádicos do MFDC têm atrapalhado estas atividades nas localidades de Saloulou, Diougué, Cap Skirring e Boudiédiéte, em Casamansa. Boubacar Demba Ba e Luc Descroix foram participantes e oradores virtuais através de videoconferência. No seu artigo, Ba aborda a questão da exploração dos recursos florestais no departamento de Bignona, em Casamansa, demonstrando a influência do conflito armado na proliferação e diversidade de autores na exploração da madeira. Descroix fez uma análise sobre a exploração das terras agrícolas na comuna de Niaguis, a monocultura do caju, as culturas do arroz, amendoim e feijão e o clima local que tem favorecido a agricultura. Porém, depois de 1982, o conflito armado provocou abandonos de terras que causaram precariedade socioeconómica das populações locais.

Os artigos aqui publicados abordam de forma interdisciplinar os diferentes aspetos e obstáculos ao processo de paz, demonstrando a sua complexidade e o estado da arte com poucos avanços. Contudo, de uma maneira geral, os autores enfatizam a necessidade de um único interlocutor no MFDC e um diálogo aberto entre as partes para alcançar a paz duradoura.

Este número temático dos Cadernos de Estudos Africanos adquire uma relevância particular pela diversidade linguística dos autores e de abordagem do tema que enriquece a literatura sobre a resolução de conflitos. Portanto, é um valioso contributo para o conhecimento científico.

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