SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número1-2Motivações para o ciberativismo anticonsumo em comunidades virtuais antimarcaSustentabilidade Um possível caminho para o sucesso empresarial? índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa

versão impressa ISSN 1645-4464

Rev. Portuguesa e Brasileira de Gestão v.9 n.1-2 Lisboa jun. 2010

 

A universidade corporativa como instrumento de sustentação do negócio: A experiência das empresas estatais

 

Eduardo Oliva1, Valquiria Roman2 e Leonel Mazzali3

1Doutor em Administração, Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, São Paulo, Brasil. PhD in Administration, Post Graduation and Research Pro-rector of Municipal University of Sao Caetano do Sul, Sao Paulo, Brazil. Doctorado en Administración de Empresas, Pro-Rector de Estudios de Posgrado e Investigación de la Universidad Municipal de São Caetano do Sul, Sao Paulo, Brasil. eduardo.oliva@uscs.edu.br

2Mestre em Educação, Administração e Comunicação, Professor Sênior II da Associação Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo, Brasil. Master in Education, Administration and Communication, Professor in Associacao Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo, Brazil. Maestría en Educación, Administración y Comunicación, profesor senior II de la Asociación Escuela Superior de Publicidad y Marketing, São Paulo, Brasil. voduarte@uol.com.br

3 Doutor em Economia de Empresas, Professor do Programa de Mestrado em Administração da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, São Paulo, Brasil. PhD in Business Economy, Professor in the Administration Master’s Program of Municipal University of Sao Caetano do Sul, Sao Paulo, Brazil. Doctorado en Economía de la Empresa, Profesor de la Maestría en Administración de Empresas de la Universidad Municipal de São Caetano do Sul, São Paulo, Brasil. leonel_mazzali@uol.com.br

 

RESUMO

O estudo identifica as práticas das universidades corporativas das empresas estatais e verifica em que medida os projetos compõem o seu alicerce com os princípios propostos por Eboli (2004). A discussão da inserção da universidade corporativa na estratégia organizacional é o referencial teórico que sustenta pesquisa do tipo descritivo, assentada em estudos de casos múltiplos. A análise comparativa das experiências de empresas estatais, integrantes de diferentes segmentos (prestação de serviços, produção e intermediação financeira), evidenciou que as unidades incorporaram plenamente, em suas práticas, os princípios da competitividade, da perpetuidade e da disponibilidade. No entanto, deixaram de contemplar práticas consideradas essenciais para a estratégia dos negócios, em particular, a integração dos agentes da «cadeia de valor», o estímulo à parceria com líderes e responsáveis e a avaliação integral da sustentabilidade dos projetos.

Palavras-chave: Empresas Estatais, Recursos Humanos, Universidade Corporativa

 

Corporate university as a tool for business sustainability: the experience of state-owned enterprises

ABSTRACT

This study identifies the practices of corporate universities of state-owned enterprises and verifies to which extent the foundations of the projects are composed by principles proposed by Eboli (2004). The discussion about the insertion of the corporate university in the organizational strategy is the theoretical referential that sustains a descriptive research, based on multiple-case studies. A comparative analysis of the experiences of the state-owned enterprises belonging to various segments of activity (service, production and financial intermediation) showed that the units have fully incorporated into their practices the principles of competitiveness, perpetuity and availability. However, they failed to contemplate practices considered essential for business strategy, particularly the integration of the agents of the “value chain”, the incentive to partnership with leaders and people in charge, and thorough assessment of the sustainability of the projects.

Key words: State-Owned Enterprises, Human Resources, Corporate University

 

La universidade corporativa como instrumento de sustentação del negócio: una experiência de las empresas del estado

RESUMEN

El estudio identifica las prácticas de las universidades corporativas de las empresas del estado y verifica en qué medida los proyectos forman parte de su fundación a los principios propuestos por Eboli (2004). La discusión de la integración de la universidad corporativa en la estrategia organizacional es la base teórica de este estudio descriptivo, basado en estudios de casos múltiples. El análisis comparativo de las experiencias de las empresas estatales, integrantes de distintos sectores (servicios, manufactura y servicios de intermediación financiera), mostró que las unidades incorporan plenamente en sus prácticas, los principios de competitividad, la perpetuidad y la instrumendisponibilidad. Sin embargo, dejaran de contemplar prácticas consideradas esenciales para la estrategia empresarial, en particular la integración de los agentes de la “cadena de valor”, el fomento a la colaboración con los líderes y responsables y la evaluación global de la sostenibilidad de los proyectos.

Palabras-clave : Empresas del Estado, Recursos Humanos, Universidad Corporativa

 

A Administração Pública sentiu os reflexos do mundo pós-moderno por questões políticas e sociais, ou por acreditar que o modelo burocrático de administração não atendia mais as suas necessidades. Nesse contexto, surgiu no Brasil, a partir de meados da década de 1990, um novo paradigma, consubstanciado na denominada Reforma Gerencial do Estado (Bresser Pereira e Spink, 1998).

Com base nos princípios fundamentais da referida reforma, diversos projetos foram delineados, destacando-se o Projeto «Nova Política de Recursos Humanos» e o Projeto de «Desenvolvimento de Recursos Humanos». O processo contínuo de aprendizagem passou a direcionar a política de recursos humanos da Administração Pública, exigindo, tal qual aconteceu com o setor privado, uma nova atuação da antiga área de treinamento e desenvolvimento.

Considerando que o núcleo da Administração Pública, representado pelas empresas estatais, responde com maior rapidez e flexibilidade às novas demandas, este trabalho, além de identificar as práticas das unidades de educação corporativa das referidas empresas, tem como objetivo verificar em que medida o projeto implementado compõe o seu alicerce com os princípios propostos por Eboli (2004).

O trabalho está estruturado em seis seções. A primeira é introdutória. A segunda discute o conceito de universidade corporativa e a sua inserção na estratégia das organizações. A terceira apresenta os procedimentos metodológicos. A quarta apresenta as práticas adotadas pelas unidades de educação corporativa das empresas estatais. A quinta procede a uma análise comparativa das referidas práticas. Finalmente, as conclusões e sugestões para futuras pesquisas.

 

Universidade corporativa e estratégia das organizações

As constantes mudanças que impactam a sociedade pós-moderna impulsionam as organizações a adotar uma mudança no critério de valorização da mão-de-obra, que passa a ser voltado para a qualificação mental, tornando decisivas a criação e a manutenção do aprendizado como instrumento de obtenção da vantagem competitiva. Nesse contexto, surgem as universidades corporativas ou unidades de educação corporativa, inseridas em nova estratégia para a capacitação profissional.

A expressão universidade corporativa sugere alguma alternativa para as instituições de Ensino Superior, considerando, «de um lado, a frustração com a qualidade e o conteúdo da educação pós-secundária e, do outro, a necessidade de um aprendizado permanente (Meister, 1999, p. 12)». Vale destacar que, s egundo pesquisa realizada pela OCDE (2008), somente 3% das universidades das 17 000 existentes no Mundo são consideradas «classe mundial». Isto não quer dizer que as demais falharam, pois como lembra Vergara (2000, p. 185), «universidades corporativas ensinam a praticar, enquanto as tradicionais, em tese, ensinam a estudar e a pesquisar, [...]».

Eboli (2004, p. 48) caracteriza a unidade de educação corporativa como «um sistema de desenvolvimento de pessoas pautado pela gestão alicerçada em competências». Com base em pesquisa realizada em 24 unidades implantadas no Brasil, a autora dá ênfase à emergência de um novo paradigma de capacitação profissional, centrado no agrupamento das práticas em sete princípios ou categorias: competitividade, perpetuidade, conectividade, disponibilidade, cidadania, parceria e sustentabilidade.

O princípio da competitividade expressa o alinhamento dos programas educacionais à estratégia do negócio e representa a valorização da educação como forma de desenvolver o capital intelectual dos colaboradores, transformando o corpo funcional em fator de diferenciação da empresa em relação aos concorrentes. Buscar a competitividade por meio da consolidação de competências críticas, esta é a essência, sublinhada por Nurmi (1998), das empresas de conhecimento intensivo.

A perpetuidade entende a educação não apenas como a realização do potencial existente em cada colaborador, mas como um processo de transmissão da herança cultural. A história, a cultura e os valores da organização conformam contextos específicos, a partir dos quais emergem competências distintivas, conferindo à empresa uma maneira ímpar de atuar, revestida de blindagem contra imitações da concorrência (Van de Ven, 2004).

A conectividade privilegia a construção social do conhecimento por meio da ampliação da quantidade e da qualidade da rede de relacionamentos, nos âmbitos interno e externo à organização. Trata-se da capacidade de trabalhar em grupo e compartilhar as melhores práticas com aqueles que fazem parte das relações profissionais - funcionários, clientes, fornecedores e distribuidores.

Oferecer e disponibilizar atividades e recursos educacionais de fácil uso e acesso, essa é a síntese do quarto princípio, propiciando condições favoráveis para a efetivação da aprendizagem. Weinstein (2000) enfatiza que o aprendizado deve ocorrer a qualquer hora, em qualquer lugar, a partir do compartilhamento de novas experiências, da convivência e da troca de informações. As unidades de educação corporativa não estão limitadas a um lugar, a um espaço físico; ao contrário, se revelam como um sistema que cria o comprometimento e facilita o acesso ao aprendizado permanente de todos os empregados da organização, independentemente do nível hierárquico. Nesse âmbito, merece destaque a utilização da tecnologia da informação como instrumento facilitador da aprendizagem e de ampliação do alcance do público-alvo.

O quinto princípio dá ênfase ao exercício da cidadania individual e corporativa, formando sujeitos capazes de refletir criticamente sobre a realidade organizacional, de construí-la e modificá-la, e de atuar pautados por postura ética e socialmente responsável.

O princípio da parceria coloca ênfase na formação de parcerias externas (instituições de ensino) e de modo especial nas parcerias internas, com líderes e gestores, visando o desenvolvimento contínuo das competências críticas dos colaboradores. Para que a cultura de aprendizagem perpasse toda a empresa, é preciso que os líderes se envolvam com a educação corporativa, visando maior possibilidade de aplicação prática pelo uso de exemplos reais e o compartilhamento contínuo das competências.

Finalmente, a sustentabilidade se refere à necessidade das unidades de educação corporativa migrarem de um modelo de alocação de recursos para a busca de suas próprias fontes de receitas, assumindo-se como unidades de negócios geradoras de resultados procurando agregar valor. Esse conjunto de princípios constitui a base para a avaliação das práticas de educação corporativa implementadas pelas empresas estatais entre 1999 e 2002, objeto da pesquisa empreendida, cuja metodologia será relatada a seguir.

 

Procedimentos metodológicos

O estudo pode ser caracterizado como descritivo, pois tem como objetivos «apresentar precisamente as características de uma situação, um grupo ou indivíduo específico e/ou verificar a freqüência com que algo ocorre ou com que está ligado a alguma outra coisa (Selltiz et al., 1960/74, p. 59)».

A estratégia de pesquisa selecionada é o estudo de casos múltiplos, construído como um projeto que objetiva a «generalização analítica» dos resultados obtidos (validade externa) para o conjunto das empresas estatais. Das nove empresas estatais que possuem unidades de educação corporativa, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Brasil, 2005), cinco estão inseridas no setor financeiro, uma no setor produtivo e as demais (três) no setor de prestação de serviços (saneamento básico, transporte coletivo e comunicação). Assim, foram selecionadas para análise a Cia do Metro/transporte coletivo; a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT)/serviço postal; a Petróleo Brasileiro S.A (Petrobrás)/extração, refino e distribuição de petróleo; e o Banco do Brasil S.A/intermediação financeira.

Na escolha dos casos prevaleceu a «lógica da replicação teórica» (Yin, 2001, pp. 68-69), onde o critério foi a produção de resultados contrastantes no âmbito dos projetos de implantação das unidades de educação corporativa. A proposição é a presença de diferenças previsíveis, considerando o segmento de atuação das empresas estatais.

As quatro unidades de educação corporativa foram objeto de análise detalhada, tendo como focos questões específicas atreladas à identificação das práticas associadas ao sistema de educação corporativa e à verificação da aderência aos princípios propostos por Eboli (2004). O Quadro I apresenta os princípios, as práticas e as questões específicas que nortearam a coleta de dados.

 

Quadro 1. Questões específicas: práticas e princípios da educação corporativa

 

A utilização de fontes diferentes para obtenção de evidências constitui a base da denominada «triangulação», procedimento básico voltado à convergência de informações, a qual trata o problema da validade do constructo, «uma vez que várias fontes de evidências fornecem essencialmente várias avaliações do mesmo fenômeno (Yin, 1994/2001, p. 121)». Assim, foram utilizadas fontes secundárias, documentos e sites das empresas pesquisadas, e fontes primárias – entrevistas semi-estruturadas, com duração média de duas horas, previamente agendadas com os responsáveis pelas unidades de educação corporativa.

Por um lado, a preocupação com a validade interna tem por referência a relação de causa e efeito entre variáveis, i.e., conforme assinalado por Yin (1994/2001), aplicável apenas aos estudos de caso causais (ou explanatórios). Por outro, como lembra o referido autor, nos estudos de caso têm-se em conta as evidências obtidas no processo de coleta de dados, no sentido da reprodução dos fenômenos estudados. Nesse campo, é fundamental a consideração da convergência das informações obtidas, além da análise crítica da interpretação oferecida, no sentido de não refletir apenas uma visão particular do pesquisador.

Finalmente, para a análise dos dados e das evidências foi utilizada uma matriz ordenada por casos, que permite uma comparação das práticas de educação corporativa.

 

As práticas de educação corporativa das empresas estatais

● Universidade Corporativa do Metro – Unimetro

A mais antiga das unidades de educação corporativa é a Unimetro, criada em 1999, com uma estrutura totalmente distinta da área de treinamento e desenvolvimento.

No que se refere ao alinhamento das práticas à estratégia do negócio, foram implementados o Programa de Excelência Gerencial (PEG) e o Programa de Liderança Gerencial (PLG). O primeiro para dar suporte ao planejamento estratégico, dirigido prioritariamente aos funcionários que compõem a alta gerência. O segundo, voltado para os funcionários que possuem cargos de coordenação e supervisão e também aos técnicos e engenheiros em cargos de liderança, teve como objetivo estimular reflexões sobre as práticas de gestão de pessoas e desenvolvimento de competências consideradas essenciais às práticas gerenciais.

Quanto ao princípio da perpetuidade, existe a preocupação, manifestada na entrevista com o responsável, com a disseminação da cultura empresarial para todos os níveis hierárquicos. No entanto, não foi possível constatar ações empreendidas especificamente com esse objetivo.

No âmbito da conectividade, a educação corporativa está voltada eminentemente para o público interno. É digno de nota o Programa de Inteligência Corporativa, formulado com o objetivo de aproveitar a experiência de líderes/gerentes e estimular o compartilhamento do conhecimento tático existente na empresa, por meio da promoção de encontros e eventos.

Ao considerar o princípio da disponibilidade, apesar de importantes iniciativas associadas à prospecção e a implementação de novas tecnologias de aprendizagem, os resultados ainda não são considerados totalmente satisfatórios. Segundo o responsável entrevistado, «o emprego de tecnologia e o e-learning não são pontos fortes da Unimetro. Existe um portal de educação corporativa disponível em rede interna, Intranet, e assim o acesso só é possível aos funcionários quando estão na empresa. Outra iniciativa foi a criação do Canal do Conhecimento, que entrou no ar em 2002. Trata-se de tele-aulas transmitidas por três canais de televisão via satélite, dezesseis horas por dia, em quatro diferentes pontos das instalações do Metro».

No âmbito da integração da educação corporativa com a comunidade, um destaque é o Programa Ação Escolar, dirigido a crianças e jovens entre 6 e 16 anos, que são recebidos no Centro de Controle Operacional onde assistem a vídeos e recebem palestras sobre segurança/operação do metrô.

Como a unidade de educação corporativa não possui corpo docente próprio, nem tampouco utiliza líderes e responsáveis como docentes, no âmbito das parcerias externas, destaca-se a Universidade de São Paulo, representada pela Faculdade de Economia e Administração (FEA) e pela Escola Politécnica. A FEA foi responsável docente pelo PEG e pelo PLG. A Escola Politécnica foi responsável pelo curso em Tecnologia Metro-Ferroviária, voltado para a mudança da dependência de energia elétrica nos transportes sobre trilhos. Merece destaque ainda a parceria com o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, criando o curso técnico dirigido aos estudantes do ensino médio, que são preparados para atuar em funções operacionais.

Sob a perspectiva do princípio da sustentabilidade, a Unimetro não tem natureza jurídica própria, não cobra pelos serviços prestados e não possui prática de avaliação do retorno sobre os investimentos em educação corporativa.

● Universidade Corporativa da ECT - ÚNICO

Em 2001, a ECT iniciou o processo de implantação de sua unidade de educação corporativa, a qual assumiu as atividades que vinham sendo desenvolvidas pelo Departamento de Treinamento e pela Escola Postal, criando duas áreas de atuação distintas: capacitação profissional e elevação da escolaridade. A primeira oferece programas com o objetivo de apresentar o contexto mercadológico e empresarial dos Correios, transmitindo visão estratégica, cultura e valores. A segunda oferece cursos de educação formal para o pessoal do nível básico, cursos seqüenciais de graduação e extensão para o pessoal de níveis técnico e superior, e pós-graduação stricto e lato sensu para o pessoal de nível superior.

A colocação a seguir feita pelo responsável entrevistado, com relação à unidade de educação corporativa, esclarece o alinhamento das práticas à estratégia do negócio: «a iniciativa foi motivada pela necessidade de alinhar os programas educacionais com as estratégias da empresa e ainda ampliar o público atendido. Foi considerado que o desenvolvimento profissional era um elemento estratégico para a organização, e muito mais do que formar técnicos especializados para o desenvolvimento das atividades, era necessário que os profissionais tivessem um foco voltado para a melhoria dos resultados da empresa».

No âmbito da preservação e da disseminação da cultura da organização, se a transformação do Museu dos Correios em um instrumento de educação empresarial é uma iniciativa pioneira, constatou-se, no entanto, mediante a entrevista com o responsável que «a cultura da educação corporativa ainda não permeia toda a empresa».

No que se refere à conectividade, embora declare que seu público-alvo está definido como todos os agentes pertencentes à cadeia de valor (funcionários, clientes, fornecedores, parceiros e franqueados), a unidade de educação corporativa não possui práticas consistentes que assegurem estar conectada a toda rede externa de relacionamentos. As ações ficam circunscritas ao público interno, porém sem maior preocupação com o estímulo à troca de conhecimentos entre os colaboradores.

Sob a perspectiva da disponibilidade, destaca-se o campus com 130 mil metros quadrados em Brasília, abrigando 42 salas de eventos, edifício da universidade virtual, Museus dos Correios e o chamado Bosque do Conhecimento, com 10 laboratórios de informática e 5 salas de multiuso. Destaca-se que os programas de capacitação profissional dão ênfase à educação à distância e, no site «Único», é possível acessar todos os cursos abertos disponíveis.

Na categoria cidadania, as práticas consistentes de relacionamento com a comunidade estão associadas a programas disponíveis em seu portal que visam a capacitar as pessoas a utilizar corretamente alguns serviços das agências e, principalmente, os serviços via Internet.

Quanto às parcerias, a unidade não utiliza líderes e/ou gerentes para ministrar cursos, apoiando-se exclusivamente em parcerias com instituições de ensino formal.

Finalmente, no que se refere à sustentabilidade, não possuindo natureza jurídica própria, a ÚNICO não desenvolve sistemáticas de avaliação da contribuição dos programas da unidade de educação corporativa para os negócios da empresa.

● Universidade Petrobrás

Desde a sua fundação, em 1953, a empresa se pautou pela consolidação de programas de educação e desenvolvimento profissional. Em 2000, com o processo de reestruturação, decidiu criar a Universidade Corporativa, plenamente inserida na estratégia do negócio, cujo objetivo é conquistar nível de excelência na exploração de petróleo/gás, refino e abastecimento, além de incorporar as questões ambientais. A Universidade Petrobrás possui duas áreas de conhecimento: Ciências e Tecnologia e Gestão de Negócios. A primeira é responsável por quatro escolas: Exploração e Produção; Abastecimento; Gás e Energia e Engenharia e Tecnologias. A segunda é responsável por soluções educacionais em gestão. Para os funcionários que exercerão funções na área técnica, o programa de desenvolvimento profissional dura cerca de um ano, e para aqueles que trabalharão na área administrativa a duração é de seis meses.

A Universidade Petrobrás adota práticas de transmissão de cultura e valores, podendo ser utilizado como exemplo o programa para os novos funcionários, que reserva 15 dias de aulas para apresentações sobre a empresa. Agregue-se a participação dos líderes como docentes dos programas educacionais, facilitando a transmissão dos valores da organização.

No que se refere à conectividade, as práticas de educação corporativa são voltadas ao público interno, constatando-se poucas iniciativas para os fornecedores e distribuidores, contradizendo as diretrizes constantes no projeto de criação da unidade.

Considerando a disponibilidade, a unidade de educação corporativa conta com três campi: Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Com relação ao ensino a distância, a Petrobrás adquiriu experiência desde os anos 1970, quando incorporou as tecnologias disponíveis. Na década de 1980, introduziu os vídeos de treinamento, com bom resultado nas áreas de segurança e meio ambiente. Depois, foram as tele, as vídeo-conferências e os manuais eletrônicos. Em 1998, a Internet passou a ser utilizada e representou uma maior aproximação entre os empregados e a empresa. Em 2001, foi introduzida a TV universitária. Em 2003, todo o conteúdo da TV universitária foi transferido para a WEBTV, acessível via Intranet.

A disponibilidade dos cursos é uma questão estratégica, pois as escalas de permanência dos funcionários nas plataformas marítimas diminuem a possibilidade da freqüência em uma instituição tradicional de ensino.

Existem práticas que estimulam o exercício da cidadania junto aos funcionários, em particular, palestras sobre responsabilidade social, saúde, meio ambiente e código de ética. Não se observaram, no entanto, iniciativas voltadas à integração com a comunidade.

No âmbito da categoria parceria, além de utilizar líderes e responsáveis internos no processo de aprendizagem e na disseminação da cultura organizacional, a unidade de educação corporativa possui corpo docente próprio, formado por 56 professores permanentes, muitos deles, envolvidos com a educação corporativa da empresa há mais de 30 anos. Existem ainda 600 professores visitantes que são especialistas nas áreas técnicas e de negócios da própria empresa, além de professores de universidades brasileiras e internacionais que são parceiras da unidade.

Com natureza jurídica própria, a sustentabilidade da unidade é considerada do ponto de vista da contribuição das atividades de educação corporativa na melhoria do desempenho das pessoas, das áreas, da satisfação dos funcionários, e também do orgulho destes em pertencer à empresa.

● Universidade Corporativa do Banco do Brasil – UNIBB

Em 2002 foi criada a Universidade Corporativa do Banco do Brasil – UNIBB, com o papel de desenvolver a excelência humana e profissional, por meio da criação de valor em soluções educacionais, contribuindo para a melhoria do desempenho organizacional e para o fortalecimento da imagem institucional do Banco do Brasil. O lançamento, em 2004, do Programa de Gestão de Desempenho por Competências reforçou a importância do alinhamento das práticas de educação corporativa à estratégia da empresa, onde o funcionário é reconhecido como agente de resultados.

Quanto à categoria perpetuidade, criado à época de D. João VI, o Banco do Brasil possui uma forte cultura empresarial, a qual é enfatizada e explorada pela UNIBB. O fato da instituição estar presente em momentos importantes da História do País tem a haver com sua origem e sua cultura, segundo o responsável pela unidade de educação corporativa.

No âmbito da conectividade, merecem destaque as práticas que visam a alcançar os integrantes da cadeia de valor do Banco do Brasil, envolvendo empresas-clientes, fornecedoras e parceiras. A UNIBB chama essa rede de «Comunidade de Aprendizagem». O programa BBMBA – Desenvolvimento em Excelência Técnica-Gerencial atendeu a cerca de 8000 executivos, dos quais 1751 representavam o público externo. Paralelamente, promove eventos que têm por finalidade manter a «Comunidade de Aprendizagem» e, para tal, realiza palestras ministradas por especialistas e pesquisadores de renome nacional e internacional, que abordam temas relativos às áreas de interesse do segmento de atuação. Vale destacar que o Banco do Brasil presta serviço de assessoria em negócios internacionais, oferecendo aos clientes ações de capacitação em comércio exterior.

Em termos da disponibilidade, além do portal, onde oferece aos funcionários o acesso aos programas de educação a distância e publicações digitalizadas, possui uma rede de regionais localizadas em doze capitais. O emprego de tecnologia nas ações de educação corporativa é uma tradição.

Nos princípios filosóficos da UNIBB consta que as ações da unidade estão voltadas para o desenvolvimento da cidadania, no entanto não foi possível identificar programas específicos voltados a esse fim.

No que se refere às parcerias, possui cerca de mil instrutores, entre funcionários e prestadores de serviços. Destaque-se a não utilização de líderes ou responsáveis, atuando unicamente em parceria com diversas instituições de ensino, consultorias e profissionais de educação.

Quanto à sustentabilidade, não existem práticas que assegurem a auto-sustentabilidade financeira. As práticas voltadas para agregar valor ao Banco do Brasil são avaliadas em todos os níveis.

 

Análise e discussão

O Quadro II permite proceder à análise comparativa dos quatro projetos de educação corporativa, apontando as semelhanças e, de modo particular, as diferenças atreladas, conforme a proposição da pesquisa, ao segmento onde as empresas estão inseridas.

 

Quadro II - Análise comparativa dos resultados

 

No que se refere às semelhanças, a unidade de educação corporativa surgiu como uma ferramenta para maior profissionalização e transformação dos servidores públicos na direção do desenvolvimento de competências estratégicas, incorporando integralmente os princípios da competitividade, da perpetuidade e da disponibilidade. O desenvolvimento da cidadania, por sua vez, parece ser um discurso declarado, mas não plenamente praticado.

As diferenças transparecem, em primeiro lugar, no âmbito do princípio e das práticas associadas à conectividade. A Universidade Banco do Brasil é a única que possui práticas específicas que visam a alcançar o público externo, integrando a chamada «Comunidade de Aprendizagem do Banco do Brasil». Por sua vez, somente o Metrô e a Petrobrás têm preocupação expressa com o compartilhamento do conhecimento entre os colaboradores. Curiosamente, o Banco do Brasil (intermediação financeira) e a ECT (serviços postais), setores que apresentaram elevado dinamismo nas últimas décadas, consoante a ameaça de privatização e a intensificação da concorrência, não colocaram ênfase na criação de espaços de compartilhamento para a gestão do conhecimento.

Em segundo lugar, no que se refere ao princípio da parceria, somente a Universidade Petrobrás, inserida no setor de produção, e a Unimetro, inserida no setor de serviços de transporte, estimulam a utilização de líderes e gerentes como multiplicadores dos programas da unidade de educação corporativa.

Finalmente, sob a perspectiva do princípio da sustentabilidade, a única unidade de educação corporativa que se preocupa com a auto-suficiência financeira é a Universidade Petrobrás, integrante do segmento produtivo. Mais significativo é o fato de somente a Universidade Petrobras e a UNIBB apurarem a contribuição dos programas de educação corporativa para os negócios da empresa, para a melhoria dos resultados financeiros e aumento do reconhecimento dos serviços prestados. Nas empresas ligadas à prestação de serviços (transporte e postal), os programas são avaliados sob a perspectiva do funcionário, contemplando sua satisfação e aprendizado, e não com relação ao valor que agregam ao negócio e aos resultados da empresa.

 

Considerações finais

A análise comparativa das experiências das empresas estatais evidenciou que os princípios propostos por Eboli (2004) para avaliar a atuação das unidades de educação corporativa não podem ser completamente estendidos às empresas estatais. Há a necessidade de relativizá-los para o ambiente da Administração Pública.

Em primeiro lugar, ficou patente o entendimento de que a educação corporativa está ainda muito mais atrelada às instituições formais de ensino (universidades e entidades especializadas no ensino técnico) e muito menos à participação e ao comprometimento dos agentes internos. A não inclusão da experiência acumulada por líderes e responsáveis no projeto de educação corporativa compromete a disseminação do conhecimento tácito gerado no interior da organização. Dessa forma, com exceção das experiências da Universidade Petrobrás e da Unimetrô, fica patente um viés no que se refere à educação corporativa; privilegia-se a transmissão do conhecimento codificado, por meio do recurso a parcerias com instituições especializadas, externas à organização.

Em segundo lugar, as empresas públicas, com exceção do Banco do Brasil, ainda não estão abertas ao relacionamento com o público externo, não apresentando práticas que promovam uma aproximação com clientes, fornecedores e distribuidores. Deixa-se, nesse sentido, de ampliar o espaço de compartilhamento do conhecimento, o que limita as oportunidades para acelerar processos de mudança e para implementar estratégias conjugadas.

Em terceiro lugar, a geração de recursos próprios e a auto-sustentação só se constituem em preocupação das unidades de educação corporativa do setor produtivo (Petrobrás) e da intermediação financeira (UNIBB). Este perfil seria um indicador de que a utilização de recursos das empresas prestadores de serviços públicos ainda está fortemente atrelada ao cumprimento de normas orçamentárias. É fundamental diferenciar as unidades de educação corporativa das empresas estatais segundo o grau de autonomia na gestão dos recursos.

Em síntese, fica evidente um distanciamento entre a missão e diretrizes das unidades de educação corporativa das empresas estatais e algumas práticas adotadas, em particular, no que se refere aos princípios de conectividade e parceria. Afinal, os referidos princípios – assentados na construção e na consolidação de laços entre os colaboradores e entre estes e os agentes que integram a rede mais ampla de relacionamentos das empresas – constituem fatores determinantes da atuação da unidade de educação corporativa e distintivos da universidade tradicional.

Nesse sentido, abrem-se novas oportunidades de pesquisa associadas, de um lado, à necessidade de aprofundar a análise das formas de compartilhamento do conhecimento, no interior da organização pública e no conjunto de agentes que integram a cadeia de valor, e de sua incorporação nas práticas das unidades de educação corporativa.

De outro, há que refletir se, no contexto da Nova Administração Pública, a disseminação da cultura organizacional pode se constituir em um ponto de resistências a mudanças, contribuindo mais para a manutenção de modelos existentes do que para possíveis alterações.

 

Referências bibliográficas

BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR (2005), «Sistema de informação sobre atitudes de educação corporativa no Brasil». Disponível em www.educor.desenvolvimento.gov.br. Acessado em 12/04/2005.

BRESSER PEREIRA, L. C. e SPINK, P. (1998), Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.

ÉBOLI, M. (2004), Educação Corporativa no Brasil: Mitos e Verdades. Editora Gente, São Paulo.

FLEURY, M. T. (1999), «Prefácio». In Marisa Éboli (coord.), Universidades Corporativas: Educação para as Empresas do Séc. XXI. Schmukler, São Paulo.

MEISTER, J. C. (1999), Educação Corporativa: A Gestão do Capital Intelectual através das Universidades Corporativas. Pearson Makron Books, São Paulo.

NURMI, R. (1998), « Knowledge-intensive firms » . Business Horizons , vol. 41(3), pp. 26-32.

SELLTIZ, C. et al. (1974), Métodos de Pesquisa nas Relações Sociais. Trad. de Dante Moreira Leite da ed. americana (1960), 3.ª ed., Ed. da Universidade de São Paulo, São Paulo.

OECD ( 2008), «Education: b reaking ranks». OECD Observer , n.º 269, Outubro, pp. 18-21.

VAN de VEN, A. H. (2004), «The context-specific nature of competence and corporate development». Asia Pacific Journal of Management, vol. 21(1-2), pp. 123-141.

VERGARA, S. C. (2000), «Universidade corporativa: a parceria possível entre empresa e universidade tradicional». Revista de Administração Pública , vol. 34(5), pp. 181-188.         [ Links ]

WEINSTEIN, M. B. (2000), « Thirty-three World-class competencies » . Training and Development , vol. 54(5), pp. 20-22.

YIN, R. K. (2001), Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Trad. de Daniel Grassi da ed. americana (1994), 2.ª ed., Bookman, Porto Alegre.

 

Recebido em Maio de 2009 e aceite em Março de 2010.

Received in May 2009 and accepted in March 2010.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons