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Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa

versión impresa ISSN 1645-4464

RGPLP vol.15 no.1 Lisboa mar. 2016

 

ARTIGOS

 

Logística e economia na CPLP: O lado oculto da produtividade

 

Logística y economía en la CPLP: El lado oculto de la productividad

 

Logistics and economy: The dark side of productivity

 

 

Eurico Brilhante Dias1

1 Doutorado em Gestão, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). Membro do Conselho Geral do ISCTE-IUL. Professor Auxiliar e Diretor da Licenciatura de Gestão, ISCTE-IUL, ISCTE Business School, Departamento de Marketing, Operações e Gestão Geral, Avenida das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. E-mail: eurico.dias@iscte.pt

 

 


RESUMO

A CPLP é uma comunidade de proximidades linguísticas, culturais e até empresariais. Essa proximidade construída por uma comunhão de percursos histórico e político, sem prejuízo da autonomia de cada país, traz vantagens económicas: mitiga ou diminui a liability of foreigness e a liability of outsidership. É esse sentimento de pertença que faz com que os decisores empresariais da CPLP selecionem, quantas vezes, outro mercado lusófono como primeiro destino do processo de internacionalização das suas empresas. Contudo, a distância física – e logística – é a barreira fundamental a ultrapassar, e é assinalada pelo logistics performance index apresentado pelo Banco Mundial (2014). É esse paradoxo da distância – onde nos sentimos próximos, apesar de distantes fisicamente – que pode ser mitigado. A prioridade à logística permite focar precisamente onde a nossa comunidade precisa de investir mais: nas ligações eficientes que potenciem os espaços económicos em que cada Estado-membro da CPLP está inserido.

Palavras-chave: CPLP; Logística; Distância Logística; Distância Económica


RESUMEN

La CPLP es una comunidad de proximidades lingüísticas, culturales y hasta empresariales. Esa proximidad construida por una comunidad de recorridos históricos y políticos, sin perjuicio de la autonomía de cada país, aporta ventajas económicas: mitiga o disminuye la liabitliy of foreigness y la liability of outsidership. Es ese sentimiento de pertenencia que hace que los responsables empresariales de la CPLP seleccionen, com frecuencia, otro mercado de habla portuguesa como el primer destino del proceso de internacionalización de sus empresas. No obstante, la distancia física – y logística – es una barrera fundamental para superar, y es señalada por el índice de desempeño logístico publicado por el Banco Mundial (2014). Esta es la paradoja de la distancia – donde nos sentimos próximos, a pesar de distantes físicamente – que puede ser mitigado. La prioridad logística permite enfocar donde es preciso que nuestra comunidad invierta más: en las conexiones eficientes que potencien los espacios económicos en que cada Estado-miembro de la CPLP está incluido.

Palabras clave: CPLP; Logística; Distancia Logística; Distancia Económica


ABSTRACT

CPLP (Portuguese Speaking Countries Community) is a community of language, culture and even business nearness. This nearness, which has been built sharing history and political choices, even if each country is autonomous, brings to each economic advantages: reduces the liability of foreignness and the liability of outsidership. This feeling of community, felt by business decision-makers within CPLP, leads to an international market selection that considers, several times, other Portuguese speaking country as first destination in their internationalization process. Nevertheless, physical distance – and logistics – is a fundamental barrier to overcome, as it is shown by the logistics performance index presented by the World Bank (2014). This paradox of distance - where members of this community felt nearness, even if at same time they are physically distant - can be reduced. The priority to logistics allows us to focus on our community – CPLP – really needs: efficient links which promote those different economic areas in which each CPLP member state is inserted.

Key words: CPLP (Portuguese Speaking Countries Community); Logistics; Logistics Distance; Economic Distance 


 

 

A logística liga – por mar, terra e ar – o que a geografia separa. Pode unir gentes e culturas, mas também afetos e interesses; pode unir oferta e procura, mas também ser o espaço, o âmbito, em que se constrói uma infraestrutura para o desenvolvimento. Como um catalisador de conhecimento, de eficácia e eficiência, facilitando a troca, mitigando os custos inerentes ao lastro – aos recursos – que a distância obriga a consumir. Em quilómetros ou milhas a percorrer entre as partes. Desde Samuelson (1952) e do conceito de iceberg, até ao conceito de bem não comercializável, que o transporte e as atividades de disponibilização dos bens noutros mercados têm um papel central nas trocas internacionais.

É nesse sentido que a UNCTAD e outras agências internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou o Banco Mundial, continuam a dar especial destaque à logística, e nalguns casos ao transporte marítimo, como elemento central para promover a eficiência, sendo uma barreira não-tarifária natural, com particular impacto na competitividade das importações e exportações dos diferentes mercados domésticos.

Mas a distância não se mede apenas em unidades de quilómetro ou milha; mede-se também em padrões de consumo, em aspetos culturais, religiosos e linguísticos (Hofstede, 1980). E é desse paradoxo de distância que padece a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP): países próximos, enquanto partilham um espaço de língua e cultura, com laços que irmanam povos em todos os continentes, que também constroem oportunidades únicas de trocas, que só a perceção de confiança e conhecimento pode concretizar, mas ao mesmo tempo afastados (longe) geograficamente, com Estados-membros espalhados pelos cinco continentes.

Essa dimensão espacial – numa geografia planetária – encontra na logística uma barreira não-tarifária de grande monta; como se a proximidade – quantas vezes traduzida numa comunhão de afetos e propósitos de desenvolvimento económico e social – encontrasse um «lado oculto» que trava a concretização do potencial económico – de crescimento e criação de emprego – dessa mesma proximidade.

Drucker (1962) afirmou a logística como o lado oculto (dark side), onde a economia norte-americana podia encontrar uma fonte de aumento da produtividade. Esse contributo tornou a logística central no desenvolvimento da atividade empresarial, tendo Porter (1980), mais tarde, incluído duas atividades (inbound e outbound) como principais no quadro da cadeia de valor. A fragmentação geográfica da cadeia de valor e a emergência da «Nova Geografia Económica» (Krugman e Obstfeld, 2012) tornaram o transporte marítimo e aéreo, no quadro intercontinental, como arcos ou arestas de redes de disponibilização de bens e serviços, onde os subprodutos e as partes, peças e componentes passaram a pesar quase 30% do comércio internacional (Krugman e Obstfeld, 2012).

A alteração dos modelos de negócio e de produção fez antever, para muitos territórios, em particular depois do encerramento da Ronda do Uruguai, e transformação do GATT na OMC em meados dos anos 90 do século passado, a possibilidade de integrar recursos e mercados no comércio internacional. Essa oportunidade, que em paralelo, tem convivido com fenómenos de integração económica e pautal regional – não só na Europa, como também na América do Sul, na Ásia e em África – traz às comunidades empresariais da CPLP uma oportunidade de reforço das ligações comerciais, em grande medida potenciadas por um sentimento de pertença que faz diminuir a perceção de distância (Johanson e Vahlne, 1977, 1990, 2003 e 2009), mas que encontra na logística (na distância) um barreira não-tarifária a ultrapassar.

Contudo, é aqui que, mais uma vez, tal como Drucker (1962) enunciou há mais de 50 anos, neste «lado oculto» (no dark side) da economia, que a própria CPLP – a sua comunidade política e empresarial – pode encontrar a oportunidade de aumentar a competitividade de territórios tão díspares, como economias com perfis de valor e mercados igualmente diferentes, com recursos naturais e humanos que podem ser complementares e potenciadores do desenho de cadeias de valor lusófonas – porque desta comunidade – competitivas num contexto global.

É neste quadro de inclusão e desenvolvimento que apresentamos o propósito deste artigo: o de desenvolver uma agenda de investigação em logística no quadro lusófono, onde as nossas proximidades – ou perceção de comunidade – sejam mobilizadas de forma competitiva no espectro global.

 

As dimensões de distância (e de proximidade)

A distância – estar perto ou estar longe – tem impacto no consumo de recursos. Um mesmo produto, com mais transporte terá sempre mais, seja este eficiente ou ineficiente, um sobrecusto pelo movimento de uma origem até um destino. Essa noção de consumo de recursos para gerar disponibilidade é um ponto central da análise que transforma o transporte – e a logística como conceito mais lato – numa barreira não-tarifária ao transporte entre mercados. Por outro, e a contrário, a proximidade permite menor consumo de recursos.

Mas a distância tem sido – em particular no âmbito da economia e dos negócios internacionais – um conceito que progressivamente foi assumindo dimensões diferentes. Umas mais centradas na relação entre países/mercados, e outras mais centradas nas perceções individuais dos empreendedores.

A explicação ou interpretação das trocas entre mercados teve como percursores Smith (1776) e Ricardo (1817). A vantagem comparativa apresentada por Ricardo (1817) ainda hoje é útil para que muitos investigadores procurem interpretar a direção do comércio entre dois países/mercados; mais tarde, Heskcher e Ohlin (Krugman e Obstfeld, 2012) apresentam a teoria da proporção de fatores, onde a abundância de recursos e a intensidade da sua exploração explicam as trocas. As trocas interindústria entre dois mercados – e parte do comércio Norte/Sul – são em grande medida explicadas por esta aproximação teórica (Krugman e Obstfeld, 2012).

No essencial, a distância – e os custos do transporte – emerge aqui, com Samuelson (1952), como o consumo de recursos que limita a troca sempre que supera o diferencial de produtividade entre o país/mercado exportador e aquele que importa. É neste caso que o bem adquire a denominação de não-comercializável.

Outros investigadores olharam para distância como um elemento limitador das trocas; não apenas pelos custos de transporte, mas como parte de modelos gravitacionais, em que o volume de trocas pode ser explicado pela conjugação de duas variáveis: a distância – em unidades de quilómetros ou milha ou qualquer outra unidade de medida de distância – e o PIB (global ou per capita) como «massa» fundamental que atrai maior ou menor quantidade de bens de uma determinada origem.

Para além destas perspetivas, também Ghemawat (2001) quando apresentou o seu quadro interpretativo do comércio internacional, a CAGE Framework, integrou uma dimensão geográfica como interpretativa ou explicativa das trocas entre países/mercados. Na mesma linha, outros autores que procuraram explicar os fluxos de comércio internacional, com índices de distância que permitissem uma interpretação da seleção de mercados, incluíram nestes a distância física como uma das dimensões de análise (entre outros, Dias e Marques, 2012a e antes Dow e Karunaratana, 2006, e já depois, por exemplo, Martin e Drogendijk, 2014). Aliás, em algumas abordagens a distância física – quer em quilómetros entre capitais, quer noutros casos, considerando as diferenças horárias entre diferentes latitudes como referencial de distância – é a variável que mais contribui para explicar a seleção de mercados internacionais (Dow e Karunaratana, 2006; Dias e Marques, 2012a).

Mas torna-se claro ainda assim que dois aspetos são predominantes: um primeiro, que a distância – stricto sensu – tem vindo a ser considerada com outras dimensões, e que por si só não explica de todo as trocas; e, segundo, que estas abordagens estão centradas em índices e métricas, que, em variáveis multidimensionais, procuram medir distância (ou as diferentes dimensões da distância) entre países/mercados, numa lógica mais externa à decisão do próprio empreendedor ou empresário. Ou seja, neste último caso, uma abordagem menos comportamental que interpreta a decisão, e mais a análise de indicadores que em conjunto permitem medir distância em diferentes dimensões.

Assim, à distância stricto sensu outros autores foram somando dimensões como: a distância económica e/ou industrial, a distância cultural [na linha de Hofstede (1980) e das dimensões que este autor apresentou], os laços históricos e ex-coloniais como indutores de proximidade, a distância administrativa e, nalguns casos, a distância logística, apresentada como um índice (Banco Mundial, 2014).

Contudo, esta perspetiva externa teve em paralelo o desenvolvimento da investigação da área científica dos negócios internacionais, onde a Escola de Upsalla, na Suécia (Johanson e Vahlne, 1977), desenvolveu um modelo explicativo da internacionalização, do qual vieram, mais tarde, a surgir outros, onde o gradualismo sequencial em estágios, e mais tarde com a network theory, colocam o decisor no centro da decisão de internacionalização, apresentando o conceito de distância psíquica (psychic distance). A liability of foreigness, e mais tarde a liability of outsidership, é percecionada de forma individual, pelo decisor, como barreira a ultrapassar, levando a que a seleção de mercados privilegie os mercados «psiquicamente» mais próximos, aprofundando o nível de envolvimento (commitment) à medida que vai aumentando o conhecimento de mercado (ou a confiança num parceiro da rede e nas suas opções de mercado). Quer isto dizer: a acumulação de conhecimento leva a maior envolvimento, fazendo com que a perceção de distância esteja diretamente ligada a aspetos culturais, linguísticos, de organização administrativa, até à proximidade/distância percecionada sobre comportamentos do consumidor, nível de vida, entre outros aspetos.  

Daí que se perceba que na CPLP – e no caso português isso é em grande medida facilmente percebido – se registe um certo paradoxo da distância. Longe mas perto; eficiente porque mais próximo e com menos liability of foreigness e liability of outsidership percecionadas; mas com as barreiras inerentes à distância física (e logística), assim como nalguns casos igualmente como uma elevada distância económica (se utilizarmos como proxy, por exemplo, o PIB per capita). Ainda assim, se esta distância económica, nalgumas circunstâncias, pode ser catalisadora de cadeias de valor com elevado grau de especialização territorial, articulando-se recursos diferentes, a verdade é que a dispersão planetária da CPLP – e a distância logística entre países CPLP – coloca desafios à eficiência das trocas.

Mas é este paradoxo da distância que torna a agenda de investigação e ensino da logística como um importante projeto (que pode ser) comum. É essa agenda que pode permitir tornar mais valiosa a nossa proximidade percecionada, construída por séculos de relacionamento. É, mais uma vez, a logística, o lado oculto da economia, um campo fértil para aumentarmos a eficiência das trocas no espaço económico e empresarial da CPLP.

 

As proximidades, o sentimento de pertença e a eficiência económica

Hymer (1976) introduz o conceito de liability of foreigness, definindo o conceito como o conjunto de fatores que tornam difícil perceber ou compreender os mercados externos (estrangeiros). Esta perspetiva não só coloca no centro da análise o decisor, a sua capacidade de perceber e compreender, como, com o contributo da Escola de Upsalla, em particular de Johanson e Wiedersheim-Paul (1975) e Johanson e Vahlne (1977, 1990), remete a distância para uma dimensão percecional: a distância psíquica (psychic distance).

Esta noção de distância remete então parte da eficiência do processo de internacionalização para a capacidade de compreender e entender. Mesmo mais tarde, quando na senda da teoria das redes Johanson e Mattson (1988) apresentam a liability of outsidership, como a barreira inerente a estar fora da rede do mercado de destino, emergem os elementos contextuais e de relação do empreendedor com esse contexto, como elementos que podem ter impacto na eficiência do processo de internacionalização.

Ora, os elementos de proximidade ou menor distância são aqueles que permitem ao decisor uma mais rápida identificação e entendimento sobre o mercado de destino, e para isto contribuem todos os aspetos/fatores que garantem uma melhor comunicação entre os atores envolvidos no processo de internacionalização, quer no caso de uma exportação direta, quer igualmente de investimento direto estrangeiro (IDE).

Dentro dos aspetos que tornam o processo mais eficiente, estão então aqueles fatores que diminuem as liabilities (foreigness e outsidership), de onde se destaca a língua (o português como idioma com potencial económico – Reto et al., 2012), a constituição de entidades políticas comuns – como é o caso da CPLP –, baseadas em laços históricos profundos, assim como de comunidades emigrantes e imigrantes que constroem pontes entre culturas e mercados, funcionando como catalisadores de transferência de conhecimento. Adicionalmente, uma história comum – e com momentos de comunhão –, sem prejuízo do caminho próprio de cada país, traz consigo práticas administrativas próximas ou com parâmetros semelhantes, o que diminui a distância administrativa entre países/mercados.

Este conjunto de relações entre comunidades, que no quadro da CPLP tem realidades diferentes, onde se interconectam laços histórico-políticos, com outros de natureza empresarial e até familiar, cria uma densidade de relacionamentos que é indutora de menos custos inerentes ao dirimir as barreiras inerentes à liability of foreigness e à liability of outsidership.

A prática empresarial, em particular na seleção de mercados externos, ilustra bem esta realidade. Partindo do caso português, podemos perceber que os modelos gravitacionais, numa relação entre distância e valor de mercado (assumindo PIB como um proxy), não explicariam o facto de Angola ser não só o quarto mercado de exportação da economia portuguesa, o primeiro fora do perímetro aduaneiro da União Europeia, para além de ser o país para onde mais empresas portuguesas exportam. Também no caso do Brasil, mercado que em 2011 era o mais procurado pelas empresas portuguesas, em particular PME, que buscavam um novo destino de exportação (Dias e Marques, 2012b), os modelos gravitacionais não seriam capazes de encontrar uma explicação interpretação para esse facto.

Assumindo os modelos de internacionalização de base comportamental, como é o caso do Modelo de Upsalla (Johanson e Vahlne, 1977, 1990, 2003 e 2009) – na senda do contributo de Cyert e March (1963) –, torna-se evidente que a decisão do empreendedor/empresário tende a associar menos risco a mercados onde encontra melhor acesso da informação e onde acredita que será mais fácil concretizar o insidership. É essa perceção (e realidade) de maior proximidade que se traduz em mais eficiência no processo estratégico de alargamento da base de clientes, a partir de um mercado lusófono para outro mercado igualmente de língua oficial portuguesa.

Um sentimento de pertença que tem raízes profundas no quadro histórico-político, que encontra na língua um garante de maior eficiência (e antes eficácia) comunicacional, e que é alimentada por propósitos políticos e empresariais que aprofundam esse mesmo sentimento de pertença.

 

A distância económica e a distância logística

A nossa comunidade foi construída a partir de uma descoberta – uma revelação – comum. Foi feita, por inerência, com um processo de conhecimento e reconhecimento, de proximidades – já evocadas no ponto prévio – construídas a partir de um momento inicial, onde só a distância e as diferenças eram a realidade registada e que nos foi contada.

Antes de sublinhar de forma mais particular a distância física – aquela que primeiramente foi necessário transpor para chegar ao contacto, quando Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral partiram de Lisboa, entre a foz do Tejo e o oceano Atlântico, no fim do Século XV –, devemos sublinhar as outras distâncias que subsistem e que é útil aqui dar nota.

Primeiro, a distância económica, com diferentes âmbitos, continua a verificar-se e a medir-se por aproximações centradas no PIB e no PIB per capita, onde entre a realidade de Portugal, Brasil e outros países lusófonos se verifica um gap, percecionando-se que as curvas de valor dos mercados são diferentes. Dos 22 mil dólares de PIB per capita de Portugal até aos 567 euros da Guiné-Bissau há uma diferença que permite perceber padrões de consumo diferentes, diferentes estruturas de mercados, de canais de distribuição, entre outros aspetos (Banco Mundial, 2014).

No desenvolvimento de um índice de distância económica (ver Figura 1), onde foram considerados aspetos que originalmente foram identificados como importantes para a perceção de distância psíquica [na senda dos trabalhos desenvolvidos, por exemplo, por Dow e Karunaratna (2006), Dias e Marques (2012a) e  Martin e Drogendijk (2014)], em particular indicadores de natureza macroeconómica, características do mercado e da procura e outros associados aos processos administrativos (red tape), foram notórias as diferenças entre o grupo formado por Portugal, a Região Administrativa Especial de Macau (República Popular da China) e o Brasil, e outro conjunto onde aos PALOP se junta Timor-Leste.  

A este aspeto deve somar-se um outro: apesar do esforço multilateral no âmbito da OMC, agora no quadro da Ronda de Doha, os países da CPLP, integrados em perímetros aduaneiros diferentes, ainda encontram escolhas tarifárias que permitem aumentar a eficiência das trocas, e por isso há ainda uma distância tarifária que há que ultrapassar.

Mas se há distância que desde o início obrigou à soma de recursos avultados foi a de natureza logística, e em particular a atividade de transporte marítimo.

McCann (2005, p. 305) afirmou que «geography and space are introduced in the new economic geography in the form of the function of the iceberg transport costs, in which part of the deliverables are consumed by the act of transportation». Este conceito de iceberg transport costs, introduzido por Samuelson (1952), foi sendo estudado na sua relação com o volume de comércio entre países, tendo alguns estudos registado que «econometric estimates suggest the doubling of an individual country’s transport costs leads to a drop in trade of 80% or even more» (Sanchez et al., 2003, p. 200, citando Hummels, 2000, e Limão et al., 2001).

Ainda assim, esta noção e impacto dos custos do transporte no comércio internacional foi sendo alargado. Limão e Venables (2001), Fink (2002) ou Gries (2008) exploraram a ampliação desse conceito, muito focado em primeira ordem nos custos do transporte marítimo, aos custos dos hinterlands, sendo de salientar o contributo quantitativo que os primeiros autores publicaram na The World Bank Economic Review, em 2001, onde concluíam que a «(…) deterioration of infrastructure (and density) of the median to the 75th percentile increases the costs (…) in an amount equivalent to 3466 km of travel by sea or land travel of 419 km. (…) The impact on the volume trade (international) is equivalent to an additional distance of 1627 km.» (Limão e Venables, 2001, p. 470).

Também Martinez-Zorzoso e Nowak-Lehmann (2004), assumindo não só os custos de transporte marítimo mas também a infraestrutura pública de transportes, concluíram que se verificava uma relação positiva entre esta última e o volume de comércio internacional. Ou seja, é como se o desempenho logístico – nos portos, na rodovia e na ferrovia, que, para além das infraestruturas, incluem os operadores públicos e privados que suportam os fluxos de mercadorias - pudesse somar ou subtrair quilómetros (quer isto dizer, na linha de Limão e Venables, somar ou subtrair custos).

Se a distância física – geográfica – tem uma relação negativa com o volume de comércio internacional, torna-se evidente que a logística (infraestruturas e operadores públicos e privados) pode ser agente de aproximação, de proximidade e de diminuição de custos (de forma comparativa ao serem mais eficientes).

O paradoxo da distância pode ter aqui um elemento mitigador: próximos pelos laços que nos ligam mas longe fisicamente; todavia menos longe se a gestão logística contribuir para uma maior eficiência na movimentação de mercadorias entre mercados.

E é, neste âmbito, que a CPLP – e os fluxos de mercadorias entre Estados-membros – podem encontrar uma fonte importante para aumentar a produtividade. Esse lado oculto, onde aquela que é uma debilidade inerente a uma comunidade com dispersão planetária – com presença nos cinco continentes – pode encontrar uma fonte para diminuir custos das trocas com o desenvolvimento dos sistemas logísticos nacionais, não só com novas infraestruturas, mas também com novos processos com recursos humanos mais qualificados.

Mas há ainda um longo caminho a percorrer: em bom rigor, tal como mostra o índice logistics performance index (LPI) (Banco Mundial, 2014), há uma correlação entre o PIB per capita e o próprio índice. E, numa análise ao conjunto de países da CPLP, verificamos que a distância económica e a distância logística têm uma relação positiva (ver Figura 2).

O LPI analisa seis dimensões diferentes: customs (onde se analisa o processo alfandegário); infraestrutura (onde se considera a qualidade da infraestrutura de transporte de o comércio); qualidade de serviço (incluindo aqui as competências e a qualidade do serviço logístico); timeliness (serviço prestado dentro do tempo – on-time); international shipments (facilidade em contratar cargas marítimas para os destinos pretendidos); e tracking & tracing: seguimento (possibilidade) do transporte e das mercadorias.

Com a exceção da Guiné Equatorial, que apresenta um LPI baixo para o PIB per capita registado – em bom rigor, em outros aspetos, pela natureza específica da economia deste país da África Ocidental – os demais países apresentam uma elevada associação entre os dois indicadores. A classificação de Portugal como «Logistics Friendly» e do Brasil como «Consistent Performer», é acompanhada pela inclusão de Angola e São Tomé e Príncipe como «Partial Performers» e da Guiné-Bissau, da Guiné Equatorial e de Moçambique como «Logistics Unfriendly» (ver Tabelas 1 e 2).

 

 

Neste ranking liderado pela Alemanha (com 4,10 de score), e que conta com 166 países, é então notório que Portugal e Brasil se encontram na primeira metade (Portugal no primeiro quartil e o Brasil no segundo), e que os demais países CPLP considerados, ou incluídos nesta análise, se encontram na segunda metade da tabela – que é encerrada pela Somália com um score de 1,77.

Sem prejuízo de uma análise país a país, e tendo em conta as características de cada economia, torna-se evidente que a distância logística pode ser diminuída, proporcionando maior eficiência às trocas quer no seio da CPLP, quer mesmo com outros parceiros e/ou dentro dos mercados domésticos, como ao mesmo tempo, tal como Drucker (1962) referia no dealbar dos anos 1960, o desenvolvimento das infraestruturas e do conhecimento logístico pode ser uma alavanca para o aumento da produtividade, reforçando a competitividade dos territórios para acolher investimento e para exportar e importar de forma mais eficiente. No caso da nossa comunidade, é tornar menos penalizante um dos aspetos que limita o aumento das trocas comerciais e do investimento dentro da CPLP.

 

Uma agenda: do hard logistics ao soft logistics

Não há comunidades sem agenda comum. Uma tal agenda reflete os interesses partilhados, mas também a forma de, em conjunto, resolver os bloqueios de desenvolvimento dessa mesma comunidade. Assim, se a proximidade e o sentido de pertença, ancorado em laços construídos pela história, como temos vindo a sublinhar, nos traz um conjunto de fatores que induzem maior eficiência às trocas, onde a língua, as comunidades migrantes e a própria rede de contactos e conhecimento empresarial, que se foi fortalecendo, permitem mitigar, para muitos decisores, o liability of foreigness e o liability of outsidership, os bloqueios, ou aspetos que nos tornam mais distantes, a distância logística, como consequência da distância física – geográfica – podem agravar os custos da mobilização dos produtos entre mercados.

Este é seguramente um âmbito onde a CPLP deve reforçar a cooperação, em particular no quadro das comunidades académicas e empresariais, desenvolvendo uma agenda logística, fazendo «luz» sobre este lado oculto da(s) economia(s).

Assim, uma agenda de investigação e ensino da logística deve focar-se nas seguintes cinco áreas (ver caixa).

 

 

Esta agenda, para onde podemos convergir, gerando projetos que procurem mitigar o efeito daquilo que mais no separa, a geografia, contempla todas as dimensões do conceito de logística, desde a gestão dos fluxos físicos e informacionais, até às atividades de planeamento e programação das operações de acordo com os requisitos da procura.

 

Conclusão

Há um sentimento de pertença onde tudo começa. Uma proximidade sentida e que tem valor económico; mais, um sentimento de pertença que tem peso na decisão de exportar e investir. Mas esta comunidade, a CPLP, foi construída ligando pontos distantes, numa geografia que se espalha por cinco continentes, e por isso, quantas vezes, percebe-se um certo paradoxo da distância: longe mas próximo.

Foi procurando perceber quais os aspetos que nos tornam próximos, e como podem contribuir para uma decisão de exportação ou de investimento, e quais nos afastam, que nos centrámos na distância logística – um conceito que vai para além da distância geográfica ou física – para poder encontrar, tal como Drucker (1962), aquele lado «oculto» da economia, que se desenvolvido, com investigação e transferência de conhecimento, pode ser um projeto comum para o conjunto de países da CPLP.

Quando o transporte marítimo se constitui como a verdadeira espinha dorsal do comércio internacional, e quando se reforçam as opções de diminuição das tarifas aduaneiras, quer no âmbito multilateral, quer bilateral, o transporte e a logística – lato sensu – afiguram-se como a grande barreira a ultrapassar. É essa barreira que a CPLP como comunidade pode enfrentar conjuntamente, encontrando aqui um espaço de interesse comum, que pode conferir mais eficiência aos sistemas logísticos, com impacto global e multissetorial.

O potencial de aumento de trocas entre os Estados-membros da CPLP irá incrementar-se, assim como a competitividade no quadro das economias regionais em que estão inseridos. É essa aposta, da hard logistics (das infraestruturas logísticas) à soft logistics (da gestão das atividades e do conhecimento logístico), com uma agenda transversal, que pode ser uma fonte de competitividade e de alavancagem, e aproveitamento do valor económico, das proximidades, do sentimento de pertença, que pode ser útil para criar riqueza e bem-estar social em conjunto, como uma comunidade.

 

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Recebido e aceite em março de 2016.
Recibido y aceptado en marzo de 2016.
Received and accepted in March 2016.

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