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Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa

versión impresa ISSN 1645-4464

RGPLP vol.15 no.2 Lisboa jun. 2016

 

ARTIGOS

 

O processo de privatização e sua influência empresarial em Angola 1989-2012

 

El proceso de privatización y su influencia empresarial en Angola 1989-2012

 

The privatization process and its business influence in Angola 1989-2012

 

 

António Sapalo1; Renato Lopes da Costa2; Nelson dos Santos António3

1 Doutorado em Gestão Geral, Estratégia e Desenvolvimento Empresarial, ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa, ISCTE Business School. Ex-vice-ministro da Indústria do Governo de Angola e Professor no Ministério da Educação. Líder da bancada parlamentar do Partido de Renovação Social, Luanda, Angola.
2 Doutorado em Gestão Geral, Estratégia e Desenvolvimento Empresarial, ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa, ISCTE Business School. Professor Auxiliar, ISCTE-IUL, ISCTE Business School, Departamento de Marketing, Operações e Gestão Geral, Diretor do MscBA, Mestrado em Business Administration, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. E-mail: rjlca@iscte.pt
3 Doutorado em Gestão, Bergischen Universität, Alemanha. Professor Catedrático, ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa, ISCTE Business School, Departamento de Marketing, Operações e Gestão Geral, Coordenador do Programa Doutoral em Gestão Geral, Estratégia e Desenvolvimento Empresarial e do Programa Doctor of Business Administration, 1649-026 Lisboa, Portugal. E-mail: nelson.antonio@iscte.pt

 

 


RESUMO

A problemática do processo de privatização em Angola teve o seu início na década de 1940, ainda que verdadeiramente apenas começasse a ganhar um lugar de destaque cerca de 50 anos mais tarde, com os processos de desestatização das economias mundiais, que levaram ao desencadear de um conjunto de estratégias cooperativas, baseadas na privatização de empresas estatais, o que teve repercussões em Angola. A partir de uma investigação de caráter pragmático ou indutivo, conduzida a partir de uma amostra não probabilística por conveniência, face à ausência de estudos sobre as privatizações em Angola no período ocorrido desde a independência colonial, este artigo visa apresentar, por um lado, um conjunto de causas que estiveram na base do insucesso dos processos de privatização ocorridos em Angola entre 1989 e 2005 e que degeneraram no desmoronamento da sua rede empresarial, e, por outro, apresentando um conjunto de sugestões para futuros processos de privatização que venham a ocorrer para construção de uma estrutura empresarial mais consistente em termos económicos e empresariais.

Palavras-chave: Globalização; Mapa Global; Gestão; Cultura


RESUMEN

La problemática del proceso de privatización en Angola tuvo sus inicios en la década de 1940, aunque en realidad sólo comenzó a ganar un lugar destacado unos 50 años más tarde, con los procesos de privatización de las economías mundiales, que llevaron a desencadenar un conjunto de estrategias de cooperación basadas en la privatización de las empresas estatales. Todos estos acontecimientos tuvieron repercusiones en Angola. A partir de una investigación de carácter pragmático o inductivo, llevada a cabo desde una muestra no probabilística por conveniencia, en ausencia de estudios relativos a las privatizaciones en Angola, desde su independencia colonial, el artículo tiene como objetivo desarrollar este tema mediante la presentación, por una parte, de un conjunto de causas que han sido la base del fracaso de los procesos de privatización ocurridos en Angola entre 1989 y 2005, y que degeneraron en el desmoronamiento de su red empresarial, y, por otro, la presentación de un conjunto de sugerencias para futuros procesos de privatización que puedan ocurrir para la construcción de una estructura empresarial más consistente en términos económicos y empresariales.

Palabras clave: Globalización; Mapa Global; Gestión; Cultura


ABSTRACT

The problem of the privatization process in Angola had its beginnings in the 1940s, although it only really started to gain momentum in the business area about 50 years later with the privatization processes of world economies that led to the outbreak of a set of cooperative strategies based on the privatization of state enterprises, which obviously also had repercussions in Angola. From a pragmatic/inductive character research, conducted from a non-probabilistic convenience sample, in the absence of studies and information regarding the privatization phenomenon in Angola during  the timeline period since its colonial independence until the present day, this article aims at develop this subject presenting on one hand a set of causes which led to the failure of the privatization processes that took place in Angola between 1989 and 2005, which degenerated in the collapse of their business network, and on the other hand presenting a set of suggestions that can be considered for future privatization processes with the purpose of building  a more consistent business structure in economic and business terms.

Key words: Globalization; Global Map; Management; Culture


 

 

A problemática do processo de privatização, segundo Baloi (1996), Evans (1997), DeCastro (1997), Chissano (1999) e Pitcher (2002), teve o seu início na década de 1940 com o fim da II Guerra Mundial e, consequentemente, com a queda do domínio alemão. Nesta fase, iniciam-se um conjunto de motivações políticas internacionais que decorriam da divisão entre os dois blocos, o capitalista liderado pelos EUA, e o socialista pela URSS, para fazer face a um mundo que se encontrava de certa forma desmembrado. Ou seja, emerge nesta fase uma guerra fria, constituída por duas zonas de influência fechadas entre si, uma dominada por forças anglo-saxónicas[1] e outra por forças soviéticas, constituída neste último caso por uma ideologia comunista preocupada fundamentalmente em assegurar o seu poder partidário e hegemonia militar.

Esta mesma ideologia perdurou durante décadas, provocando a estagnação económica da URSS e construindo uma estrutura industrial que foi ficando, de certa forma, obsoleta ao longo dos anos, vindo a colapsar na década de 1980 pelas mãos de Mikhail Gorbatchev. O bloco soviético foi nesta fase substituído pela abertura da URSS ao exterior e desencadeou desta forma mudanças estruturais em todo o mundo, que culminaram inclusive na queda do muro de Berlim em 1989 e na promoção de reformas económicas, políticas e sociais à escala global. A onda de choque levou à derrocada de muitos regimes comunistas existentes nesta fase, e não apenas os do Leste da Europa, mas um pouco por todo o mundo. 

Estes acontecimentos históricos tiveram por isso também, como não poderia deixar de ser, reflexos ao nível dos processos de desestatização das economias mundiais, começando nesta fase a ser desencadeadas estratégias cooperativas baseadas na privatização de empresas estatais. Todos estes acontecimentos tiveram repercussões também em Angola, que consequentemente começa nesta fase a promover um conjunto de reformas económicas, políticas e sociais ligadas à privatização das suas empresas públicas.

Assim, face à ausência de estudos e informação relativamente ao fenómeno das privatizações em Angola, no período ocorrido desde a sua independência colonial até 2005, este artigo resulta de um estudo aprofundado sobre a temática (António, 2013), e tem como objetivo principal, por um lado, identificar um conjunto de causas que estiveram na base do insucesso dos processos de privatização ocorridos em Angola nesse período e que degeneraram no desmoronamento da sua rede empresarial, e, por outro, apresentar um conjunto de sugestões que possam vir a ser equacionadas em futuros processos de privatização para construção de uma estrutura empresarial mais consistente em termos económicos e empresariais.

O processo de privatização e reprivatização angolano

Como referido, o efeito da queda do muro de Berlim e a grave crise económica e financeira da antiga URSS, na década de 1980, foram de facto as principais razões que permitiram abrir uma nova via de orientação democrática assente em pluralismo político e numa economia de mercado que se materializou na desestatização da economia.

No caso de Angola, a queda do «Bloco do Leste» simplesmente veio acelerar a efetivação da latente necessidade de reformas económicas que o mercado no geral já reclamava, devido ao fracasso de uma economia centralizada que não conseguia corresponder às expectativas do próprio regime, não conseguindo simultaneamente satisfazer a população nas suas vertentes sociais e económicas.  

Da mesma forma, o insucesso e o declínio de muitas empresas públicas associadas a interesses privados vêm desta forma servir também de alavanca e influenciar decisivamente a necessidade de uma nova visão empresarial, fundamentalmente centrada numa economia de mercado. Estes dois fatores constituíram-se, portanto, como fontes internas de mudanças, e, por conseguinte, como portas para uma maior abertura política do país ao estrangeiro. Ainda que aqui não possam ser ignorados também fatores externos que também influenciaram de forma decisiva o início das reformas no país, nomeadamente a guerra civil protagonizada entre MPLA e UNITA, a pressão da comunidade internacional fundamentalmente do Ocidente, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (Banco Mundial, 1997; FMI Angola, 2000).

O resultado destas ações internacionais resulta em 1989 na conceção do Decreto-Lei n.º 32/89 de 15 de julho (DL n.º 32/89), que viria a definir os princípios fundamentais e regras que permitiam redimensionar o setor empresarial do Estado, dando cumprimento às orientações do II Congresso do MPLA. Esta medida visava tornar mais eficiente a organização e a gestão económica do país, tendo como principal objetivo concentrar os esforços e os meios do Estado nas ações prioritárias, de maneira a garantir o funcionamento eficiente do setor empresarial. Esta mesma linha de ação materializava-se, assim, numa política de aliança, por forma a garantir um melhor desenvolvimento de todas as capacidades nacionais e a melhoria das condições de vida da população.

Desta forma, foram objeto de redimensionamento todas as empresas que se encontravam na situação de unidades económicas, nomeadamente, empresas constituídas nos termos da Lei comercial com capitais estatais, empresas em que o Estado ou empresas estatais detinham parte do capital social, empresas com capitais do Estado e capitais estrangeiros constituídas ao abrigo da Lei dos investimentos estrangeiros, e empresas privadas que tinham sido objeto de intervenção estatal ao abrigo do Decreto-Lei n.º 128/75 de 7 de outubro.

Na sequência da mesma política de redimensionamento do setor empresarial do Estado, e no que diz respeito a empresas estatais, foram também adotadas medidas que consistiam na constituição das empresas estatais e na sua reestruturação de acordo com os termos do Decreto-Lei n.º 11/88 de 9 de julho (DL n.º 11/88, 1988).

As medidas decretavam em termos legislativos (1) a continuação das empresas no setor estatal e cessão da sua exploração, com ou sem opção de compra, por outras entidades mistas, cooperativas, associativas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, (2) a continuação das empresas no setor estatal e a sua transformação em sociedades comerciais nos termos da legislação própria, (3) a extinção das empresas por fusão ou cisão, (4) a extinção e liquidação das empresas e alienação total ou parcial dos seus meios a outras entidades nacionais, estatais, conjuntas, cooperativas ou privadas e (5) extinção e liquidação das empresas e incorporação de parte ou da totalidade dos seus bens e equipamentos numa ou mais empresas, a constituir com participação de capitais privados nacionais ou estrangeiros.

Esta via legal permitia que o Estado pusesse termo à situação de intervenção que decorria do Decreto-Lei n.º 128/75 de 7 de outubro, decidindo regularizar as situações dela decorrentes através da integração das empresas no setor empresarial do Estado, com observância dos princípios e critérios legalmente previstos, nomeadamente adaptação às características e à situação técnica, económica, financeira e jurídica de cada empresa.

A restante legislação tinha em linha de conta os critérios de priorização em função de setores, regiões e ramos da economia, decorrentes da vertente financeira das empresas e da sua efetiva capacidade de gestão, podendo implicar a devolução de empresas aos seus titulares e o pedido de declaração de falência de empresas nos casos em que estas situações se mostraram necessárias.

Neste sentido, para prestar o apoio e respetivas orientações técnicas ao processo de redimensionamento empresarial é criado o Gabinete de Redimensionamento Empresarial (GARE), ficando este organismo afeto ao Ministério das Finanças, competindo ao Conselho de Ministros[2], Secretários de Estado[3] e Comissários Provinciais[4] proceder ao levantamento, verificação, análise e tratamento de todos os dados relacionados com estas modificações estruturais decretadas pela Lei[5]. A execução das decisões cabia aos diversos órgãos da Administração Central e Local do Estado que tutelavam a atividade das empresas.

Estas medidas visavam uma intervenção estatal orientada para ações concretas que permitissem uma melhoria significativa da atividade económica, por forma a que a orientação da vida económica e social do país fosse realizada por entidades competentes que promovessem uma maior eficiência no setor empresarial e económico. O que abrangia, por um lado, empresas estatais que não se revestiam de interesse estratégico no quadro de desenvolvimento do setor empresarial do Estado e que fossem dotadas de tecnologias simples ou artesanais, podendo deste modo vir a ser geridas com maior eficácia fora do setor estatal, e, por outro, empresas em que não existisse qualquer interesse em serem integradas noutras entidades ou empresas estatais.

Deste modo, as empresas podiam ser vendidas ou trespassadas, cedidas para exploração (com ou sem opção de compra), ou alvo de qualquer outro tipo de modalidade de transferência de titularidade, desde que enquadrada na lei e nas circunstâncias concretas das empresas e respetivos objetivos prosseguidos, podendo ser adquiridas por empresas mistas ou conjuntas, nacionais ou estrangeiras, cooperativas, pessoas coletivas públicas ou privadas, ou pessoas singulares que possuíssem capacidades económicas, técnicas e financeiras para uma eficiente gestão das mesmas (DL n.º 32/891989).

Caso se tratasse de uma transferência por aquisição, o processo teria de ser concretizado mediante a realização de concurso público[6], revertendo essas receitas para o orçamento geral do Estado. Essas entidades empresariais poderiam beneficiar em alguns casos de incentivos fiscais e aduaneiros e de outro tipo de vantagens, garantindo-se simultaneamente um tratamento justo dos seus interesses legítimos e a não intervenção estatal no exercício da sua atividade, exceto nos casos e condições previstas na Lei (ver Figura 1).

Assim, entre 1989 e 1994, os Decretos-Lei n.ºs 32/89, de 15 de julho e 8-F/91 de 16 de março regiam o processo de redimensionamento do setor empresarial do Estado, tendo como prioridade principal coordenar, readequar e reajustar as empresas do setor estatal, bem como transferi-las para o setor privado ou criar novas formas de associação entre o Estado e empresas privadas. O país podia, desta forma, financiar-se, a fim de reduzir o seu défice orçamental, através do saneamento da sua estrutura empresarial, sendo este capital aplicado posteriormente no setor produtivo, no fomento da pequena atividade económica e no Estado Social[7].

No entanto, na sequência das reformas políticas e económicas que foram sendo levadas a cabo no país, no seguimento da abertura política do país ao investimento estrangeiro, é publicado o Decreto-Lei n.º 10/94 de 31 de agosto (DL n.º 10/94, 1994), estabelecendo o quadro geral de privatizações das empresas, participações sociais e outros patrimónios do Estado não abrangidos pela reserva absoluta do setor público [englobando as empresas estatais de pequena, média e grande dimensão e patrimónios estatais exceto a pequena atividade económica regida pelo Decreto-Lei n.º 60/91 de 18 de outubro (DL n.º 60/91, 1991)].

Segundo o Decreto-Lei n.º 10/94, as privatizações podiam ser realizadas total ou parcialmente, compreendendo a transferência da titularidade, a cessação de exploração de empresas, a transferência de patrimónios ou quaisquer outros tipos de participações sociais a privatizar. Da mesma forma, as empresas continuariam a ser classificadas em grande, média e pequena dimensão e como sociedades comerciais. Em termos de personalidade jurídica, mantinham todos os direitos e obrigações legais ou contratuais anteriormente estabelecidos, sendo obrigatória a realização de todos os atos de registos dessa mesma sociedade comercial oficiosamente com isenção de taxas e emolumentos.

No que se refere à privatização da titularidade, esta realizar-se-ia em alternativa ou cumulativamente mediante os processos de alienação dos ativos, das ações ou de quotas representativas do capital social das sociedades e de aumento do capital, sendo que os membros do Governo e todos os funcionários diretamente envolvidos na condução dos processos ficavam determinantemente proibidos de adquirir ações dessas mesmas empresas ou de quaisquer outro tipo de participações sociais sempre que se tratasse de situações relacionadas com ajuste direto ou concurso limitado.

Era ainda decretado que os processos de privatização eram conduzidos por uma comissão de negociação nomeada pelo ministro das Finanças - integrando os representantes por si coordenados, nomeadamente, o órgão de tutela da empresa, o GARE (Gabinetede Apoio ao Redimensionamento Empresarial) e o Gabinete do Investimento Estrangeiro, e um representante da empresa -   competindo-lhe no final a homologação da respetiva avaliação e resultados.

Em termos de delimitação da avaliação dos processos, a aprovação da execução das operações de privatização das empresas de grande dimensão ficaria na competência do Conselho de Ministros (mediante proposta do ministro das Finanças), sendo a aprovação da execução das operações de privatização das empresas de pequena e média dimensão e de outros ativos patrimoniais da competência do próprio ministro. É importante, no entanto, referir que a participação de gestores, quadros, trabalhadores e de quaisquer outros pequenos subscritores nas operações de privatização era assegurada com reserva de uma parte do capital da empresa a privatizar, sendo que nunca poderia ser igual ou superior a metade nas empresas de média ou grande dimensão (ver Figura 2).

Dando seguimento ao Decreto-Lei n.º 10/94 de 31 de agosto, é ainda criado, a 2 de setembro, o Decreto-Lei n.º 13/94 (DL n.º 13/94, 1994), que vinha garantir a coexistência dos diferentes setores da atividade económica e de quaisquer outras formas de propriedade, conferindo a todos uma igual proteção e promoção, sem discriminações [dando seguimento ao Decreto-Lei n.º 10/88 de 2 de julho (DL n.º 10/88, 1988].

Assim, o Estado delimitava as áreas da atividade económica, com a reformulação do artigo 3.º, que codicionava o exercício de quaisquer atividades económicas à autorização prévia pelas autoridades competentes, do artigo 17.º, que limitava desnecessariamente determinadas atividades como reservas do Estado, e do artigo 18.º, que determinava a exploração de recursos naturais mediante o regime de concessão, por se considerarem propriedade do Estado. Importa, no entanto, referir, que muitas vozes se fizeram ouvir nesta fase, considerando que as oportunidades de privatização eram substancialmente garantidas apenas a entidades que comungassem dos ideais do partido do Governo (MPLA).

O Estado definia os setores de atividade económica como (1) público[8], (2) empresas públicas, (3) institutos públicos e outras entidades públicas equiparadas a sociedades comerciais de capitais públicos, (4) sociedades comerciais e outras formas associativas cujo capital seja detido maioritariamente pelo Estado no setor privado[9] e (5) sociedades comerciais e outras formas de associações, cujo capital seja detido maioritariamente por pessoas singulares ou coletivas privadas e pelo setor cooperativo e social[10]. Esta delimitação compreendia, ainda, de forma intrínseca determinado tipo de áreas da atividade económica que eram consideradas como reservas de Estado, podendo estas ser absolutas[11], de controlo[12] ou relativas[13].

Assim, tendo em consideração o tema que esteve na base do desenvolvimento deste artigo, visa-se contribuir, numa primeira vertente, para o desenvolvimento desta temática, em termos da contribuição que poderá trazer no desenvolvimento da literatura no campo de pesquisa das privatizações empresariais.

Numa segunda vertente, pretende-se apresentar um estudo que permita conhecer as causas de insucesso em Angola dos processos de privatização ocorridos entre 1989 e 2005. Processos que degeneraram no desmoronamento da sua rede empresarial, comercial, agrícola e essencialmente industrial.

Finalmente, numa terceira vertente, o artigo pretende formular um conjunto de sugestões que possam ser equacionadas em futuros processos de privatização que venham a ocorrer em Angola, no sentido da construção de uma estrutura empresarial mais consistente em termos económicos e empresariais.

 

Metodologia

Considerando o critério de classificação de pesquisa proposto por Vergara (2006) e Vilelas (2009), existem duas formas em que podemos classificar a metodologia utilizada na conceção de documentos de investigação, quanto aos fins e quanto aos meios. Os fins neste caso remetem para a pesquisa aplicada e exploratória, enquanto os meios estão ligados ao estudo de campo e pesquisa bibliográfica.

No que se refere à presente investigação, esta teve por base um caráter pragmático ou indutivo[14], e foi conduzida a partir de uma amostra não probabilística por conveniência[15], constituída de acordo com a disponibilidade e acessibilidade dos elementos abordados (Carmo e Ferreira, 1998). Neste caso, recorreu-se à aplicação de questionários a políticos, professores universitários, gestores de empresas e outro tipo de inquiridos, fundamentalmente estudantes e indivíduos da sociedade angolana com vasta experiência de gestão empresarial (ainda que atualmente não exerçam funções nesta área), e, ainda, à realização de duas entrevistas a dois gestores das empresas Cipal e Vidrul.

Neste sentido, foram enviados, numa primeira fase, 100 questionários, por correio eletrónico, a políticos, professores universitários, gestores de empresas, estudantes e outros participantes, para obter respostas a um conjunto de questões relacionadas com os possíveis problemas enfrentados pelas empresas angolanas nos diferentes processos de privatização por que passaram, e receber as respetivas sugestões que possam ser equacionadas em futuros processos na construção de uma estrutura empresarial angolana mais consistente.

Foram ainda enviados, numa segunda fase, através do mesmo meio, 50 questionários que pretendiam estabelecer uma breve análise sobre a filosofia de gestão das empresas angolanas, através da respetiva análise aos dados gerais destas empresas, contextualizados nas políticas de privatização, à sua filosofia de gestão, às atitudes e posicionamento dos trabalhadores face ao empreendedorismo, à estrutura concorrencial do tecido empresarial angolano, e aos fatores ambientais e familiares que influenciam a atividade das empresas.

No primeiro caso foram retornados 54 questionários com uma taxa de resposta de 54% e no segundo 46, com uma taxa de resposta de 92%. Segundo Menon et al. (1996), estas taxas de resposta foram consideradas acima da média, que se situa entre 15% a 20%. Ainda assim, é importante frisar que, muito embora a taxa de resposta seja considerada satisfatória, e inclusive coadjuvada com outros instrumentos de investigação, as conclusões desta investigação devem ser lidas com os devidos cuidados por ser uma amostra considerada pequena. Esta é, por isso, a principal limitação desta investigação, dada a impossibilidade de realizar generalizações.

Em termos da metodologia qualitativa utilizada, esta resultou da análise de duas entrevistas a dois gestores de empresas angolanas, procurando medir o fenómeno em estudo em termos das dinâmicas social, individual e holística do ser humano[16], enquadradas na temática das causas de insucesso do processo de privatização das empresas angolanas, tentando compreender o significado que as pessoas atribuem aos fenómenos analisados, mais do que propriamente tentar interpretá-los. Os atos, as palavras e os gestos só podem ser compreendidos no seu contexto, tentando viver a realidade nesse mesmo contexto, por forma a que seja possível analisar a informação de modo indutivo, o que apenas é possível concretizar a partir da observação, recolha e análise in loco dos factos científicos (Vilelas, 2009).

Em termos da técnica de análise qualitativa utilizada para interpretação dos dados reproduzidos das entrevistas, traduziu-se numa análise de conteúdo, tentando relacionar as estruturas semânticas (significantes) com as estruturas sociológicas (significados) dos enunciados, de modo a articular a superfície dos textos com os fatores que determinam as suas características [variáveis psicossociais, contexto cultural e contexto, processos e reprodução da mensagem – (Duriau et al., 2007)], como se apresenta na Figura 3.

 

Resultados da pesquisa

A partir da análise empírica a esta matéria, e tendo em conta a análise quantitativa que derivou dos primeiros 54 questionários analisados, de forma a aferir um conjunto de sugestões que possam ser equacionadas em futuros processos de privatização, constataram-se as seguintes cinco razões que estiveram na base do insucesso dos processos de privatização no período referido: a incapacidade financeira; incapacidades de gestão; o ambiente legal e institucional; a subjetividade do processo; e a falta de formação especializada (ver Tabelas 1 e 2).

De maneira a fundamentar estes resultados, a partir do conteúdo das entrevistas, verificou-se que os gestores, entretanto designados pelo regime monopolista estatal para gerir as empresas privatizadas, após o período de nacionalização e confisco de 1975, não tinham experiência de gestão empresarial para conduzir os desígnios destas empresas. O resultado foi a incapacidade de produzir em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer o mercado nacional.

Da mesma forma, a inexistência de políticas financeiras e de instituições de financiamento para suportar este mesmo processo traduziu-se no colapso das empresas privatizadas. Esse resultado deveria ter levado o Estado a definir políticas reguladoras protecionistas que visassem promover a produção nacional face ao desequilíbrio da sua balança comercial, o que permitiria construir uma cultura industrial empresarial nacional forte e constituiria uma verdadeira alavanca de crescimento e desenvolvimento do país. Mas tal não se verificou.

A construção de uma cultura empresarial forte seria, deste modo, motivo suficiente para gerar maiores níveis de competitividade, a nível regional, e assim construir uma estrutura económica autossuficiente. 

Neste âmbito de análise, a leitura dos dados dos questionários demonstram, de forma consensual, que o sucesso dos processos de privatização depende de quatro aspetos: formação específica e permanente dos gestores e restantes colaboradores que gerem os seus desígnios; adoção de políticas financeiras que favoreçam os investimentos privados; desenvolvimento e promoção de incentivos ao consumo da produção nacional como condição de sustentabilidade das empresas privatizadas; e promoção de uma cultura empresarial consistente que constitua uma verdadeira alavanca de crescimento e desenvolvimento nacional (ver Tabela 2).

No que diz respeito à análise qualitativa, os dados vêm revelar um conjunto de fatores que contribuíram de forma decisiva para o insucesso do processo de privatização das empresas angolanas.

A fraca capacidade de recursos financeiros das empresas e a dificuldade na obtenção de crédito bancário formam dois dos aspetos vitais que influenciaram decisivamente o fracasso e o mau desempenho económico das empresas privatizadas, já que estas maioritariamente trabalhavam com os seus capitais próprios, o que era manifestamente redutor para uma boa gestão das suas atividades empresariais.

Pode ainda depreender-se desta análise, que a falta de experiência por parte de novos proprietários ou gerentes designados para gerir as empresas foi outro dos motivos que influenciou, do ponto vista negativo, o desempenho. Esta falta de experiência resultou numa gestão desatualizada do ponto de vista da atual dinâmica empresarial e, sobretudo, focada nos objetivos e resultados, em detrimento de uma abordagem estratégica baseada também na avaliação dos seus recursos e capacidades.

Do ponto de vista institucional, o Estado também não estava preparado para corresponder às necessidades em termos de transformação económica e empresarial, traduzindo-se esta debilidade em políticas disformes em termos estruturais e institucionais, face à legislação económica, financeira e de investimento que ia sendo, entretanto, criada. Numa contextualização referente às próprias políticas de privatização, as modalidades usadas foram sempre aplicadas de forma inconveniente e nada transparente, o que de resto foi caracterizando a sociedade num pensamento retrógrado assente essencialmente na perceção de que o sucesso está intimamente ligado a dinheiro e à pertença a famílias influentes.

A falta da formação dos trabalhadores e a ausência de gestores profissionalmente especializados e experientes foram outros dos problemas apontados para o colapso das empresas privatizadas, fazendo com que a produção nacional não se traduzisse na quantidade e qualidade suficientes para a satisfação do consumo nacional. Faltaram assim políticas e medidas estatais que promovessem a produção industrial nacional e a existência de preços competitivos para uma atividade empresarial mais liberalizada.

Tudo isto conduziu à construção de uma cultura empresarial inconsistente, refletida e traduzida numa grande aversão à mudança, por parte dos trabalhadores, na falta de rapidez de resposta e de desconhecimento de mercado e na fraca qualidade da força de trabalho. Estes fatores foram apontados também como reais causas que estiveram na base do insucesso dos processos de privatização das empresas angolanas.  

Em detalhe, na análise de conteúdo realizada às empresas Vidrul e Cipal foram identificadas como principais causas de insucesso dos processos de privatização em Angola: (1) falta de transparência, (2) excesso de burocracia, (3) ineficácia, (4) falta de objetividade, (5) viciamento do processo, (6) falta de conhecimento e de experiência de gestão empresarial dos seus gestores, (7) falta de recursos financeiros, (8) política financeira estatal inadequada, (9) sistema bancário excessivamente politizado, burocratizado e não transparente, (10) indisponibilidade de mão de obra qualificada, (11) escassez de fornecedores, (12) falta de máquinas e equipamentos, (13) dificuldade na obtenção de financiamento bancário, (14) instabilidade política, e (15) falta de formação e de (16) educação e civismo dos trabalhadores.

Segundo os inquiridos, o sucesso empresarial e a dinâmica competitiva que lhe possa estar subjacente deve ficar desta forma ligada ao desenvolvimento de um conjunto de políticas que promovam e incentivem as iniciativas empresariais no país, no sentido de garantir a diminuição da corrupção, do paternalismo, do excesso de burocracia, da discriminação e da falta de transparência que se fazem sentir. Aspetos negativos que conduzem o sistema a uma diminuição da força empresarial nacional e da alavancagem e crescimento de organizações internacionais que atuam ou pretendem atuar em território angolano.

Em suma, a leitura dos dados dos questionários e das entrevistas demonstram de forma consensual, que o sucesso dos processos de privatização depende: (1) da fomentação uma cultura consciencializada para a mudança, a partir de políticas que privilegiem o envolvimento dos trabalhadores; (2) de uma comunicação descentralizada que realce o espírito de pertença a um grupo; (3) da comunicação a todos relativamente aos objetivos organizacionais; (4) da possibilidade dos trabalhadores se pronunciarem sobre assuntos relacionados com o seu trabalho; (5) do encorajamento dos trabalhadores para desenvolverem as suas capacidades; (6) da aposta em efeitos motivacionais que preparem os trabalhadores para a realização de esforços suplementares; (7) da ênfase nos estudos de mercado; (8) do tratamento equitativo e de qualidade a todos os clientes; (9) da preocupação no campo social por parte das empresas relativamente ao futuro dos trabalhadores; (10) do mérito e competência como fatores de identificação de respeito; (11) da ligação do empreendedorismo a sucesso sendo algo que deve estar na génese de toda a estrutura da sociedade; (12) da facilidade de aceder mais facilmente ao crédito; (13) da contratação de mão de obra qualificada; (14) da contratação de técnicos de gestão com grande conhecimento e  competências apropriadas para o desempenho das suas funções; (15) da construção de uma dinâmica empresarial assente numa relação custo-preço estável; e (15) do desenvolvimento tecnológico de todo o tecido empresarial angolano (Ver Tabelas 3 e 4).

 

 

Se o conhecimento e a aprendizagem podem ser tidos como a base de processos de gestão bem-sucedidos e enquanto fatores-chave de desenvolvimento empresarial, o objetivo passa, portanto, por promover estas dinâmicas anteriormente referidas.

A chave do sucesso organizacional pode estar contida em detalhes de nível macro, apontando os resultados desta análise investigatória para reais mudanças em termos de politicas governamentais que fomentem a competitividade das empresas nacionais em Angola e para uma maior transparência nos processos e assuntos de ordem pública levados a cabo pelos seus governantes.

Assim, segundo os dados recolhidos nesta investigação, as principais causas de insucesso dos processos de privatização ocorridos em Angola desde 1989 vão muito além das desigualdades criadas entre classes, regiões e raças, da pouca transparência que sempre existiu nestes processos ou da falta de objetividade e rigor dos mesmos.

São apontadas como principais razões daquele insucesso: (1) uma política estatal, institucional, legal e burocrática completamente desadequada; (2) a falta de formação especializada de trabalhadores e gestores; (3) a falta de recursos financeiros para fazer mais e melhor; (4) a falta de conhecimentos e experiência dos gestores em termos de aplicação de modelos de gestão empresariais que permitissem tornar as suas empresas mais competitivas; (5) a falta de transparência e subjetividade dos processos que levaram muitas vezes ao viciamento dos mesmos, a protecionismos e a corrupção; (6) a desigualdade entre setores que dificultava na maior parte das vezes a possibilidade dos privados para obtenção de crédito, a partir de um sistema bancário completamente politizado; (7) o desenvolvimento tecnológico medíocre que não permitia fazer mais e melhor face aos condicionalismos da obsolescência de máquinas e equipamentos; (8) a falta de matéria-prima e, consequentemente, a incapacidade de dar resposta às necessidades do mercado; e (9) todo um conjunto de outras razões ligadas à falta de eficácia, entreajuda, objetividade, educação e disponibilidade de mão de obra que condicionaram todo o processo de privatização.

Face aos problemas identificados, sugere-se assim que futuros processos de privatização que venham a acorrer tenham em conta os seguintes aspetos: (1) adoção de políticas financeiras que favoreçam os investimentos privados; (2) existência de políticas que promovam e incentivem iniciativas empresariais nacionais; e (3) desenvolvimento de uma base de transparência e de formação específica a colaboradores e gestores, que permita promover e construir uma verdadeira cultura empresarial. Estas três dimensões são consideradas determinantes para a criação de uma dinâmica empresarial que promova o crescimento do país de forma duradoura e sustentada.

Angola, outrora uma sociedade feudalista e colonizada, ganhou o seu espaço nos anais das sociedades democráticas, e, neste sentido, é importante perceber qual o lugar das privatizações na agenda nacional angolana e qual o seu grau de intervenção numa sociedade que muitos ideologicamente intitulam de capitalista, neoliberal e simultaneamente democrática (Pitcher, 2002).

Serão as privatizações em Angola das mais bem-sucedidas de África, tal como foram apelidadas por Baloi (1996), relativamente ao contexto moçambicano?

O contexto das privatizações em Angola ficou ligado a estreitas relações entre atores externos internacionais e forças domésticas nacionais, que têm conjuntamente reconfigurado o mercado de relações institucionais onde as privatizações têm tomado o seu lugar, processos influenciados sobretudo pela intervenção de empresários rurais.

No entanto, a transição não tem sido fácil, pois a emergência do setor privado no mercado angolano tem vindo a ser acompanhada pela desregulamentação dos mercados, o que tem levado consequentemente à crescente existência de tensões que têm contribuído para a alteração da ordem social, e não apenas entre trabalhadores e empresários, mas também entre o comércio e a indústria e as próprias etnias da sociedade angolana.

É certo que as privatizações em Angola, assim como o crescimento rápido do mercado, vieram alterar o papel institucional do Governo angolano. É importante, no entanto, perceber como se têm formado estas novas alianças em termos de conflitos que possam delas resultar, que tipo de intervenção têm as denominadas «elites» neste contexto, que tipo de vantagens são obtidas e de que forma são suportadas ideológica e institucionalmente pelo Governo. Por outro lado, é importante ainda perceber se a dimensão de intervenção é alicerçada na base do que tem vindo a ser realizado nas reformas económicas e políticas das sociedades da Europa ocidental na década de 1990, e quais são, de fato, as principais causas de sucesso ou insucesso vividas pelas empresas angolanas neste contexto.

Alguns estudos sobre as indústrias portuguesas, chinesas, brasileiras, e até mesmo coreanas e indianas (Evans, 1997), têm demonstrado o papel do Estado no contexto das privatizações, inclusive podendo ser verificado que este pode mudar ao longo dos tempos. Mas é importante focar o estudo um pouco mais a jusante, nomeadamente refletindo sobre: quais os beneficiários das estratégias de privatização, neste caso no contexto angolano; que tipo de estratégias são utilizadas; que tipo de financiamento é obtido; quais os objetivos concretos da privatização; qual o nível de participação e envolvimento dos trabalhadores; qual o modelo de relação laboral utilizado; que tipo de planos de ação estão envolvidos; qual a qualidade dos produtos e infraestrutura que os sustentam; que tipo de relacionamentos são obtidos com os clientes; quais as bases internacionais para a sua sustentação; qual o nível de conhecimento de mercado que lhe está subjacente; e quais as bases estratégicas em termos de direitos, obrigações, poder, responsabilidades, emprego, influências, igualdade de tratamento, iniciativa, dimensão, força de trabalho, burocracia, empreendedorismo e satisfação.

O contexto angolano alterou-se consideravelmente a partir da independência obtida em 1975, mas permanecem por explicar as variações políticas subjacentes aos processos de privatização.

Em termos históricos, as questões políticas e económicas e os estudos das relações entre os governos e os diversos atores sociais angolanos e internacionais têm permitido perceber, de certa forma, a dinâmica das privatizações em Angola, mas, no entanto, o crescente número de múltiplas, diversas e complexas reformas económicas do país têm resultado numa reorganização sistemática das suas estruturas.

Economias de mercado, investimento direto estrangeiro, o processo de democratização e até o aparecimento do Banco Mundial têm tido uma participação muito direta nesta mesma reestruturação. Mas continua ausente um conjunto de variáveis de estudo que permitam de facto perceber o processo de privatização angolano, que forneçam respostas que providenciem soluções adequadas ao desenvolvimento deste processo, tal como ocorreu de forma similar na China - e que contribuíram de certa forma para o crescimento exponencial que esse país tem vivido fundamentalmente na última década.

 

Considerações Finais

No caso de Angola, pode dizer-se que o país viveu dois períodos distintos no domínio das privatizações ou da aposta nas iniciativas privadas. O primeiro período inicia-se em 1975 com a criação de um conjunto de leis que visaram o confisco e a nacionalização das empresas criadas durante a colonização portuguesa. Esta filosofia económica, assente na nacionalização das empresas e no financiamento governamental a firmas que apresentavam prejuízos como forma de defender a economia nacional (contra investidores estrangeiros), e o próprio conflito armado (guerra civil), que se inicia em 1986, foram o mote para aquilo que historicamente se denomina como o período do colapso da economia angolana.

O ano de 1989, neste contexto, vem trazer algo que começou a romper com este paradigma. Os DL n.ºs 32/89 e 8-F/91 vêm marcar um momento de rotura com o passado, por forma a reajustar as empresas estatais, transferindo-as para o setor privado. São reforçados posteriormente com os DL n.ºs 10/94 e 13/94, que concedem às empresas do setor privado uma igual proteção e promoção no domínio económico face às empresas estatais, incluindo-se neste pressuposto a abertura do país ao investimento estrangeiro e à possibilidade inclusive de se recorrer a privatizações totais das empresas pertencentes ao erário público.

Numa aposta clara do Governo angolano, ao nível de políticas de privatização e do reforço de uma linha estratégica neste domínio, foram, depois, dados passos ainda mais concretos, a partir de 2001, no âmbito da criação do plano estratégico de desenvolvimento regional dos países da África Austral (SADC), da inserção de Angola no grupo de parceiros para o desenvolvimento de África (NEPAD) e da ligação do país à Comunidade de Estados da África Central (CEAC).

Esta atuação veio, de certa forma, reforçar a aposta do país em princípios democráticos e liberais, que se traduziram naquele ano na criação do programa de redimensionamento e privatizações que viria a ser implementado entre 2001 e 2005, reforçado, continuamente, pela publicação posterior dos DL n.ºs 14/03, 123/03, 37/06, 02/07 e 39/08, que pretenderam acima de tudo conduzir o país para o desenvolvimento económico e empresarial há muito reclamado pelo povo angolano.

Para alguns, a aposta foi conseguida com eficácia, mas, para outros, ficou muito aquém das expectativas face ao potencial enriquecimento que Angola poderia obter. Gerou-se, assim, uma visão antagonista neste domínio de análise, fundamentalmente motivada pela excessiva utilização da modalidade de adjudicação direta muitas vezes utilizada como política governativa.

No caso das privatizações em Angola, muito embora o período de transição assente nesta política (iniciado em 1989) seja transcrito pelos mais otimistas (UNC, 2010) como o período que conduziu o país para a prossecução eficiente da gestão das suas despesas e finanças públicas, através sobretudo da restauração das suas redes comerciais e do fomento do aumento das exportações e da produtividade nacional, existiram também céticos em Angola quanto a esta linha de pensamento. Na mesma linha de Beckman (1993), Self (1993), Bayard (1993) ou Berthélemy et al. (2004), os céticos associavam o fenómeno da privatização à perda de soberania, à salvaguarda de interesses de determinados agentes governativos, à exclusiva defesa de interesses privados, às desigualdades entre classes, regiões e raças, à pouca transparência que sempre existiu nestes processos e à falta de objetividade e rigor, o que veio criar uma visão antagonista face aos benefícios que esta estratégia poderia ter providenciado.

Embora Chissano (1999) venha referir que a forma de regular e gerir esta situação seja através daquilo que denomina como good governance, com base na aplicação de princípios democráticos e liberais associados ao respeito pelos direitos humanos, a um sistema judicial funcional, a lideranças políticas alicerçadas na teoria dos stakeholders e à ligação eficiente entre Estado, setor público, investimento estrangeiro e capitalistas domésticos [ponto de vista idêntico ao de Evans (1997) denominado pelo autor como nova internacionalização], importa perceber face aos angolanos mais céticos quais as principais razões que estiveram na base do insucesso dos processos de privatização das empresas angolanas e quais as principais sugestões que poderão ser equacionadas pelo Governo angolano para a melhoria de futuros processos de privatização, que venham a decorrer em empresas públicas, para construção de uma estrutura empresarial mais consistente em termos empresariais e económicos.

É importante, no entanto, referir que temos de ter em conta que as constatações apresentadas nesta investigação, resultam de limitações inerentes a uma investigação reduzida em termos de tamanho da amostra (inquiridos) e do fato de reproduzir resultados de um determinado contexto (Cipal e Vidrul), num determinado país (Angola). Porém, foi interessante constatar que muito embora a elite política e alguns gestores se possam manifestar como muito favoráveis face às privatizações e ao resultado destas no passado, outros gestores empresariais não deixam de recomendar alterações que possam efetivamente melhorar o desempenho destes processos, na garantia de que possam sempre apresentar resultados ainda melhores para a obtenção de um maior grau de satisfação, pois, como mencionam, é exatamente com esse pressuposto que se recorre à privatização.

Neste sentido, em termos de validade externa, ou seja, da possibilidade de generalizar os resultados encontrados a outros contextos ou amostras, embora este estudo tenha vindo reforçar alguma da teoria já existente relativamente às condições institucionais dos processos de privatização, tratou-se apenas de um trabalho exploratório que não pode ser generalizado ou considerado representativo.

Por outro lado, apesar das fontes secundárias terem sido utilizadas e outras análises tenham sido elaboradas para completar os resultados, também este fator não pode justificar que os resultados aqui apresentados possam ser vistos como necessariamente generalizáveis, em termos da prática de privatização levada a cabo por alguns governos que a ela recorreram. 

Por fim, outra das limitações esteve relacionada com a impossibilidade de observar in loco interações políticos-gestores e, portanto, as consequentes particularidades de problemas, ideias e técnicas que poderiam resultar desta mesma interação.

É, contudo, necessário que a ação prática da estratégia das privatizações continue a ser minuciosamente observada e registada para o estabelecimento de ações coordenadas de expansão dos negócios, pois a chave do sucesso organizacional pode estar contida nestes detalhes de nível micro, os quais têm particular vantagem por serem, por vezes, invisíveis a terceiros.

Sugere-se assim que futuras investigações nesta área se possam centrar sobre as seguintes vertentes: (1) comparação das causas de insucesso e sugestões de melhoria a equacionar em futuros processos de privatização de diferentes países, para além dos que aqui foram explorados (Angola, Brasil, Portugal e China); (2) confirmação dos resultados exploratórios desta investigação em Angola, por forma a reforçar as estruturas aqui identificadas como as mais influentes para o sucesso dos diferentes tipos de projetos de privatização que venham a existir; (3) realização de pesquisas relativamente aos relacionamentos que se possam construir entre diferentes países e que englobem as características da emergente sociedade de trabalho em rede e que possam incorporar novos tipos de serviços oferecidos pelas grandes empresas internacionais; e (4) focalização em casos caracterizados pelo sucesso, mas também pelo insucesso, a fim de se estudar a natureza e a qualidade dos diferentes processos na tentativa de alcançar resultados de ainda maior qualidade.

Em suma, é importante estender estes estudos a uma base mais profunda relativamente a todas estas matérias, no sentido de explorar o futuro das privatizações, podendo futuras pesquisas incluir a construção de um modelo que permita relacionar todas estas variáveis, visando identificar qual delas é mais determinante para o sucesso de um processo de privatização, tendo em conta as sugestões aconselhadas para a melhoria dos desempenhos que se podem vir a obter.

 

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Recebido em julho de 2015 e aceite em julho de 2016.
Recibido en julio de 2015 y aceptado en julio de 2016.
Received in July 2015 and accepted in July 2016.

 

 

Notas

[1] Liderada pelos EUA com a cooperação das democracias liberais da Europa ocidental que comportavam também alguns países como os da Península Ibérica, a Grécia e a Turquia, o Médio Oriente, vários na zona do Pacífico e o Japão. Surgiu, depois, um movimento de não-alinhados, criado na Conferência Ásia-África realizada em Bandung, Indonésia, em 1955.

[2] Ficando sobre a sua alçada a gestão de todos os processos que envolvessem empresas estatais de grande, média ou pequena dimensão.

[3] Tutelavam as atividades das empresas quando se tratasse de participação do estado ou empresas intervencionadas ao abrigo do decreto n.º 128/75 de 7 de outubro.

[4] Ficando sobre a sua alçada a gestão de todos os processos inerentes ao redimensionamento de empresas de pequena atividade económica.

[5] Validava o tratamento de dados e a elaboração de propostas relativamente às empresas, no âmbito do processo de redimensionamento e das modalidades definidas.

[6] É importante referir que, no que diz respeito à transferência de titularidade, eram utilizados concursos públicos, concursos limitados e por ajuste direto, sendo o concurso público o meio mais utilizado. Recorria-se ao concurso limitado no caso de candidatos especialmente qualificados ou pré-qualificado para o efeito, e ao ajuste direto no caso de existirem um ou vários candidatos em conjunto.

[7] Os direitos dos trabalhadores das empresas transferidas eram garantidos através da manutenção dos respetivos direitos e obrigações.

[8] Abrangendo as atividades económicas prosseguidas pelo Estado e por outras entidades públicas e que podiam ser exercidas diretamente pelo Estado.

[9] Abrangendo as atividades económicas prosseguidas por pessoas singulares ou coletivas privadas e que podiam ser exercidas através da atividade individual por conta própria, com ou sem forma empresarial.

[10] Abrangendo as atividades económicas prosseguidas por cooperativas, por comunidades locais ou por comunidades familiares.

[11] Abrange o conjunto de áreas em que as atividades económicas só podem ser exercidas exclusivamente pelo setor público, nomeadamente: produção, distribuição e comercialização de material de guerra; atividade bancária no que diz respeito às funções do banco central e emissor; administração de portos e aeroportos e telecomunicações, no que se refere às infraestruturas da rede nacional básica e serviços fundamentais.

[12] Cujas atividades podiam ser exercidas por empresas que resultem da associação de entidades do setor público, em posição obrigatoriamente maioritária no capital social da nova sociedade com outras entidades, nomeadamente: transporte aéreo regular de passageiros e carga internacionais; transporte aéreo regular de passageiros domésticos, comunicação por via postal normal e transportes marítimos.

[13] Cujas atividades económicas podem ser exercidas por empresas ou entidades não integradas no setor público, mediante contratos de concessão temporária, nomeadamente: saneamento básico; produção, transporte e distribuição de energia elétrica para consumo público através de redes fixas; exploração de serviços portuários e aeroportuários; transportes ferroviários; transportes marítimos de cabotagem; transportes coletivos rodoviários; transporte aéreo não regular de passageiros e carga nacional e serviços complementares postais e de telecomunicações.

[14] Não se pretende chegar a conclusões verdadeiras a partir de premissas igualmente verdadeiras (método dedutivo), mas tão-somente pelo meio da indução mensurar um conjunto de fenómenos sociais em estudo, a fim de se chegar a um conjunto de probabilidades que permitam fazer comparações e descobrir relações existentes entre eles.

[15] Este tipo de amostragem não é representativo da população; ocorre quando a participação é voluntária ou os elementos da amostra são escolhidos por uma questão de conveniência. Neste caso, o processo amostral foi constituído por um conjunto de indivíduos aos quais lhes foi pedido que respondessem a um conjunto de questões de um questionário e que apenas alguns o fizeram. Ou seja, a amostra foi constituída pelos elementos que colaboraram, não podendo por isso ser representativa, pelo que os resultados desta investigação terão de ser lidos com muitas cautelas.

[16] Pressupondo a compreensão integral do ser humano como ser indivisível e em contínua interação que não pode ser analisado através de atividades isoladas.   

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