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Revista Lusófona de Educação

Print version ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  no.16 Lisboa  2010

 

Formação em avaliação como um caminho para a profissionalização docente

 

Cristina Zukowsky Tavares[10] ,

Centro Universitário Adventista de São Paulo, cristina.tavares@unasp.edu.br

 

RESUMO

Neste artigo problematizo a hegemonia da ´´avaliação como medida`` nas ações e concepções docentes. Utilizando a reflexão e prática em avaliação como estratégia de formação, por meio da pesquisa-ação construiu-se um elo de coerência com um conceito de educação mais libertária e política e um ensino pautado por uma diversificação de estratégias de trabalho e atendimento ao aluno. Como resultados pode-se notar que os docentes ampliaram construtos teórico-práticos e os questionamentos oportunizaram a reflexão coletiva em avaliação, fortalecendo atitudes mais críticas na análise das concepções que norteiam suas ações. Assim, concebe-se um profissional da educação em ´´sentido amplo``, que compreende as questões educacionais para além das paredes de sua sala de aula em um contexto cultural, social e educacional expandido, valorizando sua autonomia, com uma dimensão crítico-reflexiva que permita avaliar o seu percurso profissional e o desenvolvimento de seus alunos tendo em vista fins políticos, pedagógicos e emancipatórios.

Palavras-chave: Avaliação formativa; formação de educadores; formação em avaliação.

 

Formation in Evaluation as a way for the teaching professionalization

ABSTRACT

In this article explores the hegemony of the ´´evaluation as measured`` in the actions and teaching conceptions. Using the practical reflection and in evaluation as formation strategy, by means of the research-action one constructed to a link of coherence with a concept of more libertarian education and politics and an education lined for a diversification of work strategies and attendance to the pupil. As results can be noticed that the professors had extended theoretician-practical construtos and the questionings propitiated the collective reflection in evaluation, fortifying more critical attitudes in the analysis of the conceptions that guide its action. Thus, a professional of the education in ´´ample direction`` that understands the educational questions stops beyond the walls of its classroom in a cultural context, social and educational conceives itself expanded, valuing its autonomy, with a critical-reflexiva dimension that allows to evaluate its professional passage and the development of its pupils in view of ends politicians, pedagogical.

Keywords: Formative evaluation; formation of educators; formation in evaluation.

 

Introdução

Este artigo discute a possibilidade de utilizar a reflexão e a ação em avaliação como estratégia de formação, contribuindo para a elaboração de novos conceitos teórico-práticos com docentes do Ensino Básico e Superior. Em direção oposta à avaliação classificatória, destaco a emergência de uma abordagem formativoemancipatória coerente com a dinâmica de uma avaliação a serviço das aprendizagens. Podemos nos questionar a princípio sobre que características se impõem como necessárias a um professor-avaliador que ultrapassou as limitações de uma avaliação educacional seletiva e excludente, ou mesmo de uma prática formativa de caráter técnico-instrumental e que opta por trilhar pelos caminhos do projeto emancipatório? Há idéias concebidas pelos docentes em avaliação que podem ser rompidas? O estudo e a reflexão coletiva podem desencadear tais mudanças?

Analisando a teia de pensamentos apresentados pelos docentes com relação a avaliação encontrei antes da realização dessa intervenção, concepções[1] mais visíveis, indicando tendências de idéias fortalecidas coletivamente e partilhadas por vários elementos do grupo. Dentre elas destacaram-se:

- O hábito de medição em avaliação que apareceu de forma declarada, e às vezes de maneira implícita na fala dos professores, e

- A concepção de aprendizagem expressa por muitos docentes que entendem o conhecimento como um bem a ser transmitido ( Neri,2003).

É o que Hadji (2001:22) chama de ´´obstáculos à emergência de uma Avaliação com Intenção Formativa``. Dessa forma, a ´´existência de representações inibidoras`` com relação à avaliação por parte dos professores indicam ´´concepções`` que´´podem obstaculizar só, por sua presença, a construção dos conceitos científicos``. Os usos sociais da avaliação em uma perspectiva burocrático-administrativa, com a exigência de certificação e seleção, refletem e reforçam concepções classificatórias em avaliação.

Ainda nessa direção, Abrechet (1994) e Sordi (2004) denunciam a ausência de um quadro teórico devidamente elaborado que dê conta de um real encaminhamento formativo em avaliação[2]. E Cappelletti (2005:117) segue destacando que, mesmo quando o professor tem à sua disposição ´´modelos teóricos de avaliação`` e conhece a evolução histórica das diferentes concepções``, mesmo assim possui (...) ´´quadros conceituais que desestabilizam o seu credo mas não orientam o seu fazer. Abalado em sua crença, deixa de praticar a avaliação que conhece e não tem nada para colocar no lugar. É preciso ir além, refletindo com os professores aspectos avaliativos da própria atividade e do processo de aprendizagem``.

Essas concepções e práticas tradicionais, assumidas como formas naturais de ver, de ser e de fazer as coisas, revelam-se resistentes à mudança e permanecerão inabaláveis sem um esforço intencional de reflexão e de reestruturação que as torne conscientemente contestáveis e visivelmente improfícuas. Por isso, a promoção de concepções teoricamente fundamentadas e a conseqüente mudança de práticas pedagógicas passam num primeiro momento pela conscientização das concepções adotadas, por meio da revisão crítica e questionamento das idéias feitas de senso comum[3]. É indispensável empenhar novos trabalhos de pesquisa que se aproximem das situações concretas da avaliação escolar no Ensino Básico e Superior, o que me impulsiona ainda mais a pesquisar e discutir essa questão.

Quando as pessoas se defrontam com os contrastes de uma sociedade que, pelos seus avanços tecnológicos, tem conectado o mundo, aproximado nações, mas convive ao mesmo tempo com a exploração, com a violência e a educação como mercadoria, refletimos que é nesse contexto de ambigüidades que se situa a prática dos professores em relação ao ensino e avaliação da aprendizagem, em que os instrumentos, meios e processos contam pouco, pois o que vale são os resultados. Podemos romper com esse quadro ou vamos nos manter passivos diante da realidade educacional e da avaliação seletiva e excludente?

Dessa forma, importa refletir que para Afonso, a ressignificação da avaliação formativa numa perspectiva emancipatória, ampliando o protagonismo da comunidade, é uma questão essencial ao debate atual a respeito da avaliação educacional em uma sociedade excludente, com um aumento das fissuras e desigualdades sociais em que os direitos e interesses coletivos, sociais e educacionais subordinam-se aos interesses econômicos:

Esta questão tem sido pouco discutida, mas é absolutamente indispensável porque, sobretudo na Educação, o Estado continua a ter um papel decisivo de regulação dos sistemas de ensino, e a Comunidade, enquanto lugar de construção do bem comum local e teia de relações de proximidade, é ela própria igualmente indispensável para desenvolver processos e projetos de autonomia coletiva que passam também pela escola - sem os quais , aliás, não é possível assumir relações de solidariedade, de reciprocidade e de justiça que, por sua vez, devem ter expressão concreta nos processos quotidianos de avaliação voltada para objetivos de emancipação (...). Considerando as teorias e práticas de avaliação mais críticas, venho defendendo há já alguns anos que a avaliação formativa (e mais recentemente, outras formas de avaliação como a avaliação autêntica e os portfólios) podem ser instrumentos fundamentais de processos emancipatórios ( Afonso, 2000: 24 e 25).

 

Opção Metodológica e objetivo

Uma abordagem qualitativa em pesquisa do tipo pesquisa-ação pode assumir um caráter aberto e flexível pela possibilidade de mudança no campo educacional com novas proposições de ação, bem como pela riqueza de elementos descritivos mais pertinentes do que aqueles que muitas vezes são possibilitados quando a área se restringe à pesquisa quantitativa uma vez que em conjunto com outras pessoas preocupadas com a mudança, quer esta mudança ocorra na avaliação, pedagogia ou modos de ação, os investigadores qualitativos podem ajudar as pessoas a viverem uma vida melhor (Bogdan & Biklen,1994).

Para atender ao compromisso de pesquisa delineado, optei por um trabalho coletivo de reflexão continuada, pautado pelos princípios de uma orientação crítico - dialética e o método da pesquisa-ação, e que se relacionasse em todos os momentos com a prática avaliativa dos docentes, uma vez que as mudanças em concepções e práticas em avaliação não se re-organizam de maneira simples e não ocorrem numa perspectiva linear e previsível.

Situei-me assim diante da emergência de uma abordagem qualitativa em pesquisa para dar conta da complexidade de concepções em jogo, de diferentes representações dos sujeitos envolvidos, dos conflitos teórico-práticos, dos avanços e resistências assumidos ou velados no pensar e no fazer docentes. Com esses pressupostos em mente assumi com o grupo a responsabilidade por uma formação voltada para a reflexão, criticidade, diálogo, com o ir-e-vir entre a teoria e a prática, com a perspectiva de transformação, em um contexto de pesquisa-ação .

A este propósito, levantaram-se coletivamente informações qualitativas que subsidiaram intervenções e reformulações do processo de formação.

A partir dessa ontologia[4] e epistemologia[5] na perspectiva qualitativa, parto do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, havendo então um vínculo muito grande entre o mundo objetivo e a subjetividade desses sujeitos. O objeto de pesquisa não foi neutro nem passivo, e os docentes imbricados na pesquisa-ação tornaram-se suscetíveis a transformar e ser transformados pelo processo de reflexão e ação, aproximando-se do conhecimento e vivência da avaliação formativa.

Perseguimos com essa problemática um espaço de maior visibilidade para uma questão que designamos como essencial na profissionalização docente: a questão da formação em avaliação. Um profissional da educação que exerce com autonomia e competência sua função educacional necessita de uma formação que o capacite a avaliar o seu ensino e a aprendizagem de seus alunos numa perspectiva expandida. Isto é, que desenvolva a capacidade de compreender suas ações de maneira fundamentada, estabelecendo articulações teórico-práticas, e orientando a regulação de suas ações pela metacognição e crítica social. Impõe-se também a esse profissional conhecer aspectos teóricos e operacionais da avaliação a serviço da aprendizagem para que seus alunos tenham a oportunidade de transpor barreiras sócio-educacionais na construção de uma vida mais plena e digna.

Para Thiollent (2000), esta modalidade ativa de pesquisa agrega vários métodos e técnicas de pesquisa social desenvolvidos de forma coletiva que, na especificidade deste trabalho, puderam contribuir para a reconstrução de novos métodos e técnicas em avaliação da aprendizagem, numa perspectiva de avaliação formativoemancipatória comprometida com a transformação da realidade social circundante. Os procedimentos de coleta de dados selecionados para compor o método da pesquisa -ação foram os seminários de formação, as entrevistas semi-estruturadas realizadas com docentes e discentes , a análise documental , observações em sala de aula e um grupo focal de avaliação realizado no final dos 18 meses de intervenção. Para complementar os dados finais levantados oralmente no grupo focal os docentes foram também convidados a registrar por escrito em um parágrafo, de forma sintética, a avaliação que faziam do trabalho realizado.

O seminário foi o principal procedimento metodológico nessa investigação, centralizando as mais relevantes discussões e encaminhamentos da pesquisa e formação. Os dados e informações foram gerados nos doze seminários coletivos, e nas entrevistas com os oito docentes participantes, com alunos desses professores no Ensino Superior e um grupo adicional de vinte docentes da mesma Instituição de Ensino localizada na zona sul da cidade de São Paulo, Brasil, provenientes do Curso de Pedagogia ou da Escola de Aplicação,[6] que participaram do primeiro seminário de levantamento de necessidades e dificuldades em avaliação. As temáticas dos seminários foram categorizadas e subdivididas para proporcionar os pontos-chaves da análise a partir dos quais discutimos o enredamento de idéias, os questionamentos, reflexões, conflitos e proposições.

A pesquisa-ação educacional é, sobretudo uma estratégia para o crescimento e desenvolvimento de professores e pesquisadores, de modo que eles possam utilizar suas pesquisas para aperfeiçoar seu ensino, e em decorrência, a aprendizagem de seus alunos. O movimento de profissionalização docente refere-se ao bom profissional como aquele capaz de mobilizar competências pertinentes à solução de seus dilemas educacionais. A pesquisa-ação como modalidade de formação continuada permite levantar dificuldades de exercício encontradas por equipes para convertê-las em questionamentos de um processo de formação. Atingir a mudança, a transformação do objeto em questão é o principal objetivo da pesquisa-ação e nesta ótica, não é sinônimo da aplicação de uma teoria e sim produto das transformações simultâneas da ação e da reflexão continuamente renovadas (Tripp, 2005; Monceau, 2005; Pimenta, 2005; Barbier, 2002; Morin, 2004; Andaloussi, 2004; Thiollent,2000; Le Boterf, 1981) .

 

Formação dos professores em avaliação

A prática educacional, como acontece na escola, não é uma prática fechada, previsível, linear. O contexto é complexo, desordenado, exigindo flexibilidade de planos e ações. Cada situação de ensino é única e os professores precisam fazer uso da criatividade para resolver os problemas na complexidade, incerteza, instabilidade e conflitos de valores da contemporaneidade. A formação de docentes conscientes do seu papel como avaliadores comprometidos com a mudança e com a criatividade, para gerir novas idéias e conhecimentos na sociedade atual, tornase uma questão de relevância e centralidade.

A profissão docente envolve-se na contemporaneidade em alguns paradoxos. Ao mesmo tempo em que o estatuto da carreira é fragilizado, aumentam os pedidos e missões que a sociedade faz aos docentes. É fundamental que os professores interpretem seus papéis no cenário social, pois eles não só habitam as salas de aula, mas vivem e trabalham seus desafios profissionais engajados com seus pares, favorecendo ou não uma prática reflexiva, competente e contextualizada com a realidade de sua comunidade e de seus alunos. E nas circunstâncias atuais, um dos aspectos mais importantes da competência social dos docentes é a capacidade de enfrentar situações conflituosas e tomar decisões em meio às incertezas, e estes atributos fazem parte também da capacidade de avaliar.

No debate em relação à avaliação educacional trazemos ao diálogo a afirmação de Barbier ao sustentar que a questão da avaliação tornou-se, a partir da década de 1970, um dos maiores problemas na formação de professores. Ele diz que falar da avaliação relativamente a um ato de formação indica uma função social que valorize essa ação: pode parecer mais necessário falar de avaliação do que realizá-la adequadamente. Em torno das tensões geradas pelo processo de avaliação na escola e nos espaços de formação transitam os espaços ideológicos de profissionais formadores e em formação, onde afloram posturas classificatórias e reducionistas, bem como formativas e emancipatórias (Barbier, 1985).

Será possível desencadear mudanças práticas e conceituais na realidade docente rompendo com paradigmas excludentes e classificatórios em avaliação?

Kuhn (1994), ao citar William James, já dizia que a tendência é alterarmos o mínimo possível o conhecimento já estabelecido, os velhos preconceitos e crenças já que raramente um novo fato é acrescentado em cru. Mais freqüentemente é misturado e cozido no molho do velho. Ao mesmo tempo em que acreditamos que mudar é possível, também temos consciência dos desafios constantes que acompanham essa crença. O que seria necessário para o docente estabelecer uma ruptura verdadeira com as concepções pré-estabelecidas em função da construção de uma nova mentalidade educacional no que se refere à avaliação? Seria necessário desconstruir em primeiro lugar as idéias anteriores? Podem-se manter representações antigas e sobre elas construir novas representações?

Retrocedendo um pouco no tempo e refletindo sobre a cultura avaliativa interiorizada pelos atores escolares, vê-se que a mudança não pode ocorrer na forma de um passe de mágica. Vivenciam-se longos anos de uma cultura escolar de quantificação, seleção, punição e exclusão. O extenso período da pedagogia tradicional evidenciou por mais de quatrocentos anos a supervalorização dos conteúdos cognitivos destituídos de significado pessoal e relevância social, nos quais imperavam o autoritarismo e o poder em mecanismos de controle, eficiência e competição em sala de aula. Essa configuração muitas vezes reproduziu o contexto social´´neodarwinista [7], sem uma apreensão crítica da realidade. As aulas nesse modelo pautavam-se pela explicação oral, seguida de exercícios de fixação e provas orais e escritas.

Uma avaliação classificatória assumida ou implícita no trabalho docente aponta para uma aprendizagem voltada a simples transmissão e armazenamento de conhecimentos em que há pouca variabilidade didática de ensino e intervenção em processo. Neste sentido, as aulas expositivas e algumas provas formais realizadas ao final do período letivo e sem um programa dinâmico de resgate e reorientação parecem ser suficientes para esse modelo.

Só com um processo intencional e consciente de formação acredito na ruptura com concepções em avaliação mais classificatórias, automatizadas e pouco refletidas. Penso numa formação contínua do docente em avaliação que permita o estudo e a reflexão também contínuos, voltados à compreensão e ao entendimento de uma prática pedagógica concreta e à superação de ´´representações inibidoras`` em avaliação que subjazem no ambiente escolar. Não se trata de impor um modelo teórico de avaliação formativa ou mesmo aplicar um ´´modelo`` na ação, mas refletir junto à prática instituída desvelando caminhos que ampliem as perspectivas educacionais da avaliação e possam ser teorizados, discutidos, ou mesmo reconceptualizados. O diálogo pressupõe uma direção contrária à idéia de simplesmente passar de um estado de ignorância para o conhecimento objetivo e absoluto da ciência e no ideário da modernidade Santos ressalta:

Na ciência moderna a ruptura epistemológica simboliza o salto qualitativo do conhecimento do senso comum para o conhecimento científico; na ciência pós-moderna o salto mais importante é o que é dado do conhecimento científico para o conhecimento do senso comum. O conhecimento científico pós-moderno só se realiza enquanto tal na medida em que se converte em senso comum (Santos, 2001: 57).

Um fator que agrava ainda mais a avaliação no contexto escolar é que ´´os docentes, com raríssimas exceções, não foram preparados para serem avaliadores. O que conhecem e praticam sobre avaliação da aprendizagem escolar foi concebido, provavelmente, em seu processo de escolarização (…)`` (Gonçalves & Maimone, 2008: 47).

Preparar professores para a prática reflexiva, participação crítica, para a inovação e cooperação é contribuir para formar um ser avaliativo. E o progresso da escola, a evolução das práticas pedagógicas inovadoras, a utilização de novas metodologias de ensino e avaliação é indissociável de uma profissionalização crescente dos professores (Perrenoud, 1993).

A formação do professor é, por vezes, excessivamente teórica, outras vezes excessivamente metodológica, mas há um déficit de práticas, de refletir sobre as práticas, de trabalhar sobre as práticas em avaliação, de saber como fazer. É desesperante ver certos professores que têm genuinamente uma enorme vontade de fazer de outro modo e não sabem como, o que reafirma a necessidade de uma formação reflexiva, individual e coletiva, centrada nas práticas e na análise dessas práticas. Pimenta (2002, cit. por Gonçalves & Maimone, 2008) também ressalta que a prática mais freqüente nas propostas de formação continuada tem sido a de realizar cursos de atualização dos conteúdos de ensino, pouco eficientes para alterar a prática docente e as situações de fracasso escolar, por não estudarem e problematizarem a prática pedagógica em seus contextos. Não colocando a prática como ponto de partida e de chegada na formação, os professores não conseguem transpor os ensinamentos para a sua realidade em sala de aula.

De acordo com Rosales (1992), na medida em que se considera o professor como um profissional responsável e autônomo capaz de participar ativa e intensamente da avaliação da sua própria função docente e do conjunto de componentes e funções do processo didático, projeta-se de maneira imediata a conveniência de estimular nele, e desde o período da sua formação inicial na graduação, a capacidade de avaliação.

A autonomia é um aspecto fundamental para o movimento e consolidação da identidade dos professores e a consolidação da docência como profissão. Considero valioso nesse aspecto discutir que essa autonomia também se constrói tendo como contributos relevantes a competência e a capacidade de avaliar, analisar suas próprias práticas, compreender o contexto e as ações educacionais dos estudantes, com possibilidade de agir e tomar decisões para a melhoria do currículo, das escolhas metodológicas e da avaliação de forma mais independente e responsável.

Na luta por uma teoria e prática de avaliação mais crítica e comprometida com a possibilidade do desenvolvimento de todos e de todas, Afonso (2005) vêm há alguns anos defendendo que a avaliação formativa pode ser um instrumento decisivo na construção de processos emancipatórios. Neste sentido ´´torna-se, por isso, necessário que a formação de professores inclua a formação em avaliação numa perspectiva não meramente técnica ou instrumental, mas , sobretudo, que dê conta de perspectivas amplas de natureza social, política e pedagógica`` (Afonso, 2005: 25).

 

Discutindo alguns processos e resultados

O primeiro encontro com um grupo de vinte professores teve a intenção de levantar os questionamentos que atenderiam às necessidades concretas dos docentes em sala de aula no que se referia à avaliação de seus alunos. A riqueza da participação dos docentes revelou desde o primeiro seminário alguns significados e sentidos atribuídos pelos participantes, explicitando suas perspectivas em meio à dinâmica interna da situação. Esses dados permitiram uma tomada de consciência pelos docentes de seus próprios problemas em avaliação. Essa compreensão se constituiu em subsídios de partida que orientaram o planejamento de ações viáveis em direção a mudanças intencionais possíveis. A partir das situações descritas pelo grupo no primeiro seminário, fizemos uma proposta ainda provisória de questões que poderiam orientar o plano coletivo de ações. Formamos a partir daí um grupo de trabalho com oito docentes voluntários do Ensino Superior,destacando que duas docentes também trabalhavam no Ensino Básico.

Ao elaborar a primeira proposta com os questionamentos de partida pude compreender a expressão de Barbier, ao dizer que ´´o pesquisador passa e repassa o olhar sobre o objeto sob ângulos diferentes, retomando e ampliando a reflexão anterior``. Mas se tornou evidente desde o primeiro encontro que os pesquisadoreséramos nós, todo o grupo, e a reflexão deveria ser a ´´voz de todos``. Um dos docentes ratificou essa postura no seminário inicial :

(...) não sei ainda o andamento que esse grupo irá tomar, o seu trabalho de pesquisa, ou que contribuição esse grupo pode dar para a nossa Instituição. O que entendo de pesquisa-ação é algo como você disse: ´´COM``. Você não vai tomar um rumo que o grupo não aceite. Tem que ser discutido aqui, questionado, e as barreiras têm que ser quebradas dentro do grupo (...) (P.1).[8]

Decidimos agrupar as questões iniciais em eixos maiores que serviriam de guarda-chuva para abrigar as subquestões. Ficou claro para o grupo, nesse momento, que nosso ponto de partida seria a questão: Que concepção de educação/ avaliação se encontra por trás de minhas aulas?

Dentro desse primeiro tópico pensaríamos em outros desafios citados: Como romper com um método tradicional de ensino/avaliação? Os conteúdos escolares precisam encadear-se linearmente, funcionando como pré-requisitos para os posteriores? A prova é um instrumento de avaliação soberano no processo? É possível fazer reorientações em processo?

Já havíamos ressignificado e discutido a concepção de educação quando começamos a elaborar a idéia do que representaria a avaliação para todos nós. Os primeiros ensaios da redação pendiam para o classificatório, objetivo,uma avaliação de resultados e produtos. Consideramos assim uma conquista a versão final do conceito em avaliação construído pelo grupo, principalmente pela característica de negociação e diálogo, sem deixar de lado a possibilidade de reorientação em processo que é um dos marcos da avaliação a serviço das aprendizagens. Assumimos assim como grupo que:

 

A Avaliação é um diálogo entre professor/aluno em relação ao alcance dos objetivos propostos, tendo em vista uma reorientação quando necessário.

A avaliação com ênfase nos aspectos práticos foi realçada também já no primeiro seminário por uma docente ao questionar:

Meus conteúdos e minha forma de avaliar priorizam o aprendizado como prática de vida? Organiza-se o currículo para preparar o aluno para a vida na sua área de atuação? Além de aprender, memorizar, verbalizar, o ensino e a avaliação precisam trazer significado e sentido para a vida do aluno, para sua prática profissional, social e pessoal cotidiana (P. 2).

Ao discutir as questões relacionadas com a aprendizagem houve uma preocupação inicial com algo que podemos chamar de ´´medição da aprendizagem``. Perguntas indicadoras dessas intenções inquietavam os docentes nos seminários: - Como saber até que ponto o aluno aprendeu? Um aluno aprende além do que posso observar? Ele aprende aquilo que verbaliza? (P.6).

- Até que ponto o instrumento que usamos é suficiente para comunicar uma nota objetiva? (P.5).

- Como se mede o limite máximo de desenvolvimento de cada aluno? (P.1). -Não precisamos medir o limite do aluno. Nós o conhecemos. Com um tempo de trabalho nós os conhecemos. E às vezes acompanhamos um grupo por dois, três anos (P.2).

Os questionamentos pareciam desvelar desde o início a possibilidade de medir, delimitar da forma mais objetiva possível o que o aluno aprendeu. O que desencadeou também uma reação contrária de discussões no grupo que se mostrou dividido diante do entendimento da questão. Nesse contexto de discussões estudamos alguns textos sobre fundamentos e abordagens da avaliação educacional para repensarmos nossas ações e concepções.

Em um dos encontros, analisamos o cronograma semestral de planejamento de aulas, atividades e avaliações de um dos docentes participantes. Todos sugeriram e colaboraram com o colega refletindo sobre suas ações e desvelando concepções que se encontram por trás de nossos programas de ensino. A relação teoria-prática mostrou-se profícua nesse dia e conseguimos transpor um pouco dos conceitos na análise da prática e vice-versa.

É bom saber no decorrer dos encontros que um profissional da educação ainda sonha, intenciona mudanças, verbaliza sentimentos e preocupações profissionais, reflete sobre a natureza da sua aula:

Eu trabalho com muitos grupos de discussão, muito painel integrado, muito ouvir (...) a exposição é o mínimo que faço. Dependendo do método da aula, de como você colhe essa participação do aluno nessas interações, você já tem um retorno e pode estar encaminhando. Ah! Se pudéssemos concentrar a atenção um pouco menos em tantos instrumentos de avaliação e mais no processo da aula (...) (P.2).

Um dos alunos entrevistados ratificou essa postura ativa de sua professora em classe expressando que:

Nos debates em grande grupo ela nos ajuda a pensar, refletir e chegar a uma conclusão. De forma geral a classe comenta que tem aprendido bastante. As aulas são dinâmicas, as estratégias variadas, a professora acompanha-nos individualmente, participa e se envolve conosco, tirando dúvidas no momento, o que não acontecia no início das aulas. Quando as dúvidas ficavam para o final nós esquecíamos. Nas suas aulas a gente tem que ler, tem que entender e tem que participar e estamos aprendendo mais que antes (A.6- Pedagogia).

Uma docente se pronunciou ainda a respeito das aulas e do desafio que muitas vezes encontramos para fazer uma reorientação adequada numa perspectiva formativa:

A dificuldade de oferecermos um retorno adequado ao aluno a respeito da aprendizagem talvez esteja na maneira como ´´damos aula``. Se pudéssemos dar uma aula colhendo mais a participação dos alunos, interagindo com as questões que os alunos estão fazendo, os resultados seriam melhores e menos penosos (P.5).

Ao conversar com outro grupo de alunos dos professores participantes recolhi alguns depoimentos interessantes sobre como o processo de avaliação ocorria em classe nesse período de formação:

Para trabalhar com frações juntamos vários livros, criamos materiais e o professor orientou, deu sugestões para o tema e liberdade para criar. Na sala, o professor passava de grupo em grupo e estava olhando, avaliando, acompanhando e opinando. Recebemos elogios pelos jogos, materiais, pela organização e montagem. Ele nos avaliou constantemente e tudo foi rigidamente documentado.Toda semana atuamos como voluntários eventuais no lugar dos professores que faltavam numa Escola Pública Estadual do Capão Redondo e isso aconteceu por três meses. Ele revisou nosso projeto antes das aulas, deu uma direção e estava muito claro o que queria do trabalho. A avaliação foi diferente pois nem prova teve e para todas as outras disciplinas a prova é mais importante. Ele cobrou e foi exigente e a aprendizagem foi grande e enriquecedora (A.4- Alunos do Curso de Matemática).

Fui convidada por um dos docentes em um dos seminários coletivos para acompanhar suas aulas e fiz ajustes no horário que me permitiram auxiliá-lo em classe por dois meses. Meu primeiro dia nessa turma do Ensino Superior, no laboratório de informática, foi exatamente depois do ritual da primeira prova. Por mais que o docente devolvesse o documento para cada aluno e fizesse uma correção coletiva, o envolvimento não parecia grande, pois a maioria dos alunos distraia-se com o computador ligado e considerava aquele momento um final de percurso. Depois de muita reflexão individual, sugeri na aula seguinte propormos um jogo para os alunos que não haviam compreendido os conceitos básicos relacionados na prova. Experimentar o novo provoca recuos e avanços, gera incertezas, e compreendi que isso era natural e fazia parte do caminho da mudança. No processo dialético da pesquisa-ação a transformação não é linear, previsível, e cresce em meio a forças opostas e jogos de poder. A surpresa foi positiva para todos nós, pois os alunos se interessaram, tiraram dúvidas, procuraram-nos nas aulas seguintes para mostrar o que estavam pesquisando, confeccionando, e apresentaram diferentes jogos em meio digital ou mesmo manual que poderiam servir também a outros grupos na introdução aos conceitos da informática.

Uma aluna desse professor se referiu assim:

(...) Busquei ajuda de amigos, pesquisei no power point do professor e outros materiais e fazer o jogo fez com que eu aprendesse mais (A.3- aluna da Enfermagem ).

Nos encontros com os professores, nos seminários, entrevistas e observação participante, algumas questões teóricas foram significativas para o grupo e podem ser apresentadas como parte da conclusão dessa investigação. Destaco nos itens a seguir algumas considerações realizadas com os docentes participantes no grupo focal de avaliação ao final de 18 meses de trabalho coletivo e que sintetizam parte de nossas conclusões:

- O trabalho em avaliação deve ser norteado pela concepção em educação, ensino e aprendizagem do sujeito e a abordagem formativo-emancipatória estabelece elos de coerência com uma educação integral e libertadora, com metodologias ativas de ensino e uma concepção de aprendizagem a serviço da compreensão, mais do que pela via da memorização.[9]

- A diversidade de instrumentos de ensino/avaliação é essencial em um processo formativo, mas não podemos conservar apenas um olhar tecnicista e metodológico, pois o método e a técnica são conferidos pela ética:

Desde há muito, um dos grandes desafios a serem enfrentados no processo de democratização da educação consiste no debate sobre as formas de avaliar, já que estas podem se constituir num dos mecanismos legitimadores não só do sucesso, mas também do fracasso escolar tendo, muitas vezes, o poder de conformar e direcionar o ´´destino`` dos alunos, conforme evidenciam estudos realizados nessa área. Por essas e outras razões é que refletir sobre avaliação não pode se limitar aos aspectos técnicos ( ao ´´como fazer`` )mas exige a consideração das dimensões éticas e políticas (Catani e Gallego, 2009:15).

- Os momentos de partilha coletiva favoreceram o repensar de caminhos para a reorientação das aprendizagens face ao número de alunos, condições estruturais de espaço e gestão do tempo pedagógico.

- Houve consenso entre os participantes de que a relação professor-aluno e o vínculo de confiança estabelecido são aspectos centrais na comunicação e interação em classe na abordagem formativa de avaliação. Essas premissas são defendidas por diferentes pesquisadores da área como Bonniol e Vial, Cortesão e Torres e Perrenoud.

- A soberania da prova é uma questão complexa, foi um dos questionamentos mais discutidos conjuntamente, e a ênfase não indicou a extinção desse instrumento, mas a sua utilização a serviço da aprendizagem e combinada com outros procedimentos avaliativos.

- A auto-regulação é importante nos processos avaliativos para que o estudante compreenda erros e acertos, e de forma mais autônoma ajude a planejar a retificação das ações. Essa metacognição também é importante para o docente na retificação de suas estratégias de ensino e na compreensão mais expandida dos processos educacionais. Hadji (2001) reforça que uma avaliação formativa informa os dois principais atores do processo. O professor, que será informado dos efeitos reais de seu trabalho pedagógico, poderá regular sua ação a partir disso. O aluno, que não somente saberá onde anda, mas poderá tomar consciência das dificuldades que encontra e tornar-se-á capaz, na melhor das hipóteses, de reconhecer e corrigir ele próprio seus erros.

- O grupo também concordou que o processo de ensino, aprendizagem e avaliação não pode ser dicotomizado, e ocorre de forma dinâmica, integrada, de maneira que as estratégias de ensino, aprendizagem e avaliação se confundem, articulam-se entre si e podem até ser as mesmas.

- Não há como introduzir mudanças estruturais na profissionalização docente e no processo de avaliação educacional construído na instituição educacional se não questionarmos também o papel da gestão educacional no atual contexto sociopolítico- econômico. Muitas vezes a liderança escolar tem ficado à margem dos processos de formação nessa área, e é necessário que assuma o compromisso do pensar e do fazer coletivos, voltados à construção de uma nova cultura avaliativa.

- A oportunidade de refletir com companheiros de trabalho sobre o complexo tema da avaliação foi outra grande contribuição da formação em avaliação.

- A construção de uma postura mais reflexiva na ação foi um dos ganhos realçados pelos professores. Uma das docentes referiu-se a situações cotidianas com os alunos em classe, quando ela mesma se interrogava buscando uma estratégia conjunta de retomada das ações:

Por que será que esse grupo não foi tão bem assim? Conversava com o grupo, voltava a ouvir opiniões e redirecionava as questões para o grupo ou individualmente se fosse necessário (P.2)

Outra docente sinalizou como um fator de mudança o seu posicionamento reflexivo nas atividades educacionais, tornando mais intencional a auto-avaliação das práticas realizadas.

O fortalecimento e reafirmação de crenças nos princípios da avaliação formativo-emancipatória - principalmente no que se refere ao movimento contínuo e dinâmico da avaliação e à reorientação das aprendizagens em processo - foi outra contribuição enfatizada pelo grupo. Algumas idéias expandidas alteraram a visão simplista de que a avaliação formativa é apenas uma avaliação contínua. A reorientação das atividades em processo é um indicador-chave de uma avaliação a serviço da aprendizagem (Allal, 1986; Abrechet, 1994; Cortesão e Torres, 1993; Hadji, 2001). Destaco aspectos práticos da idéia de reorientação que foram conquistados como a auto-avaliação e análise dos erros, a flexibilização do cronograma de planejamento, incluindo espaço de tempo para algumas retomadas, e a diversidade metodológica na intervenção. O feedback e a reorientação de uma prova, ou outro instrumento de avaliação no Ensino Superior e Básico, podem ocorrer de diferentes maneiras, por exemplo, com jogos e atividades lúdicas, entrevistas, pesquisa orientada, grupos de estudo extra-classe, gravação e monitoramento da leitura individual, dramatização, etc. Como não há viabilidade para a reorientação de uma atividade individual a cada aula, discutiu-se a possibilidade de eleger algumas atividades mais importantes e significativas para serem analisadas e corrigidas em processo.

A percepção crítica dos determinantes políticos, econômicos e sociais, que de forma muitas vezes inconscientes orientam nossas práticas, foi destacada por outra docente como uma das principais contribuições ao seu trabalho:

Muitas vezes há determinantes externos que de uma forma inconsciente, de uma forma oculta, orientam nossas práticas. E muitas vezes são esses determinantes sociais que estão tão arraigados na nossa cultura, que dificultam a mudança das práticas autoritárias em avaliação que observamos com tanta freqüência nos meios educacionais (P.5).

Considerei importante essa ênfase no grupo focal de avaliação, pois a princípio parecia-me que o diálogo no grupo pendia mais para os aspectos operacionais e metodológicos da avaliação, sem ampliar a discussão para esses intervenientes externos. O conteúdo ideológico e contextual que influencia a docência deve ser desvelado para que, em meio à complexidade do cenário que circunda a escola contemporânea, os docentes possam, de uma forma autônoma, assumir o estatuto de ´´intelectuais transformadores`` na acepção de Giroux.

Mas apesar de um rol de ganhos declarados intencionalmente pelos docentes na direção de uma abordagem em avaliação a serviço da aprendizagem, alguns revelaram claramente suas fragilidades e conflitos diante de uma nova postura político-pedagógica. As mudanças em concepções e práticas em avaliação não se re-organizam de maneira simples. De acordo com os princípios da orientação crítico-dialética, a mudança qualitativa não se dá numa perspectiva linear e previsível. Cresce em meio a forças opostas, movimento e contradição. Ocorre de forma lenta e gradual, o que reforça a necessidade de programas de formação continuada ao longo do tempo, que acompanhem a trajetória profissional do docente em serviço. Algumas considerações dos professores no último grupo focal apresentam resquícios de uma epistemologia positivista em avaliação, e nesta conjuntura as contradições existentes referem-se à luta para acomodar uma nova mentalidade ante a avaliação da aprendizagem e a soberania da prova como instrumento classificatório, competitivo e final em avaliação é um dos maiores desafios a transpor.

Os progressos e desistências também são reais, e muitas vezes, em meio às situações-problemas e dificuldades, o docente retorna ao modelo punitivo e excludente por estar mais habituado a responder e planejar suas ações nessa abordagem:

(...) Em determinadas turmas funciona pra mim, em determinadas turmas não, em determinadas matérias funciona e outras não, então eu sempre pareço ter uma recaída. Quando você deposita uma grande confiança na turma, por exemplo, e essa confiança não corresponde ao que você esperava, então às vezes você tem que ter umas recaídas porque não funciona; então se não funcionou de um jeito eu tenho que fechar de alguma forma, então eu posso tomar algumas medidas que não é o que eu gostaria. Eu gostaria que fosse um negócio legal e gostoso onde houvesse uma aprendizagem significativa, onde o aluno fosse atrás e pudesse estar refazendo, revendo seu ponto de vista, ou seja, construindo seu conhecimento e nem sempre isso acontece. Eles às vezes se escoram, eles fogem e fica difícil avaliar todo mundo dessa forma, então você é obrigado a tomar algumas medidas que não gostaria (...) (P1).

A presença de antigas concepções positivistas na fala dos docentes não deve ser interpretada como um fracasso, pois está intrínseco à evolução cognitiva manter as idéias antigas junto com as novas, ou melhor, os professores mantêm elementos substanciais da velha concepção enquanto incorporam elementos da nova (Cunha,1999). Entre desafios e vitórias, avanços e retrocessos, permanece a certeza de que o fio dessa trama de pesquisa, por mais que às vezes desemboque em pequenos e grandes nós, faz parte de uma obra maior que precisa continuar a ser tecida no enfrentamento de um processo de avaliação a serviço da aprendizagem, pois ´´(...) temos que continuar aprendendo, isto é, não se tem a última palavra, somos aprendizes no que tange à avaliação`` (P1).

 

Notas

1 João Tiago Teixeira (2004) realça em seu livro ´´Mudança de Concepção de Professores`` que, em meio à complexidade interna dos processos cognitivos dos docentes, as suas concepções acerca da natureza do ensino, da aprendizagem e da ciência, mesmo que nem sempre assumidas (porque implícitas),deverão certamente interferir nos modos de ser, de estar e de atuar do professor. E, dentro desse universo conceptual ,encontram-se também as concepções acerca da avaliação. Zabalza (1994:35, apud Teixeira: 38 e 39) enumera diferentes sinônimos para o aparato conceptual dos docentes segundo é apresentado na literatura por variados autores:``constructos pessoais``; ``perspectivas``, ´´crenças``; ``princípios educativos``;``concepções``; `` paradigmas pessoais``; ´´teorias de ação``; ``conhecimento prático``; ``epistemologias``; conhecimento profissional``; ´´teorias implícitas``. Essas ´´concepções e práticas tradicionais``, assumidas como ´´formas naturais de ver, de ser e de fazer as coisas``, revelam-se resistentes à mudança e permanecerão inabaláveis sem ´´um esforço intencional de reflexão e de reestruturação que as torne conscientemente contestáveis e visivelmente improfícuas``. Por isso, a promoção de concepções teoricamente fundamentadas e a conseqüente mudança de práticas pedagógicas passam num primeiro momento pela`` conscientização´´ das concepções adotadas, por meio da ´´revisão crítica`` e ´´questionamento`` das idéias feitas de senso comum.

2 A avaliação formativa tem a finalidade de acompanhamento do progresso do aluno ao longo do percurso letivo, levantando necessidades e dificuldades para criar alternativas conjuntas de melhoria, mostrando-se assim adequada ao aprimoramento das aprendizagens no processo ensino-aprendizagem. O termo avaliação formativa foi cunhado na literatura educacional em 1967 por Michael Scriven ao teorizar questões relacionadas à avaliação de currículo.

3 É possível discutir que para se constituir ciência com os conhecimentos pedagógicos e avaliativos diagnosticados junto aos docentes tornou-se necessário aprofundar o diálogo esclarecedor e elucidativo entre o senso comum e o conhecimento científico constituído e ressignificado ao longo do tempo. Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos (2001:55-56), a ciência Pós- Moderna tenta (...) ´´dialogar com outras formas de conhecimento deixando-se penetrar por elas. A mais importante de todas é o conhecimento do senso comum,o conhecimento vulgar e prático com que no cotidiano orientamos as nossas ações e damos sentido à nossa vida``.E então, por mais ´´mistificado`` e ´´conservador`` que seja o conhecimento que advém do senso comum, este também tem uma ´´dimensão utópica e libertadora`` que pode ser expandida pelo ´´diálogo com o conhecimento científico. Paulo Freire, ao retornar dos quinze anos de exílio fora do Brasil, escreveu já no final da década de setenta sobre a importância da mudança por meio de uma conscientização crítica da educação que permita ao indivíduo SER MAIS. ´´Este movimento de busca, só se justifica na medida em que se dirige ao SER MAIS, à humanização dos homens (...) e enquanto viabilidade deve aparecer aos homens como desafio e não como freio ao ato de buscar . Esta busca do SER MAIS, porém, não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão (...)`` (Freire,1983:86). Ele combate uma conscientização ingênua da pedagogia vista como alavanca da tranformação social e política ou o pessimismo sociológico de que a educação só reproduz mecanicamente a sociedade: o desenvolvimento de uma consciência crítica que permite ao homem transformar a realidade se faz cada vez mais urgente. Uma ´´conciência crítica não se satisfaz com as aparências``, busca ´´analisar os problemas com profundidade``, é ´´indagadora``, ´´ama o diálogo e nutre-se dele``. ´´Ao se deparar com um fato faz o possível para livrar-se de preconceitos``, está aberta a ´´revisões``, e ´´reconhece que a realidade é mutável``.

4 Esta questão sobre o que as coisas são ou o ser das coisas constitui um campo da filosofia: a ontologia (do grego, ontos, ser e logia, tratado), ou seja, a concepção da realidade que o pesquisador assume e da qual partilha ou, simplesmente, a concepção de mundo do investigador (Chizzotti, 2004).

5 Teoria do conhecimento apreendida pelo pesquisador que permite explicitar a relação entre aquele que conhece e as coisas que são conhecidas. Representa os fundamentos do conhecimento que dão sustentação a investigação de um problema (Chizzotti, 2004).

6 A Escola de Aplicação foi construída pela Faculdade Adventista de Educação no final dos anos oitenta para servir como campo de estágios e pesquisas de seus alunos e professores. Recebeu depois o nome de seu precursor passando a denominar-se Escola Modelo Professor Orlando Rubem Ritter. A escola de educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental continua em funcionamento, mas sem o acompanhamento direto da faculdade de educação.

7 Sobre o contexto social neodarwinista é encontrado em Almerindo Afonso (2007:13) uma compreensão maior da idéia como subordinação dos interesses coletivos e os direitos sociais e educacionais aos interesses econômicos, políticos e culturais hegemônicos (nacionais, internacionais e supranacionais, de índole neoliberal ou não) e em termos pessoais induzem o que o autor designa como hipervalorização dos projetos individuais , isto é, uma situação em que cada indivíduo tende a construir e reconstruir, de forma isolada e pragmática, a sua biografia e identidade , interiorizando como natural (e desejável) as dinâmicas de competição arbitrária , de sobrevivência a qualquer preço, de seletividade injusta, de elitização classista e de discriminação social, geral.

8 Os textos em negrito correspondem às falas dos oito docentes, sujeitos de pesquisa, - P.1;P.2; P.4... em seminários ou entrevistas individuais e os depoimentos dos doze alunos entrevistados - A.1;A.2; A.3...)

9 Talvez seja esse o caminho para romper com uma educação que ainda ´´permanece vertical e ´´bancária`` pois na expressão de Paulo Freire o professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma uma consciência bancária. O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita - para depois despejar nas provas. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde assim seu poder de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo o sujeito de sua ação ( Freire, 2005).

10 A autora é doutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade católica de São Paulo. É pesquisadora convidada em dois grupos de pesquisa da PUC/SP cadastados no CNPQ: Formação de Educadores e Paradigmas Curriculares e Avaliação de Políticas e Instituições no Brasil. Atua como docente da graduação e da pós graduação no Centro Universitário Adventista de São Paulo - UNASP.

 

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