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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  n.16 Lisboa  2010

 

Educação do aluno sobredotado no Brasil e em Portugal: uma análise comparativa

 

Denise de Souza Fleith*, Leandro S. Almeida**,Eunice M. L. Soriano de Alencar***,Lúcia Miranda****

*Universidade de Brasília, fleith@unb.br

**Universidade do Minho, leandro@ie.uminho.pt

***Universidade Católica de Brasília

****Instituto Superior de Educação e Trabalho, Porto

 

RESUMO

Este estudo compara o percurso da educação do sobredotado no Brasil e em Portugal. Para isso descreve-se a trajectória histórica, a legislação e a terminologia adoptada, os programas e serviços de atendimento ao sobredotado, a formação dos profissionais e a produção científica brasileira e portuguesa na área. As análises efectuadas indicam uma maior consistência da legislação e das medidas educativas no Brasil em atenção aos alunos sobredotados, havendo uma maior consistência histórica e um maior reconhecimento social desta área. O desenvolvimento da área no Brasil assenta em três pilares: estruturas governativas da educação, associações e instituições de ensino superior, sendo que em Portugal o contributo por parte das entidades governativas ao desenvolvimento da área é inexistente. Face à proximidade linguística e cultural, e ao significativo intercâmbio académico entre os dois países, apontam-se algumas iniciativas para os próximos anos em prol do desenvolvimento da educação do aluno sobredotado. Essa aposta passa pela realização de estudos e publicações conjuntas ou pelo intercâmbio de estudantes e profissionais interessados na área.

Palavras-chave: Sobredotação; necessidades educativas; desenvolvimento de talento; Brasil; Portugal.

 

Gifted student education in Brazil and Portugal: A comparative analysis

ABSTRACT

This study compares the development of gifted education in Brazil and Portugal. For this purpose we describe the historical development, legislation and adopted terminology, programs and care services to the gifted, the training of professional and scientific production in Brazilian and Portuguese in this area. Analyses indicate a greater consistency of legislation and educational measures in Brazil aimed at gifted students, with even greater historical consistency and greater social recognition of this area. The development of the area in Brazil is based on three pillars: the governing boards of education, associations and institutions of higher education. In Portugal the contribution of the government for the development of this area is lacking. Given the linguistic and cultural proximity, and the significant academic exchange between the two countries, we suggest some initiatives for the next ten years towards the development of the education of gifted students. This intention is achieved by conducting cross-cultural studies and publications or by exchanging of students and professionals interested in the area.

Keywords: Giftedness; educational needs; talent development; Brazil; Portugal

 

Introdução

No cenário mundial actual de instabilidades, incertezas e conflitos de toda ordem, os recursos humanos são, inquestionavelmente, o bem mais precioso que uma nação pode ter em apoio ao seu desenvolvimento (Sternberg & Davidson, 1986).

Neste sentido, é imperativo favorecer a identificação e o desenvolvimento de talentos nas diferentes áreas da aprendizagem e da realização humana. Infelizmente, sobretudo em países menos desenvolvidos, é escasso o investimento na área da sobredotação e dos talentos. Umas vezes por falta de informação, outras vezes por tabus instituídos e preconceitos associados, o tema da sobredotação não é devidamente considerado na análise das diferenças individuais e das necessidades educativas específicas. Neste artigo, aproveitando a proximidade linguística e o intercâmbio académico entre Brasil e Portugal na área, apresentamos uma síntese evolutiva, seguida de uma análise comparativa, da educação do aluno sobredotado, ou com características de sobredotação, nos dois países.

Para a realização desta análise comparativa elencamos previamente os seguintes tópicos: (i) história do tema; (ii) legislação educativa centrada na sobredotação; (iii) programas e serviços de atendimento ao aluno sobredotado; (iv) formação de professores e de outros profissionais na área; e (v) produção científica neste domínio. Por último, concluímos o artigo delineando, para os dois países, uma agenda de acções futuras de forma a impulsionar uma maior atenção por parte da sociedade e do sistema educativo ao fenómeno da sobredotação.

 

Sobredotação: Aspectos Históricos

Segundo Delou (2007), o primeiro registo da necessidade ou importância do atendimento a alunos sobredotados no Brasil data do ano de 1929, quando a Reforma do Ensino Primário, Profissional e Normal do Estado do Rio de Janeiro previu o atendimento educacional dos supernormaes. Neste mesmo ano, chegou ao Brasil a educadora russa Helena Antipoff, vindo a realizar várias pesquisas e publicações sobre crianças sobredotadas, como Primeiros casos de supernormaes, em 1938, Campanha da Pestalozzi em prol do bem dotado, em 1942 e A criança bemdotada, em 1946. Ainda nos anos 30 do século passado, autores como Leoni Kaseff, Sílvio Rabello e Ulisses Pernambucano apontaram a necessidade de atenção ao sobredotado e a inadequação da escola regular no atendimento às suas necessidades especiais. Em 1945, Helena Antipoff deu início ao atendimento a alunos sobredotados no Instituto Pestalozzi do Brasil, no Rio de Janeiro, incluindo actividades nos campos da literatura, teatro e música.

Posteriormente, o Ministério de Educação e Cultura instituiu, em 1967, uma comissão para estabelecer critérios de identificação e atendimento a estes alunos que, então, eram chamados de sobredotados. Em 1971, a Lei 5.692, fixando as directrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus (Ministério da Educação, 1971), estipula, no artigo 9º, a necessidade de atendimento especial, não apenas aos alunos com deficiências físicas e mentais, mas também ao aluno sobredotado. No mesmo ano, foi criado o Projecto Prioritário n.º 35, que estabeleceu a educação de sobredotados como área primeira da Educação Especial no Brasil, incluindo-a no Plano Sectorial de Educação e Cultura, previsto para o período de 1972 a 1974. Foi também em 1971 que ocorreu o 1º Seminário Nacional sobre o Sobredotado, em Brasília, alertando para a necessidade de um diagnóstico precoce deste aluno, a organização de programas especiais para tais alunos e a preparação de profissionais especializados para o seu atendimento. Nesse mesmo ano, veio ao Brasil uma equipe de especialistas norte-americanos que actuou como consultora no Ministério da Educação e foi responsável pela introdução da definição de sobredotado, idêntica à apresentada no relatório Marland (1972) nos Estados Unidos, sugerindo seis áreas gerais de habilidades (capacidade intelectual, aptidão académica específica, pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para artes visuais, artes dramáticas e música, e capacidade psicomotora) (Alencar, 1986). Em 1973 foi fundado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), que passou a dar um apoio maior às iniciativas de educação de alunos sobredotados no Brasil e patrocinou vários seminários sobre o tema.

De acrescentar que, a partir de 1971, as organizações não-governamentais passaram a desempenhar um papel importante no atendimento aos alunos sobredotados. Em 1978, por exemplo, foi criada a Associação Brasileira para Sobredotados (ABSD) e vários programas surgiram em diferentes Estados ao longo dessa década. Um deles, em Minas Gerais, em 1972, quando Helena Antipoff deu início a um programa de atendimento ao aluno bem-dotado do meio rural e da periferia urbana; outro, em São Paulo, denominado Projeto Objetivo de Incentivo ao Talento (POIT) pelo Centro Educacional Objetivo; outro, em Brasília, por iniciativa da Secretaria de Estado de Educação do Governo do Distrito Federal cobrindo a rede oficial de ensino; outro, na Bahia, onde por iniciativa da Fundação José Carvalho se estabeleceu um Colégio Técnico com atendimento a alunos sobredotados provenientes de famílias de baixa renda; também em 1979 teve início o Programa Especial de Treinamento (PET) para estudantes universitários que se destacam por seu desempenho académico, motivação para estudo e habilidades intelectuais superiores (Alencar, Fleith & Arancibia, 2009). No início dos anos 80, foi fundada a Associação Gaúcha de Apoio às Altas Habilidades/Sobredotação (AGAaHSD).

Em 1995, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação publicou novo documento apresentando as directrizes para a educação do aluno sobredotado e talentoso. Nesse documento foi proposto o termo "altas habilidades" que passou também a ser utilizado para se referir ao aluno sobredotado (Ministério da Educação, 1995). Para reforçar a necessidade de se implementar políticas educacionais na área ao nível dos vários Estados da Federação, essa Secretaria organizou um Seminário em 1996 com a presença de representantes das Secretarias de Educação de 26 Estados Brasileiros. Durante esse evento, foram apresentadas as directrizes para a implementação de programas para os alunos sobredotados, bem como discutidos diferentes modelos de atendimento e distintas questões relacionadas à sobredotação/altas habilidades. Foi também na década de 90, que ocorreu, em Brasília, o III Congresso Ibero-Americano sobre Sobredotação, com a presença de vários convidados internacionais, ocasião em que foram divulgados os programas para sobredotados em aplicação nos diferentes Estados do País. Nos últimos anos, novos avanços ocorreram na área. Em 2003, foi fundado o Conselho Brasileiro para Sobredotação (CONBRASD), e em 2005 a Associação Paulista para Altas Habilidades/Sobredotação (APAHSD). Inúmeros textos, em especial livros, artigos de periódicos, dissertações e teses, vieram a público e novos programas de atendimento surgiram tanto para o aluno sobredotado como para a sua família, por exemplo o promovido pela Assessoria Cultural e Educacional no Resgate a Talentos Acadêmicos (ACERTA), instituição sediada no Rio de Janeiro, e o do Instituto para Otimização da Aprendizagem (INODAP) em Curitiba, Paraná.

Acresce, ainda, novas disposições legislativas recentes. Por exemplo, o Decreto 6.571 de Setembro de 2008 dispõe sobre o atendimento educacional especializado (Ministério da Educação, 2008). Também em 2005, por iniciativa do Ministério da Educação, foram criados os Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Sobredotação (NAAHS) em 27 Estados Brasileiros (Ministério da Educação, 2005), incluindo vertentes de atendimento aos alunos, professores e família.

Em Portugal, o estudo e a intervenção na área de sobredotação são bastante recentes. Na década de 80 do século passado alguns académicos apoiam a Associação Portuguesa das Crianças Sobredotadas (APCS, 1986) no arranque de alguns estudos e trabalhos na área. O grande objectivo foi sensibilizar a sociedade, o governo, a escola e a família para a existência do fenómeno e para a possibilidade de alunos com características de sobredotação não receberem o apoio específico e necessário ao desenvolvimento das suas capacidades e talentos. A realização da 1ª Conferência Portuguesa de Crianças Sobredotadas no Porto, em Agosto de 1986, com especialistas estrangeiros, foi a melhor forma de introduzir o tema e a sua relevância educativa. Aqui destacamos os representantes dos Estados Unidos ligados ao World Council for Gifted and Talented Children (WCGTC) e vários académicos do Brasil com que Portugal manteve fortes ligações a partir de então. Esta Associação promoveu, de seguida, a 2ª Conferencia Nacional sobre Crianças Sobredotadas, optando pelo tema "A escolha do modelo de atendimento do sobredotado mais adequado para Portugal". Esta reunião decorreu também na cidade do Porto, em Março de 1987, e contou com a presença do Presidente do WCGTC, Harry Passow. Várias recomendações ao governo e ao sistema educativo foram difundidas na comunicação social tomando os programas de intervenção em curso noutros países.

Na sequência destas Conferencias, em Novembro de 1987, realiza-se o primeiro curso sobre " Educação de Sobredotados", orientado por Doroty Sisk e Hilda Rosselli da Universidade da Florida do Sul, promovido pela APCS e destinado a professores e outros profissionais vinculados à Associação. A par das actas e outras publicações associadas às duas conferências realizadas, a APCS edita uma brochura, em formato de livro, intitulada "Deixem-me passar: Orientações para pais e professores de crianças sobredotadas", que teve bastante difusão na comunidade educativa.

No final dessa década foi criado, em Lisboa, o Centro Português para a Criatividade, Inovação e Liderança (CPCIL, 1989), com actuação significativa na formação de professores, consultoria junto do Ministério da Educação e apoio às famílias e escolas. Mais tarde, em Maio de 1995, surgiu a Associação Portuguesa para o Estudo da Problemática da Inteligência, Criatividade e Talento (APEPICTa), tendo por objectivo desenvolver o estudo e a realização de acções de sensibilização, formação e investigação dos problemas inerentes ao estudo do trinómio inteligência, talento e criatividade. Esta Associação com ligações ao Centro "Huerta Del Rey" em Espanha, teve a seu cargo a organização do II Congresso da Federação Ibero-Americana do Word Concil for Gifted and Talented Children, na cidade da Maia em Outubro de 1996, sobre a problemática sócio-educativa dos alunos sobredotados. Em 1998, foi criada a Associação Nacional para o Estudo e Intervenção na Sobredotação (ANEIS, 1998). Vários seminários e colóquios, envolvendo principalmente académicos portugueses, brasileiros e europeus, têm sido anualmente organizados com o objectivo de discutir o conceito, a avaliação e o atendimento dos alunos sobredotados ou, ainda, para sensibilizar as famílias e a formação de profissionais. Das várias iniciativas que decorreram nos anos subsequentes à criação da ANEIS destaca-se o "First European Council for High Ability Research Seminar" do European Council for High Ability em parceria com a Universidade do Minho em 2000, ou os seus congressos nacionais realizados anualmente em diferentes regiões do País. Esta associação desenvolve igualmente o Programa de Enriquecimento em Domínios da Aptidão, Interesse e Socialização (PEDAIS), que se iniciou na cidade de Braga e se estendeu a outras Delegações noutras capitais de Distrito. A ANEIS organiza um Campo de Férias " Estimulo ao Talento e à Cooperação.." (ETC...) para adolescentes talentosos de todo o País, com a duração de uma semana nas férias de verão e cuja 1ª edição teve lugar em Julho de 2000.

Em termos da intervenção por parte do Ministério da Educação Português, uma parceria com o CPCIL permitiu a realização de algumas actividades, nomeadamente: (i) a realização em Lisboa da "Conferencia sobre Sobredotação" de âmbito Europeu em 1987; (ii) a implementação do projecto de Apoio ao Desenvolvimento Precoce (PADP) em escolas básicas da Grande Lisboa entre 1996 e 1998; (iii) acções de formação para professores em todo o País; e (iv) edição em 1998 de uma brochura da autoria de Jorge Senos e Teresa Diniz, com tiragem de 15.000 exemplares, intitulada " Crianças e Jovens Sobredotados: Intervenção Educativa", difundida pelas escolas públicas do País (Miranda & Almeida, 2002). Em 1994, Portugal subscreve a Recomendação n.º 1248 do Conselho da Europa, relativa à educação de crianças sobredotadas e, mais recentemente, em 2006, a Unidade Portuguesa da Rede Eurydice do Ministério da Educação participa num estudo europeu sobre "medidas educativas específicas para promover todas as formas de sobredotação nas escolas da Europa" e que viria a ser apresentada na reunião dos Ministros da Educação sobre esta matéria aquando da presidência Austríaca do Conselho da União Europeia (GEPE, ME, 2008).

Com relação à trajectória histórica da sobredotação, especialmente da educação do aluno sobredotado nos dois países, nota-se que o interesse no Brasil data do início do século XX ao passo que em Portugal ocorre, pelo menos, meio século depois. Observa-se, ainda, que o início do desenvolvimento da área no Brasil foi impulsionado, sobretudo, pelos organismos governamentais, enquanto em Portugal o envolvimento do Ministério da Educação foi sempre muito tímido. A maior projecção do tema da sobredotação nas duas últimas décadas, em Portugal, decorre da actuação das associações, nomeadamente as suas iniciativas de formação e de apoio directo aos alunos sobredotados e suas famílias.

 

Sobredotação: Legislação

De acordo com Delou (2007), as ideias e acções de Helena Antipoff tiveram grande influência na educação dos alunos sobredotados no Brasil. A Lei de Directrizes e Bases da Educação publicada em 1961 "dedicou os artigos 8º e 9º à educação dos ´excepcionais`, palavra cunhada por Helena Antipoff para se referir tanto aos deficientes mentais como aos sobredotados e aos que tinham problemas de conduta" (p. 28). Dez anos mais tarde, foi promulgada a Lei 5.692/1971 que determinava, explicitamente, "que os alunos sobredotados deveriam receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação" (p. 29). Ainda na década de 70, foi adoptada oficialmente no Brasil, a seguinte definição de sobredotação: "São consideradas crianças sobredotadas e talentosas as que apresentam notável desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual superior, aptidão académica específica, pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para artes visuais, artes dramáticas e música e capacidade psicomotora" (p. 2).

Em 1994, esta definição foi ligeiramente modificada, incluindo-se o termo altas habilidades, substituindo-se crianças por educandos e retirando-se talentosas, conforme documento A Política Nacional de Educação Especial. Esta definição, transcrita a seguir, foi amplamente divulgada em publicação da Secretaria de Educação Especial Subsídios para Organização e Funcionamento de Serviços de Educação Especial-Área de Altas Habilidades (Ministério da Educação, 1995): "Portadores de altas habilidades/sobredotados são os educandos que apresentam notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual superior; aptidão académica específica; pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes e capacidade psicomotora" (p. 17).

No contexto da discussão mundial sobre inclusão educacional, foi publicada, em 1996, a Lei de Directrizes e Bases da Educação Nacional 9.394 que, no seu artigo 4º, explicita que é dever do Estado garantir atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente nas escolas regulares da rede pública de ensino. Ademais, esta lei assegura a implementação de práticas de aceleração de estudos para o aluno sobredotado permitindo "concluir em menor tempo os cursos realizados no âmbito da Educação Básica e Superior".

Em 2001, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação homologou a Resolução n.º 2, que instituiu as Directrizes Nacionais da Educação Especial para a Educação Básica e considerou alunos com altas habilidades/sobredotação aqueles que apresentam "grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes" (p. 37). "Tal conceito traz a inovação de tirar o foco do aluno, passando-o para o processo de aprendizagem deste indivíduo" (Delou, 2007, p. 37). A Resolução n.º 02/2001, no seu artigo 8º, destaca a necessidade das escolas preverem e proverem actividades que favoreçam o aprofundamento e o enriquecimento curricular, mediante desafios suplementares nas classes comuns, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para conclusão, em menor tempo, da série ou etapa escolar. Esta resolução tratou, ainda, da questão da formação de professores e sua capacitação para a educação especial. Recentemente, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação brasileiro reviu a definição de sobredotação ao elaborar a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, considerando que os "Alunos com altas habilidades/sobredotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, académica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse" (Ministério da Educação, 2008, p. 15).

Em Portugal é escassa a legislação na área do atendimento aos alunos sobredotados. Para além de não se recorrer a este termo na legislação disponível, a atenção a estes alunos decorre quase exclusivamente da sensibilidade e iniciativa autónoma dos educadores, professores e técnicos. A Legislação Portuguesa actual apenas contempla a aceleração ou o salto de ano, e circunscrita ao Ensino Básico (os primeiros nove anos de escolaridade). Esta medida educativa aparece designada por "casos especiais de progressão" (Despacho Normativo 1 de 2005 de 5 de Janeiro) e destina-se a "alunos que revelem capacidades excepcionais de aprendizagem, que apresentem um adequado grau de maturidade e, o desenvolvimento das competências previstas para o ciclo que frequentam". A legislação prevê ainda (Despacho Normativo 50 de 2005 de 9 de Novembro) que se apliquem os "planos de desenvolvimento" a alunos que manifestem capacidades excepcionais de aprendizagem, podendo esses planos integrar as seguintes modalidades de apoio (a) pedagogia diferenciada na sala de aula; (b) programas de tutoria para apoio a estratégias de estudo e aconselhamento ao aluno; e, (c) actividades de enriquecimento curricular em qualquer momento do ano lectivo ou início de um novo ano escolar (Almeida & Oliveira, 2010; Miranda, Almeida, & Almeida, 2010). De acrescentar que a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/1986 com alterações introduzidas pela Lei 115/97, de 19 de Setembro, e pela Lei 49/2005, de 30 de Agosto) previa a igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolar para todos os alunos, o que era usado pelas associações para defenderem uma atenção educativa individualizada também para os alunos sobredotados. O recente Decreto-Lei 3/2008 que enquadra a Educação Especial circunscreve-a "aos alunos com limitações significativas ao nível da actividade e participação num ou vários domínios da sua vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais de carácter permanente, resultando dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, do relacionamento interpessoal e da participação social" (Miranda, Almeida, & Almeida, 2010, p. 42). Finalmente, por despacho do Secretário de Estado da Educação de 16 de Maio de 2008, os pedidos de ingresso antecipado na escola passam a ser dirigidos ao Director do Agrupamento de Escolas ou ao Director Regional.

Uma outra realidade legislativa em Portugal ocorre na Região Autónoma da Madeira. Usando a sua autonomia, a legislação explicita os apoios aos "alunos sobredotados", tendo-se criado programas de formação de professores e psicólogos na área da sobredotação, recorrendo a técnicos portugueses e estrangeiros. Ao longo de duas décadas foram constituídas equipas multidisciplinares servindo as escolas e as famílias destes alunos, foram validados instrumentos nacionais e internacionais para a sinalização e o diagnóstico destes alunos, e foram implementados e avaliados programas de intervenção.

No que diz respeito à legislação acerca da educação do aluno sobredotado, ao se comparar o cenário brasileiro e o português (excluindo-se aqui a Região Autónoma da Madeira), observa-se que no Brasil a preocupação em assegurar legalmente os direitos e o atendimento às necessidades destes alunos tem já bastante tradição. Sem paralelo com Portugal, existe no Brasil um bom número de leis, resoluções e documentos governamentais orientando a escola no atendimento específico a estes alunos. Mesmo assim, o desconhecimento da legislação e das práticas educacionais apropriadas ao aluno sobredotado enfraquecem o cumprimento efectivo das leis e resoluções legislativas, como veremos no ponto seguinte.

 

Sobredotação: Programas e serviços de atendimento

A maioria dos programas brasileiros para alunos sobredotados reporta-se a programas de enriquecimento curricular, implementados tendencialmente duas vezes na semana em horário suplementar às aulas regulares. De maneira geral, no processo de identificação dos alunos sobredotados usam-se vários recursos incluindo notas escolares, resultados em testes psicométricos, indicação de professores e observação em sala de aula, por exemplo. Além das habilidades cognitivas, avaliam-se também os níveis de motivação e de criatividade.

É importante destacar o esforço do Ministério da Educação na criação dos Núcleos de Actividades de Altas Habilidades/Sobredotação (NAAHS) em 2005, estimulando o envolvimento dos Estados Brasileiros na educação do sobredotado. Apenas a título ilustrativo, um dos programas mais antigos é oferecido pela Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, desde 1975, promovendo o desenvolvimento social e ajuste escolar, abordagem de assuntos não contemplados no currículo regular ou assuntos académicos avançados e desafiadores, para além de actividades nas áreas artísticas. O Projeto de Orientação e Identificação de Talentos (POIT) teve início em 1972, em São Paulo, implantado pelo Colégio Objetivo. Cursos extracurriculares nas áreas de interesses e habilidades dos alunos, ou sobre competências de relacionamento interpessoal, são oferecidos aos participantes do projecto (Alencar, Fleith, & Arancibia, 2009). O Centro para o Desenvolvimento do Potencial e do Talento (CEDET) fundado em 1993, em Minas Gerais, com apoio da Secretaria Municipal de Educação de Lavras, oferece um programa de enriquecimento para alunos mais capazes, tendo em vista o estímulo às suas habilidades e o seu desenvolvimento emocional e pessoal. De mencionar o Instituto Social Maria Telles (ISMART), criado em 1999, visando a preparação de uma nova geração de líderes, identificar e incentivar alunos sobredotados de comunidades pobres provendo oportunidades educacionais que os levem a frequentar instituições de ensino superior de excelência e a desenvolver uma carreira profissional de sucesso (Alencar, Fleith, & Arancibia, 2009). A Assessoria Cultural e Educacional de Resgate a Talentos Acadêmicos (ACERTA) desenvolve um trabalho especializado com crianças e jovens sobredotados, suas famílias, profissionais e instituições de ensino e cultura. Por outro lado, tão importantes quanto os programas oferecidos aos alunos são os serviços disponibilizados aos pais. Embora escassos, eles têm sido oferecidos por algumas instituições não-governamentais e por universidades. O Instituto para Otimização da Aprendizagem, por exemplo, tem promovido encontros de educação familiar sobre o desenvolvimento do sobredotado. Também em 2002, a Universidade de Brasília criou o Serviço de Apoio Psicoeducacional a Pais de Alunos Sobredotados, possibilitando compartilhar experiências e discutir estratégias familiares favoráveis ao desenvolvimento do talento (Alencar, Fleith, & Arancibia, 2009).

Em Portugal, respondendo a solicitações das famílias, as associações existentes na área da sobredotação desenvolvem programas de atendimento a estes alunos. A Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas (APCS) foi pioneira neste campo e em 1987 desenvolve o seu primeiro programa de enriquecimento na Escola Superior de Educação de Santa Maria no Porto, sob a coordenação da Doutora Zenita Guenther. Em 1995, em pareceria com a Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, também no Porto, a APCS inicia o programa "Sábados Diferentes" de enriquecimento para alunos sobredotados (Miranda & Almeida, 2002; Serra, 2000). Os programas desenvolvidos pela Associação Nacional para o Estudo e Intervenção na Sobredotação (ANEIS), nas capitais de vários distritos do País, atendem crianças e adolescentes a solicitação de famílias e escolas. Estes programas de enriquecimento assumem forma diversa nos seus objectivos e actividades de acordo com os utentes e os técnicos envolvidos, e geralmente têm lugar aos sábados. A ANEIS realiza também um programa de enriquecimento nas férias de verão destinado a adolescentes o Programa "ETC..." já referido anteriormente (Oliveira & Guimarães, 2003; Palhares, Oliveira & Melo, 2000). Progressivamente, algumas escolas públicas e privadas organizam clubes e ateliers reunindo os seus alunos mais capazes em programas de enriquecimento curricular e extracurricular em função dos respectivos talentos (Miranda & Almeida, 2005)

Para além dos programas de enriquecimento, importa lembrar outras formas de apoio aos alunos sobredotados. As associações desenvolvem consultadoria às escolas e às famílias, além da consulta psicológica e apoio educativo individualizado. Ainda em Portugal, merece referência um programa de atendimento aos alunos sobredotados na Região Autónoma da Madeira. De início, através de profissionais especificamente recrutados pelo Governo Regional para o efeito, implementouse o Programa Regional de Apoio aos Sobredotados (PRAS), estando hoje tais recursos humanos integrados nas estruturas escolares de educação especial e coordenados através da Divisão de Investigação em Educação Especial, Reabilitação e Sobredotação (DIEERS). Esta Divisão inclui nos seus objectivos a formação de profissionais, a realização de estudos, a validação de instrumentos de avaliação e a implementação e avaliação de programas de atendimento aos alunos sobredotados, situação que não tem qualquer paralelo com a realidade educativa no resto do País.

Analisando a situação no Brasil e em Portugal ao nível do atendimento aos alunos sobredotados, podemos afirmar que a generalidade dos programas e serviços oferecidos aos alunos sobredotados e suas famílias decorre do esforço de instituições não-governamentais. As associações na área têm suprido a falta de investimento dos governos, situação esta que ocorre sobretudo em Portugal (excluindo a Região Autónoma da Madeira). De novo, também ao nível da intervenção, a trajectória brasileira é mais longa do que a portuguesa. Ao mesmo tempo, assiste-se no Brasil a uma maior diversidade de programas de atendimento destes alunos, desde a educação básica ao ensino superior, diferindo a situação entre os vários Estados Brasileiros e reflectindo a extensão e as características regionais do País. Por último, as actividades de apoio integram-se, basicamente, no que a literatura considera os "programas de enriquecimento" ou na inclusão do aluno em currículos mais avançados através da sua aceleração escolar (entrada antecipada na escola ou salto de classe no educação básica), havendo aliás vários estudos recentes avaliando esta última medida educativa (Oliveira, 2007; Pacheco, 2008; Silva, 2008).

 

Sobredotação: Formação de professores e outros profissionais

No Brasil, praticamente não existem cursos de nível superior, tanto ao nível de mestrado ou doutoramento, específicos na área de sobredotação. Pouquíssimas instituições oferecem cursos de especialização sobre a educação do aluno sobredotado. Da mesma forma, em alguns poucos cursos de graduação de Psicologia e Pedagogia existem disciplinas optativas sobre Criatividade, Desenvolvimento do Talento e Sobredotação, nem sempre de forma sistemática, situação que se repete em alguns programas de pós-graduação.

Os profissionais que actuam nos programas e serviços de atendimento ao sobredotado e suas famílias são geralmente capacitados por meio de cursos, palestras, oficinas e participação em congressos, muitas vezes através de parcerias entre associações e universidades. O Conselho Brasileiro para Sobredotação (ConBraSD), por exemplo, organiza a cada dois anos um encontro nacional, incluindo palestrantes de renome nacional e internacional[1]. O Centro de Desenvolvimento de Talentos (CEDET), em Minas Gerais, também tem promovido eventos científicos na área com bastante regularidade. Com a implantação dos Núcleos de Actividades de Altas Habilidades/Sobredotação (NAAH/S), nos últimos três anos, o Ministério da Educação ampliou o seu apoio à realização de seminários e cursos de capacitação em vários Estados Brasileiros.

Em Portugal, a formação de educadores de infância, professores e psicólogos, apenas para se mencionarem os profissionais mais directamente relacionados com a temática, não inclui uma formação específica na área da sobredotação. Não existem, também, cursos específicos de pós-graduação para a formação na área, sendo também escassos os currículos de licenciaturas e de mestrados em educação e psicologia que incluem módulos dedicadas à sobredotação. A formação dos profissionais na área da sobredotação está claramente dependente das associações, mesmo que nas Academias seja cada vez mais frequente a realização de teses de mestrado e de doutoramento na área da sobredotação, excelência, desenvolvimento de talentos e criatividade (Miranda & Almeida, in press).

Em Portugal, o Ministério da Educação mantém uma posição de pouco comprometimento na área, apesar de uns anos atrás, na década de 80, ter protocolado com o CPCIL várias acções de formação de professores por todo o País, inclusive a implementação do projecto de Apoio ao Desenvolvimento Precoce (PADP) em escolas básicas da Grande Lisboa entre 1996 e 1998 (Miranda & Almeida, 2002). Exceptuando o que ocorre na Região Autónoma da Madeira, onde o Governo Regional apoia a formação contínua de professores e psicólogos para a sinalização e atendimento dos alunos sobredotados, a formação nesta área é mais tolerada, que conscientemente promovida, pelas estruturas educativas portuguesas.

Quanto à formação dos profissionais na área de sobredotação, podemos concluir que os cenários brasileiro e português são similares. As instituições de ensino superior não oferecem cursos específicos, menos ainda sistemáticos, na área. A capacitação de professores e outros profissionais decorre, em grande parte, por iniciativa das associações técnico-científicas, geralmente através de seminários e congressos. A Academia e as estruturas governamentais, sobretudo no Brasil, apoiam a realização desses eventos.

 

Sobredotação: Produção científica

A produção científica brasileira na área da sobredotação é fruto especialmente de dissertações de mestrado e teses de doutorado. Tais estudos têm sido sobretudo conduzidos em instituições federais, como a Universidade Federal de Santa Maria e a Universidade de Brasília, e em universidades católicas, tais como a Pontifícia Universidade Católica de Campinas, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e a Universidade Católica de Brasília. Por sua vez, diversos estudos e artigos têm sido publicados em periódicos científicos na área de Educação Especial ou da Psicologia (não existe no Brasil uma revista específica na área sobredotação). Estas publicações intensificaram-se, no Brasil, a partir de 2000 quando o assunto da sobredotação passou a ser mais discutido na sociedade e a ter maior visibilidade. Entre os temas mais investigados podemos apontar: (a) a percepção de alunos, pais e professores sobre sobredotação; (b) a caracterização e identificação do aluno sobredotado; (c) o papel da família no desenvolvimento de talentos; e (d) a avaliação de programas para sobredotados.

Uma maior tradição existe no Brasil relativamente à edição de livros sobre o tema, em particular nas décadas de 70 e 80, por exemplo Desenvolvimento Psicológico do Sobredotado (Novaes, 1979) e Psicologia e Educação do Sobredotado (Alencar, 1986). A partir de 2000, vários outros livros foram editados, por exemplo Educando os mais capazes (Freeman & Guenter, 2000), Desenvolver capacidades e talentos - Um conceito de inclusão (Guenther, 2000), Talento e sobredotação: Problema ou solução? (Sabatella, 2005); Educação e Altas Habilidades/Sobredotação: A Ousadia de Rever Conceitos e Práticas (Freitas, 2006); Educação de Sobredotados: Teoria e Prática (Gama, 2006); e Desenvolvimento de Talentos e Altas Habilidades-Orientação a Pais e Professores (Fleith & Alencar, 2007).

No contexto português, a maior parte da produção científica na área da sobredotação decorre de projectos de investigação e de teses de mestrado e de dou toramento realizadas nas Universidades e Institutos Superiores Politécnicos. No que diz respeito às teses de doutoramento, podemos classificar os assuntos versados em três grandes áreas: Uma primeira relacionada com a caracterização da população sobredotada; uma segunda área relacionada com a avaliação do impacto das respostas educativas; e, por último, outra área direccionada para a avaliação das características de sobredotação destes alunos. Em relação às dissertações de mestrado, e de acordo com um estudo recente (Miranda & Almeida, in press), podemos referir duas dezenas de teses de mestrados na área da sobredotação nestaúltima década. Relativamente às temáticas presentes estas são bastante diversas, por exemplo sinalização/identificação, avaliação e caracterização, desenvolvimento social do sobredotado, estratégias educativas familiares, e impacto de programas e medidas educativas específicas junto destes alunos. Um maior número destas teses foi apresentado nas Universidades do Minho, Coimbra e Porto, sendo de 1998 a primeira tese de doutoramento em Portugal dedicada às crianças sobredotadas (Pereira, 1998). Para além de teses académicas de mestrado e de doutoramento, vários estudos foram conduzidos e na generalidade os seus artigos aparecem publicados na revista Sobredotação (propriedade editorial da ANEIS desde 2000). Estes estudos repartem-se também por temáticas bastante heterogéneas, por exemplo: (i) o conceito; (ii) percepção e atitudes do professor, dos pais e dos alunos sobredotados; (iii) a construção e validação de instrumentos e de modelos de identificação e avaliação; (iv) as características cognitivas e de aprendizagem dos alunos sobredotados; ou, (v) a análise de talentos e excelência em domínios específicos.

Inegavelmente, tanto no Brasil quanto em Portugal, a pesquisa e a publicação na área de sobredotação confina-se ao meio académico, sendo que em Portugal a ANEIS tem também um papel relevante ao assumir a edição de uma revista específica na área desde 2000. As percepções de professores, pais e alunos, a caracterização e avaliação destes alunos, os programas de apoio e a sua avaliação são os temas dominantes da investigação em curso. No contexto brasileiro, ao contrário do português, observa-se um maior interesse na investigação do papel da família no desenvolvimento do talento, havendo em Portugal maior investimento na validação de instrumentos para a identificação e avaliação dos alunos com características de sobredotado. Por último, é maior a tradição do Brasil na publicação de livros, havendo em Portugal maior tendência para a publicação de artigos.

 

Agenda para a próxima década: Aproximando os dois países

A comparação da trajectória da legislação, pesquisa e intervenção no Brasil e em Portugal na área da sobredotação aponta diferenças entre os dois Países. Por exemplo, a par de uma maior consistência histórica da área no Brasil, também a legislação neste País é um factor determinante da legitimidade e do investimento público na sobredotação. Em Portugal, exceptuando a realidade educativa na Região Autónoma da Madeira, o tema da sobredotação é mais tolerado que investido por parte das autoridades governativas.

Como nenhum fenómeno em educação se encontra cabalmente estudado e nenhum problema solucionado em definitivo, podemos aceitar que Brasil e Portugal podem trilhar um caminho comum na área da sobredotação, aproveitando a proximidade linguística e cultural, assim como o significativo intercâmbio académico. Face aos desafios e às áreas de potencial desenvolvimento, faz sentido propormos uma agenda comum de acções para os próximos anos: Realização de estudos transculturais sobre sobredotação; Realização de estudos interdisciplinares sobre sobredotação de forma a ampliar a compreensão transdisciplinar deste fenómeno, para além do olhar da Psicologia e Educação; Revisão e discussão dos termos utilizados para designar o fenómeno da sobredotação; Edição conjunta de manuais por pesquisadores e educadores brasileiros e portugueses; Publicação de uma revista luso-brasileira sobre sobredotação; Organização de eventos científicos lusobrasileiros na área de educação do sobredotado e desenvolvimento de talentos; Intercâmbio de alunos brasileiros e portugueses de graduação e pós-graduação; Visitas e missões técnico-científicas entre os dois países envolvendo pesquisadores e educadores que actuam na área de sobredotação; Busca de parceiros do meio industrial, comercial e político, no Brasil e em Portugal, que auxiliem na implementação e/ou manutenção de projectos na área de sobredotação; Estabelecimento de convénios entre instituições brasileiras e portuguesas que ofereçam serviços de atendimento aos sobredotados e suas famílias; Ampliação da comunicação entre profissionais do Brasil e Portugal que actuam em programas e serviços de atendimento ao sobredotado com uso de recursos da tecnologia digital; Planeamento e implementação de cursos de especialização na área de sobredotação que incluam professores dos dois países; Sensibilização dos legisladores acerca da importância e necessidade de elaboração de leis que garantam oportunidades educacionais compatíveis com o potencial dos sobredotados; Divulgação nos meios de comunicação social de programas e serviços de atendimento ao aluno sobredotado que tenham obtido sucesso; e, Ampliação da oferta de serviços de formação e apoio à família do sobredotado.

Concluindo, num mundo caracterizado pela globalização, rápidas transformações, alta competitividade e renovação contínua de ideias, produtos e tecnologia, é essencial investir no talento e no potencial criativo. Conforme explica Ziegler (2009), "nações que têm expertise para ajudar os seus talentos a desenvolverem seu pleno potencial garantem não somente prosperidade, mas também progresso social, cultural, científico e económico" (p. 1511). Brasil e Portugal podem juntar esforços para a promoção desta área do conhecimento, estimulando um sentimento de compromisso colectivo na criação das melhores condições para o desenvolvimento das potencialidades singulares, talentos e altas habilidades dos seus cidadãos.

 

Nota

1 Cf. www.conbrasd.com.br

 

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