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Revista Lusófona de Educação

versión impresa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  no.17 Lisboa  2011

 

O ensino e a aprendizagem na sala de aula numa perspectiva dialética

 

*José Luis Vieira de Almeida, **Teresa Maria Grubisich

*Universidade Estadual Paulista, Campus de São José do Rio Preto, joseluisv@terra.com.br

**Academia da Força Aérea (Brasil), teresagrub@terra.com.br

 

Resumo

Neste texto discute-se, pelo enfoque da mediação dialética, a relação entre ensino e aprendizagem e seus efeitos na sala de aula. Com este trabalho pretende-se contribuir para que alguns equívocos a respeito dessa relação sejam dirimidos e para que os professores compreendam melhor o que é o ensino, o que é a aprendizagem, que tipo de relação existe entre ambos e qual é o papel do professor quanto a esses processos, que implicam bases filosóficas que devem ser conhecidas e bem compreendidas pelos docentes.

Palavras-chave: ensino; aprendizagem; dialética; mediação; sala de aula.

 

The teaching and the learning in the classroon on a dialetic perspective

Abstracts

In this paper it is argued, the dialectical mediation focus, the relation between teaching and learning and their effects in the classroom. This essay aims to contribute to some misconceptions about this relation are resolved and for teachers to better understand what teaching is, what learning is, what kind of relation exists between both of them and what the teacher role is about these processes, which involve philosophical bases that should be known and understood by teachers.

Keywords: teaching; learning; dialectical; mediation; classroom.

 

Introdução

A consulta a algumas bases de dados brasileiras sobre educação, como por exemplo, SciELO e SIBi-Dédalus ou ao Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), resulta em centenas de referências bibliográficas no verbete ensino–aprendizagem. A maior parte delas é encontrada em artigos, dissertações ou teses que tratam da metodologia de ensino, porém também é comum encontrá-las em textos que abordam problemas relativos à psicologia da aprendizagem ou à didática geral. Esses textos, quando discutem a relação ensino-aprendizagem, quase sempre o fazem na perspectiva do senso comum, ou seja, não explicitam o que é ensino tampouco o que é aprendizagem.

Quando entendida na perspectiva do senso comum, a relação ensino-aprendizagem é linear; assim, quando há ensino, deve necessariamente haver aprendizagem. Ao inverso, quando não houve aprendizagem, não houve ensino. Desse modo, o ensino é subordinado à aprendizagem. Essa subordinação é expressa em concepções que compreendem o professor como facilitador da aprendizagem, ou ainda como mediador do conhecimento.

A proposta deste artigo é discutir referências teóricas e metodológicas que possam revelar uma concepção não linear da relação em foco, bem como criticar as concepções professor facilitador e professor mediador. No artigo, serão discutidos, então, os conceitos de mediação, ensino e aprendizagem.

A mediação

A mediação no campo educacional é geralmente considerada como o produto de uma relação entre dois termos distintos que, por meio dela podem ser homogeneizados. Essa homogeneização elimina a diferença entre eles e, por conseguinte, a possibilidade de conflito entre ambos. Portanto, quando se compreende a mediação como o resultado, como um produto, a necessária relação entre dois termos se reduz à sua soma, o que resulta na sua anulação mútua, levando-os ao equilíbrio. Essa idéia concebe a mediação como o resultado da aproximação entre dois termos que, embora distintos no início, quando totalmente separados, tendem a igualar-se à medida que se aproximam um do outro.

Esse modo de compreender a mediação pode ser encontrado, por exemplo, nas publicações do Centro de Investigação e Intervenção Educativa (CIIE), da Universidade do Porto, Portugal. Esse Centro mantém convênios com universidades brasileiras, como por exemplo, a Universidade Federal de Pernambuco, para desenvolver projetos de pesquisa. Nesses projetos, discute-se o conceito de mediação local, indicando que mediar implica solucionar conflitos por meio de ações educativas. Assim, a mediação restringe-se a uma ação pragmática, circunscrita a uma situação de conflito. Este entendimento da mediação não é muito distante daquele em que ela é compreendida na situação da sala de aula. A mediação na sala de aula é também pragmática, pois pretende que o aluno aprenda de modo imediato. Nos dois casos, em que mediar é agir de modo pragmático, todo conflito pode ser “solucionado”, e o aluno pode “aprender”.

Ao restringirmos a mediação a uma situação dada, seja na escola ou em outras instituições sociais, eliminamos o seu caráter dialético e a circunscrevemos a um produto, quando ela é um processo. Isso fica claro quando, por exemplo, o professor tenta criar uma situação em sala de aula visando facilitar a aprendizagem do aluno; situação que normalmente tenta imitar o cotidiano do estudante, para que, a partir da simulação de uma experiência do dia-a-dia, a aprendizagem se viabilize. Esse simulacro do cotidiano é necessariamente restrito a uma situação, e nela o estudante manifesta-se como se tivesse aprendido, e, o que é pior, o professor acredita. Porém, uma vez finda a simulação e encerrada a aula, não podemos garantir que houve aprendizagem, porque o aluno reage à situação, mesmo que falsa, contudo reagir não é aprender. Na maioria das vezes, o professor desavisado não compreende que o aluno diante da situação proposta tenta reagir do modo como ele, o professor, espera, não se distanciando da dimensão cotidiana da experiência. A aprendizagem, quando restrita a uma situação, torna-se um produto, assim, na aula seguinte, a situação será outra e o produto também será outro. Dessa forma, não há processo e sim uma soma de produtos bem ao gosto, por exemplo, da pedagogia de projetos de Hernández (1998).

Como já afirmamos, a mediação como relação dialética não é produto e sim processo. Esse processo implica a superação do imediato no mediato: o imediato se expressa nas sensações e necessidades próprias de qualquer ser vivo. Então, podemos afirmar que qualquer ser vivo que sente calor, fome, sede e dor está no plano do imediato. O ser humano se distingue dos outros seres vivos, embora também o seja, por que é capaz de ascender ao plano do mediato; isto é, ele é capaz de pensar, e esta faculdade lhe permite transformar a natureza, o que não é possível aos seres vivos que estão no plano do imediato, os quais apenas reagem ao meio natural.

Consideramos o excerto de Marx (1983), transcrito a seguir, a melhor formulação para compreendermos a mediação: “A fome é a fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozinhada, comida com faca e garfo, não é a mesma fome que come a carne crua servindo-se das mãos, das unhas, dos dentes” (p. 210). De acordo com o pensamento de Marx, a fome animal está no plano do imediato, no qual vivem todos os seres vivos; já a fome humana é mediata, porque satisfeita com base em mediações como o tempero e o cozimento da carne, o uso do garfo e da faca. Além disso, precisamos acender o fogo e arrumar a mesa. Esclarecemos que a fome humana, quando é sentida, também é imediata, mas não é satisfeita nesse plano. Ainda com base na explicação de Marx, pode-se reiterar que apenas os seres humanos são capazes de mediar.

Para compreendermos a mediação na sala de aula, é preciso, em primeiro lugar, estabelecermos que o estudante está sempre no plano do imediato, e o professor está, ou deveria estar, no plano do mediato. Assim, entre eles se estabelece uma mediação que visa, como já o dissemos, a superação do imediato no mediato. Em outras palavras, o estudante deve superar a sua compreensão imediata e ascender a outra que é mediata. E isso só pode ocorrer pela ação do professor que medeia com o aluno, estabelecendo com ele uma tensão que implica negar o seu cotidiano. Por outro lado, o aluno tentará trazer o professor para o cotidiano vivido por ele, aluno, negando, assim, o conhecimento veiculado pelo professor. Nessa luta de contrários – professor e aluno, conhecimento sistematizado pela humanidade e experiência cotidiana – é que se dá a mediação; e ela ocorre nos dois sentidos, tanto do professor para o aluno quanto do aluno para o professor. Em outros termos, a mediação, na escola, é um processo que ocorre na sala de aula e promove a superação do imediato no mediato por meio de uma tensão dialética entre pólos opostos. É uma luta de contrários.

Esse modo de compreender a mediação não aceita a idéia do professor mediador do conhecimento, tampouco a noção de professor facilitador da aprendizagem. Essas duas acepções são equivocadas, porque, em primeiro lugar, o professor não é o único mediador, pois o aluno também medeia, e, em segundo lugar, a mediação não se estabelece com o conhecimento e sim entre o aluno e o professor. Trata-se de uma automediação no segundo sentido atribuído por Mészáros; ou seja, a mediação entre o homem e os outros homens:

A relação entre o homem e a natureza é ‘automediadora’ num duplo sentido. Primeiro, porque é a natureza que propicia a mediação entre si mesma e o homem; segundo, porque a própria atividade mediadora é apenas um atributo do homem, localizado numa parte específica da natureza. Assim, na atividade produtiva, sob o primeiro desses dois aspectos ontológicos a natureza faz a mediação entre si mesma e a natureza; e, sob o segundo aspecto ontológico - em virtude do fato de ser a atividade produtiva inerentemente social - o homem faz a mediação ente si mesmo e os demais homens. (Mészáros, 1981, p.77-78)

Sendo a mediação na sala de aula uma automediação, não podemos abrir mão da relação direta entre professor e aluno. Desse modo, não podemos substituí-la por falsos mediadores, como por exemplo, a exibição de filmes quando a temática não corresponde àquela tratada pelo professor, ou a execução aleatório de atividades de ensino. Os professores que se utilizam com freqüência desses recursos nutrem a esperança de que essas práticas sejam capazes de estabelecer mediações que eles, os professores, talvez não se sintam seguros para desenvolver. Alguns professores precisam ser lembrados de que sala de aula não é sala de cinema nem oficina de terapia ocupacional.

Os professores que se utilizam desses artifícios o fazem muitas vezes no intuito de facilitar a aprendizagem; porém, sendo a relação entre o ensino e a aprendizagem uma luta de contrários, não há como facilitá-la. Ao inverso, o professor deve dificultar a vida cotidiana do aluno inserindo nela o conhecimento, e, dessa forma, negando-a. Pois, na vida cotidiana não há conhecimento e sim experiência. Desse modo, não há como facilitar o que é difícil. Aprender é difícil.

será sempre necessário que ela [criança] se fatigue a fim de aprender e que se obrigue a privações e limitações de movimento físico isto é que se submeta a um tirocínio psicofísico. Deve-se convencer a muita gente que o estudo é também um trabalho e muito fatigante com um tirocínio particular próprio, não só muscular-nervoso mas intelectual: é um processo de adaptação, é um hábito adquirido com esforço, aborrecimento e mesmo sofrimento. (Gramsci, 1985, p. 89)

Como assinala Gramsci, a aprendizagem depende do esforço pessoal de cada estudante. É claro que o professor sempre poderá intervir, de modo direto, neste processo, auxiliando o aluno. Ele deve esforçar-se para que os estudantes aprendam, mas não pode minimizar nem esconder as dificuldades inerentes à aprendizagem.

Quando compreendemos a mediação no seu sentido original, aquele atribuído por Hegel (1770 - 1831) como superação do imediato no mediato, recusamos a idéia de que é preciso reproduzir o cotidiano do aluno na sala de aula para que ele aprenda; pois, com isso, aluno e professor se igualam. Isso é falso, pois eles não são iguais e tampouco o professor pode apreender o cotidiano do aluno. Esta possibilidade seria temerária, porque permitiria o controle da instância singular do ser humano. Controle esse almejado pelos regimes totalitários como o fascismo. Ao contrário dessa perspectiva, o professor deve distinguir-se do aluno; nesse sentido, lembramos as palavras de Bertolt Brecht (1964) quando indagado sobre a dificuldade de compreensão de suas peças pelos operários:

Também, então, houve quem nos perguntasse:

‘Será que o trabalhador vos entenderá?

[...]

Camaradas, a forma das novas peças

É nova. Mas porquê [sic] temer

O que é novo? É difícil de executar?

Mas porquê [sic] temer o que é novo e difícil?

Para quem é explorado e sempre desiludido

Também a vida é uma constante experiência, e

O ganho de uns quantos tostões uma empresa incerta

Que em parte alguma jamais se aprende.

Por que razão temer o que é novo, em vez do que é velho?

E mesmo que o vosso espectador, o trabalhador, hesite,

Vocês não deverão acertar o passo por ele, mas, sim adiantarem-se-lhe,

Rapidamente, a passos largos,

Confiando, sem reservas na sua força, que surgirá enfim.

(Brecht, 1964, pp. 68-69)

No excerto do dramaturgo alemão, encontramos três idéias importantes que podem ser discutidas a partir da relação ensino-aprendizagem na sala de aula. A primeira é que no cotidiano não se aprende e, diríamos mais, no cotidiano experimenta-se; e a experiência cotidiana na sala de aula é a negação da aprendizagem. A segunda é que o professor não deve esperar que o aluno aprenda para ensinar; ao contrário, deve ensinar para que o aluno aprenda, e isso implica caminhar a passos largos e acreditar na possibilidade de o aluno, ao defrontar-se com o novo, aprender. Afinal confiar na capacidade de o aluno aprender é, em última instância, compreendê-lo como um ser humano e, nesse sentido, igual ao professor. A terceira idéia oferecida no excerto de Brecht consiste no desafio proposto por este artigo aos professores: por que temer o que é novo e difícil? Por que razão temer o que é novo, em vez do que é velho? Em outras palavras, porque não enfrentar a dificuldade de apreender o sentido original e dialético da mediação, aplicando-o na sala de aula?

Ensino e aprendizagem

Quando se compreende a relação ensino-aprendizagem na sala de aula como mediação, o ensino e aprendizagem são opostos entre si e se relacionam por meio de uma tensão dialética. Desse modo, esses termos, apesar de negarem-se mutuamente, se completam, mas, como já o dissemos, essa unidade não se estabelece de modo linear.

Neste artigo, conceituaremos primeiro o ensino e, pela sua negação, conceituaremos aprendizagem. Sabemos da dificuldade de conceituar esses dois termos, pois de modo geral os estudiosos da área de educação e os professores, talvez por influência das pedagogias contemporâneas, não o fazem; pois preocupam-se quase exclusivamente com o “como ensinar”, ou mais precisamente como facilitar a aprendizagem dos alunos.

A idéia principal que informa o nosso conceito de ensino é a de que ele expressa a relação que o professor estabelece com o conhecimento produzido e sistematizado pela humanidade. Assim, o ensino constitui-se de três atividades distintas a serem desenvolvidas pelo professor.

A primeira consiste em, diante de um tema, selecionar o que deve ser apresentado aos alunos; por exemplo, no tema “Revolução Francesa”, próprio da História, selecionar o que é mais importante ensinar aos alunos da 5ª série (nomenclatura brasileira). Já o professor do 1º ano do Ensino Médio deve defrontar-se com a mesma pergunta; a mesma situação se coloca ao professor universitário encarregado de abordá-lo. Dessa forma, o docente deve preocupar-se em compatibilizar a seleção do conhecimento a ser ensinado com a possibilidade de aprendizagem dos alunos. Nos dias de hoje, é bastante comum que a seleção seja abrangente; e isso pode levar os professores a apresentarem aos seus alunos informações supérfluas, que, quando confundidas com conhecimento, não lhes permitem fazer as sínteses necessárias para a superação do cotidiano, produzindo neles uma “erudição balofa” que pode ao contrário encerrá-los na vida cotidiana. Esse equívoco ocorre, por exemplo, quando o professor de História, ao abordar a Revolução francesa, preocupa-se com detalhes da vida privada de Maria Antonieta ou com a moda ditada por Luís XV. Ainda exemplificando, o mesmo pode ocorrer com o professor de Literatura que expõe aos alunos os períodos literários e seus principais expoentes sem apresentar as relações entre os autores, bem como entre os períodos literários, ocultando assim a historicidade inerente à literatura. A erudição balofa pode também estar presente nas disciplinas ligadas às ciências naturais; ela tem levado os professores a acreditar que quanto maior a quantidade de informações mais os alunos sabem.

A segunda atividade desenvolvida pelo professor é a organização, ou seja, diante da seleção feita a partir de um tema é preciso organizar esta seleção para apresentá-la aos alunos. Desde o momento em que fazemos a seleção já não podemos falar mais em temas; devemos preocupar-nos com os conceitos que os constituem. Agora o que o professor deve fazer é organizar os conceitos e as relações entre eles. Esse processo, de acordo com Lefebvre (1983), implica dois movimentos: a retrospecção e a prospecção.

A retrospecção permite que o estudante compreenda o processo de formação e desenvolvimento do conceito abordado e a prospecção possibilita o entendimento do estado atual do conceito a partir das relações que o conceito estudado estabelece com outros, tanto com aqueles que o corroboram quanto com os que a ele se opõem. A prospecção do conceito permite o estabelecimento de relações interdisciplinares, a que temos chamado de interdisciplinaridade conceitual para distingui-la daquela que é corrente na escola, a interdisciplinaridade temática. Não podemos ensinar por meio do tema, devemos fazê-lo por meio do conceito. Evitamos o uso da expressão conteúdo de ensino em virtude da sua imprecisão. Pois ela pode remeter a um conceito, a uma atividade de ensino, ou a um tema. Quando a organização do ensino é baseada nos processos de retrospecção e prospecção de conceitos, o fundamental são as relações que se estabelecem nos dois processos. No primeiro, elas dizem respeito ao desenvolvimento do conceito, à oposição entre a sua origem e o estado atual, no segundo, elas tratam dos vínculos entre conceitos. Assim, podemos afirmar que ensinar é fazer relações. Por isso, ensinar é tão difícil quanto aprender.

A terceira tarefa do professor é transmitir aos alunos aquilo que foi previamente selecionado e organizado. Dessa forma, a transmissão é a única etapa do processo de ensino que ocorre efetivamente na sala de aula. Em que pese o preconceito sobre a palavra transmissão, não abrimos mão dela, porque é isso o que o professor faz na sala de aula. É na transmissão do conhecimento que ocorrem as mediações entre professores e alunos.

Se o ensino é a relação que o professor estabelece com o conhecimento, a aprendizagem ao contrário é a relação que o estudante estabelece com o conhecimento e, portanto, é nela que a mediação se efetiva: pela superação do imediato no mediato.

Não é possível discutir a aprendizagem como fizemos com o ensino, porque ela é de cunho singular e, dessa forma, ocorre de modo diverso em cada estudante. A discussão da aprendizagem na perspectiva deste texto, ou seja, em oposição ao ensino, ainda deve ser elaborada e, certamente, não poderá sê-lo pela psicologia, mas sim pela filosofia. A única possibilidade, ainda que remota no âmbito da psicologia, estaria no desenvolvimento do pensamento de Vigotski, desde que compreendido numa perspectiva filosófica, pois a psicologia como ciência tem por objeto o comportamento, e aprender não é o mesmo que comportar-se, em que pese o esforço das pedagogias contemporâneas em desenvolver esta associação. Do nosso ponto de vista, o que a psicologia, no seu estado atual, pode fazer é controlar a aprendizagem, o que é diferente de compreendê-la.

Quando a relação ensino-aprendizagem é tomada na perspectiva da mediação no seu sentido original, ao mesmo tempo em que não há uma relação direta entre ensino e aprendizagem, não há também uma desvinculação desses dois processos. Ou seja, para haver aprendizagem, necessariamente deve haver ensino. Porém, eles não ocorrem de modo simultâneo. Dessa forma, o professor pode desenvolver o ensino – selecionar, organizar e transmitir o conhecimento – e o aluno pode não aprender. Para que o aluno aprenda, ele precisa desenvolver a sua síntese singular do conhecimento transmitido, e isso se dá pelo confronto, por meio da negação mútua, desse conhecimento com a vida cotidiana do aluno. Como cada aluno tem um cotidiano, e o conhecimento é aprendido por meio da síntese já explicitada, o conhecimento não pode ser aprendido igualmente por todos os alunos, embora aquele transmitido pelo professor seja único. Assim, a relação ensino-aprendizagem na perspectiva aqui apresentada expressa o vínculo dialético entre unidade e diversidade. Por isso, o conhecimento transmitido pelo professor pode ser uno e aquele aprendido pelo aluno pode ser diverso. A unidade e a diversidade são opostos que se completam, o que é próprio do humano.

Conclusão

Este artigo pretende contribuir para que os professores compreendam o seu fazer. E ao mesmo tempo, superem a concepção errônea de que para que haja ensino deve haver simultaneamente a aprendizagem. Isso só é possível de modo fugaz, quando o ensino se circunscreve ao cotidiano do aluno e a aprendizagem resulta na mudança de comportamento. Para difundir essa concepção, não faltam construtivistas que leram apenas as orelhas dos livros de Piaget, ou sócio-construtivistas que associam Piaget a Vigotski, ignorando que os dois autores filiam-se a correntes filosóficas diferentes e que, por isso, não podem ser associados. Além disso, os sócio-construtivistas, dentre os quais estão os responsáveis pela elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais Brasileiros, ignoram que Piaget discutiu as relações sociais e que Vigotski trabalhou os problemas relativos ao conhecimento. Esses equívocos patrocinados por organismos oficiais, como o Ministério da Educação do Brasil tanto nas gestões Cardoso como Lula da Silva, levam os professores à frustração profissional, uma vez que não são capazes de fazer com que seus alunos aprendam de forma imediata e muito menos podem controlar o seu comportamento.

Esta discussão, ainda que inicial, pretende mostrar aos professores que a relação ensino-aprendizagem é um processo que demanda tempo e dedicação, mas que, sobretudo, precisa ser compreendido na sua totalidade e em bases filosóficas coerentes. Sem esse exercício de compreensão dos fundamentos da relação ensino-aprendizagem, o esforço dos professores se transforma em frustração profissional e desgaste pessoal.

 

Referências bibliográficas

Brecht, B. (1964). Estudos sobre teatro. Portugal: Portugália Editora.         [ Links ]

Gramsci, A. (1985). Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo: Civilização Brasileira.         [ Links ]

Hernández, F. (1998). A organização do currículo por projetos de trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Lefebvre, H. (1983). La presencia y la ausencia. Cidade do México: Fondo Nacional de Cultura.         [ Links ]

Marx, K. (1983). Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Meszáros, I. (1981). Marx: a teoria da alienação. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]