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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  no.22 Lisboa  2012

 

A modalidade de escolha do diretor na escola pública portuguesa

The rector's election: educating actors's reaction

Le directeur et la modalité de choix dans les écoles publiques portugaises

La modalidad de elección del diretor en las escuelas públicas portuguesas

 

Maria João de Carvalho *

*Professora Auxiliar da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro - Investigadora do CIEd - Universidade do Minho. Vice-diretora do Mestrado em Educação: Área de Especialização em Administração Educacional
mjcc@utad.pt

 

Resumo

Considerando o protagonismo que a figura do diretor de escola adquiriu, quisemos conhecer as representações que os professores da escola pública portuguesa têm relativamente à modalidade de escolha do diretor para concluirmos se ela se constitui, ou não, como um instrumento ao serviço da escola democrática. Para tal, problematizamos a ideia de participação enquanto capacidade decisória por parte dos atores educativos e fizemos uma incursão pelo modo de nomeação, concurso público e eleição, na tentativa de perceber qual aquele que se revela mais concordante com práticas democráticas. Com o recurso a conversas informais e a entrevistas realizadas a quinze professores de um Agrupamento de Escolas foi possível concluir que a eleição indireta não arrecada simpatia e pode traduzir-se, na ótica dos entrevistados, como uma prática antidemocrática por afastar da esfera decisória o universo dos professores por uma questão tão relevante.

Palavras-chave: diretor; democracia; participação; eleição.

 

Abstract

Giving the role played by the school heat it's our aim to know the educating actor's reaction in the public Portuguese school towards the way how he is elected in an attempt to conclude if it is or not an instrument/tool at the service of the democratic school. So we have put into consideration ways of election: the participation, taking into account their capacity of decision by the educating actors; the nomination public admission and election in an attempt to understand which of them will be more in accordance with democratic practice.

We have therefore carried out informal conversation and interviews in an institutional group of Schools with fifteen teachers and we easily came to the conclusion that the indirect nomination is not easily accepted, seen as an antidemocratic practice because it excludes the teachers from such a relevant question.

Keywords: recto; democracy; participation; election.

 

Résumé

Considérant le rôle que le directeur de l`école a acquis, nous avons voulu connaître les représentations des enseignants d`école publique portugaise en ce qui concerne la modalité de choix du directeur pour conclure si elle est ou non un instrument au service de l`école démocratique.

Avec cet objectif, nous avons discuté l`idée de la participation comme capacité de décision de la part des acteurs de l`éducation et nous avons fait une incursion dans la façon de nomination: -concours publique et élection dans une tentative de comprendre quel est le plus conforme aux pratiques démocratiques. Au moyen de conversations informelles et d`entretiens réalisés à une quinzaine d`enseignants dans un groupe d`écoles, on a conclu que l` élection indirecte ne plaisait pas et qui peut se traduire, sur le point de vue des répondants, comme une pratique antidémocratique parce qu`elle s`éloigne de la sphère de l`univers des enseignants dans une matière très pertinente.

Mots-clés: directeur; démocratie; participation; élection.

 

Resumen

Teniendo en cuenta el papel que la figura del diretor ha adquirido, hemos querido conocer las respresentaciones que los profesores portuguesas de las escuelas publicas tienen respecto a la modadidad de elección del diretor para llegar a la conclusión de si es o no, un instrumento al servicio de la escuela democrática. Con este fin, hemos discutido la idea de participación como la capacidad de toma de decisiones por parte de los actores educativos y hicimos una incursión en el modo de designación y elección del diretor, en un intento de averiguar cual es más consistente con las prácticas democráticas.

Con el uso de conversaciones informales y entrevistas con quince profesores en un grupo de escuelas, se concluyó que la elección indireta no genera simpatia y que puede llevar, en el punto de vista de los entrevistados, a una práctica antidemocrática de toma de decisiones, fuera de la esfera del universo de los profesores, en una sunto tan relevante.

Palabras clave: director; democracia; participación; elección.

 

Introdução

O destaque que tem conquistado o diretor da escola pública portuguesa, figura que o Decreto-Lei 75-2008 estabeleceu, não se prende, exclusivamente, com o pressuposto de que enquanto órgão unipessoal pode por em causa a existência de uma liderança democrática. Na verdade, o processo a partir do qual o diretor é escolhido para desempenhar o cargo, no âmbito do que são as suas atribuições e competências, converteu-se, igualmente, em uma questão determinante para todos os atores educativos, em particular para os professores.

Pelas entrevistas realizadas a professores, com cargos e sem cargos, constatamos a relevância que tem o modo como o diretor é investido das suas funções. Esse modo apresenta-se como determinante para a existência de uma maior ou menor aceitação por todos aqueles que constroem a dinâmica da organização escolar e pode condicionar o modo de gerir o seu comportamento no que concerne a práticas mais ou menos democráticas no interior da própria escola. A par destes aspetos é importante referir que o modo de escolha também pode expressar os diferentes interesses e o diferente comprometimento na prossecução dos objetivos definidos (Paro, 1996). Diríamos, portanto, que a escolha do diretor tem implicações na forma de governação da escola.

A eleição, relativamente à nomeação e ao concurso público, é o instrumento de escolha de preferência por ser o mais propício à construção de uma gestão democrática, de resto implementado após o 25 de abril de 1974 na escola pública portuguesa.

1. A democracia na burocracia

Ao perscrutarmos o sentido originário do conceito de democracia percebemos que combina os termos gregos de demos e kratein, que significam povo e governo respetivamente. Palavras, que desde logo, dificultam uma definição unívoca de democracia devido à evolução semântica que foram sofrendo ao longo dos tempos.

Na utilização do termo democracia, seja quando o seu sentido salienta uma forma de organização de vida em sociedade ou quando salienta uma forma de governo, está presente uma conceção de direito de participação.

O conceito de democracia, no quadro das concepções paradigmáticas modernas, vê-se alargada ao âmbito social, económico e cultural, deixando de estar confinada à democracia política como, de resto, acontecia na concepção antiga, passando a assentar na ideia de liberdade, igualdade e participação de todos na vida coletiva. As características e virtualidades da participação de todos na realização dos interesses e direitos de todos e de cada um (Lopes, 1989, p. 1316) apresentam-se como condição para a concretização da democracia.

Esta ideia não é conciliável com a de minoria privilegiada1 que encontra aceitação nas teorias elitistas assentes no pressuposto da vantagem do pequeno número2e que reconhece às elites a capacidade de iniciativa e transformação social, compatível com a concepção de democracia desenvolvida por Weber para quem o objetivo da organização burocrática seria reforçar a eficácia do poder concentrado nas elites e não aumentar a participação efetiva dos dominados que dão corpo à massa articulada, que por si própria não consegue levar a cabo qualquer iniciativa, ao mesmo tempo que não inclui no conceito de democracia qualquer dimensão valorativa. O entendimento que o autor tinha de democratização estava longe de significar uma distribuição igualitária de poder por todos os cidadãos, significava antes um mecanismo de seleção dos dirigentes providos de qualidades de liderança afastando, desta feita, qualquer possibilidade de controlo por parte das massas.

Este é o motivo pelo qual a burocracia se converte em instrumento nada profícuo na realização de uma ordem assente nos valores da igualdade e liberdade. Fica evidente que o propósito da organização burocrática passa por afastar qualquer resquício de poder paralelo, aqui, transformado em um impedimento à ordem autoritária realizada pelas elites.

Neste âmbito a burocracia assume-se como repressiva e como força alienante impedindo a construção de uma administração verdadeiramente democrática que considere a participação ativa de todos os atores organizacionais, que se afigura impossível num contexto que reclama do secretismo “de suas intenções, das decisões e do conhecimento” (Weber, 1999, p. 196) como forma de intensificar o poder sobre os dominados e de salvaguardar esse poder de alguma potencial ameaça3 que possa emergir mesmo que em forma de crítica contra o estabelecido. As minorias serão, de acordo com esta perspetiva, o que há de melhor num grupo social em oposição ao conceito de massas, enquanto multidão de indivíduos, ou conjunto de cidadãos inferiores em termos de hierarquia social.

Ora, tal conceito de democracia arrasta-nos para um conteúdo fictício de participação que se concretiza, de acordo com Schumpeter, na ausência de uma efetiva e transparente vontade por parte do povo, como se o povo não possuísse vontade própria4 ficando a vontade reduzida a um ato de aceitação ou não, das pessoas eleitas para governá-lo (Schumpeter, 1984) as quais, por sua vez, adquirem real poder de decisão. Neste âmbito, a democracia vincula-se a uma racionalidade instrumental ao ser perspetivada como o método e, neste senti-do, é um simples meio que permite escolher quem decide.

As organizações, à semelhança do que acontece com as escolas, constituem-se como loci de poderes não democráticos configurados, como escreve Lima, por “estruturas formais fortemente hierarquizadas, por formas de governo autocrático, (…) por todo o tipo de assimetrias estatutárias e funcionais (1998, p. 105), o que atesta a sua configuração antidemocrática.

Negar este pressuposto seria negar a instrumentalização e o consequente controlo a que se encontram sujeitos todos os atores e, em oposição, assumir-se-ia que se tem capacidade de escolha, base da deliberação que por sua vez se constitui como base da democracia (Hallowell, 1954). Consideração difícil de sustentar no contexto de uma administração fortemente burocratizada que vê como estritamente necessária a dominação.

Se levarmos em conta que “participação significa envolvimento efetivo com o processo de tomada de decisão” (Paro, 2001, p. 16), então tal significa que ela não é sinónimo de execução de acordo com a divisão de tarefas em contexto escolar. É certo que a ideologia neoliberal aponta no sentido de uma participação controlada criando, nos que participam na organização escolar, a falsa ilusão de capacidade de decisão (Mendonça, 2000).

De facto, esta fictícia prática decisória pode ser compreendida em termos de manter ou restaurar uma posição de equilíbrio necessário ao bom funcionamento da organização, pois, assim, elas serão melhor integradas e aceites pelos seus atores organizacionais (Ortsman, 1984). Uma capacidade decisória que ocorre “nos estritos limites das normas impostas pelos sistemas (…) e com isso acabam legitimando decisões já tomadas em função de políticas que são adequadas às tendências do capitalismo globalizado” (Mendonça, 2000, 72). Este tipo de envolvimento, no limite, adquire nuances tipicamente manipuladoras e é concretizado à custa de subterfúgios, amputando aos sujeitos qualquer tentativa de iniciativa e de autonomia. Modo de participação ainda muito distante daquela que, na esteira de Etzioni, se concetualiza de moral, por implicar “uma orientação positiva de elevada intensidade” (1974, 38), por oposição à participação aleatória e calculista.

Se não pomos em causa o pressuposto de que a organização escolar é, em si mesma, insuficiente para transformar a sociedade também não podemos deixar de considerar o grande contributo que pode dar nesse sentido, através da implementação e do exercício de práticas democráticas no seu interior.

2. Reforço democrático versus rutura democrática

2.1. O Conselho Geral

O conteúdo do Decreto-Lei nº 75/2008 de 22 de Abril assenta em dois pressupostos principais, nomeadamente o reforço da participação da comunidade educativa e o reforço das lideranças, que adquirem a configuração de objetivos estratégicos devido à articulação que mantêm com os princípios da autonomia e descentralização da escola pública portuguesa.

O preâmbulo, no que concerne à primeira ideia, destaca a indispensabilidade da abertura das escolas ao exterior, o que, no parecer do legislador, só pode ser feito através do aumento da participação na tomada de decisão por parte das famílias e de outros elementos da comunidade, na vida da escola. Para tal é criado o Conselho Geral, definido como “órgão de direcção estratégica” e “órgão colegial de direcção”, onde há um acréscimo significativo do peso relativo dos pais e encarregados de educação e de outros actores educativos externos à escola, em prejuízo do número de atores internos, em particular dos representantes dos professores, se compararmos com o anterior Decreto-Lei nº 115-A/985 e com a então Assembleia de Escola.

Daqui se conclui que o legislador assume a presença de uma relação causal entre a abertura da escola às famílias e à própria comunidade com o “maior ou menor número de representantes comunitários nos órgãos escolares” (Lima, 2008, p. 1). Consideração que nos parece duvidosa se tivermos em conta a heterogeneidade que caracteriza os cidadãos do nosso país. Ideia expressa por al-guns autores quando escrevem que “o défice de participação das famílias e das comunidades é variável de escola para escola, depende de factores contextuais e culturais” (Barroso, 2008, p.3), ou de que foi ficando claro ao longo do tempo de “como é diversa a situação no país e pouco dependente, aliás do maior número ou menor número de representantes comunitários nos órgãos escolares” (Lima, 2008, p.1).

A crescente defesa da participação destes atores educativos, ou da sociedade em termos genéricos, na vida da escola sem que se definam com clareza os contornos e limites dessa participação, pode contribuir para que questões de domínio científico e pedagógico passem a fazer parte do domínio coletivo. Tal situação concorre para que nem sempre fiquem salvaguardadas as condições que permitam a manutenção dos professores “enquanto profissionais especializados na prestação do serviço educativo” (Barroso, 2008, p. 2). Se considerarmos que a atividade do professor encontra a sua razão de ser no enquadramento do binómio ensino/aprendizagem, então é porque B se encontra desprovido de certos conhecimentos que A se justifica enquanto profissional. Nesse sentido, este último, estará mais apto e mais capaz para deliberar relativamente aos demais. Parece ser importante que o seu poder de competência, que lhe é conferido pelos conhecimentos que possui e pelo seu profissionalismo, não seja posto em causa.

Deste modo, atribuir à comunidade educativa externa à organização escolar uma importância que a coloque no centro da ação educativa poderá constituir-se, no limite, como uma estratégia para a desautorização do professor. Com isto queremos dizer que a defesa da participação, enquanto condição necessária ao estabelecimento da democracia, deve apoiar-se em alguns cuidados que não descaraterizem a importância dos professores na, e para a vida da organização escolar. Tal apreciação não diminui a importância de que pais, alunos e outros elementos integrantes da comunidade local, sejam percebidos como reais parceiros na tomada de decisão pela conversão da escola em um espaço de comunicabilidade, de confronto de várias racionalidades, legitimando uma prática de democracia crítica que o indivíduo realiza.

Não somos, portanto, alheios aos diferentes interesses em presença que os, também, distintos atores educativos transportam, nem sequer recusamos a importância da prestação de contas, enquanto forma de controlo social sobre a escola, mas temos dúvidas quanto à concretização de um processo democrático que se faça a partir de mudanças meramente morfológicas, sem que elas se verifiquem na orgânica do ministério. De resto, o exercício de mudar os rótulos mas mater as mesmas funções não é novo.

Na verdade, só o equilíbrio de forças entre o local e o centro, numa relação de complementaridade, de implicação na reinvenção do poder permite caminhar no sentido de uma escola mais autónoma e, simultaneamente mais democrática. O interesse de uma atitude de compromisso, de pareceria, porque ambos são necessários, encontra corroboração no pensamento freiriano e que as palavras de Lima expressam quando faz referência à importância de escolas mais “autónomas e mais decisoras dos seus rumos educativos, apoiadas e não abandonadas pela administração, em parceria e não em posição de subordinação hierárquica” (2000, p. 57). Neste caso não estaríamos a considerar a simples delegação de poder6, que pode resultar num artifício de poderes apenas por empréstimo e, assim sendo, a qualquer momento é possível de retirar.

Necessário seria não deixar que cada um fizesse aquilo que outros sabem fazer melhor, tornando “interdito a qualquer escalão realizar o que um escalão inferior poderia fazer” (Lima, 2000, p. 57). No fundo seria substituir o conceito de delegação pelo de subsidiariedade por este considerar que o poder reside na base da organização e, consequentemente, é também aí que a responsabilidade e as decisões se encontram. E como não é o centro a proporcionar esse poder ele só poderá ser retirado por mútuo acordo. Nesta linha de ideias “existe um centro, não um quartel-general. O centro não ‘dirige’ ou ‘comanda’mas ‘coordena’ e ‘aconselha’, está ao serviço da escola é pequeno e relativamente invisível, deixando proeminência às unidades locais” (Handy, 1994, p. 94).

A tarefa do centro, como a de qualquer líder, é a de preparar o local para se governar a si próprio, incumbindo-se de proporcionar condições às escolas para se emanciparem em termos autonómicos.

Diríamos que em causa não está a mera mudança de órgãos e regulamentos, mas o modo como se organiza a relação que surge entre sociedades e educação.

2.2. O diretor da escola pública portuguesa

Podemos concordar com o pressuposto de que não é a existência de um órgão de gestão unipessoal que em si mesmo faz perigar a garantia da democracia, ou até mesmo a eficácia do exercício das funções de gestão de topo em uma qualquer organização, porém, também não podemos deixar de concordar com a ideia de que a existência de um órgão colegial menos dúvidas parece levantar quando em causa está o alcance desses mesmos desígnios.

Não é este o entendimento do legislador que no preâmbulo do Decreto-Lei nº 75/2008 justifica a existência do órgão de gestão unipessoal, no caso o de diretor, enquanto garante de democraticidade para a escola pública portuguesa e, simultaneamente, como impulsionador do aparecimento de lideranças. Estas considerações permitem-nos realizar uma compreensão por omissão no que concerne à dinâmica de um órgão colegial, fazendo-nos crer que a sua existência não é propícia à democracia e pode ser impeditiva da manifestação de lideranças, tanto individuais como coletivas.

Reforçar as lideranças das escolas é, à luz do citado decreto, “reconhecidamente uma das mais necessárias medidas de reorganização do regime de administração escolar” (Preâmbulo, p. 2342) enquadramento que justifica a criação do cargo de diretor, constituindo um órgão unipessoal, “para que em cada escola exista um rosto, um primeiro responsável” (Preâmbulo, p. 2342).

Argumentos que encontram suporte numa ideologia gerencialista e que não permitem a desvinculação da imagem de representantes locais da administração central cuja função é a de fiscalizar o cumprimento das normas e regulamentos, continuando-se a inferir sobre a primazia da dimensão administrativa em prejuízo da pedagógica e a conferir maior legitimidade para o centro e não para as periferias, o que subentende uma rutura com as práticas democráticas. Daqui emerge uma conceção de escola como “serviço de Estado” apostada numa gestão de tipo burocrático cujo objetivo é o reforçar a intervenção da administração central (Barroso, 1998).

O Decreto-Lei nº 115-A/98, a este propósito, estava mais conforme com uma política autonómica e também mais democrática de escola, pelo facto de permitir as duas alternativas. O seu artigo 15 expressava-o pois aí se podia ler que

1- A direcção executiva é assegurada por um conselho executivo ou por um director, que é o órgão de administração e gestão da escola nas áreas pedagógica, cultural, administrativa e financeira. 2- A opção por qualquer das formas referidas no número anterior compete à própria escola, nos termos do respectivo regulamento interno.

O decreto supra-citado dava autonomia aos atores educativos para decidirem consoante o que consideravam mais adequado para melhorar o funcionamento das escolas das quais faziam parte. Também é de ter em conta que “O manter esta possibilidade, para além de ser coerente com o reconhecimento de uma autonomia efectiva no domínio organizacional, permitiria desfazer qualquer equívoco quanto a uma eventual intenção de reforço do centralismo e autoritarismo da gestão” (Barroso, 2008, p. 6)

O reforço de poderes atribuído ao órgão de direção, no enquadramento do Decreto-Lei 75/2008, se possibilita o exercício de um estilo de liderança democrático parece não conseguir “evitar o exercício de lideranças transaccionais e estilos autoritários de governação”(Formosinho, Machado, 2008, p. 6).

Qualidade e eficiência são alguns dos conceitos usados de forma recorrente pelo legislador em coerência com princípios de tipo neo-tayloriano e em clara relação com soluções concordantes com princípios gerencialistas e tecnocráticos numa alusão inequívoca à ‘gestão racional’. A racionalidade técnica ganha novo alento, confia-se a gestão a um órgão unipessoal e a retórica da modernização e da qualidade educativa assumem protagonismo.

Esta é uma focalização que pode incitar o responsável pela governação das escolas a cingir-se exclusivamente ao universo da gestão eficaz, como que descuidando a natureza plural das suas práticas não consentido um saber atuar na complexidade, na globalidade que as práticas canalizam enquanto necessidades múltiplas, que não se compaginam com interesses particularistas que os parâmetros de uma gestão empresarial podem conter.

Fica em causa a competência em sentido amplo, uma vez que se acentua a dimensão gestionária como componente divergente do ministério de professor, abrindo caminho a concetualizações de práticas de “especialidade técnica” em oposição às de “especialidade educacional”, não permitindo a convergência de valores que possam determinar opções organizacionais e pedagógicas convergentes com o sentido emancipatório que a democracia encerra.

É curioso notar que o decreto supra citado alude à importância de uma organização escolar mais participativa e mais democrática que a figura do diretor põe em causa através das responsabilidades que lhe são atribuídas. Ao contrariar e ao constranger esses propósitos passa a ser um documento revelador de um certo hibridismo visível na oposição que se estabelece entre o espírito e a letra da lei7.

3. Sobre as diferentes modalidades de escolha

É evidente que a temática da gestão da escola não é marginal ao processo utilizado na designação do seu responsável, mesmo porque o exercício de práticas democráticas deve desenvolver processos estabelecidos pelas políticas do sistema educativo, nas quais se inclui a modalidade de escolha dos dirigentes ou lideres formais pela comunidade educativa. De resto, e numa alusão a Bonavides, “O sistema eleitoral adotado num país pode exercer – e em verdade exerce – considerável influxo sobre a forma de governo, a organização partidária e a estrutura parlamentar, refletindo até certo ponto a índole das instituições e a orientação política do regime” (1976, p. 293). Daqui se depreende que a construção de um sistema educativo democrático é, também, revelada pelo sistema de designação que a organização escolar utiliza, a mesma que também terá impacto no desempenho dos seus dirigentes, podendo vir a favorecer, ou não, o exercício do conflito.

É indiscutível que a atuação do diretor é central para a concretização da democracia na escola. As suas práticas devem ser compatíveis e coerentes com os discursos, de âmbito político e teórico, relativamente à gestão democrática, motivo pelo qual não deve pautar a sua ação, nem estabelecer relações com os restantes atores educativos, baseadas no autoritarismo e na arbitrariedade. A importância estratégica do diretor atribui relevância ao seu modo de escolha que, na ótica de Mello, “precisam ser pensadas com extremo cuidado. Este é um campo aberto para experiências inovadoras, desde que combinem critérios de competência profissional com legitimidade de liderança e autoridade consentida” (1997, p. 98).

3.1. A nomeação

A nomeação ao significar

a designação do titular de um órgão pelo titular de órgão diferente. […] uma forma de escolha usada sobretudo para aqueles governantes que devam actuar prática ou teoricamente como auxiliares ou delegados de outros […]; e por isso quando o órgão que nomeia perde a efectividade do Poder as nomeações da sua autoria passam a ser meras formalidades por detrás das quais se encontra então a realidade que elas encobrem (Caetano, 1989, p. 238).

permite-nos perceber os mecanismos de favoritismo que o conceito de tráfego de influências, a par de outros, tão bem expressa.

Num cenário de nomeação, enquanto possibilidade no provimento ao cargo de diretor, teríamos, então, um modo de designação convertido em instrumento ao serviço do clientelismo político, bem como um mecanismo que admite a possibilidade de termos profissionais de áreas distintas da educação a assumirem o cargo. Seria, portanto, uma prática, em termos de escolha, assente em critérios subjetivos e aleatórios que não deixam, necessariamente, de fora até o próprio parentesco e que permite que alguém sem qualquer ligação à escola esteja na sua dianteira. Em última instância poderíamos afirmar que o diretor passaria a significar o político e, por isso, dificilmente correria o risco de ver o seu trabalho avaliado. Estamos em crer que a avaliação recairia muito mais sobre a sua lealdade partidária.

Esta modalidade de escolha iria expressar uma escola dominada por relações de autoritarismo e de controlo por parte da classe política que se conserva no poder a partir da representação local. Uma decisão desta natureza, efetivada à margem de uma consulta feita à comunidade escolar, dificultaria a transformação da educação e da escola no sentido da democracia e da cidadania de professores, alunos e restantes atores educativos, porém favoreceria a ingerência de partidos políticos (Paro, 1996). A este nível estaríamos perante “a ditadura invisível dos partidos “ (Bonavives, 1976, p. 336).

Portanto, se o cargo de diretor fosse de confiança política, ou seja, feito por indicação das lideranças partidárias, seria quase certo que a organização escolar se converteria em espaço fértil à prática do clientelismo e um modo de o poder político controlar, mesmo que indiretamente, uma organização que serve parte da população. O diretor, por sua vez, iria ver no benefício da confiança política uma garantia para usufruir do cargo público, razão pela qual passaria a ser “um profissional catalisador dos interesses estatais na escola e (…) o principal detentor do poder no espaço escolar” (Medeiros, 2007, p. 47), sem necessidade de lhe ser reconhecida capacidade própria, antes a manutenção da confiança relativamente aos seus líderes políticos, pois caso deixe de a ter terá como consequência imediata a natural exoneração do cargo.

É retirada à comunidade educativa, perante a modalidade de nomeação, qualquer possibilidade de controlo que “além de garantir o respeito aos interesses do pessoal escolar e dos usuários, possa também evitar o favorecimento ilícito de pessoas, situação que fere o princípio da igualdade de oportunidades de acesso ao cargo por parte dos candidatos” (Paro, 1996, p.19).

Esta modalidade de escolha faz-nos acreditar que só os partidos políticos podem sair reforçados, mas não a educação.

3.2. O concurso público

Como reação ao princípio da hereditariedade e de outros que não fossem as capacidades próprias de cada indivíduo ao acesso a cargos públicos, o concurso público converte-se no “procedimento administrativo que tem por fim aferir aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas” (Carvalho Filho, 2005, p. 472), ou o meio técnico, como escreve Meirelles,

Posto à disposição da administração pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo propiciar igual oportunidade a todos interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou do emprego (1999, p. 387).

O concurso público será aquele, enquanto método de escolha, que melhor representa o sistema de mérito, pois, teoricamente, permite que sejam escolhidos os melhores candidatos sendo que os critérios que subjazem à sua escolha são de natureza técnica. Assim, a partir dele, se pode aferir sobre o grau e especificidade de conhecimentos técnico e académico do candidato para o exercício de determinadas funções inerentes ao cargo.

Diríamos que, também este, se configura como o método que melhor assegura a igualdade de condições para todos os que ao cargo concorrem, sendo que assenta em critérios impessoais, ao mesmo tempo que evita a interferência política, apresentando-se como uma alternativa ao clientelismo das nomeações políticas (Mendonça, 2000). Em termos teóricos, o concurso público é um garante da democracia, da objetividade e imparcialidade no que respeita ao acesso ao cargo.

Apesar de se lhe reconhecer algumas imperfeições e de se considerar a necessidade de se pensarem outros procedimentos, “apurando técnicas de medida do desempenho e incluindo entrevistas, estágios probatórios e outros mecanismos que lhe incrementem a eficiência” (Paro, 1995, p. 114), é a modalidade que se revela mais eficiente quando as capacidades técnicas são objeto de preferência.

Se pensamos no cargo de diretor, e no objetivo primeiro que presidiu à sua criação, ficaria de fora a possibilidade de se avaliar a sua capacidade de liderança, havendo um claro favorecimento dos aspetos técnicos. Por outro lado, não ficariam salvaguardadas qualquer articulação entre os objetivos educativos, em sentido genérico, e os objetivos que são expectáveis pela comunidade educativa.

Esta modalidade na escolha do diretor, sem qualquer outro requisito, levaria a que tivéssemos que considerar que esta seria uma escolha democrática “apenas do lado dos candidatos ao cargo, com (certa) igualdade de oportunidades (…). O diretor escolhe a escola, mas nem a escola nem a comunidade podem escolher o diretor” (Paro, 2001, p. 23), o que seria revelador de um processo antidemocrático em relação ao desejo da comunidade escolar8.

No entanto, parece que em contexto de forte centralização administrativa, o diretor selecionado em concurso poderia não conseguir evitar práticas mais ou menos arbitrárias em consonância com o poder estabelecido. Nesta linha de ideias escreve Paro que:

Nos sistemas em que o diretor é nomeado, seu compromisso político é com quem está no poder, porque foi quem o nomeou; nos sistemas em que ele é concursado, seu compromisso é também com quem está no poder, pois o concurso isolado não estabelece nenhum vínculo do diretor com os usuários mas sim com o estado que é quem o legitima pela lei (1996, p. 24).

A distinção que existe entre estas duas modalidades encontra-se na visibilidade revelada pelo aspeto político que na nomeação é explícito e no concurso público está mais oculto. Por isso, e à semelhança da nomeação, o concurso público por si só, e no que ao diretor de escola diz respeito, não impele, necessariamente, ao comprometimento deste com os objetivos de professores, alunos e comunidade educativa bem como os objetivos educativos. Consegue, isso sim, manter uma obediência com aqueles que lhe deram legitimidade, independentemente de quem esteja no poder, mesmo porque a estabilidade do cargo também está em causa (Paro, 1996).

Diríamos, em síntese, que há casos que, pela sua especificidade, exigem uma aferição que vai além da mera tecnicidade da função, pois parece indispensável que se aprecie um leque de conhecimentos de natureza diversa daquela, nomeadamente, ao nível dos fundamentos da educação.

3.3. A eleição

É importante reconhecer que a democratização da sociedade depende da democratização das suas instituições e vice-versa. Do mesmo modo não podemos perder de vista que o conceito de democracia não se circunscreve a uma forma política de governo porque é, também, um meio de realizar determinadas finalidades e que se confunde com um certo modo de vida, tanto social como individual.

A indagação, neste âmbito, adquire protagonismo, pois faz, indiscutivelmente, parte do processo democrático perguntar aos outros o que preferem. Por outro lado, o pressuposto de que ninguém, pessoa individual ou coletiva, é suficientemente capacitado para governar os outros sem que estes o consintam ou aprovem, obriga à participação de homens e mulheres no sentido destes poderem ser ouvidos e concederem a sua autorização (Dewey, 1959). Participação que, no caso, se pode confundir com eleição por consistir, de acordo com Caetano,

na escolha dos governantes feita através da expressão dos votos de uma pluralidade de pessoas. Cada uma dessas pessoas chama-se eleitor, e a qualificação como tal depende da posse de certos requisitos legais de capacidade eleitoral. […]. O conjunto dos eleitores forma o colégio eleitoral. Só podem ser eleitas pessoas que reúnam, por sua vez, os requisitos de elegibilidade e assim sejam elegíveis. O acto de escolher mediante voto chama-se sufrágio9 (1989, p. 239).

O procedimento de escolha através da eleição direta salvaguarda os interesses da maioria e, por isso, no que concerne à organização escolar, “a defesa da eleição como critério para a escolha de diretores […] está baseada em seu caráter democrático” (Paro, 1996, p. 26), o que lhe confere preferência em detrimento das anteriormente citadas.

É obvio que o conceito de democracia que aqui se expressa não compreende somente o acesso de todos ao serviço público de educação mas, igualmente, a ideia de participação na tomada de decisão que direta, ou indiretamente, os afetam, o que abarca a dimensão da escolha, enquanto exercício de cidadania, de quem os dirige.

Com efeito, podemos considerar que a eleição pode ser um dos métodos que incita a um maior comprometimento do eleito relativamente àqueles que o elegeram e, em última instância, e no que à escola diz respeito, pode ser entendida como um instrumento de luta contra o clientelismo e o autoritarismo e, simultaneamente, um dos mecanismos ao serviço da gestão democrática da escola pública portuguesa.

Porém, é importante reconhecer que se nenhum modo de escolha é neutro é, também, de lembrar que é reducionista a ideia que faz assentar a gestão democrática da escola exclusivamente em mecanismos eletivos, pois enquanto variável isolada não é garantia de democratização (Paro, 1996, p. 28), mesmo porque não define, em termos absolutos, o tipo de gestão que o diretor irá adotar, ou seja, como irá exercer essa mesma função, apesar de poder interferir.

Do mesmo modo temos que reconhecer a falibilidade da eleição enquanto garante da melhor escolha do diretor, mas parece aquela que, a nosso ver, reúne maior probabilidade de o fazer. Acresce que, em caso de descontentamento, estamos sempre em condições de repensar a nossa escolha após o terminus do mandato. O cargo de diretor que resulte de um processo eleitoral faz com que este se sinta mais controlado por parte de quem o elegeu, pois só destes depende a próxima eleição.

A eleição do diretor pode criar tensões e conflitos no interior da própria escola, mas tal faz parte do jogo democrático, na medida em que é do confronto de ideias e de opiniões que a disputa democrática se faz e que a mudança pode acorrer, sendo que a eleição é em si mesma disputa ou contenda.

O modo de escolha para o diretor diz muito da natureza das relações que nela ocorrem e não deixa de ser reveladora do tipo de sociedade em que se insere.

4. Representações dos atores educativos

A modalidade de escolha do diretor, no caso português, associa o procedimento concursal à eleição. Numa primeira fase, tal como refere o artigo número 22 do Decreto-Lei 75/2008, o candidato é obrigado a entregar o seu curriculum vitae e o seu projeto de intervenção na escola para serem sujeitos a análise e terá que se submeter a uma entrevista. É do balanço feito entre estes três fatores que resultará a escolha, realizada por eleição, do candidato que deve sair ganhador por maioria absoluta dos votos. O problema parece estar, de acordo com um docente entrevistado, com o critério de escolha

que é indireto. Não sinto a minha vontade representada na escolha do diretor. Só o conheço porque já fazia parte da minha escola. Eu não votei. O Conselho Geral fá-lo por mim. E é por isso que nem sequer se dão ao trabalho de nos fazer chegar o programa de candidatura. Se alguém tem dele conhecimento é por portas travessas. Se a democracia é estimular a participação em assuntos relevantes, então tenho a dizer que não sinto que tenha havido algum ganho para a democracia com a criação da figura do diretor, nem com o seu modo de escolha. Se alguém ganhou alguma coisa foi o diretor que passou a ter um suplemento económico bem apetecível (D2).

Esta ideia é corroborada por outros docentes entrevistados que, questionados sobre a democracia que o ato de escolha do diretor encerra, são perentórios a afirmar, que:

Não existe democracia nenhuma na escolha do diretor. Eu já pensei para comigo que isto está mais próximo de uma nomeação de que outra coisa. Não há democracia quando a ditadura da minoria prevalece. Não é eleger um diretor que faz a escola democrática, mas que ajuda, isso ajuda (D10).

No decreto lei supracitado, no ponto 3 do artigo número 21 está escrito que “Podem ser opositores ao procedimento concursal (…) docentes dos quadros de nomeação definitiva do ensino público ou professores profissionalizados com contrato por tempo indeterminado do ensino particular e cooperativo (…)”, o que permite que alguém vindo de fora (da escola), desconhecido em termos pessoais e profissionais, assuma o cargo de diretor. Também é duvidoso o motivo pelo qual os docentes que não sejam do público a ele possam concorrer sabendo nós da separação que entre eles existe. De resto é sabido que a experiência adquirida por via da administração e gestão escolar por parte desses professores “no seio da sua actividade privada não é directamente transponível para a experiência de directores de escolas pública” (Parecer, João Barroso, p. 7). A eleição para se traduzir enquanto critério de escolha de forma absoluta deve integrar a possibilidade dos eleitores conhecerem o profissional em exercício e permitir a sua participação efetiva nessa tomada de decisão. Este aspeto tem sido alvo de grandes críticas, como podemos conferir das palavras de outro interlocutor quando diz que:

Este decreto (D:L. 75/2008) veio acabar com o que tínhamos ganho com o 25 de Abril: eleger aqueles que nos governam. Agora 21 pessoas decidem por nós. E bem sabemos que o Conselho Geral está altamente politizado. É muita a força da autarquia. Sabemos das negociações que são feitas e dos votos que consegue comprar para garantir a eleição do candidato que tenha a mesma cor política (D5).

A participação indireta, em termos de democraticidade, na escolha do dire-tor, pelo que ele representa, é motivo de grande descontentamento por parte dos docentes do agrupamento por não fortalecer o pleno exercício democrático. Na verdade, como fomos percebendo, quer a partir das entrevistas e de conversas informais mantidas com professores detentores e não detentores de cargos, aos candidatos associa-se imediatamente uma “cor política”, situação bem distinta daquela que acontecia no passado. E porque a votação é feita pelo Conselho Geral parece “não ser difícil antecipar o vencedor. Se conhecermos minimamente as pessoas que dele fazem parte é fácil adivinhar o senhor que se segue. Aliás, aqui na escola assim que ficamos a conhecer a lista dos delegados dos professores que iriam votar não houve mais nenhuma dúvida” (D1). Na mesma linha de pensamento situa-se a consideração do diretor quando expressava que o sentimento de ansiedade é atualmente inferior se comparado com as eleições diretas para o então Conselho Executivo porque

como eram mais a votar, também eram maiores as incertezas relativamente a quem iria de facto votar em mim. Repare, no meio de tantos, não era fácil descobrir se, apesar de dizerem que iriam votar em mim, se efetivamente o teriam feito. E ficava sempre a dúvida. Por vezes a eleição era uma verdadeira surpresa. Com a eleição feita através do Conselho Geral há mais certezas, o risco de termos uma surpresa é muito menor (D7).

Este sentimento é corroborado por um outro candidato que declarou que a sua condidatura não terá passado de um mero exercício democrático “para não deixar morrer a pouca democracia que ainda há, pois eu sabia de antemão que não iria ganhar. A minha cor política era outra”(D11).

Ao risco da autarquia conseguir, de acordo com os entrevistados, manipular algumas vontades também acresce o fato de outros considerarem que só os pares deveriam eleger os seus pares, como podemos atestar pela afirmação produzida pelo D15 quando refere que:

Cada elemento da comunidade educativa deveria votar para os seus respetivos pares, e só. Os pais não conhecem o professor que se candidata, como nós não conhecemos os pais que se candidatam à Associação de Pais, e por isso não votamos neles.

Apesar dos resquícios de corporativismo que podem não estar à margem desta declaração, é importante não esquecer que a maior responsabilidade e participação que se exige à comunidade educativa não pode reduzir-se à votação e à presença na escola só quando formalmente convocada. Quando questionados sobre as vantagens de uma eleição direta que incluísse todos os alunos a negação foi imediata por considerarem, como se exemplifica pela afirmação do D6, pois

nem todos os alunos estão em condições para saberem escolher o melhor diretor. Este é um assunto demasiado sério para ser votado com leviandade. Têm pouca maturidade e por outro lado não me parece que saberiam distinguir entre o professor bonzinho e o bom profissional. Nós bem sabemos que aquele que dá boas notas é sempre o preferido dos alunos.

Curioso é que alguns entrevistados parecem não reconhecer existir uma total transparência neste processo que culmina com a eleição. O facto prende-se com do procedimento concursal, que antecede a eleição, estar imbuído de alguma discrição, nomeadamente a entrevista, que individualizada fica a cargo de uma comissão permanente ou comissão designada para o efeito. A este propósito diz D12:

Não sei o que se valoriza no curriculum. À entrevista também ninguém assiste e, por isso, a análise é feita por um grupo de pessoas. As restantes pessoas não sabem de nada. E porque não votamos também não temos qualquer interesse. Alias, cá para mim isso nem interessa nada na hora da votação. Por exemplo, se alguém quer mudança, que importa o cv de quem está no poder e parece de lá não querer sair. Vota-se sempre no outro.

Esta afirmação põe a descoberto a ideia de que uma eleição, por voto indireto, pode surtir um efeito de descompromisso perante aqueles que não tiveram responsabilidade direta nessa mesma escolha. Por outro lado parece, de acordos com as palavras proferidas pelo D7 que “Isso tem levado a que o diretor se sinta menos próximo do que eu chamo as bases. E isso tem implicações no modo como se relaciona como os colegas. Tornou-se uma figura muito mais prepotente, mais autoritário”. Afirmação que acaba por confirmar a ideia da existência de alguns riscos na criação de um órgão unipessoal no que concerne às lideranças autoritárias.

O que este modo de escolha também não consegue afastar é a possibilidade de uma menor aceitação por parte dos docentes relativamente ao diretor, uma vez que não o sentem como uma escolha própria, o que parece encontrar confirmação nas palavras de D8 ao afirmar que:

Como em todo o lado, há sempre aqueles que gostam de se colar ao poder, não interessa quem lá esteja, até porque é útil. Por outro lado há colegas, nos quais me incluo, que quando não estão satisfeitos são capazes de o dizer frontalmente. Se nos impõem alguém, então temos que ir acompanhando o trabalho que é feito. Com isto não quero dizer que existe uma fiscalização, até porque não adiantaríamos nada, mas pelo menos assumimos o nosso descontentamento.

Conclusão

A participação dos atores nas diferentes tomadas de decisão na organização escolar é um dos aspetos que mais evidencia a sua configuração democrática.Esta deverá ser uma prática crítica e fundamentada que resista aos ditames da ideologia neoliberal que insiste na sua manipulação e no seu controlo.

Tendo em conta a nomeação, o concurso público e a eleição fomos capazesde perceber os seus contornos mais ou menos democráticos quando em causa estivesse a escolha do diretor da escola pública portuguesa.

Apesar de se poder considerar que a eleição direta por si só não transforma a escola em democrática a verdade é que é um instrumento importante na tentativa de atingir esse objetivo. Daí os entrevistados, perante a conjuntura atual, serem de opinião que o Decreto-Lei 75-2008 levou a uma ruptura democrática consubstanciada no modo de eleição indireta para a escolha do diretor. Os mesmos alegam que não favorece a democracia, parecendo mesmo ganhar contornos antidemocráticos, uma vez que não se sentem representados nessa escolha, acabando mesmo por reconhecem uma certa politização do cargo. De resto, percebem um certo desinteresse por parte do diretor relativamente ao corpo docente da escola por deles não depender a sua eleição.

A transparência do processo também é posta em causa uma vez que o Conselho Geral tem uma atitude de um certo secretismo deixando por explicar, por antecipação, o que pode ser o traço distintivo a valorizar nos diferentes candidatos.

Sendo uma eleição indireta a aceitação, pelo restante corpo docente, também é diferenciada, existindo o perigo de algum do corpo docente funcionar como contra poder.

 

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Legislação

Decreto-Lei nº 115-A/98 Decreto-Lei nº 75/2008

 

Notas

1 Nestas se incluem as considerações de Wilfredo Pareto, Caetano Mosca e Roberto Michels

2 Que Weber concretiza “na possibilidade existente para a minoria dominante de comunicar-se internamente com rapidez especial, de dar origem, a cada momento, a uma ação social racionalmente organizada que serve para a conservação de sua posição de poder e de dirigi-la de forma planeada. POR esse meio, uma ação social ou de massas ameaçadora pode ser reprimida sem grande esforço, a não ser que os resistentes tenham criado para si dispositivos igualmente eficazes para a direção planejada de uma ação social também voltada para o domínio” (1999, p. 196).

3 Escreve Weber: “Todo o aumento do dever de guardar o ‘segredo oficial’ éum sintoma da intenção dos dominadores de intensificar o poder por eles exercido ou da convicção de este estar exposto a uma ameaça crescente. Toda dominação que pretenda continuidade é, em algum ponto decisivo, dominação secreta” (1999, p. 196).

4 À vontade genuína contrapõe Schumpeter a vontade manufaturada do povo, produzida para ser assimilada como autêntica apesar de construída pelo exterior de forma viciada e falsificada (1984, p.328).

5 Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, bem como os respetivos agrupamentos.

6 “Sempre susceptíveis de serem confiscados, mesmo quando a decisão tomada não tenha a sorte de agradar a quem a delega, mesmo que faça correr riscos que não se deseja assumir, mesmo que conduza ao fracasso” (Sérieyx, 1993, p 88)

7 Já Afonso, a propósito do Decreto-Lei nº 172/91, dizia que era “um documento híbrido, onde é possível detectar marcas contraditórias que sinalizam quer a vontade inicial […] de imprimir maior dinamismo, participação e democratização à vida das escolas, quer a vontade posterior de outros autores decisores políticos que indicia uma fragilização e alteração da direcção democrática em favor de um órgão de gestão […] a que se atribuem responsabilidades e competências que podem inverter opções e valores anteriores (substituindo-os por outros como a eficiência, a eficácia e o controlo). (1999, pp.228-229).

8 Escrevem a este propósito Gadotti e Romão “o concurso acaba sendo democrático para o candidato que, se aprovado, pode escolher a escola onde irá atuar, mas é antidemocrático em relação à vontade da comunidade escolar que é obrigada a aceitar a escolha do primeiro” (2004, p. 94).

9 Tendo em conta a concessão do direito de voto, podemos distinguir entre sufrágio restrito e universal; sufrágio igualitário e não igualitário; sufrágio obrigatório e facultativo e sufrágio direto e indireto (Caetano, 1989).