SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número22As instituições internacionais e o crash de 2008A paz no Médio Oriente: entre a esperança de Fénix e o castigo de Sísifo índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.22 Lisboa jun. 2009

 

Novos desafios à governação democrática: o impacto da crise global e as vantagens da democracia*

Nuno Mota Pinto**

 

Para analisar a crise actual começamos por olhar para as causas profundas que, neste caso, se podem agrupar em dois grandes temas: a criação de maior complexidade na economia mundial e o acumular de tensões; simultaneamente, iremos averiguar o que desencadeou o «sismo» que desde 2007 afecta a economia mundial. Por fim, analisamos os instrumentos da política monetária utilizados para fazer face à crise, concluindo que só em parte se recorreu a isso e que a resposta da política económica tem sido manifestamente insuficiente.

Palavras-chave: crise económica e financeira, economia mundial, instituições internacionais, União Europeia

New challenges to democratic governance. The impact of the global crisis and the advantages of Democracy

The present crisis had started as a financial crisis that suddenly has became an economic crisis. First, we will start to identify the main features of this crisis trough some quantitative indicators. Then we will refer the historical lessons of the past crisis and its impact in Democracy. Finally, we will review the outcomes of some research about the association among Democracy, economic policy decision processes and economic development.

Keywords: economic and financial crisis, economic institutions, democracy, economic development

O debate sobre os novos desafios para a democracia vem em bom tempo numa altura em que testemunhamos o desenrolar de uma das mais graves crises económicas que o mundo moderno já enfrentou.

Neste artigo, começaremos por caracterizar a actual crise global; de seguida, mencionaremos algumas lições históricas de crises anteriores e o seu impacto na democracia. Em terceiro lugar, passaremos em revista os resultados de alguma investigação relativamente à relação entre democracia, processos de decisão de política económica e desenvolvimento económico. Estes resultados são encorajadores, apesar de se recomendar prudência na sua leitura.

 

A CRISE GLOBAL ACTUAL

Não é segredo para ninguém que a actual crise começou como uma crise financeira. O aumento de incumprimentos nos financiamentos hipotecários, especialmente no segmento baixo (subprime) colocou os bancos nos Estados Unidos debaixo de enorme pressão financeira. O aumento da interdependência do sistema financeiro global e o nível de alavancagem em que estava a operar, provocaram uma queda vertiginosa da confiança neste sector crucial. Os bancos não acreditam nas contas uns dos outros, não confiam nas exposições de risco declaradas pelas outras instituições financeiras. O uso de instrumentos financeiros complexos como os agora célebres mortgage-backed securities, utilizados para libertar espaço nos balanços dos bancos e como produtos financeiros atractivos para investidores, multiplicaram exponencialmente estes efeitos. Os mercados monetários, onde os bancos costumam recorrer para se financiar, estiveram à beira do colapso e ainda não recuperaram totalmente.

O que começou como uma crise financeira tornou-se rapidamente uma gigantesca crise económica. A necessidade de limpar os balanços das instituições do sector financeiro e diminuir o grau de alavancagem financeira secou os mercados de crédito. Os bancos preocuparam-se mais em controlar a sua exposição de risco, para melhorar os seus portfolios de crédito ou pura e simplesmente evitar a falência. Sem financiamento, a actividade económica começou a desacelerar e a diminuir. A economia entrou, a nível global, num ciclo vicioso – ausência de financiamento, diminuição da actividade económica, desaceleração do comércio global, mais diminuição da actividade económica, menores necessidades de financiamento e por aí fora. Houve uma redução da procura e do emprego que minou a confiança no consumo e no ambiente de negócios, o que provocou uma nova contracção da procura.

Os dados e estatísticas são impressionantes1:

• Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, em 2009 a economia mundial sofrerá uma contracção – estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) sugerem uma contracção de -0,5 a -1 por cento da economia mundial em 2009. As previsões para 2010 sugerem a retoma do crescimento globalmente entre 1,5 por cento e 2,5 por cento.

• As economias desenvolvidas sofrerão uma contracção de -3 a -3,5 por cento em 2009 com estagnação do crescimento económico (números entre 0 e 0,5 por cento) projectados para 2010.

• O FMI prevê que a economia dos Estados Unidos terá um crescimento negativo de -2,6 por cento em 2009, da Zona Euro -3,2 por cento e do Japão -5,8 por cento. Para 2010, os Estados Unidos, a Zona Euro e o Japão terão taxas de crescimento do PIB à volta de zero (entre -0,2 por cento para o Japão e 0,2 por cento para os Estados Unidos). Os números para 2010 poderão ser revistos em baixa e os de 2009 foram revistos numa base mensal com uma clara e preocupante rápida degradação. Na hermética linguagem dos economistas e do FMI: «O forte feedback negativo circular entre a estática economia real e o ainda corrosivo sector financeiro intensificou-se, e as previsões de recuperação para meados de 2010 regrediram». Ou seja, a situação é má e ainda pode tornar-se pior.

• As economias emergentes e em desenvolvimento deverão crescer entre 1,5 por cento a 2,5 por cento. Estas economias tiveram até 2009 a sua melhor década de sempre em termos de crescimento da actividade económica com uma média de taxa de crescimento do PIB de 6,1 por cento em 2008.

Analisando os dados por região:

A Europa de Leste e Central e a Comunidade de Estados Independentes são as zonas mais adversamente afectadas. A agitação financeira global afectou severamente a Europa Central e de Leste em particular, devido aos enormes défices de balança de pagamentos. Vários países enfrentam uma contracção severa das entradas de capital. Os países mais afectados incluem os Países Bálticos, Hungria, Croácia, Roménia, Ucrânia e a Bulgária. As situações específicas de cada um destes países são diferentes entre si e o facto de estarem a ser tratados de forma agrupada e indistinta chegou a criar alguma tensão entre a Comissão Europeia, o FMI, a Europa e os Estados Unidos.

• Na América Latina, condições financeiras mais restritivas e uma procura externa mais fraca são uma limitação ao crescimento económico na região, com o crescimento económico no Brasil a desacelerar e as previsões económicas para o México prevendo uma recessão.

Os países emergentes da Ásia estão a ser afectados através da sua dependência de exportações de produtos manufacturados. A actividade de manufactura na região foi particularmente afectada pelo colapso das exportações de tecnologias de informação. O crescimento na China também irá diminuir, apesar da taxa de crescimento de 2007 ter sido bastante alta (13 por cento), e a procura doméstica está a ser suportada por uma forte política de estímulo. Apesar disso, o Banco Mundial continua a prever uma taxa de crescimento do PIB de 6,5 por cento na China – desaceleração mas ainda a superar outros países e outras regiões. No entanto, esta taxa de crescimento não será suficiente para parar o êxodo massivo da população das cidades para as zonas rurais, à medida que o desemprego cresce.

Em África e no Médio Oriente, o crescimento está projectado para diminuir, mas de forma menos violenta que em outras regiões. Em África, o crescimento económico deverá diminuir particularmente nos países que exportam commodities, e vários países enfrentarão uma redução da procura das suas exportações, menores transferências de emigrantes e queda do investimento directo estrangeiro, ao mesmo tempo que os fluxos de ajuda ao desenvolvimento estão sob ameaça. No Médio Oriente, os efeitos da crise financeira têm, até agora, sido mais limitados. Apesar da queda abrupta do preço do petróleo, as despesas públicas têm conseguido suster problemas maiores na actividade económica.

A maior parte dos países de rendimento baixo foi poupada ao impacto directo da paragem súbita dos fluxos de capitais privados porque o seu acesso a estes fluxos era, já à partida, menor e mais difícil. Na África subsariana, por exemplo, os bancos são, na sua maioria, financiados em mercados domésticos ou regionais e não dependem em termos significativos de financiamentos externos para financiar operações. Mas apesar deste cenário, o impacto da crise nestes países não tem sido menos significativo à medida que os seus efeitos se propagam por outros canais. Podem identificar-se sobretudo três fontes de contaminação: diminuição do preço de commodities, menor nível de transferências de emigrantes e uma diminuição do investimento directo estrangeiro. Muitas das finanças públicas destes países dependem desproporcionadamente das receitas de exportação de commodities, cujos preços diminuirão sensivelmente, juntamente com a procura global. As transferências de emigrantes, uma importante fonte de rendimento, estão a diminuir como resultado da desaceleração económica dos países desenvolvidos e o aumento do desemprego. O investimento directo estrangeiro esfumou-se, particularmente nos sectores dos recursos naturais, à medida que o financiamento escasso e os cada vez menores preços de commodities levam ao adiamento e cancelamento dos principais projectos.

Diversas estatísticas do Banco Mundial2 sugerem que os países em desenvolvimento enfrentam uma insuficiência financeira de 270 mil a 700 mil milhões de dólares, dependendo da severidade, do tempo da crise económica e financeira e da eficiência e timing das respostas de política económica. Estes países estão debaixo de uma enorme pressão fiscal, particularmente aqueles sem acesso aos mercados de capital privado que devem, se quiserem proteger o núcleo das suas despesas, recorrer à ajuda pública ao desenvolvimento (APD) e a empréstimos concessionais para cobrir as suas necessidades de financiamento. A dependência da ajuda financeira externa seguramente que aumentará. Este aumento da dependência surge numa altura em que as opiniões públicas dos países da OCDE não estão particularmente abertas para apoiar este tipo de esforço financeiro. De igual modo, para financiar os seus gigantescos planos de estímulo fiscal, os países da OCDE terão de recorrer aos mercados financeiros – as quantias estimadas são enormes (algumas estimativas falam de montantes em torno dos seis mil milhões de dólares). Estes valores, inevitavelmente, colocarão enorme pressão sob os montantes disponíveis para financiar o mundo em desenvolvimento, quer seja através de APD, investimento directo estrangeiro ou de outros fluxos financeiros do mundo rico para o resto do mundo.

O comércio global entrou em colapso. A queda da procura nas economias avançadas teve sérias implicações para o comércio global – previsões para 2009 indicam o primeiro declínio anual dos volumes de comércio global desde 1982 e a maior queda em oitenta anos. As importações dos países avançados deverão, segundo o FMI, contrair em 3,1 por cento em termos reais. A contraparte desta evolução é a expectativa de um inédito declínio (de perto de um por cento) nas exportações das economias emergentes e em desenvolvimento. Antes desta crise, os países emergentes e em desenvolvimento, como um grupo, haviam experimentado um aumento das exportações em todos os anos3.

A desaceleração do crescimento do comércio global tinha vindo a verificarse por algum tempo. No último trimestre de 2008, o crescimento do comércio global foi negativo, aumentando os receios de uma reacção proteccionista. Das 51 economias que reportaram dados no último trimestre de 2008, 36 declararam quedas de dois dígitos das exportações em termos nominais relativamente ao ano anterior. Muitos países europeus, incluindo o Reino Unido e a Espanha, bem como países em desenvolvimento como a Indonésia, as Filipinas e a Turquia registaram uma queda nas exportações de 20 por cento ou mais. Em Outubro, a Índia registou o seu primeiro declínio ano a ano de exportações (de 15 por cento) após crescimento de 35 por cento nos cinco meses anteriores. Em Dezembro, o Brasil reportou o seu primeiro défice comercial em oito anos, quando as exportações caíram 29 por cento. Valores estatísticos para Janeiro apenas estão disponíveis para meia dúzia de países mas mostram uma queda abrupta nas exportações relativamente aos níveis do ano anterior. A ausência de dados mais recentes torna difícil avaliar o que está a acontecer às exportações dos países de rendimento mais baixo, mas um retrato parcial pode ser obtido lendo os dados de importações das economias avançadas. As importações dos Estados Unidos, dos países de rendimento mais baixo, em Outubro e Novembro de 2008, tinham caído quase seis por cento relativamente ao ano anterior4.

Mesmo antes desta crise, a maior parte dos Objectivos do Milénio relativa ao desenvolvimento humano seria de difícil alcance – especialmente os relativos à mortalidade infantil e maternal mas também à finalização da escolaridade primária, nutrição e saneamento. O Objectivo do Milénio relativo à redução da pobreza estava bem encaminhado mas as recentes más notícias levantam algumas dúvidas. Apesar da magnitude deste retrocesso ser de difícil avaliação nesta altura, países que sofreram contracções económicas de 10 por cento ou mais entre 1980 e 2004 sofreram um aumento de mortes infantis em mais de um milhão. Os dados sugerem que colapsos no crescimento económico têm custos para os resultados de desenvolvimento humano, uma vez que eles se deterioram de forma mais rápida durante as desacelerações de crescimento do que melhoram durante as acelerações.

A taxa de crescimento média do PIB dos países em desenvolvimento está agora projectada para cair em 2009 para menos de metade da taxa anterior à crise. Este crescimento menor impedirá a manutenção do ritmo de redução da mortalidade infantil. Análises preliminares mostram que a mortalidade infantil nos países em desenvolvimento poderá ser em média, e por ano, 200 mil a 400 mil mais alta entre 2009 e o ano-alvo dos Objectivos do Milénio, 2015, do que seria sem esta crise actual. Se esta situação não for invertida, isto corresponde a um total em excesso de 1,4 a 2,8 mortes infantis durante este período. O progresso para os Objectivos do Milénio deverá ser retomado quando o crescimento económico reaparecer mas a crise deverá adiar a obtenção destes desideratos5.

 

DEMOCRACIA E O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÕES DE POLÍTICA ECONÓMICA

Oscar Wilde afirmou um dia que «a experiência é apenas o nome que damos aos nossos erros». Houve um imenso progresso no pensamento económico desde a Grande Depressão. O mundo tem hoje muito mais experiência sobre como lidar com uma crise económica. Reconhecemos, graças a Keynes e aos seus seguidores, o papel que os governos têm de desempenhar para estimular a procura, combater uma recessão e a busca pelo pleno emprego. Compreendemos os mecanismos da política monetária e o comportamento prejudicial da Reserva Federal nos anos de 1930 devido aos trabalhos de Milton Friedman e outros. Sabemos também que a democracia se espalhou pelo mundo desde aqueles tempos pouco afortunados. A democracia tornou-se um imperativo ético-moral não negociável para uma parte crescente e cada vez maior da Humanidade.

No seu livro de 1981, Poverty and Famines6, Amartya Sen mostrou-nos que as epidemias de fome acontecem não por falta de mantimentos mas por desigualdades e iniquidades na sua distribuição. O corolário lógico mais impressionante do trabalho de Sen é que em sociedades onde as pessoas são livres para se organizar e para perseguirem as suas ambições de forma livre, mecanismos como uma distribuição ineficiente de comida não se desenvolvem. De uma forma simples, epidemias de fome não ocorrem em sociedades democráticas. A fome é uma consequência do poder autocrático.

Investigação muito recente por parte da equipa do Banco Mundial que publica anualmente o relatório sobre a facilidade de fazer negócios em quase todos os países do mundo (The Doing Business report7), encontrou argumentos robustos para sustentar que as democracias são melhores para promover reformas microeconómicas. Estas reformas têm normalmente como objectivo facilitar a vida de investidores, simplificar a burocracia na abertura, fecho e operação de uma empresa. Estas reformas são conhecidas no jargão económico como growth-enhancing reforms. Os autores começam por considerar duas hipóteses. A democracia pode ser mais conducente a reformas porque os políticos têm o incentivo de promover reformas que induzam o crescimento económico para ganhar eleições. Por outro lado, os regimes autoritários não precisam preocupar-se tanto com a opinião pública e podem efectuar reformas que são dolorosas no curto prazo mas que trarão prosperidade futura. A sua conclusão é clara e significativa: a regra democrática fornece maior incentivo para este tipo de reforma, a melhoria do ambiente de negócios, do que o poder autocrático.

Crescimento económico e democracia também parecem alimentar-se um ao outro. O livro de Benjamin Friedman, The Moral Consequences of Economic Growth8, apresenta um argumento muito persuasivo – demonstra que os alargamentos de direitos sociais e políticos, como o estabelecimento de salário mínimo, direitos laborais, direito ao voto das mulheres e de populações não brancas, aconteceram na Europa e nos Estados Unidos em períodos de crescimento económico. Esta conclusão é consistente com a experiência da Grande Depressão quando uma grande parte da humanidade viu os seus direitos políticos e sociais reduzidos e debaixo de ataque.

Contudo, quando falamos de desenvolvimento económico e democracia, devemos sempre ter presente que estas expressões genéricas cobrem realidades muito diferentes. Alguns economistas sustentariam que desenvolvimento económico não consiste apenas em crescimento económico – este é uma condição necessária mas não o único indicador relevante. Quando pensamos sobre democracia, ocorre-nos muito mais do que apenas processos eleitorais – uma democracia saudável implica liberdade de expressão e associação, instituições politicamente independentes, pesos e contrapesos entre os diversos poderes, boa governação. A democracia não é apenas o voto, é a sua contagem e a discussão livre.

É por isso que a maioria da investigação que trata a relação entre democracia e desenvolvimento económico apresenta resultados contraditórios. Conclui a favor das democracias quando estamos na presença de instituições sólidas e a boa governação é a regra. Mas democracias «capturadas» onde uma pequena elite tem uma capacidade desproporcionada para influenciar os acontecimentos políticos mostram resultados decepcionantes em termos de crescimento económico e da provisão de serviços pelo Estado às suas populações. Um pequeno número de autocracias bem-sucedidas economicamente apenas contribui para estes resultados contraditórios.

Este argumento é sustentado pelos resultados dos trabalhos dos economistas da chamada nova economia institucional. E é também reforçado pelas conclusões retiradas por Paul Collier no seu mais recente livro, Wars, Guns and Votes9, devotado em parte ao estudo do impacto da competição eleitoral nos países mais pobres do mundo. Collier demonstra que nas sociedades do chamado bottom billion, as mais pobres do mundo, a competição eleitoral, quando não acompanhada por outras instituições democráticas, tende a aumentar a violência política e a prejudicar o desenvolvimento económico. Conclui que o tipo de experiência democrática promovida pelas democracias ricas e liberais em África é por vezes uma experiência democrática limitada – restringida à existência de eleições. E isto é apenas meio caminho entre ditadura e democracia – muitos destes países não dispõem de um sistema de pesos e contrapesos, boa governação, e a capacidade institucional para resolver problemas políticos de forma pacífica. Estas conclusões reforçam a ideia de que a democracia promove desenvolvimento económico apenas quando é saudável e robusta. Instituições democráticas frágeis conduzem a um desenvolvimento económico frágil. A qualidade da democracia está ligada à qualidade do desenvolvimento económico.

 

CONCLUSÃO

Não tenhamos nenhuma dúvida que a presente crise gerará instabilidade social em várias partes do globo. Será a causa de enorme sofrimento humano e um retrocesso no que tinham sido várias décadas de crescimento económico e redução da pobreza e de indignidades. Em muitas partes do mundo os ideais democráticos serão desafiados pelo nacionalismo económico e por retracção do comércio livre, do livre mercado e dos ideais de liberdade.

Esperamos ter demonstrado que a História nos ensina que uma retirada para dentro das muralhas do proteccionismo arrisca ameaçar a democracia. A democracia é também uma garantia de que a crise económica global não se traduzirá em tragédias humanas massivas como epidemias de fome. Mas democracia limitada sem fortes instituições e boa governação não é suficiente para garantir o desenvolvimento económico. Estamos a entrar num tempo em que aqueles que valorizam a liberdade devem estar vigilantes.

A disseminação da informação e suas tecnologias e o poder da comunicação são instrumentos poderosos e meios para mitigar e combater qualquer tendência para o isolamento e a autocracia. As crises económicas aparecem e desaparecem. O mundo já superou crises anteriores e fará o mesmo novamente. Demorará algum tempo mas o crescimento económico, o progresso e o desenvolvimento voltarão a ocupar as primeiras páginas dos jornais.

Entretanto, devemos valorizar a democracia, a liberdade de expressão e de associação que com ela estão associadas. Mais do que um meio eficiente ou ineficiente para o crescimento, a democracia é um modo de vida que não pode ser negociável. Estamos num tempo em que é importante reter que demasiadas pessoas esperam maravilhas da democracia quando a maior maravilha de todas é apenas tê-la.

 

NOTAS

* Este texto tem como base uma comunicação efectuada aos participantes num seminário preparatório da Cimeira da Comunidade das Democracias, organizado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a supervisão científica conjunta do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova e do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

1 A maior parte destes dados foi retirada do World Economic Outlook Update (International Monetary Fund) de 28 de Janeiro de 2009. Já houve, entretanto, a divulgação de dados mais recentes que, grosso modo, traçam um cenário ainda mais negro e não alteram portanto os argumentos apresentados.

2 WORLD BANK – Swimming against the Tide: How Developing Countries Are Coping with the Global Crises – Background Paper for the G20 March Meeting in London.

3 Ibidem.

4 Ibidem.

5 Ibidem.

6 SEN, Amartya – Poverty and Famine: An Essay on Entitlement and Deprivation. Nova York: Oxford University Press, 1981.

7 Esta e outras investigações, bem como relatórios passados e classificações dos países em termos de facilidade de ambiente de negócios, podem ser consultados no website do Doing Business: http://www.doingbusiness.org

8 FRIEDMAN, Benjamin A. – The Moral Consequences of Economic Growth. Nova York: Random House, 2005.

9COLLIER, Paul – Wars, Guns and Votes. Harper Collins Publishers, 2009.        [ Links ]

 

** Responsável executivo no Banco Mundial para Itália, Portugal, Grécia, Albânia, Malta, San Marino e Timor-Leste.