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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.25 Lisboa mar. 2010

 

Alemanha & União Europeia

 

Patrícia Daehnhardt

Doutorada em Relações Internacionais pela London School of Economics. Professora de Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Lusíada. Investigadora do IPRI– UNL.

 

 

Mary Elise Sarotte, 1989: The Struggle to Create Post-Cold War Europe

Princeton, Princeton University Press, 2009, 321 pp.

No ano em que se comemoraram os vinte anos da queda do Muro de Berlim, as publicações sobre a história da unificação alemã foram profícuas. Uma das melhores é a de Mary Elise Sarotte, professora de Relações Internacionais na Universidade de Southern California. Historiadora de formação, apresentou um estudo crítico sobre o ano crucial de 1989, como o início da unificação alemã e da ordem do pós-Guerra Fria, a partir de fontes primárias e acesso a documentos recentemente disponibilizados em vários arquivos. 1989 representa uma adição importante aos três livros que até agora constituíam o essencial da história da unificação alemã: Philip Zelikow e Condoleezza Rice, Germany Unified and Europe Transformed, Frank Elbe e Richard Kiessler, A Round Table with Sharp Corners: The Diplomatic Path to German Unity, ambos de 1996, e Robert Hutchings, American diplomacy and the end of the cold war, de 1997.

A interrogação inicial de Sarotte centra-se à volta da seguinte questão: porque é que, perante o cenário de mudança, os Estados Unidos e a Alemanha Federal optaram pelo modelo de ordem prevalente e a manutenção das instituições existentes na construção da ordem europeia no pós-Guerra Fria? A razão prende-se com três factores: em primeiro lugar, o papel do chanceler Helmut Kohl, «o líder mais importante na construção da Europa do pós-Guerra Fria», a quem atribui sagacidade táctica, ao aproveitar assertivamente a oportunidade histórica para pressionar uma conclusão rápida da unificação. Em segundo lugar, o apoio da administração de George Bush, que desde cedo insistiu na condição de que as Alemanhas só se poderiam tornar uma se a nato permanecesse a aliança de defesa principal da Alemanha. Por último, o papel de Mikhail Gorbachev, que Sarotte considera fraco devido à falta de pensamento estratégico no processo negocial da unificação.

Gorbachev poderia ter insistido, afirma Sarotte, desde logo, que a União Soviética só aceitaria uma Alemanha unificada se esta participasse nas novas estruturas pan-europeias por ele propostas, e se o Ocidente lhe desse uma garantia, por escrito, de que a nato não se alargaria institucionalmente para Leste. Este último ponto insere-se numa polémica recente nas relações entre a Rússia e o Ocidente. Na sua oposição ao alargamento da nato até às suas fronteiras, a Rússia tem vindo a afirmar que o Ocidente teria prometido a Gorbachev, entre Novembro de 1989 e a Primavera de 1990, que a nato não se alargaria institucionalmente para Leste de todo o continente europeu, o que não se verificou. A Alemanha e os Estados Unidos ganharam a competição pelo domínio da ordem do pós-Guerra Fria, e o legado da sua vitória ainda produz consequências profundas hoje em dia. Uma delas, a autora conclui com uma nota pessimista, é a de que «a oportunidade de estabelecer uma cooperação duradoura com a liderança russa, num momento raro de abertura desta, mesmo que de fraqueza, perdeu-se, e não irá voltar tão cedo».

 

 

Frédéric Bozo, Marie-Pierre Rey, N. Piers Ludlow and Leopoldo Nuti (eds.), Europe and the End of the Cold War: A Reappraisal

Londres, Routledge, 2008, 256 pp.

Se Sarotte apresenta um estudo centrado essencialmente nas posições dos Estados Unidos, a União Soviética e a República Federal da Alemanha, a obra de Frédéric Bozo, Marie-Pierre Rey, N. Piers Ludlow e Leopoldo Nuti trata da posição dos vários actores e países europeus envolvidos. O livro tem o mérito de reunir autores de países e perspectivas académicas diferentes, o que permite uma análise mais completa nas suas dimensões política, social, económica, histórica e cultural. Consequentemente, a obra debruça-se sobre a importância das mudanças e dos processos envolvidos no continente europeu, o que, em si mesmo, é revelador da futura ordem europeia pós-bipolar.

O acesso a novos arquivos e documentos permite a «reavaliação» da política europeia no final da Guerra Fria e a afirmação de argumentos menos convencionais. Contrariamente à visão estabelecida, a França e a Grã-Bretanha não se opuseram à unificação alemã. Como mostra Bozo, a política da França, inicialmente cautelosa, alterou-se e foi paradoxalmente europeísta já que o que a motivou – o receio do aumento do poder da Alemanha – acelerou o processo de integração europeia, com o Tratado de Maastricht. Também Jacques Lévesque fala nas reticências europeias, mas afirma que na Grã-Bretanha quem se opôs veementemente à unificação foi apenas a primeira-ministra, Margaret Thatcher, e não o Foreign Office. Robert Hutchings desenvolve o papel crucial dos Estados Unidos na insistência da adesão da Alemanha unificada à nato. Hannes Adomeit explica as negociações que levaram ao consentimento de Gorbachev para uma Alemanha unida, membro da nato. Michael Cox, Helga Haftendorn e Jolyon Howorth contextualizam o tema a partir da questão da vitória na Guerra Fria, a interligação entre a unificação alemã e a integração europeia, e a relação entre a nato e a União Europeia decorrentes do fim da Guerra Fria. Um conjunto de autores que abordam o tema da perspectiva da Polónia, da Hungria e dos países bálticos completa esta obra abrangente que, partindo da unificação alemã, é, acima de tudo, uma história da integração europeia neste período crucial.

 

 

Paolo Graziano e Maarten P. Vink (eds.), Europeanization: New Research Agendas

Nova York, Palgrave Macmillan, 2008, 419 pp.

Inserindo-se na crescente popularidade do conceito de Europeanization a que se tem assistido na última década, o volume editado por Paolo Graziano e Maarten Vink tenta, ao mesmo tempo, afirmar-se contra o que os editores esperam não ser uma moda nos estudos europeus. A obra, que inclui capítulos por autores conceituados como Tanja Börzel, Simon Bulmer, James Caporaso, Kenneth Dyson, Klaus Goetz, Claudio Radaelli, Frank Schimmelfennig e Reuben Wong, entre outros, faz uma análise crítica do estado da arte dos estudos de europeização. O livro está dividido entre uma primeira parte sobre teoria e métodos, uma segunda sobre política e polity, e a terceira com dez capítulos sobre políticas europeias específicas.

Graziano e Vink argumentam que após uma década de investigação dedicada a delimitações conceptuais e construções analíticas ocorreu uma «viragem empírica» nos estudos da europeização, o que justifica as novas research agendas, mais motivadas pelas dinâmicas de mudança e sustentadas por novos puzzles empíricos. A maioria dos autores do volume define a europeização como um «processo de adaptação doméstica interna à integração regional europeia» e analisa de que forma é que a integração europeia, através de políticas, regras e normas, penetra (feeds back) os sistemas políticos nacionais. O resultado é uma análise empírica do impacto que a integração europeia tem produzido nos sistemas políticos internos dos estados-membros, em termos de convergência e divergência, e através da conceptualização do downloading (abordagem que parte das políticas europeias e estuda o seu impacto sobre o sistema interno) e do uploading (abordagem que parte dos actores internos dos estados e estuda o impacto destes na entidade europeia e a forma como reverte novamente a nível interno).

A europeização não deve, contudo, ser confundida com a convergência ou harmonização inevitável entre o nível interno e o nível europeu, já que as diferenças existentes entre o processo e as suas consequências podem produzir tanto a convergência como a divergência no grau de adaptação das diferentes políticas. Por último, os autores não restringem o conceito de europeização ao impacto da União Europeia e sugerem a aplicação dos instrumentos metodológicos ao estudo de outros exemplos de integração regional, como a asean, o Mercosul e a União Africana. Para quem estuda a problemática da europeização, tanto exclusivamente no contexto da União Europeia, como numa perspectiva mais ampla de integração regional, este livro é um valioso contributo para a consolidação da problemática da europeização nos estudos europeus.

 

 

Helmut Schmidt e Fritz Stern, Unser Jahrhundert

Munique, C. H. Beck, 2010, 287 pp.

Este livro, apenas disponível por enquanto em língua alemã, faz as delícias de quem se interessa pelas relações entre as grandes potências e pela política mundial actual, sempre com um olhar atento à história. Helmut Schmidt e Fritz Stern, dois observadores astutos da realidade que os rodeia, e que se conhecem há mais de três décadas, reuniram-se, durante três dias, em Hamburgo, no Verão de 2009, para discutirem questões de política e história internacionais. O resultado feliz foi Unser Jahrhundert («O Nosso Século»), uma troca de ideias inteligente e refrescante.

Trata-se de um diálogo, por vezes discordante, mas sincero, entre duas pessoas que nasceram muito antes da II Guerra Mundial e que testemunharam as turbulências do século xx. Schmidt foi chanceler da República Federal da Alemanha na segunda metade da década de 1970, e é, até hoje, o elder statesman mais respeitado e ouvido na Alemanha. Stern fez uma carreira académica brilhante na Universidade de Columbia, em Nova York, onde leccionou a História da Europa, com ênfase na história do judaísmo e no papel da Alemanha, de onde emigrara em 1938.

Com uma frontalidade tranquila de quem já não tem que prestar contas a ninguém, o diálogo entre Schmidt e Stern é fluido e percorre, sem esforço, considerações sobre as diplomacias e personalidades políticas da Alemanha, dos Estados Unidos, de Israel, ao mesmo tempo que toca temas históricos relacionando-os com a actualidade, como as duas Guerras Mundiais e a Guerra Fria, o fim da urss e a ascensão da China. Muitos dos diálogos circulam em volta da questão que se tornou a pedra angular da carreira académica de Stern: como foi possível o Holocausto, e qual a responsabilidade alemã perante os judeus e perante Israel? Schmidt não evade a questão. Trata-se de um livro com argumentos bem articulados, que nos transporta para o Zeitgeist de diferentes épocas e nos convida a ler e reler o raciocínio destes dois grandes pensadores. Mais decisivamente, é um diálogo não pretensioso que nos estimula a pensar e a consolidar a nossa própria visão sobre os grandes acontecimentos do século xx e da primeira década do século xxi. Resta desejar que este testemunho seja publicado em português.