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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.28 Lisboa dez. 2010

 

Segurança Transatlântica

 

Bernardo Pires de Lima

Investigador do IPRI – UNL. Doutorando em Relações Internacionais na FCSH-UNL, onde desenvolve uma tese sobre a NATO e o fim da Guerra Fria. Comentador de assuntos internacionais na TVI24 e Rádio Renascença. Colunista do Diário de Notícias e da Majalla Magazine. É autor de Blair, a Moral e o Poder (Guerra & Paz, 2008).

 

 

Bruno Oliveira Martins, Segurança e Defesa na Narrativa Constitucional Europeia 1950-2008

Cascais: Principia, 2009, 152 pp.

O interesse académico português por questões de segurança e defesa europeias tem merecido alguma atenção do mercado editorial, o que pode ser explicado pela gradual europeização das políticas de defesa e da diplomacia portuguesas nas últimas duas décadas. O ensaio de Bruno Oliveira Martins (Universidade do Minho) insere-se neste percurso narrativo, embora não se esgote nele. A razão é simples: aferir da articulação entre o processo normativo presente na construção europeia – a que o autor chama «constitucional» – e a evolução de uma política de defesa comum, não é propriamente habitual no debate português e essa terá sido uma das razões para que o argumento tenha recebido o Prémio Jacques Delors 2009.

O livro está dividido em quatro partes: 1) explica a União Europeia (UE) enquanto sujeito constitucional com especificidades; 2) identifica os falhanços na segurança e defesa europeias, durante os primeiros quarenta anos, dando atenção ao Plano Fouchet e ao Relatório Davignog; 3) olha para o período pós-Guerra Fria e para a ambição de uma autonomia europeia; 4) analisa os passos entre a Cimeira de Saint-Malo e a aprovação do Tratado de Lisboa. Os argumentos que percorrem o ensaio são, essencialmente, dois: por um lado, a existência de uma narrativa constitucional que vai dando corpo à própria integração e que faz parte de uma plêiade multidisciplinar capaz de explicar a UE; por outro, esta dimensão constitucional foi capaz de influenciar a política de defesa e segurança comum e acabou por ser também influenciada por esta.

Por outras palavras, o constitucionalismo europeu deve ser interpretado como um corpo analítico autónomo no direito internacional, até pela própria natureza singular da UE, tendo emergido com o chumbo da Comunidade de Defesa (1954) e assumido um papel de normalidade quando o pilar da segurança regressou com Maastricht (1992).

A visão presente no livro e que procura, com sucesso, entrelaçar a dimensão normativa com a da defesa, podia ter ganho uma outra força se incluísse uma perspectiva sobre a influência que os alinhamentos de estados, as crises euroatlânticas ou os conflitos étnicos tiveram em todo o processo europeu de segurança. Alguns dos momentos traçados no ensaio de Bruno Oliveira Martins têm génese e desenvolvimento por via dessas externalidades à própria normatização do processo de integração. Uma narrativa que certamente o autor explorará em futuros ensaios de igual qualidade.

 

James M. Goldgeier, The Future of NATO

Nova York, Council on Foreign Relations Special Report, Fevereiro de 2010, 33 pp.

Não sendo um típico livro está contudo disponível em brochura e deve ser encarado com um dos mais importantes contributos para o debate sobre o futuro da NATO. Centrada no enquadramento e narrativa do novo conceito estratégico da Aliança, entretanto aprovado na Cimeira de Lisboa, a proposta de James Goldgeier (Universidade George Washington e Council on Foreign Relations) percorre ainda outros caminhos.

O primeiro, parte de uma intuição do autor sobre a recusa dos Estados Unidos em criarem a nato hoje caso ela não existisse. Por pressões de muitas correntes da sua política externa com peso nas decisões e que fazem prevalecer as coligações de vontade em função das missões ou da permanência de alianças onde, como a NATO, se decide por consenso. Goldgeier reconhece, porém, que o sucesso da NATO na história e desenvolvimento euroatlântico justifica a sua manutenção e adaptação a um quadro geopolítico internacional em transição.

Assim, a NATO deve sublinhar a importância da sua segurança colectiva e incluir no seu âmbito as ameaças que entretanto se impuseram: terrorismo, ataque nuclear, ciberterrorismo ou cortes ao fornecimento energético. Para o autor, se a segurança colectiva não reconhecer isto a nato perde definitivamente importância para a política de segurança nacional norte-americana.

Além disso, perante o contexto financeiro e económico dos seus membros, a NATO deve ser capaz de estabelecer parcerias estratégicas com a União Europeia (UE) e a Rússia, em função dos imperativos operacionais e dos pontos de contacto que existem com Moscovo. O empenho no problema turco-cipriota, na institucionalização da relação NATO-UE, num sistema de defesa antimíssil que inclua Moscovo, na relação de confiança que possa no futuro levar a novos alargamentos, são linhas por onde a nato deve caminhar. Em boa verdade, o conceito estratégico de Lisboa remete para esta narrativa, embora pudesse ter ido mais longe na relação com a UE.

Goldgeier encara o papel da NATO em função do carácter global das ameaças e das parcerias que foi construindo (Austrália, Coreia do Sul, Japão, etc.) e dos interesses dos Estados Unidos. Ou seja, a NATO enquanto organização regional tem interesses e visões para além da sua zona geográfica e se souber potenciar o seu papel face a este quadro garante o interesse e o investimento de Washington.

Goldgeier, porém, não desenvolve três importantes pontos. Primeiro, não esclarece se missões do tipo Afeganistão podem ser o modus operandi da NATO no futuro. Segundo, que relação pode ser estabelecida com as Nações Unidas ou instituições financeiras globais, importantes na solução de cenários críticos como o Afeganistão. Terceiro, nenhuma observação sobre o potencial ameaçador que o Paquistão representa o que, em último caso, pode manter a nato na região mais tempo do que o previsto. Tem aqui margem suficiente para o próximo policy paper.

 

Ronald D. Asmus,  A Little War that Shook the World: Georgia, Russia, and the Future of the West

Nova York, Palgrave Macmillan, 2010, 254 pp.

A guerra entre a Rússia e a Geórgia (Agosto de 2008) teve antecedentes históricos importantes e efeitos de duração inconclusivos para a segurança transatlântica. Ronald Asmus (German Marshall Fund e antigo conselheiro de Clinton para os assuntos europeus) discorre sobre o clima de tensão permanente entre as autoridades georgianas e russas desde a implosão da União Soviética, além de apontar o alargamento da NATO à Geórgia e à Ucrânia como o maior derrotado do conflito de 2008.

Embora seja um bom contributo para o tema, o livro peca em demasia por se vincular à narrativa de Tbilissi, às fontes e conhecimentos que o autor tem no país, acabando por não incluir em igual medida as razões russas. Embora Ronald Asmus assuma as dificuldades em aceder com igual propriedade ao lado russo, o leitor deve estar alertado para o ângulo privilegiado. Para o autor, esta guerra foi uma punição de Moscovo aos anseios de libertação da Geórgia rumo ao Ocidente, cabendo à NATO uma particular cobertura a este tipo de reivindicações, em função de uma agenda considerada imparável de alargamento às democracias pós-soviéticas. Além disso, Asmus olha para o precedente ocidental que avalizou a independência do Kosovo como um erro aproveitado por Moscovo. Estes argumentos, contudo, merecem alguns reparos.

Começando pelo fim, a comparação entre Kosovo, Abcásia e Ossétia do Sul não é inteiramente correcta. A NATO, a UE e a ONU geriram desde a Guerra dos Balcãs o estatuto kosovar e procuraram que a Sérvia e a Rússia fossem parte da solução. Nas províncias da Geórgia, a Rússia validou sucessivas resoluções do Conselho de Segurança a reconhecer a integridade territorial georgiana, sendo o advento destas independências violento e sem histórico de negociações entre estados ou organizações internacionais.

Os restantes argumentos assentam numa lógica de premeditação russa do conflito perante as aspirações da Geórgia à NATO, embora não seja suficientemente sólido nas suas explicações. O seu fervor pelo alargamento contínuo da Aliança Atlântica resvala ainda numa subvalorização da relação com a Rússia quando esta se impõe por um conjunto de dilemas de segurança comuns com os Estados Unidos e restantes aliados europeus. Asmus parece desta forma continuar a olhar para o quadro de segurança euroatlântico pelo prisma triunfalista do início da década de 1990, esquecendo-se que o pragmatismo regressou e que a Rússia acabou por conquistar espaço político. Não sendo um livro brilhante, é um contributo relevante para o tema.

 

Stanley R. Sloan, Permanent Alliance? NATO and the Transatlantic Bargain from Truman to Obama

Nova York, Continuum Books, 2010, 336 pp.

Num balanço muitíssimo feliz e completo sobre a história da Aliança Atlântica, Stanley Sloan (Middlebury College) percorre os diversos momentos da relação transatlântica desde 1945. Da cooperação que se impôs sobre os destroços da II Guerra, ao papel do Congresso norte‑americano na validação bipartidária de uma aliança permanente com europeus, passando pelo período de adaptação posterior ao colapso da União Soviética e do Pacto de Varsóvia, aos alargamentos a Leste, pelos passos tímidos de aproximação à Rússia, por toda a tipologia de missões que surgiram em função das ameaças à segurança transatlântica, até à própria dinâmica da integração europeia e dos efeitos que foi tendo no interior da Aliança.

O livro de Sloan parte da existência de uma comunidade transatlântica – na qual a NATO é um pilar fundamental como suporte à confiança entre aliados – assente numa arquitectura de valores, relações bilaterais, afinidades políticas ou trocas comerciais. Este ponto de partida é relevante para se perceber a durabilidade da cooperação transatlântica e em particular da NATO, após as crises, cataclismos e adaptações a que foi sucessivamente sujeita ao longo da sua existência. São as qualidades apontadas por Sloan que acabam por constituir o desafio com que está confrontada: mais do que duvidar da sua existência ou durabilidade, será no valor atribuído pelos seus membros que o seu papel nas relações internacionais continuará a ter lugar. Por outras palavras, os Estados Unidos precisam de permanecer convencidos que a cooperação política e militar com os europeus é um contributo importante para os seus interesses; os europeus precisam de concluir que, no mundo actual, o seu contributo para a segurança internacional juntamente com os Estados Unidos é factor de projecção de poder externo e de influência no processo de decisão norte-americano.

Implicitamente, Stan Sloan acaba por aceitar que uma flexibilidade no processo de decisão da NATO possa ser uma forma de garantir o interesse norte-americano por esta cooperação permanente, revelando alguma da sua inclinação para o lado da balança transatlântica que mais merece ser valorizado. No entanto, com esta macrovisão, Sloan esquece-se que o consenso é a salvaguarda do poder dos pequenos estados e que sem eles esta Aliança perde parte da sua natureza singular. Além disso, o livro mantém a certeza da durabilidade da NATO mesmo após o turbilhão afegão, sem enveredar por uma concreta justificação ou, por exemplo, para o papel que outras organizações poderiam ter num possível quadro de vazio político. No entanto, percebe-se a falha: loan não encontra alternativas porque simplesmente elas não existem.