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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.29 Lisboa mar. 2011

 

A democracia brasileira nos anos Lula*

 

André Lacerda

Jornalista formado pela UFMG. É analista de conjuntura política e económica do Instituto Teotônio Vilela, órgão de formação política do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Foi subsecretário da Casa Civil do Governo do Estado de São Paulo. Assessorou as campanhas presidenciais do PSDB em 2002 e 2010. Autor de Brasil Real – 50 Leituras da Conjuntura Econômica nos Anos Lula.

 

RESUMO

O Brasil vive um momento de rara estabilidade política e económica, poucas vezes visto na sua história, resultado de um processo iniciado com a democratização do país. O artigo analisa como Lula e o PT depois de chegarem ao poder puseram em prática a sua agenda política de transformações económicas e sociais. Argumenta também que os reflexos daquela prática permitiram que a política externa de Lula se movesse, muitas vezes, de modo a compensar as fragilidades da estratégia do PT e servindo-lhe de contrapeso ideológico.

Palavras-chave: Brasil, democracia brasileira, Lula da Silva, Partido dos Trabalhadores

 

Brazilian democracy in Lula’s years

ABSTRACT

Brazil lives a particular moment of political and economic stability, seldom seen in its history, resulting from a process initiated with the democratization of the country. This article analyses how Lula and the PT after gaining power implemented their agenda of economic and social transformation. It argues that the reflexes of these practices allowed foreign policy to, in several instances, compensate for the fragilities of the PT’s strategy, serving as its ideological counterweight.

Keywords: Brazil, Brazilian democracy, Lula da Silva, Workers’ Party

 

O Brasil experimenta um momento de rara estabilidade política e econômica, com vigor poucas vezes visto na sua história. Não é algo que começou a ser construído no passado recentíssimo. Trata-se de processo iniciado a partir da redemocratização do país, ocorrida em 1985 após o Brasil ter atravessado vinte e um anos sob regime militar. São, portanto, duas décadas e meia de sucessivos avanços e que ora encontram seu sereno estuário.

O Governo de Luiz Inácio Lula da Silva valeu-se sobejamente das condições favoráveis que o processo histórico lhe legou. Recebeu uma «herança bendita» de conquistas incrementais alcançadas ao longo dos mandatos de quatro presidentes da República: José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso – mais notadamente nos dos dois últimos, quando se obteve a sonhada estabilização da moeda.

No final do seu mandato, em 2010, as forças políticas brasileiras relevantes comungam valores e princípios. O sistema político e econômico brasileiro exibe vitalidade e, sobretudo, amadurecimento. Há amplo consenso em torno de preceitos como a estabilidade econômica, a responsabilidade fiscal e o respeito à democracia. Nem sempre foi assim: ora os partidos de esquerda não viam na inflação um mal a ser extirpado, e tampouco aceitavam sem ressalvas o sistema democrático representativo, ora os partidos mais conservadores dobravam-se ao jugo autoritário.

Vale recordar que, ao longo do transcorrer do século passado, os períodos de normalidade política e econômica foram sempre espasmódicos no Brasil. O país atravessou oito anos de ditadura sob o Estado Novo de Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, e, após um breve interregno, em 1964 novamente sucumbiu a um período sem liberdades democráticas que perduraria até 1985. Por tudo isso, cabe festejar os bons ventos da nossa história recente: democracia com prosperidade econômica e estabilidade social.

É abismal a diferença entre o Brasil de hoje e o Brasil de alguns anos atrás. A primeira conquista relevante foi a da liberdade política, após mais de duas décadas sob o tacão militar. Mesmo assim, ainda demoraria mais quatro anos até que os brasileiros reconquistassem o direito de escolher seu próprio destino e voltar a eleger diretamente seu presidente, o que só veio a ocorrer em 1989. Eleito na ocasião, o tumultuado Governo de Fernando Collor de Mello acabou resultando no primeiro impeachment imposto a um presidente brasileiro. O Brasil parecia ter dificuldade para deixar de flertar com o caos.

Surpreendentemente, esta trágica ruptura serviu para confirmar e reforçar os compromissos democráticos do país. Collor foi constitucionalmente destituído e deu lugar a seu vice-presidente, Itamar Franco, sem que o país experimentasse qualquer sobressalto institucional. Coube a Itamar aprofundar algumas das acertadas reformas iniciadas pelo Presidente afastado, como a abertura da economia, e lançar as bases para o maior feito da história recente do país: a estabilização econômica, iniciada em 1994.

Capitaneado por Fernando Henrique Cardoso (FHC), então ministro da Fazenda de Itamar, o Plano Real mostrou-se um sucesso, pondo fim à série de mais de uma dezena de tentativas dolorosamente frustradas de domar a renitente inflação brasileira. Já como Presidente eleito, sucedendo Itamar, FHC empreendeu uma gestão que reformulou por completo os marcos institucionais do Brasil. Realizou um governo de profundas reformas estruturais que transformou o país e deu-lhe uma nova agenda econômica e social.

Passados quinze anos da conquista da estabilidade, uma geração inteira no Brasil não faz a mais pálida ideia do que é viver num país com inflação galopante. Nunca é demais relembrar qual era o quadro vigente no país antes do Plano Real. Em 1993, o custo de vida subira 2,489 por cento no país; depois disso, chegou a um máximo de 22 por cento e há sete anos não ultrapassa um dígito. A atual moeda, o real, é o décimo padrão monetário brasileiro. Sua adoção foi precedida de um duro ajuste nas contas públicas e uma criativa engenharia que pôs fim à indexação que grassava no país. Tamanho sucesso rendeu a Fernando Henrique seu primeiro mandato e a reeleição quatro anos depois.

Eleito depois de três tentativas fracassadas, o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva encontrou um país preparado para enfrentar novos desafios e alçar voos mais altos. Foram as condições privilegiadas que, dia após dia, os governos que a antecederam construíram que permitiram à gestão petista levar adiante seu projeto de inclusão social – algo que, graças também à extraordinária circunstância mundial até 2008, mostrou-se muito bem-sucedido.

O sucesso do momento econômico vivido hoje pelo Brasil é digno de nota. Afora tropeços como a recessão de 2009, o país experimenta um ciclo de expressivo crescimento, que neste ano deve culminar com uma expansão do PIB de mais de sete por cento. Mesmo com a extrema liberalidade do Governo Lula em relação aos gastos do Estado, o défice público mantém-se em níveis comportados e a inflação tem estado dentro dos limites estipulados por meio do regime de metas que vigora no país desde 1999.

Mais relevante, contudo, é a expressiva melhoria nas condições de vida de uma larga parcela da população. Estima-se que 32 milhões de brasileiros tenham ascendido à classe C desde 2004. Este estrato social passou de 43 por cento da população para pouco mais de 53 por cento. (Os levantamentos são da prestigiosa Fundação Getúlio Vargas.) Ou seja, estatisticamente o Brasil tornou-se um país de população majoritariamente de classe média, embora isso ainda seja uma realidade distante na sua dimensão social: o país está longe de alcançar níveis de educação e conhecimento que historicamente caracterizam este segmento.

A questão a avaliar é como o Governo de Lula usufruiu das singulares condições deste espetacular momento histórico do país. Um aspecto esclarecedor merece relevo: se a pirâmide social brasileira ganhou perfil mais parecido com o das nações mais ricas, a concentração de renda mantém-se elevadíssima aqui. Segundo a ONU, no Brasil o índice de Gini encontra-se em 0,56: apenas outros seis países estão em pior situação. Uma chaga que continuou vergonhosamente aberta nos últimos anos.

Alçada ao poder sob a promessa da mudança e da transformação social, a gestão do PT tinha a seu alcance plenas condições de injetar na vida brasileira o viço da renovação e da ética com que o partido acenara ao longo dos vinte e dois anos em que lutou para chegar ao comando da nação. A experiência acumulada nos anos do Governo de Lula permite concluir que o petismo esteve longe de preencher as expectativas.

O ponto a analisar é de que maneira, uma vez instalados no poder, Lula e o PT puseram em prática sua agenda política e de transformações econômicas e sociais. Que resultados efetivos legarão à nação, na forma de arcabouços que permitam ao país continuar a avançar? Especificamente no contexto das discussões do referido colóquio, que reflexos esta prática teve na política externa de Lula? Ver-se-á que esta se moveu, muitas vezes, de maneira a compensar as fragilidades daquela; serviu-lhe de contrapeso ideológico.

Foi notável o conservadorismo que dominou o governo do outrora progressista Partido dos Trabalhadores. Isso se deu em duas frentes fundamentais: na economia e nas relações políticas entre o PT e seus muitos aliados, uma extensa gama de apoios urdidos supostamente para garantir a governabilidade do país, mas que se notabilizou por apenas organizar-se para repartir o butim de benesses públicas entre si.

Ao chegar ao poder, o partido de Lula aposentou a retórica revolucionária que lhe serviu de mote desde a sua fundação, em 1980. Para a sorte do país, os fundamentos econômicos foram preservados, mantendo intactos os esteios antes demonizados pelo petismo e enfeixados sob o impreciso rótulo do «neoliberalismo». Neste aspecto, foi ótimo que o PT tenha agido assim: qualquer alternativa distinta possivelmente teria posto o país no caminho da desintegração.

Mas foi na prática política que o PT conseguiu ser lamentavelmente retrógrado. O Governo de Lula protagonizou o maior escândalo de corrupção da história brasileira, o chamado mensalão. O esquema de compra de apoio parlamentar envolveu os maiores próceres do petismo, a ponto de implodir nomes que sempre figuraram como prováveis sucessores naturais de Lula – como o então todo-poderoso ministro José Dirceu, posteriormente cassado pelos seus pares do Congresso – e fiéis escudeiros do Presidente desde a época das vacas magras da oposição, como Luiz Gushiken e José Genoino.

Muitos, mais notadamente no exterior, têm a impressão de que o único escândalo de corrupção no Governo Lula é o do mensalão. Nada mais falso. A corrupção é endêmica e, sob o pt, espraiou-se pelo organismo estatal com desenvoltura há muito tempo não vista. Desde que Lula chegou ao poder, nove dos seus ministros já foram exonerados por uso indevido de dinheiro público. Antes dissimulada, a partilha clientelista de poder hoje é escancarada nas páginas dos jornais, sem qualquer constrangimento por parte dos comensais governistas.

 

CARISMA E POPULARIDADE

O Presidente Lula desfruta hoje das mais altas taxas de popularidade que um chefe de Estado brasileiro jamais conseguiu alcançar – pelo menos desde que institutos de pesquisa começaram a aferir este indicador. Em maio de 2010, 76 por cento dos brasileiros julgavam o Governo dele ótimo ou bom, segundo o instituto Datafolha. No início do mandato, após a comoção que representara a sua vitória nas urnas, Lula dispunha de 43 por cento de aprovação.

São raros os casos de desempenhos assim: desde 2005, ano da grave crise política do mensalão, quando praticamente todo o primeiro escalão do Governo do PT sucumbiu ante os escândalos de corrupção, a curva positiva de Lula não parou de subir e, faltando apenas um semestre para que ele encerre seus oito anos de gestão, mantém-se nas alturas.

Entre os que desaprovam o Governo, somam cinco por cento os que o consideram ruim ou péssimo – metade da marca de oito anos atrás. Perfazem 19 por cento os que julgam a atual Administração regular. A pergunta que fica é: o que faz a gestão de Lula tão bem avaliada?

A resposta não está em eventuais avanços na educação, na saúde ou na segurança (as duas últimas ainda as principais preocupações manifestadas pelos brasileiros em pesquisas de opinião), nem na melhoria das condições de infra-estrutura que permitam ao país crescer mais. A resposta está no bolso dos nossos cidadãos: há atualmente mais renda disponível, seja por meio do crescimento da economia, seja por causa das políticas assistenciais. Há, portanto, muito mais consumo.

No primeiro trimestre deste ano, a economia brasileira cresceu 2,7 por cento em relação ao trimestre anterior. Quando anualizada, a taxa equivale a dizer que o país avança ao ritmo de 11,2 por cento ao ano, nível claramente impraticável nas nossas atuais condições de infra-estrutura e capacidade produtiva. Estudo recente mostra que, comparado a outros 20 países com os quais concorre no mercado global, o Brasil ficou apenas na 17.ª colocação no quesito qualidade geral da infra-estrutura. Seus portos são os piores do mundo, ferrovias e rodovias beiram a decrepitude.

Ao avanço econômico se somam agressivas políticas assistenciais, dos quais o principal destaque é o programa Bolsa Família, que distribui dinheiro a famílias pobres. Neste ano, o governo federal irá repassar R$ 13,4 bilhões (algo como 5,7 bilhões de euros) a 12,7 milhões de famílias. O custo da medida em proporção do PIB (0,4 por cento) é pequeno e os resultados têm sido positivos, embora dificilmente garantam a emancipação dos beneficiários.

Para os que estão no mercado de trabalho, a gestão atual manteve em marcha uma vigorosa política de recuperação do salário mínimo: o crescimento real, acima da inflação, chega a 53 por cento desde 2002, segundo o Dieese. Registre-se que nem o Bolsa Família, nem o aumento repetido do piso salarial foram exclusividade deste Governo.

Tais práticas iniciaram-se na gestão anterior, de Fernando Henrique Cardoso, e apenas foram ampliadas com Lula: nos oito anos do Governo social-democrata, o salário mínimo, por exemplo, já se expandira 48 por cento além da inflação. Já o Bolsa Família apenas reuniu iniciativas preexistentes como o Bolsa Escola (destinado a estimular a freqüência escolar), o Bolsa Alimentação (que cobrava do beneficiário o cumprimento de medidas preventivas de saúde) e o Auxílio Gás (que subsidiava o insumo para famílias pobres).

Este longo histórico de políticas sociais favoráveis e ganhos econômicos reflete-se no boom de consumo que hoje assola o Brasil. Na média nacional, o crescimento chega a 11 por cento nos últimos 12 meses. Mas nos estados mais pobres da Federação, a taxa beira espantosos 20 por cento anuais. Trata-se, ressalte-se, de situação que já vem se repetindo há anos, ou seja, não é mero espasmo ou bolha. Com dinheiro no bolso, emprego farto e salários em alta, o brasileiro consome como nunca. O reflexo na aprovação de Lula é direto e imediato.

 

«NUNCA ANTES NESTE PAÍS»

Isto fornece uma pista do que é o Brasil de hoje: uma soma dos avanços obtidos após a estabilização da economia e a realização de reformas estruturais (como a redefinição do papel do Estado, a modernização produtiva e a reorganização das contas públicas) pelo Governo de Fernando Henrique aliados à força do empuxo da economia da China, hoje principal destino das exportações brasileiras e principal parceiro comercial do Brasil, à frente até dos Estados Unidos. Este é o arcabouço histórico, econômico e institucional que permitiu a Lula executar sua exitosa política social e galgar os mais altos níveis de popularidade que se tem notícia no país.

Nesta atmosfera, navega o Governo brasileiro a bordo de um vistoso, mas irrealista, discurso progressista: Lula e seus seguidores não se cansam de bradar que «nunca antes neste país» se viu tamanha prosperidade. Tenta a ladainha oficial fazer crer que a história brasileira começou em 1 de janeiro de 2003, exato dia da posse de Lula. Desdenha-se solenemente do passado e dos imensos sacrifícios empreendidos pela sociedade brasileira nos anos que precederam o atual momento. É enorme, porém, a distância entre discurso e realidade.

É imperativo lembrar alguns dos profundos ganhos obtidos pela sociedade brasileira nos anos que precederam a chegada do PT ao poder. A estabilização é, certamente, o maior deles. Equivale a uma profunda revolução social, uma vez que eram justamente as camadas mais carentes as mais penalizadas pela inflação acelerada: os mecanismos de indexação monetária existentes na economia brasileira garantiam proteção à renda das classes média e alta, mas não aos pobres, que não tinham acesso ao sistema bancário.

Uma vez derrotada a inflação, foram enfrentados os ralos por onde os recursos públicos escorriam, enfrentando uma secular chaga do Estado brasileiro. Abriram-se as portas do país para o ingresso do capital privado, investido notadamente em setores nos quais o monopólio estatal só servia para asfixiar o nosso desenvolvimento.

Os resultados se fizeram sentir em diversas áreas da economia. Nas telecomunicações, vital para o desenvolvimento no novo século, o Brasil experimentou um salto sem precedentes, que possibilitou que virtualmente toda a nossa população passasse a dispor de telefonia, um luxo de privilegiados há pouco mais de dez anos. Hoje há mais celulares habilitados no país do que habitantes.

Modernizada, a indústria siderúrgica ganhou vigor que a ajudou a projetar-se mundialmente. O país tornou-se exportador relevante de artigos de ponta, como aeronaves e automóveis, e nossa principal empresa, a Petrobras, dobrou sua produção em menos de oito anos. É interessante registrar que, agora, uma das ex-gigantes estatais brasileiras transformada em potência privada, a Embraer, começa a internacionalizar-se e prepara-se para investir 148 milhões de euros em duas fábricas de aeronaves em Évora, Portugal.

Se na economia o discurso do PT é nada mais que fantasioso e enganador, maior ainda é a distância entre o que diz e o que pratica na política. A eleição de Lula foi marcada por enorme expectativa, misturada à esperança de renovação e de injeção de ética na política. Quando era oposição, o PT dizia que queria «acabar com tudo o que está aí». A chegada do partido ao poder deu-se com base em teses incendiárias, que pregavam a «ruptura» com o passado – teses estas atenuadas por compromisso firmado às vésperas da eleição de 2002 com a preservação dos pilares da economia de mercado e o respeito aos contratos, enfeixado na chamada «Carta ao Povo Brasileiro».

«Mudança», pregava Lula ao iniciar seu discurso de posse na Presidência da República em 1.º de janeiro de 2003. Mas o partido que se preparou durante vinte e dois anos para assumir o poder em nada aperfeiçoou a política brasileira. Mudou pouco, ou quase nada, o status quo. Pior: ressuscitou as piores práticas de exercício do poder, o compadrio político, o clientelismo; deu vida nova a carcomidas lideranças partidárias comprometidas unicamente com o atraso. Precisava ser assim? Certamente não.

Lula contou, durante todo o seu governo, com apoio parlamentar maciço no Congresso. De todos os partidos com representação no Parlamento, apenas cinco não se alinharam automaticamente ao Governo: PSDB, DEM, PPS, PV e PSOL – este, o único a lhe fazer oposição pela extrema esquerda. Mesmo neste reduzido grupo, muitos parlamentares não se negaram a associar-se ao Governo do PT para aprovar projetos defendidos na gestão social-democrata de Fernando Henrique, como foi o caso da reforma da Previdência. E mesmo os verdes ocuparam um ministério, o da Cultura, durante todo o mandato de Lula.

Tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, a bancada governista só fez crescer desde 2003 e nunca representou menos que 60 por cento dos componentes. Com tamanho predomínio, Lula poderia ter feito o que bem entendesse. Mas não fez – para o bem e para o mal. O Presidente respeitou a Constituição, não incorreu em aventuras personalistas. Mas igualmente não cumpriu a agenda de transformações a que se propôs quando eleito. Os últimos oito anos no Brasil são órfãos de reformas institucionais ou da adoção de práticas modernas de gestão. Nisso, o país estagnou.

Em muitas ocasiões ao longo destes últimos anos o que se viu foi apenas um Governo em busca de slogans e motes para o seu marketing, como foram os casos do Fome Zero e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ambos espalhafatosos, mas ambos de raro conteúdo. O impulso dado ao Bolsa Família cumpriu, inclusive, a função de preencher o vazio deixado pelo fracassado Fome Zero, lançado logo nas primeiras horas da gestão Lula, mas que não logrou qualquer êxito.

A carteira de empreendimentos do PAC alcança R$ 656 bilhões (algo como 280 bilhões de euros), mas, passados mais de três anos desde seu lançamento, foram concluídas pouco mais de 40 por cento das obras previstas para o quadriênio 2007-2010, de acordo com os balanços oficiais. Se a avaliação for mais rigorosa, o percentual não chega à metade disso.

Além disso, a despeito da massiva propaganda em torno do PAC, praticamente não se verificou mudança nos patamares de investimento público no país depois que o programa foi lançado, em janeiro de 2007: os níveis mantiveram-se ao redor de um por cento do PIB. Ademais, nossa taxa de formação bruta de capital fixo continua baixíssima, em torno de 18 por cento do PIB, quando se sabe que é necessário elevá-la a no mínimo 25 por cento para que o Brasil alcance níveis de desenvolvimento próximos aos experimentados por nações da Ásia, para ficar apenas num exemplo mais factível.

 

PROJETO DE PODER

Embora os programas assistencialistas de Lula representem a continuação das ações da gestão que o precedeu (como já foi aqui dito, o Bolsa Família nada mais é que a junção, potencializada, de outras bolsas antecedentes), há uma diferença gritante entre eles. Os programas sociais de FHC baseavam-se no cumprimento de contrapartidas por parte dos beneficiários: freqüência à escola, cuidados com saúde, nutrição e vacinação, entre outros. O objetivo era dotar os mais pobres de uma melhor condição de vida, de maneira a conduzi-los à conquista da autonomia; abrir-lhes uma janela de oportunidade que lhes permitisse livrar-se de vez da pobreza.

As ações de Lula – apesar de muito eficientes num certo sentido, porque alcançam quase todo o universo de brasileiros carentes – mantêm os pobres atendidos na dependência do Estado. Isso não é segredo: o Governo do PT sabe da parca força emancipadora de suas políticas assistenciais, mas não parece ligar. Reiteradas vezes o Governo do PT foi alertado para isso, mas sempre deu de ombros, deixando claros seus princípios. Transparece o desejo petista de manter a tutela estatal sobre o povo.

A observação da prática política petista ao longo dos anos em que o partido está no comando permite concluir que o PT tem um projeto de poder, mas não um projeto de país. A extensa coligação montada para sustentar Lula ilustra-o. Alianças são necessárias para governar, mas para quê o PT fez as suas? O PT cooptou – e continua a cooptar – as forças políticas, inclusive, e principalmente, as mais conservadoras, com práticas fisiológicas. Em nome de quê? De uma agenda de avanços para o país? Qual? Nenhuma, é a resposta.

A ampla aliança política em torno de Lula serviu apenas para sustentar o Governo, ampliar as relações promíscuas entre Estado e setor privado, aumentar o tamanho da máquina pública e subjugar instituições republicanas aos desígnios do poder central. Com o peso de sua retaguarda parlamentar, o Governo de Lula arrostou órgãos de fiscalização e controle e desdenhou da Justiça brasileira – por meio, inclusive, de seguidas transgressões eleitorais, que chegaram a render-lhe multas pecuniárias.

Os anos recentes têm servido para hipertrofiar o Estado brasileiro, ao mesmo tempo em que se cria um «capitalismo estatal» em que os donos do poder elegem os beneficiários das benesses públicas. Montou-se um balcão de negócios em que à distribuição de incentivos públicos corresponde, como contrapartida, o apoio dos agentes privados para financiar o projeto petista de poder.

Vários foram os exemplos em que isso se deu, tendo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) seu principal artífice. O Governo Lula meteu-se a criar uma superempresa de capital nacional que se tornou quase monopolística na telefonia; irrigou com farto financiamento público consórcios para construção de usinas hidrelétricas; e tenta agora a todo custo viabilizar um trem de alta velocidade que por quaisquer parâmetros técnicos não para nos trilhos.

Esta perspectiva nos permite apontar uma diferença marcante entre a Administração Lula e o Governo que a precedeu: gostasse-se ou não dela, a gestão social-democrata tinha um rumo claro. Havia uma agenda explicitada voltada às reformas estruturais e ao aperfeiçoamento institucional do país. Aquele Governo herdou a nação com um enorme histórico de passivos a serem enfrentados e enfrentou-os, com maior ou menor grau de sucesso.

Fernando Henrique redefiniu o papel do Estado por meio de um programa de privatizações, mas não deixou de arbitrar as disputas de mercado, instalando as agências reguladoras. Ampliou a abertura da economia brasileira ao exterior e perseguiu novos acordos comerciais. Combateu, frontalmente, o desarranjo nas contas públicas com a aprovação, em 2000, da Lei de Responsabilidade Fiscal. Enfrentou o endividamento das unidades subnacionais, promovendo a renegociação de dívidas mobiliárias de estados e grandes municípios. Reduziu o tamanho da máquina pública, diminuindo o contingente de funcionários públicos.

O resultado disso é que, ano após ano, o país foi conseguindo reconstruir a normalidade política e econômica de que há décadas não desfrutava. Precedida das conquistas logradas desde a redemocratização em 1985 e radicalizadas a partir da estabilização da moeda, alcançada com o Plano Real em 1994, a situação positiva e a relativa estabilidade dos dias atuais é o desaguadouro destes avanços sucessivos.

Mas, infelizmente, o PT não aceita que seja apenas parte desta evolução. Requer para si o papel de protagonista privilegiado e exclusivo do processo de transformações. É, pois, esta a razão do seu mote permanente: de que está, agora, a fazer o que nunca antes foi feito no país. Além disso, os partidários do lulismo cultivam uma incômoda convivência com a crítica. Abominam o contraditório, atribuindo-o a quem, supostamente, não se conforma com as transformações sociais em marcha no país. Insuflam inimigos imaginários que servem para dar sentido à sua luta política: ora a imprensa, ora as elites econômicas (que nunca estiveram tão satisfeitas quanto agora), ora as «instâncias burguesas» de representação.

Os meios de comunicação foram uma das vítimas prediletas do Governo petista. A principal razão é que, com sua incomum capacidade de dirigir-se ao povo, o principal mandatário da nação julgou que poderia – e, mais que isso, deveria – prescindir da intermediação da imprensa. Com a elite econômica satisfeita com os dividendos que Lula lhe proporcionava, a mídia tornou-se, assim, o ponto de encontro das vozes de crítica e oposição ao estado das coisas. O Governo do PT não a perdoou. Afinal, como todos os antigos vilões da história demonizados pelos petistas (como os banqueiros, os usineiros e os coronéis dos grotões) estavam aboletados a seu lado no poder, restava apenas a imprensa para Judas.

Foram reiteradas as vezes em que a gestão Lula tentou impor mecanismos de controle da atividade jornalística. Logo no início do mandato presidencial buscou-se criar um conselho federal para «orientar, disciplinar e fiscalizar» a atividade jornalística, com poderes, inclusive, para punir e cassar registros profissionais. Bombardeada pela opinião pública, a proposta foi derrotada no Congresso, mas nunca deixou de frequentar corações e mentes petistas contrariados com o que a mídia publica – o que não se aplica, claro, aos casos em que o noticiário é favorável ao Governo.

Não parou por aí. Lançando mão de uma legislação da época da ditadura, que servira, inclusive, para punir Lula quando ele era apenas um líder sindical, o Governo do PT ameaçou expulsar um jornalista estrangeiro do país, numa atitude inédita na nossa democracia. O pecado capital de Larry Rohter, correspondente do New York Times, foi ter publicado uma reportagem desabonadora sobre os excessos do Presidente em relação ao consumo de álcool – assunto que sempre frequentou as conversas da corte de Brasília. (Em livro em que aborda o episódio, o jornalista sustenta que a real motivação teria sido outra: o incômodo do PT em relação a reportagens que fizera mostrando a ligação entre a morte de Celso Daniel, prefeito e prócer do partido, e o farto desvio de recursos públicos, envolvendo gente muito próxima a Lula).

Este é o amálgama da ação política do Governo de Lula: de um lado, a ressurreição de práticas fisiológicas de convivência partidária e um convívio despreocupado com atos de corrupção; de outro, a reiterada tentativa de reescrever a história, sem aceitar-se como parte de um processo de ganhos progressivos. A completa aversão a críticas completa o quadro. Sem dúvida, uma postura extremamente retrógrada, distante dos ideais que no passado moveram seus seguidores – e que terá seus reflexos na política externa, como se verá logo adiante.

O comportamento atual dos partidários de Lula não é, porém, prática recente. Ao longo dos anos em que fez renhida oposição a quem ocupava o poder, o PT mostrou pouco apreço pelos avanços democráticos e institucionais experimentados pela sociedade brasileira. A lista é longa.

O partido negou-se a votar em Tancredo Neves no colégio eleitoral por ocasião da votação que pôs fim aos vinte e um anos de ditadura militar, e ainda expulsou seus parlamentares que apoiaram o Presidente eleito. Em seguida, negou-se a assinar a Constituição que nos rege desde 1988. Negou-se a apoiar o Governo de Itamar Franco após o impeachment de Fernando Collor em 1992 e ainda expulsou seus filiados que o fizeram, da mesma forma como agira com Tancredo. Negou-se a apoiar o Plano Real, que, em 1994, estabilizou a economia brasileira após várias tentativas frustradas. Votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, em 2000, impôs rigor ao trato dos recursos públicos (não satisfeito, o partido foi ao Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar a lei, numa ação que até hoje não foi julgada).

Cada um destes momentos foi capital para o aperfeiçoamento e o amadurecimento institucionais do país. E em todos eles o PT opôs-se ao consenso vigente em torno do avanço. Porquê?, hão de perguntar os que não acompanham de perto o desenrolar da política brasileira. Porque a prática política de Lula e de seu partido sempre se orientou pela conquista do poder, jamais pela busca do bem comum. Já no poder, o PT admitiu que muitas das bandeiras que desfraldou nos anos em que esteve na oposição não passavam de «bravatas» – como um líder do partido se referiu às tresloucadas propostas defendidas pelos petistas apenas para azucrinar e desestabilizar governos de seus adversários. Legítimo concluir que foi um partido que sempre atuou contra o país.

 

CONTRAPESO IDEOLÓGICO

Há quem propugne que a política externa de Lula manteve a mesma linha praticada pela gestão social-democrata de Fernando Henrique Cardoso. Não nos parece ser o caso. Nos últimos oito anos houve mais rupturas do que continuísmos. E isto tem muito a ver com a questão política interna do Brasil: as ações da diplomacia lulista serviram de contrapeso ideológico ao conservadorismo do Governo petista.

Tornou-se evidente a opção do Itamaraty pelas relações Sul-Sul, a aproximação a potências emergentes, em detrimento do aprofundamento de laços com as nações mais ricas. A diplomacia de Lula buscou ser protagonista tanto entre os vizinhos latino-americanos, quanto entre as economias em desenvolvimento. Relegou seus tradicionais e mais robustos parceiros comerciais – os Estados Unidos e a União Européia – a enésimo plano.

Não parece ter colhido grandes resultados. O exemplo mais evidente talvez seja dado pela formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), proposta lançada pelos Estados Unidos ainda nos anos Bill Clinton/Fernando Henrique. Tão logo ascendeu ao poder, o PT passou a firmemente bombardeá-la até conseguir finalmente sepultá-la. A resistência brasileira, conduzida pela diplomacia lulista, foi fundamental para o enterro da ALCA. Mas o que o país ganhou com isso?

Os exportadores brasileiros viram estreitar-se o espaço desfrutado pelos seus produtos no mercado americano, em favor de concorrentes diretos como a China. Numa época em que o comércio global acelerou-se, a participação do Brasil nos principais mercados mundiais não avançou um milímetro. Nos últimos oito anos foi tímida a expansão das exportações nacionais e cada vez maior a sua concentração em produtos de menor valor agregado. O país andou para trás.

A opção preferencial pelas relações Sul-Sul, numa ressurreição da carcomida diplomacia de viés terceiro-mundista, levou o Brasil a fechar somente dois acordos comerciais ao longo de oito anos de Governo Lula. Envolveram Israel e Egito, atores de pouca relevância no jogo do comércio global. Para comparar: desde 2002, México e Chile negociaram, respectivamente, 42 e 45 acordos de livre comércio.

É certo que o Brasil ampliou a sua presença nos foros globais da política internacional, notadamente após a criação do G20, do qual o Itamaraty foi um dos principais artífices. Mas é igualmente verdadeiro que esteve longe de lograr sucesso nos principais objetivos a que sua diplomacia se impôs – notadamente obter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Saiu igualmente fracassado ao tentar arbitrar conflitos históricos, como o de palestinos e israelenses, ou altamente explosivos, como o que envolve iranianos e americanos. Viu frustrada sua pretensão de liderar os países do continente latino-americano sem a sombra dos Estados Unidos.

Mais desabonador foi a sem-cerimônia com que, sob Lula, o país aprofundou a relação com regimes não-democráticos ao redor do globo. O Brasil sempre teve histórico pacifista e manteve fortes ligações com governos que rezam pela mesma cartilha de não-agressão e o respeito à democracia. Mas, em seu «nunca antes neste país», o lulismo optou por outra trilha: a da reiterada reverência a regimes ditatoriais ou, na melhor das hipóteses, a de omissões igualmente ignominiosas a violações de direitos humanos ao redor do mundo.

São vários os exemplos: Cuba, onde, conivente com a ditadura castrista, o Presidente brasileiro comparou presos políticos a bandidos das falanges brasileiras; Venezuela, onde mantém aliança incondicional ao proto-ditador Hugo Chávez; Irã, onde hipotecou apoio ao ditador Mahmoud Ahmadinejad ao mesmo tempo em que se recusou a criticar a truculência empregada por aquele regime contra seus opositores, bem como seu envolvimento na fabricação de artefatos atômicos; e Sudão, cujas infames campanhas de «limpeza étnica» e suas milhares de mortes jamais foram condenadas pela diplomacia de Lula.

Mas, se não logrou bons resultados comerciais nem conquistou o protagonismo com que sonhava na arena global, o que terá a diplomacia lulista alcançado? Parece claro que é o público interno que lhe interessa. A política externa de Lula preenche o vazio ideológico de sua ação partidária atual e da falta de ousadia da sua política econômica.

Na retórica diplomática, onde não cabe tudo, mas aceita muito, o Governo eleito para realizar a primeira experiência de esquerda no Brasil acomodou a frustração de seus tradicionais seguidores. O PT no poder alinhou-se a governos de países pobres que mereciam ser condenados por suas práticas execráveis, ao mesmo tempo em que sugeria que dava as costas às nações ricas. Para serenar a ultrapassada esquerda brasileira, bastou ser antiamericano da boca para fora.

 

O PIOR LEGADO

O PT chegou ao poder vinte e dois anos depois de fundado – seu principal oponente, o PSDB, levou seis. O Governo Lula era, portanto, alvo de enorme expectativa: nos padrões de conduta, nas prioridades de ação e na ética, ainda que as práticas anteriores do partido no comando de estados e municípios já deixassem antever que esta crença na honestidade era falsa.

Já no início do Governo, o PT mostrou que a esperança depositada no petismo deveria se frustrar. Ficou claro que o partido não pretendia se indiferenciar em relação às piores práticas da política brasileira: construiu alianças nada programáticas com as forças políticas mais atrasadas do país, ressuscitando personagens antes tratados como inimigos figadais pelos petistas.

Com a descoberta do mensalão, a compra reiterada de apoio parlamentar com uso de recursos públicos, a promiscuidade ficou escancarada. O PT descia aos mais baixos níveis da política brasileira. Mas como agiu o partido diante deste fato? Disseminou a tese de que todos são iguais nos malfeitos. Apostou no nivelamento por baixo das forças políticas.

O próprio Presidente da República endossou e encampou a tese segundo a qual «se todos fazem, por que não o PT?». Isso se espraiou pelo discurso de seus seguidores, num momento em que Lula quase se viu ferido de morte e o projeto de poder do PT esteve ameaçado de derrocada. Mas o Presidente conseguiu se recuperar e conquistar um segundo mandato. O preço foi pago pelo país na forma de indesejável retrocesso político, no qual ainda estamos mergulhados.

Líder político de carisma ímpar, Lula não se satisfez com os dois mandatos que a Constituição brasileira lhe permite exercer. Jogou-se sem pejo na luta pela eleição de seu sucessor. Inaugurou a prática do «dedazo», tão ao gosto do Partido Revolucionário Institucional e suas décadas de hegemonia política no México no século passado, na política brasileira e escolheu uma disciplinada auxiliar para disputar a cadeira que por oito anos ocupou.

Para isso, Lula não se importa em afrontar as regras. Fez isso ao longo dos últimos anos, pondo seu Governo a serviço da eleição de sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que jamais disputou uma eleição e era até pouco tempo atrás uma completa desconhecida dos brasileiros. Já durante o período eleitoral dobrou sua aposta e pôs todo o seu peso na campanha, desdenhando as proibições legais: com poucos meses de disputa, o Presidente da República do Brasil foi multado cinco vezes pela Justiça Eleitoral por ter feito propaganda indevida de sua candidata. Que exemplo dá Lula?

Sob o manto protetor da popularidade sem precedentes, Luiz Inácio Lula da Silva age como se pairasse acima do bem e do mal. Seus atos acabam por transmitir à sociedade uma espécie de salvo-conduto para o erro, uma aprovação prévia ao malfeito, uma leniência ante os desmandos e uma condescendência com quem age fora da lei. Este é o pior legado da era Lula. Uma herança maldita que nem seus malabarismos retóricos, seu desprezo pelo processo histórico, suas tentativas de reescrever o passado, sua atrasada prática política e sua lamentável forma de se relacionar com as demais nações do mundo são capazes de dissimular.

 

NOTAS

* O presente artigo resulta da comunicação proferida nos XVII Cursos Internacionais de Cascais realizados entre 21 e 26 de Junho de 2010 no Centro Cultural de Cascais, e organizados pela Câmara Municipal de Cascais e pelo IPRI – UNL.        [ Links ]