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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.54 Lisboa jun. 2017

https://doi.org/doi.org/10.23906/ri2017.54a02 

O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL EM ÁFRICA

15 anos de Tribunal Penal Internacional: À espera de Godot

15 years of International Criminal Court: waiting for Godot

 

Alexandre Guerreiro

Doutorando na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, incidindo a sua investigação na área do Direito Internacional. Mestre em Ciências Jurídicas Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Ex-Analista do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED). Autor de diversos artigos na área do Direito publicados em revista científicas e autor das obras A Resistência dos Estados Africanos à Jurisdição do Tribunal Penal Internacional (Almedina, 2012) e Islão, o Estado Islâmico e os Refugiados: quebrar mitos e desvendar mistérios (Quimera, 2016). Desenvolve um projeto de ida às escolas para partilhar conteúdos relacionados com terrorismo, direitos humanos e política internacional.

 

RESUMO

O dia 1 de julho de 2017 assinala o décimo quinto aniversário do início de funções do Tribunal Penal Internacional (TPI). Desde então, algumas foram as intervenções marcantes de um TPI galvanizado pela expectativa global. Todavia, o choque com a realidade da ordem internacional acabou por expor obstáculos que impediram que se concretizasse o muito que podia ter sido feito. No presente artigo propomos uma reflexão analítica sobre as motivações que justificaram a criação do TPI, os feitos alcançados e as vulnerabilidades da justiça internacional ao longo dos últimos 15 anos e ainda os aspetos passíveis de comprometer o futuro do Tribunal.

Palavras-chave: TPI, justiça internacional, África, direitos humanos.

 

ABSTRACT

The 1st of July of 2017 marks the 15th anniversary since the Rome Statute of the International Criminal Court (ICC) entered into force. Over these years many were the achievements registered by an ICC motivated by global expectation. Nevertheless, the Court faced reality and was not able to overcome the obstacles imposed by international order. In the present article it is suggested an analytical reflection on the reasons behind the establishment of the ICC, its achievements and the weaknesses of international justice over the last 15 years as well as the elements that can compromise the future of the Hague-based Court.

Keywords: ICC, international justice, Africa, human rights.

 

INTRODUÇÃO

O dia 1 de julho de 2017 assinala o décimo quinto aniversário da entrada em funcionamento do Tribunal Penal Internacional (TPI), após ter sido depositado o 60.º instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão ao Estatuto de Roma, tratado que criou o tribunal estabelecido n’A Haia, em cumprimento com o seu artigo 126.º.

Após uma intensa campanha em favor da constituição de um tribunal permanente e com jurisdição global capaz de perseguir, deter e condenar crimes que a comunidade global de estados tenha interesse em combater, por atentarem contra interesses comuns à humanidade, assiste-se, atualmente, a uma tendência de contenção do entusiasmo evidenciado até ao início do século XXI. A situação é de tal forma crítica que é notório um relativo desinteresse de alguns estados partes no Estatuto de Roma, comportamento este que se manifesta através da falta de colaboração com o Tribunal e ainda, em alguns casos, na insistente manifestação de vontade de romper os laços com A Haia1.

Esta realidade contrasta com os esforços do Tribunal e até de algumas potências e organizações regionais e mundiais com vista à inversão do panorama atual marcado pelo relativo descrédito e pela exposição de fragilidades da justiça internacional. Ora, tal cenário ensombra e compromete a afirmação plena do TPI enquanto autoridade judicial com capacidade para prosseguir os fins para os quais foi constituído: a realização de justiça internacional e a supressão (ou, no mínimo, a crescente diminuição) de crimes de natureza humanitária.

Em apenas 15 anos, algumas foram as intervenções marcantes de um TPI galvanizado pela expectativa global. Todavia, o choque com a realidade da ordem internacional acabou por impor obstáculos que impediram que se concretizasse o muito que podia ter sido feito. Justiça morosa? Justiça dos vencedores? Justiça pírrica? Justiça deficiente? Justiça seletiva? É a resposta a estas e a outras perguntas que nos propomos a dar no presente artigo, através de uma reflexão analítica sobre as motivações que subjazem à criação do TPI, os feitos alcançados e as vulnerabilidades da justiça internacional evidenciados ao longo dos últimos 15 anos e ainda os aspetos mais controversos passíveis de comprometer o futuro do Tribunal.

Para este efeito, o presente artigo dedicará uma primeira secção aos antecedentes do TPI, justificada com a necessidade de enquadrar o leitor com as razões que conduziram à constituição de um tribunal internacional desta natureza. Uma vez conhecida a história do Tribunal, uma outra secção permitirá conhecer as motivações que leva(ra)m os estados africanos a manifestar a sua aproximação ou afastamento do TPI, bem como as razões que ainda hoje dividem e geram tensão no continente africano face à intervenção d’A Haia.

Neste seguimento, estão reunidos os elementos necessários para poder examinar-se o Tribunal, nomeadamente as suas características e, com base no exposto, conduzir uma apreciação relativamente ao que era esperado e ao que efetivamente foi alcançado pelo TPI nos últimos 15 anos.

Este exercício de reflexão não terminará sem uma análise prospetiva, com inclusão de breves notas sobre os aspetos que poderão comprometer ou conduzir à consagração do TPI enquanto organização protetora das vítimas de violações de direito humanitário num contexto caracterizado pela supremacia da realpolitik enquanto princípio norteador das relações entre as forças vivas que compõem a comunidade internacional.

 

AS ORIGENS DO TPI

Alegar que o atual TPI corresponde a um projeto idealizado e concebido pela ordem internacional e delineado com o objetivo de constituir uma jurisdição internacional nos termos em que acabou por ser aprovado é um argumento desfasado da realidade. Com efeito, o TPI é o produto de um desvio do processo causal, um fenómeno que, embora não sendo um caso de aberratio ictus, é um desvio significativo ao objetivo que inicialmente se pretendeu alcançar.

Assim, importa recordar que a ideia de um tribunal penal com jurisdição supranacional efetivamente documentado data de 1474, para o qual foi convocado um coletivo de 28 juízes da Alsácia, Áustria, Renânia e Suíça, tendo em vista a realização do julgamento de Peter von Hagenbach, na cidade alemã de Breisach, por um tribunal ad hoc composto por 28 magistrados de aliados do Império Romano, por homicídio, violação e pilhagem no cumprimento de ordens superiores2.

O processo de criação de um tribunal penal internacional teve como base uma proposta de Trindade e Tobago, em 1989, a Resolução 44/39, formulada em sede de Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Este impulso, porém, foi motivado pela tentativa de constituir um tribunal capaz de julgar o crime de tráfico internacional de estupefacientes, ilícito este que, todavia, não veio a integrar a tipologia de crimes dispostos no Estatuto de Roma3.

Ao longo de todo o século XX, prevaleceu o modelo de tribunais ad hoc como forma de julgar, sobretudo, crimes de guerra. Com efeito, recorde-se que o Tratado de Versalhes, de 1919, já reconhecia aos Aliados o direito de constituírem tribunais militares para julgarem soldados alemães acusados de crimes de guerra (artigos 228.º a 230.º), ainda que na prática a ideia tenha sido concretizada através da elaboração de listas de suspeitos alemães pelos Aliados que seriam julgados por tribunais germânicos4.

Quase simultaneamente, o Tratado de Sèvres, de 1920, também reconhecia aos Aliados o direito de estabelecerem um tribunal especial para julgar os atos cometidos por oficiais do Império Otomano contra pessoas, incluindo o genocídio arménio (artigo 230.º). Tal acabou por não passar do papel, já que a Turquia não ratificou o tratado e este viria a ser substituído pelo Tratado de Lausana, de 1923, em que foi introduzida uma declaração de amnistia por todos os crimes cometidos entre 1 de agosto de 1914 e 20 de novembro de 1922.

Os resultados, porém, ficaram aquém do esperado. Ainda que tenham sido levados a julgamento inúmeros oficiais e de ter sido produzida prova dos crimes cometidos contra arménios, no final, os responsáveis por crimes de guerra permaneceram impunes, tendo sido condenados três funcionários de baixa patente.

Os constrangimentos com que a ordem internacional se deparou para aplicar uma justiça correspondente à gravidade dos atos cometidos motivaram o barão Descamps, do Conselho Consultivo de Juristas nomeados pelo Conselho da Sociedade das Nações, a sugerir a constituição de um «tribunal superior de justiça internacional», de caráter permanente, que incluísse nas suas competências o julgamento de crimes reconhecidos pela generalidade da humanidade. Esta ideia foi descartada por ser considerada prematura5.

Não obstante, a morte de Alexandre, rei da Jugoslávia, em 1934, inspirou uma das primeiras campanhas globais contra atos de terrorismo e redundou mesmo numa proposta de Convenção para a Criação de um Tribunal Penal Internacional, de 1937. Todavia, a convenção nunca entraria em vigor, por não ter sido ratificada por um número suficiente de estados, em resultado de, pouco depois, ter eclodido a Segunda Guerra Mundial e, mais tarde, ter sido extinta a Sociedade das Nações.

Afastada a ideia de uma instância de jurisdição internacional permanente, na última metade da década de 1940 regressaram os tribunais ad hoc, um modelo de aplicação de justiça que nem sempre é reconhecido universalmente como tal, mas que se afigura suficiente para impor a visão de justiça dos vencedores de um conflito ou de determinadas elites dominantes num contexto global. Assim foram constituídos os tribunais de Nuremberga e Tóquio no pós-Segunda Guerra Mundial.

Foi já bastante mais tarde, durante a década de 1990, que foi efetivamente retomada e se acelerou a ideia de constituição de um tribunal penal internacional, embora com mudança do escopo e da missão de uma organização desta magnitude quando comparados com a proposta de Trindade e Tobago. De facto, inspiraram esta ambição eventos como os crimes de genocídio, de guerra e contra a humanidade cometidos no decorrer da Guerra do Vietname e outros conflitos armados com foco regional e as consequências da ascensão ao poder de algumas juntas militares, durante as décadas de 1960 e 1970, as atrocidades cometidas durante a liderança de Pol Pot, no Camboja, os crimes cometidos pelo poder iraquiano na década de 1980 e o conflito na ex-Jugoslávia.

A estes acresceram ainda os episódios de horror ocorridos no Ruanda enquanto factos que motivaram a criação do atual TPI, sem menosprezar as reações face aos avultados custos que implica a constituição e manutenção de um tribunal ad hoc. Era imperativo agir e dispor dos meios para o fazer, sobretudo face aos receios de novas violações graves poderem ocorrer noutros territórios6.

Paralelamente, a controvérsia em torno dos processos de constituição dos tribunais ad hoc para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda impulsionou a ideia de criação de um tribunal permanente para que pudesse atuar de forma mais célere e servir como dissuasor de crimes internacionais7. Pretendia-se evitar, assim, o modelo daqueles dois tribunais que obrigavam a uma reação em função dos acontecimentos e a negociações de tal forma complexas, por forçarem o consenso no Conselho de Segurança (CS), que, não só colocavam em risco a constituição de um tribunal, como, caso este efetivamente viesse a ser estabelecido, poderia intervir tardiamente, concorrendo, deste modo, para a impunidade dos infratores8.

Foi com estas premissas que, em 1994, a Comissão de Direito Internacional aprovou os estatutos de um tribunal internacional cujas competências ficaram dependentes do projeto de «Código de Crimes contra a Paz e Segurança da Humanidade», aprovado pela mesma entidade, em 1996, que trouxe, também, a ambição de positivar de forma permanente e com caráter global a perda de imunidades de altas hierarquias do Estado. Não obstante, só num encontro realizado entre estados-membros da ONU, ONG e outras entidades, em Zutphen, na Holanda, em janeiro de 1998, as bases do acordo – que viria a ter como corolário a Conferência Diplomática de Plenipotenciários para a Criação do Tribunal Penal Internacional, iniciada a 15 de junho desse mesmo ano, em Roma, e concluída, com a aprovação do texto final do tratado, a 17 de julho – seriam estabelecidas.

A redação adotada não alcançou a unanimidade desejada, sendo aprovada com 120 votos a favor, 21 abstenções e sete votos contra, encontrando-se Estados Unidos, China e Israel nesta última posição. Todavia, estava aberto o caminho para a assinatura e ratificação por parte de todos os estados, tendo o 60.º instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão ao Estatuto de Roma sido formalizado a 1 de julho de 2002, data em que o TPI iniciou, assim, funções. Atualmente, são 124 os estados que ratificaram e integram a Assembleia dos Estados Partes no Estatuto de Roma, o último dos quais foi El Salvador, a 3 de março de 2016.

 

AS MOTIVAÇÕES PARA A ADESÃO AO TPI

As motivações dos estados para aderirem ou rejeitarem o Estatuto de Roma prende(ra)m-se com variados fatores. Desde logo, além das iniciativas espontâneas dos estados em formalizar a assinatura do Estatuto de Roma desde que o tratado foi aprovado, assistiu-se a uma corrida à assinatura nos últimos seis meses do ano 2000. Durante este período, 43 estados assinaram o Estatuto de Roma, três dos quais no último dia possível para o fazerem (Irão, Israel e Estados Unidos). Tal deveu-se ao facto de o n.º 1 do artigo 125.º do Estatuto admitir a assinatura dos estados até 31 de dezembro de 2000, sem a obrigatoriedade de o ratificarem, sendo que, a partir desta data, passou a estar disponível apenas à ratificação, aceitação ou aprovação.

Ora, com a mera assinatura, embora os estados não possam obstruir o seu cumprimento, os signatários não estão obrigados a colaborar com o Tribunal, nem sujeitam o seu território à jurisdição do TPI, aliviando, deste modo, a pressão da comunidade internacional no sentido de integrarem nos seus ordenamentos instrumentos de proteção de direitos humanos e assumindo, concomitantemente, a qualidade de estados observadores (artigo 112.º), o que lhes permite prolongar, por tempo indeterminado, a ratificação como parte.

Por outro lado, um dos fundamentos que justificam a adesão plena ao TPI está associado à evolução e maturidade das respetivas sociedades e, consequentemente, ao compromisso com os instrumentos que garantam uma proteção mais sólida dos direitos humanos e reforcem a confiança da comunidade internacional quanto à sua estabilidade política e social9.

Assim, quanto mais intensos forem os níveis de repressão com que um governo administra o Estado, menos provável é a sua adesão ao Estatuto de Roma, denotando-se um afastamento evidente por parte de regimes caracterizados pela supressão de direitos fundamentais e violações de direitos humanos por receio de os titulares de funções públicas e militares poderem cair na alçada do Tribunal.

Estados com estas características têm em comum o facto de prosseguirem governações tendencialmente repressivas, dominadas, na maior parte dos casos, pela concentração de poderes numa elite ou num só homem, personalidades que, não raras vezes, se assumem como os principais responsáveis pela violação de direitos humanos e pela implementação do terror, o que elimina, naturalmente, o interesse pelo comprometimento com o Estatuto de Roma, sabendo-se que a ação do TPI recai, exclusivamente, nos altos funcionários do Estado, podendo uma adesão ao Estatuto ter como possível consequência a sua inclusão nas ações do Tribunal.

Há, igualmente, que considerar o facto de estados onde se verifica uma maior separação e equilíbrio entre os poderes executivo e judiciário manifestarem maior propensão para se tornarem parte no Estatuto de Roma, por se entender como remota uma eventual ação do TPI no país, enquanto meio necessário para garantir a resposta a violações do direito internacional humanitário, sendo suficiente, à partida, a ação dos tribunais internos destes estados.

Aqui, se o TPI tende a ser avaliado como órgão verdadeiramente subsidiário, a adesão servirá, meramente, como instrumento de projeção internacional da imagem do Estado ratificante, enquanto promotor dos direitos humanos.

Paralelamente, é ainda notória a tendência de algumas personalidades terem em vista a instrumentalização do Tribunal em benefício próprio, quer enquanto forma de intimidar grupos armados e opositores políticos internos, quer como solução para refrear o apoio de países vizinhos a entidades que desenvolvem agendas subversivas no país respetivo10.

A título exemplificativo, a situação na República Democrática do Congo (RDC) é paradigmática desta realidade, na medida em que, relativamente à ação de grupos armados, o Presidente da RDC, Joseph Kabila, colaborou ativamente com o TPI no desmantelamento e na entrega de elementos das milícias a operar nas províncias do Kivu Norte e do Kivu Sul, lançando um aviso, simultaneamente, contra as autoridades ruandesas e ugandesas que, durante décadas, têm insistido no apoio a algumas destas organizações.

Também na situação na República Centro-Africana (RCA) o Presidente Kabila colaborou ativamente com o Tribunal. Afinal, o principal suspeito da investigação do TPI era o seu principal opositor político, Jean-Pierre Bemba, tendo a proatividade de Kinshasa na entrega do antigo Vice-Presidente do país deixado a oposição interna privada da principal ameaça à perpetuação de Kabila no poder.

Outro exemplo que justifica a falta de interesse no TPI diz respeito a estados cuja organização política e social está refém de tradições e valores religiosos que possam revelar-se incompatíveis com o cumprimento das obrigações decorrentes do Estatuto – casos estes dos países muçulmanos11. Exceção feita à Tunísia, que é parte no Estatuto de Roma desde 22 de junho de 2011, meses após a queda do regime liderado pelo Presidente Zine el Abidine Ben Ali, em janeiro de 2011 – sendo que aqui é evidente que a adesão ao Estatuto de Roma representa uma ação de charme da nova liderança política tunisina junto da comunidade internacional, pretendendo demonstrar as possíveis mudanças resultantes da Primavera Árabe.

Neste contexto, ainda que Argélia, Líbia, Marrocos, Egito e Mauritânia mantenham o estatuto de observadores, entre as motivações que concorrem para que estes estados, juntamente com o Sudão, não façam parte do Estatuto de Roma, encontram-se fatores como a acusação de «ocidentalização» do Tribunal, que leva a que ignore valores e princípios islâmicos, a existência de ordenamentos jurídicos que se baseiam, única ou conjuntamente, em fontes religiosas como forma de diminuir a influência colonialista e ocidental, e a ausência de setor judiciário independente12.

Além da Tunísia, constituem ainda exceção a esta regra o Afeganistão, a Jordânia e a Palestina. No primeiro caso, a adesão ao Estatuto de Roma foi uma consequência da ocupação militar pelos Estados Unidos e da ascensão de uma nova liderança política no país que constatou que através do TPI poderia diminuir a tensão e conflitualidade interna13.

Relativamente à Jordânia, admite-se como mais provável que as motivações se prendam com o compromisso do reino haxemita para com as iniciativas de direito humanitário mais vanguardistas. De facto, a Jordânia é o único Estado do Médio Oriente que é parte no Estatuto de Roma e caso raro no mundo árabe de um Estado ratificante de importantes convenções, entre as quais a Convenção sobre a Nacionalidade das Mulheres Casadas (de 1957) e a Convenção sobre o Consentimento para Casamento, Idade Mínima para Casamento e Registo dos Casamentos (1962).

No caso da Palestina, as motivações têm como base uma estratégia assente em dois vetores: de um lado, prosseguir a campanha de afirmação como Estado soberano – já que apenas os estados internacionalmente reconhecidos como tal podem ser parte no Estatuto de Roma –, do outro lado, uma condenação de Israel por crimes cometidos em solo palestiniano é passível de afetar a imagem de Telavive ao mesmo tempo que alerta a comunidade internacional para as atrocidades contra a Palestina. Com estes dois pressupostos, o Estatuto de Roma tende a funcionar como elemento dissuasor de eventuais ocorrências futuras de violação do direito humanitário por parte de Israel.

 

CARACTERÍSTICAS E BALANÇO DE 15 ANOS DE TPI

Com o início de funções, o TPI assume-se pioneiro face aos tribunais penais internacionais que o antecederam por se tratar de um tribunal de vigência permanente14 com competência geográfica ampla e tendencialmente universal. Com efeito, à luz do artigo 12.º do Estatuto de Roma, a jurisdição do TPI circunscreve-se aos estados que sejam partes no Estatuto (n.os 1 e 2), ou, não o sendo, aceitem a competência do Tribunal (n. os 2 e 3).

Tais disposições, embora concorram para a crescente área sob jurisdição do TPI, não garantem a sua universalidade. Se é certo que o elevado número de estados que são parte no Estatuto de Roma concorre para o aumento da área sob sua jurisdição, a aceitação da sua competência pode conduzir a uma expansão territorial. Todavia, o TPI só se afirmará como tribunal de âmbito universal, a exemplo do que sucede com o Tribunal Internacional de Justiça, se for aceite por todos os estados, o que não se verifica.

Não obstante, a tendencial instrumentalização política do TPI pelo CS tende a criar exceções ao Estatuto de Roma e a reconhecer jurisdição geográfica ilimitada ao Tribunal, em virtude de este órgão poder referir ao procurador «qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes» (artigo 13.º, alínea b)).

Paralelamente, ao Tribunal é atribuída competência ratione temporis limitada aos crimes cometidos após a entrada em vigor do tratado (artigo 11.º), sublinhando-se ainda a imprescritibilidade dos crimes que examina (artigo 29.º). Ainda que projetado sob o auspício das Nações Unidas – e parcialmente dependente desta organização por dela depender o financiamento do Tribunal (artigo 115.º, alínea b)), bem como derivado do facto de o Estatuto admitir a influência do CS –, o Estatuto de Roma é regulado pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969), pretendendo-se que o TPI assente, não na vontade de um número reduzido de estados, mas num acordo de vontades amplo.

O facto de o artigo 12.º remeter tacitamente para a regulação do Estatuto de Roma pela Convenção de Viena reforça o critério de aplicação limitada do Estatuto no espaço, o que não é mais do que o reconhecimento do princípio da relatividade das convenções internacionais (artigo 34.º da Convenção de Viena), segundo o qual «um Tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o consentimento deste último».

Paralelamente, o TPI prossegue os seus fins com recurso a outros dois instrumentos normativos – as «Regras de Processo e Prova» e os «Elementos dos Crimes» –, tem como pedra basilar da sua ação o princípio da complementaridade face aos tribunais nacionais e cinge a sua ação ao julgamento de indivíduos, primordialmente ligados ao aparelho estatal, num claro reforço da responsabilidade penal internacional do indivíduo e da indiferença da justiça à qualidade oficial que este representa.

De facto, conforme sublinha Paula Escarameia, «como vários dos crimes em causa só podem efetivar-se com o empenhamento e mesmo iniciativa do Estado (…) o Tribunal passa a ser um órgão com poderes para julgar políticas de governos e regimes, em nome da defesa dos direitos fundamentais de indivíduos e comunidades humanas»15.

Por forma a não colidir com a soberania dos estados – cuja relutância em abdicar do jus puniendi em favor de uma instituição jurisdicional supranacional sobre a qual não têm controlo poderia comprometer a aprovação e reconhecimento do tribunal d’A Haia –, entendeu-se atribuir competência ao TPI apenas nos casos em que os tribunais nacionais não queiram ou não tenham condições para exercer a sua jurisdição. Tal entendimento encontra-se materializado no artigo 1.º do Estatuto de Roma, sendo reforçado pelos artigos 17.º, número 1, 20.º e 80.º 16.

Outros aspetos fundamentais dizem ainda respeito à obrigatoriedade de cooperação incondicional dos estados partes no Estatuto de Roma com o TPI (artigos 12.º, n.º 3, e 89.º), à reformulação do conceito de jus puniendi, e aos conflitos entre o seu tratado constitutivo e as constituições nacionais, em aspetos como a extradição de cidadãos nacionais, a duração das penas, as amnistias decretadas por lei e o reconhecimento de categorias de tribunais além das revistas na respetiva constituição.

Impõe-se salientar a controvérsia em torno das imunidades de altos funcionários dos estados. Com efeito, a garantia de imunidades a estas personalidades tem vindo a cair em desuso, dada a crescente preocupação dos estados e da comunidade internacional em garantirem a proteção da pessoa acima da proteção do poder político em exercício17.

Contudo, muitos estados africanos continuam a prever imunidades aos seus líderes, entre os quais alguns de expressão portuguesa18. Exemplo disso é Angola, cuja Constituição não admite a responsabilidade criminal do Presidente da República no exercício das suas funções para todos os crimes tipificados no Estatuto de Roma. Já Moçambique, embora reconheça a responsabilidade criminal do chefe de Estado, impede a sua prisão preventiva durante o exercício de funções, o que inviabilizaria a cooperação das autoridades moçambicanas com A Haia.

Não deixa de ser assinalável, todavia, que, por um lado, o artigo 27.º do Estatuto de Roma reconheça a irrelevância da qualidade oficial para efeitos de ação do TPI, enquanto, por outro lado, o n.º 1 do artigo 98.º sustenta que, neste aspeto, o Tribunal está sempre dependente da aceitação do Estado do cidadão que goze de imunidade. Ou seja, ao chefe de Estado não é reconhecida a imunidade, enquanto um diplomata pode ver a sua imunidade ser respeitada, mesmo apesar de, em países como Portugal, ser o primeiro a nomear os embaixadores e os enviados extraordinários (cf. artigo 135.º, alínea a) da Constituição da República Portuguesa).

Neste quadro, entre 2002 e a atualidade, o TPI conduziu investigações em dez situações, divididas num total de 23 processos. Com exceção da situação na Geórgia, as restantes situações e processos incidem sobre incidentes ocorridos no continente africano. Presentemente, o TPI investiga ou julga as situações em: Uganda, República Democrática do Congo, Sudão (Darfur), República Centro-Africana, Quénia, Líbia, Costa do Marfim, Mali e República Centro-Africana (II). Encontram-se ainda sob avaliação preliminar dez outras situações, quatro das quais também em solo africano19.

Ao longo de 15 anos de atividade, a ação do TPI tem sido marcada por lacunas e incongruências as quais o Tribunal tem-se revelado incapaz de contrariar. Com efeito, merece reflexão que um órgão jurisdicional tenha no «princípio da justiça seletiva» o fator decisivo para a sua ação e para justificar a sua inação ou desinteresse por alguns casos. Este critério, que, na prática, se traduz numa dualidade de critérios, prejudica, desde logo, o cumprimento do direito internacional na sua plenitude, na medida em que dificilmente vinga a justificação dada pelo Tribunal de que alguns casos são de mais fácil resolução.

Embora o Estatuto de Roma admita a aplicação da lei «de forma igual a todas as pessoas» (artigo 27.º, n.º 1), a incapacidade de um tribunal de tamanha envergadura em assegurar o julgamento de todos os envolvidos – sobretudo pela elevada complexidade dos casos, que poderia perpetuar as investigações, adiando a aplicação da justiça – leva o procurador a incidir as investigações sobre «os principais responsáveis»20, ressuscitando, aqui, os critérios dos tribunais ad hoc, apesar de o Estatuto já exigir que a ação do Tribunal considere a «gravidade do crime» (Preâmbulo e artigos 1.º e 53.º n.º 1, alínea c))21.

Aqui, é passível de ser invocado o princípio exceptio non adimpleti contractus, que determina a cessação da vigência de um tratado quando ocorre a sua inexecução por uma das partes (artigo 60.º da Convenção de Viena), o que, em última instância, pode resultar na recusa de um Estado Parte em cumprir o Estatuto de Roma se entender que a discricionariedade conferida ao Tribunal para interpretar a expressão «gravidade do crime» possa servir de fundamento para afastar a aplicação do Estatuto das grandes potências ou de casos ocorridos em palcos extra-africanos.

Este mesmo «princípio da justiça seletiva» não se resume às situações que são alvo do TPI, antes estende-se também aos indivíduos, ao incidir as investigações sobre um número residual de personalidades – essencialmente, aqueles que exerçam funções de comando. Questiona-se a efetividade da justiça e o seu caráter dissuasor ou pedagógico22 ao saber-se que os autores materiais dos crimes poderão eximir-se à aplicação da justiça, mantendo-se na disponibilidade de cometerem novos crimes no futuro ou até motivarem terceiros a organizar-se com este fim, se se considerar que o TPI apenas age quando os estados não querem ou não conseguem julgar os prevaricadores.

Paralelamente, ao CS é reconhecido o poder de referir situações para análise do TPI, apesar de o Tribunal não ser um produto da ONU. Tal é passível de se traduzir num exercício de influência excessiva reconhecida pelo Estatuto de Roma ao CS, já que, à luz do Estatuto, o CS tem poder para «denunciar ao procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários (dos) crimes» previstos no Estatuto (artigo 13.º alínea b)) e suspender os procedimentos do Tribunal, por um período de 12 meses, renováveis sem limites, bastando para tal uma «resolução aprovada nos termos do disposto no capítulo VII da Carta das Nações Unidas» (artigo 16.º).

Ainda que esta situação não se tenha verificado até ao momento, tanto o Sudão como o Quénia desenvolveram iniciativas diplomáticas com vista a suspender temporariamente a ação do TPI, fazendo-o pelo envolvimento de altas hierarquias dos respetivos estados nas investigações do Tribunal.

Este poder será, no mínimo, moralmente injustificado, uma vez que estamos perante um órgão cuja maioria dos membros permanentes (três em cinco) não é parte no Estatuto23. Embora a composição desequilibrada do CS resulte de uma imperfeição da Carta das Nações Unidas, este pecado é imputado ao TPI pelo facto de os estados partes no Estatuto de Roma terem optado, voluntariamente, pela manutenção de preceitos que deixam o Tribunal refém daquele órgão, quando apenas as questões relacionadas com o crime de agressão poderiam colidir com a Carta.

Assiste-se, desta forma, a um sistema insólito, segundo o qual, por um lado, vigora a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, cabendo aos estados que sejam partes no Estatuto de Roma a tomada de decisão no âmbito deste instrumento; porém, por outro lado, vigora um sistema paralelo sustentado na Carta das Nações Unidas, como se de uma constituição universal se tratasse, emergindo a ação do CS como uma espécie de garante do cumprimento da legalidade, não no âmbito jurídico, mas meramente político, comprometendo a eficácia do direito internacional. Afinal, estados que fazem questão de se imiscuir na jurisdição do Tribunal podem decidir que outros sejam a ele conduzidos mesmo que tenham igualmente decidido não reconhecer esta autoridade? E quem dispõe de autoridade para referir um caso contra os cinco membros permanentes?

Esta realidade contribui, em larga medida, para a descredibilização do TPI e para a qualificação do Tribunal como «colonial»24. Paralelamente, alimenta a campanha de afirmação da soberania africana e que afasta estes estados de iniciativas e instrumentos não africanos como forma de afirmação da soberania que combata, entre outros, a opinião de conceituados juristas como Robert H. Jackson, que sustenta que «os Estados africanos são artefactos jurídicos de um sistema bastante flexível de política e direito internacional que consiste na expressão de uma ideologia de autodeterminação anticolonial do século XX»25.

Simultaneamente, apesar de os procuradores insistirem em piscar o olho a outros palcos, sobretudo sul-americanos, é certo que os casos até agora visados pelo Tribunal incidem praticamente apenas naqueles ocorridos no continente africano, desencadeando o agravamento das hostilidades destes estados, como um todo, contra o Tribunal.

Por outro lado, importa não esquecer que, se China e Rússia procuram demarcar-se dos poderes que o Estatuto de Roma lhes reserva, enquanto membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – manifestando-se contra quaisquer ações do TPI que sejam entendidas como atos de ingerência na situação política interna dos estados –, não é menos verdade que os Estados Unidos insistem em pressionar outros estados, sobretudo africanos, a colaborarem com A Haia, quando a posição norte-americana tem sido marcadamente hostil face ao Estatuto de Roma.

Depois da campanha em favor do TPI, sustentando que seria um instrumento importante para reduzir a violação de direitos humanos em estados e, consequentemente, a necessidade de intervenções humanitárias, os Estados Unidos alteraram radicalmente a sua postura para com o Tribunal e votaram contra o Estatuto de Roma. Viriam a assiná-lo, posteriormente, a 31 de dezembro de 2000 – último dia para o poder fazer e garantir o estatuto de observador, sem proceder à sua confirmação –, de modo a que qualquer administração futura fosse livre de reavaliar o posicionamento de Washington face ao TPI sem ser forçada a ratificar o Estatuto de Roma.

Paralelamente, foi também aprovado o «American Servicemembers Protection Act» (ASPA), um diploma de 7 de dezembro de 2001, que, não só veta a possibilidade de colaboração de qualquer órgão interno com o TPI, como prevê a cessação do apoio militar a estados que se recusem a celebrar acordos bilaterais com os Estados Unidos para impedir a detenção de cidadãos norte-americanos sem o consentimento de Washington.

Esta tendência de as grandes potências se recusarem a ser partes no Estatuto de Roma justifica-se com o facto de se tratar de atores ativos em vários palcos geopolíticos, pretendendo evitar a aplicação de um instrumento que não só não reforça os poderes de que dispõem em sede de CS, como potencia a ocorrência de tentativas de responsabilização por parte dos restantes estados ou do próprio Tribunal.

Se estes casos constituem exemplos de resistência passiva, outros há que são situações de resistência ativa, como o comportamento dos estados africanos e dos islâmicos, que, como forma de afastar a aplicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, criaram e adotaram instrumentos adequados às respetivas realidades, como a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e a Declaração de Direitos do Homem do Islão26.

Assinala-se ainda a fragilidade do Tribunal, que, por um lado, obriga ao cumprimento incondicional do Estatuto de Roma (artigo 12.º, n.º 3), mas, por outro, admite a celebração de acordos bilaterais que permitem eximir os cidadãos de um Estado à responsabilidade do TPI. Assim, os Estados Unidos têm ido mais longe para garantir que o Estatuto de Roma nunca será aplicável ao país: Washington insiste na celebração de acordos bilaterais de não transferência de cidadãos norte-americanos para o TPI, ao abrigo do n.º 2 do artigo 98.º do Estatuto27.

Tal opção não constitui um reconhecimento da jurisdição do TPI aos Estados Unidos, antes trata-se de uma manobra preventiva com o objetivo de evitar que estados partes no Estatuto de Roma ousem cumprir os seus deveres com o Tribunal e entreguem cidadãos norte-americanos que o TPI pretenda julgar, já que a ação d’A Haia não exclui nacionalidades se a situação sob investigação tiver ocorrido no território de um Estado Parte ou de um terceiro Estado que tenha solicitado a ação do Tribunal.

Não menos importante é o facto de o cumprimento das decisões do TPI estar refém do animus dos estados, nem sempre dispostos a colaborar incondicionalmente, dada a ausência dos meios coercivos necessários para prosseguir os seus fins com eficiência, nomeadamente forças de segurança com jurisdição tendencialmente universal que assegurem a detenção dos suspeitos em qualquer parte. Ou seja, no campo prático, o TPI convive de perto com as dificuldades resultantes do facto de se tratar de um tribunal sem Estado.

Igual preocupação merece a prova produzida pelo TPI, desde logo, pelo papel decisivo das ONG na busca da verdade material, constituindo os documentos resultantes do seu acesso privilegiado ao terreno fontes de referência para a atuação do Tribunal, num contexto em que a prova testemunhal assume caráter imprescindível e tende a não deixar alternativa a não ser confiar nos relatos apresentados quando não resta outra prova possível.

Por outro lado, a idoneidade e a imparcialidade dos julgamentos realizados com base no produto das ONG podem estar comprometidas, já que várias destas entidades representam verdadeiros instrumentos de soft power ao serviço das agendas de determinados estados e interesses sem que sejam por isso responsabilizadas.

Concomitantemente, verifica-se uma tendência dos estados partes para utilizarem o Tribunal enquanto «arma política» ao serviço de personalidades que pretendem afastar rivais políticos ao mesmo tempo que colhem louros junto da comunidade internacional, uma vez que a adesão ao Estatuto de Roma tem tido como leitura o interesse do Estado signatário em proteger os direitos humanos.

Simultaneamente, é evidente o conflito resultante da ambiguidade entre a complementaridade substantiva do TPI face aos estados – independentemente da pena que apliquem aos crimes, por mais simbólica que esta seja – e a possível violação deste princípio se o Tribunal «entender» que aqueles pretendem «subtrair o arguido à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal» (artigo 20.º, n.º 3, alínea a)) ou que o julgamento dos tribunais nacionais «não tenha sido conduzido de forma independente e imparcial (…) ou tenha sido conduzido de maneira a que (…) se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça» (alínea b).

Sabendo-se que a justiça pode ser relativa28, tendo mesmo incluído, em casos ocorridos num passado recente, o envolvimento de comissões de justiça alternativa de caráter transitório ou meramente reconciliatório29, desconhecem-se os padrões utilizados pelo TPI no estabelecimento de limites que tornem estes critérios mais exatos e menos aptos a instrumentalização política.

Finalmente, as fragilidades do TPI são ainda expostas pelas lacunas normativas, algumas delas graves, sobre um conjunto de normas que se pretendem inovadoras e protetoras dos direitos humanos. Em concreto, estas deficiências prejudicam os direitos do arguido ao não preverem solução para questões como o prazo máximo de prisão preventiva30 ou o destino a dar ao indivíduo ao qual seja concedida liberdade provisória, fazendo depender esta libertação da disponibilidade dos estados.

Com efeito, esta situação ocorreu de forma insólita e censurável durante o período de detenção provisória de Jean-Pierre Bemba, no âmbito da «Situação na República Centro-Africana», no qual, a 14 de agosto de 2009, e findos 13 meses de detenção, a magistrada Ekaterina Trendafilova acedeu ao pedido de liberdade provisória do então arguido, à luz do artigo 119.º das Regras de Processo. Porém, o ato da magistrada seria recusado pela secção de recurso por, entre outros motivos, não ter sido identificado nenhum Estado que se mostrasse disponível para receber o antigo Vice-Presidente da República Democrática do Congo no seu território, permanecendo este, assim, detido.

O mesmo problema coloca-se no sentido oposto, pois o artigo 107.º, n.º 1, do Estatuto de Roma obriga um Estado Parte a aceitar a transferência de um condenado para o seu território depois de cumprida a pena, o que entendemos constituir uma violação do princípio de soberania dos estados ao pronunciar-se sobre questões que vão para lá do direito internacional penal e humanitário, impondo condições aos estados no que respeita ao acolhimento de estrangeiros no seu território.

Outra questão coloca-se com o artigo 60.º, n.º 4, do Estatuto de Roma. Afinal, o que se entende por «detenção prolongada»? Quais são os limites temporais a um critério tão vago? Não deixa de chocar que até hoje o entendimento deste conceito dependa do bom senso e da disponibilidade de um Estado para receber o suspeito.

Finalmente, apesar de o artigo 72.º do Estatuto pretender limitar a colaboração dos estados com o Tribunal quando tal possa afetar a sua segurança nacional, este preceito poderá ser utilizado como instrumento de proteção de interesses por parte daqueles que pretendam influenciar o rumo das investigações. Este possível problema é comum a todos os estados, mas destacamos aqui os africanos, que, não raras vezes, fazem uma interpretação ambígua de conceitos como terrorismo, subversão e segurança nacional.

Como nota final, acrescente-se que o soft power não se resume à ação das ONG. Os estados, enquanto partes no Estatuto de Roma e sempre suscetíveis a influências externas, acabam por condicionar a ação do TPI, em último caso, por via de alterações aos instrumentos normativos que norteiam a atividade do Tribunal.

Importa, neste caso, recordar a Assembleia dos Estados Partes no Estatuto de Roma realizada entre 20 e 28 de novembro de 2013, em que foram aprovadas oito resoluções, incluindo a que revê as Regras de Procedimento e de Prova, quer alterando os artigos 68.º (Declarações para memória futura) e 100.º (Local dos atos), quer aditando os novos artigos 134.ºbis (Presença do arguido através de videoconferência), 134.ºter (Dispensa de presença em julgamento) e 134.ºquater (Dispensa de presença em julgamento por deveres públicos extraordinários).

Ora, a grande maioria destas alterações teve uma motivação não anunciada publicamente e que só foi conhecida em círculos diplomáticos restritos: adaptar o TPI aos circunstancialismos políticos de Uhuru Kenyatta e William Ruto (Presidente e Vice-Presidente do Quénia), que corriam o risco de suspender funções para responderem n’A Haia no âmbito da «situação no Quénia», o que, no futuro, poderia trazer consequências políticas para duas personalidades – em particular Kenyatta – que gozavam de reputação apreciavelmente positiva junto da generalidade da comunidade internacional.

 

CONCLUSÕES E ANÁLISE PROSPETIVA

No espaço de 15 anos, a ação do TPI resultou na condenação de quatro pessoas (Germain Katanga, Thomas Lubanga, Jean-Pierre Bemba e Ahmad Al Faqi Al Mahdi), na absolvição de uma (Mathieu Ngudjolo Chui), na não pronúncia de três (Bahar Idris, Abu Garda e Callixte Mbarushimana) e no arquivamento das investigações contra outras três (Uhuru Kenyatta, William Ruto e Joshua Arap Sang).

Entre os casos julgados pelo TPI encontram-se feitos inéditos da justiça internacional como a investigação e julgamento de violência perpetrada em contexto eleitoral (Quénia), a condenação por ataques contra património histórico e religioso (Mali) e as iniciativas contra um chefe de Estado em exercício (Sudão/Darfur). É ainda inegável que, com o TPI, a justiça pode hoje chegar a localidades remotas onde até um passado muito recente reinava a impunidade e a descrença no sistema de justiça.

Todavia, as fragilidades evidenciadas pelo TPI têm justificado a revolta de estados que manifestam a sua insatisfação pela instrumentalização política feita pelo Tribunal. É neste contexto que diversos estados africanos têm insistido em expressar a sua insatisfação face à dualidade de critérios demonstrada por A Haia. Esta corrente conheceu recentemente um novo impulso com o anúncio de retirada do Estatuto de Roma por parte da África do Sul e do Burundi, adensando-se as dúvidas sobre a posição a adotar por Namíbia, Chade, Uganda e Filipinas. A justiça internacional – que se traduz num modelo do que Hedley Bull apelidou de «justiça cosmopolita»31 – está em crise e pode ter o seu futuro em risco.

Apesar do quadro atual, não é expectável uma tomada de posição massificada de retirada do Estatuto de Roma no curto e no médio prazo, uma vez que a posição da generalidade dos estados partes continua a ser, claramente, a de confiança no Tribunal. Uma ação destas, tendo em consideração o anteriormente dito, tenderá a ser determinada por fatores que permitam concluir que o poder político dominante num determinado Estado correrá mais riscos de garantir a sua continuidade caso permaneça como Estado Parte no TPI. Até que tal aconteça, será de esperar que o comportamento mais racional a seguir por um Estado vise a resistência ao cumprimento dos seus compromissos com o Tribunal e reconheça prioridade a órgãos regionais, uma vez que um cenário de incumprimento poucas consequências práticas acarreta.

Com efeito, o incumprimento das obrigações resultantes do Estatuto de Roma poderá ter como consequências represálias políticas ou ações por responsabilidade internacional junto do Tribunal Internacional de Justiça. Entre cumprir o Estatuto de Roma e privilegiar as relações com terceiros estados, a escolha parece ser relativamente fácil, prevalecendo a realpolitik.

Em suma, apesar de a justiça internacional ter dado alguns (poucos) sinais daquilo que dela se pode esperar, a forma como se tem revelado lança dúvidas quanto à amplitude e à definição do conceito de justiça internacional quando muitos responsáveis por atrocidades cometidas globalmente permanecem por julgar e o próprio conceito de justiça está refém da vontade dos estados, que insistem em alterar o seu posicionamento e até as regras do jogo em função dos seus interesses, alheios, por vezes, aos interesses da humanidade.

Neste quadro, os 15 primeiros anos do TPI resultaram num crescente aumento da pressão sobre o Tribunal, perspetivando-se que entre numa fase crítica durante a qual será chamado a responder a situações ocorridas noutros continentes que não os africanos e contra atores habitualmente vistos como intocáveis e considerados «cisnes negros». Em conclusão, o Tribunal atingiu um ponto de não retorno, onde dificilmente terá outra alternativa que não seja a de avançar com as investigações a casos como o Afeganistão e a Palestina – processos nos quais está em causa a ação dos Estados Unidos e de Israel, dois atores tremendamente influentes e até agora imunes à justiça internacional –, uma vez que tal teria como efeito demonstrar força e imparcialidade, algo que os estados africanos consideram uma miragem.

 

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Data de receção: 6 de março de 2017 | Data de aprovação: 29 de maio de 2017

 

NOTAS

1 Além das decisões individuais, importa recordar as tomadas de posição ao nível regional, como é o caso da União Africana, cuja Assembleia já adotou, até ao momento, 15 decisões no sentido de condenar ou boicotar a ação do TPI.

2 Cf. GUERREIRO, Alexandre – A Resistência dos Estados Africanos à Jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Coimbra: Almedina, 2012, p. 21.

3 Cf. ZIMMERMAN, Andreas – «Article 5». In TRIFFTERER, Otto, e AMBOS, Kai (eds.) – The Rome Statute of the International Criminal Court: A Commentary. 3.ª edição. Reino Unido: Beck-Hart-Nomos, 2015, p. 115.

4 Cf. SCHABAS, William A. – An Introduction to the International Criminal Court. 4.ª edição. Nova York: Cambridge University Press, 2011, p. 4.

5 Ibidem, p. 5.

6 Neste sentido, MORENO-OCAMPO, Luis – «Preface». In DORIA, José, GASSER, Hans-Peter, e BASSIOUNI, M. Cherif (eds.) – The Legal Regime of the International Criminal Court: Essays in Honour of Professor Igor Blishchenko. International Humanitarian Law Series. Vol. 19. Leida: Martinus Nijhoff, 2009, p. xv.

7 Cf. KIRSCH, Philippe – «Foreword II». In DORIA, José, GASSER, Hans-Peter, e BASSIOUNI, M. Cherif (eds.) – The Legal Regime of the International Criminal Cour, p. ix.

8 Cf. SCHIFF, Benjamin N. – Building the International Criminal Court. Nova York: Cambridge University Press, 2008, p. 31.

9 Neste sentido, cf. LAUTERBACH, Claire – «Commitment to the International Criminal Court among sub-Saharan African states». In Eyes on the ICC. Nova York. Vol. 5, N.º 1, s. d., pp. 85-124.

10 Cf. GUERREIRO, Alexandre – A Resistência dos Estados Africanos, p. 47.

11 Cf. BADAR, Mohamed Elewa – «Islamic law (Sharia) and the jurisdiction of the International Criminal Court». In Leiden Journal of International Law. Holanda. Vol. 24, N.º 2, 2011, pp. 411-433.

12 Neste sentido, cf. KELLY, Michael J. – «Islam & international criminal law: a brief (in) compatibility study». In Pace International Law Review Online Companion. Estados Unidos. Vol. 1, N.º 8, março de 2010; BADAR, Mohamed Elewa – «Islamic law (Sharia) and the jurisdiction of the International Criminal Court», pp. 411-433.

13 Deste modo, cf. SCHABAS, William A.,e EPECORELLA, Giulia – «Article 12». In TRIFFTERER, Otto, e AMBOS, Kai (eds.) – The Rome Statute of the International Criminal Court: A Commentary. 3.ª edição. Reino Unido: Beck-Hart-Nomos, 2015, p. 689.

14 Os magistrados que compõem a estrutura organizacional do TPI variam em função do cumprimento dos mandatos respetivos e com base em regras de proporcionalidade geográfica e de género, garantindo-se sempre a operacionalidade do Tribunal.

15 Cf. ESCARAMEIA, Paula – O Direito Internacional Público nos Princípios do Século XXI. Coimbra: Almedina, 2009, p. 166.

16 Cf. BRITO, Wladimir – Direito Internacional Público. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 559-563.

17 A imunidade dos chefes de Estado era um dogma ainda na década de 1960. Georg Schwarzenberger, por exemplo, reconhecia que «um Chefe de Estado em deslocação ao estrangeiro tem direito a usufruir de total imunidade da jurisdição local em qualquer país que visite e qualquer edifício por ele ocupado torna-se extraterritorial durante o período de permanência». Cf. SCHWARZENBERGER, Georg – A Manual of International Law. 25.ª edição. Londres: Stevens & Sons, 1967, p. 81.

18 Neste sentido, cf. ESCARAMEIA, Paula – O Direito Internacional Público, pp. 171-174.

19 As situações em apreço dizem respeito ao Afeganistão, ao Burundi, à Colômbia, ao Gabão, à Guiné Conacri, ao Iraque, à Nigéria, à Palestina, à Ucrânia e aos navios com bandeira das Ilhas Comoros, da Grécia e do Camboja.

20 Cf. PÚBLICO – «Quando há crimes em massa não se pode condenar toda a gente». (Consultado em: 22 de março de 2017). Disponível em: http://www.publico.pt/mundo/jornal/quando-ha-crimes-em-massa-nao--se-pode-condenar-toda-a-gente70804.

21 Cf. MORENO-OCAMPO, Luís – Informal meeting of Legal Advisors of Ministries of Foreign Affairs. (Consultado em: 22 de março de 2017). Disponível em: https://www.ICC-cpi.int/NR/rdonlyres/9D70039E-4BEC-4F32-9D4A-CEA8B6799E37/ 143836/LMO_20051024_English.pdf.

22 Recorde-se a entrevista em que Moreno-Ocampo refere que a atuação do TPI assume caráter didático, pois «os julgamentos ensinam (e) as pessoas aprendem». Cf. FAVARO, Thomaz – VEJA Entrevista: Luis Moreno-Ocampo. (Consultado em: 22 de março de 2017). Disponível em: http://arquivoetc.blogspot.pt/2008/07/veja-entrevista-luis-moreno-ocampo.html.

23 Dos chamados P5 (Permanent 5), apenas Reino Unido e França são partes no Estatuto de Roma. Estados Unidos, Rússia e China recusaram fazer parte do TPI.

24 Cf. FORSYTHE, David P. – Human Rights in International Relations. 2.ª edição. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, pp. 106-110.

25 Assim, JACKSON, Robert H. – «Quasi-states, dual regimes, and neoclassical theory: international jurisprudence and the Third World». In International Organization. Vol. 41. N.º 4, setembro de 1987, p. 519.

26 Cf. GUERREIRO, Alexandre – A Resistência dos Estados Africanos, pp. 105-112.

27 Só à data de hoje são 95 os estados que têm em vigor um acordo de não entrega com os Estados Unidos.

28 O relativismo cultural ou regionalismo faz com que o conceito de justiça varie, sendo mesmo reconhecida, em alguns estados, nomeadamente na Somália, a faculdade de escolha de aplicação da justiça pela vítima ou pelos seus representantes.

29 Importa recordar que a dependência da vontade política influencia o recurso a mecanismos de justiça transitória, concorrendo para que «tanto o perdão como o esquecimento, ou a ausência de debate político em torno destes temas, continuem a ser dominantes em algumas sociedades pós-autoritárias e pós-conflito». Neste sentido, cf. RAIMUNDO, Filipa – «A justiça de transição e a memória do autoritarismo em Portugal». In Revista Contemporânea – dossiê redemocratizações e transições políticas no mundo contemporâneo. Vol. 1, N.º 7, Ano 5, 2015, p. 3.

30 Este ponto é tão ou mais preocupante se se considerar o ritmo lento a que funciona a justiça do TPI. Recorde-se que a primeira sentença condenatória foi decretada dez anos após o início de funções do Tribunal. Igualmente relevante é considerar que a situação na Colômbia encontra-se em avaliação preliminar desde 2004, concluindo-se que foi mais célere o processo de paz entre o Governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) do que a avaliação prévia do Tribunal.

31 Entre outras conclusões, Hedley Bull afirma que «o atual sistema de Estados é avesso às noções de mundo ou justiça cosmopolita, estando apenas recetivo a ideias seletivas e ambíguas de justiça individual ou humana». Cf. BULL, Hedley – The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. 3.ª edição. Nova York: Palgrave, 2002, pp. 80-89, 139.

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