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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.57 Lisboa mar. 2018

https://doi.org/10.23906/ri2018.57a03 

QUE SEGURANÇA MARÍTIMA TEMOS E QUEREMOS

Segurança marítima:  Da sensibilização à segurança. Ligando os pontos!

Maritime security: from awareness to security, connecting the dots!

 

Michiel Bart Hijmans

Maritime & More Solutions | The Hague, The Netherlands | michiel.hijmans@gmail.com

 

RESUMO

Este artigo começa por destacar a importância do domínio marítimo e das muitas e complexas ameaças que enfrenta, explicando a necessidade da consciencialização para a segurança marítima. A segurança marítima envolve várias agências e organizações e a questão principal é saber como interligá-las; não é uma questão nacional, pelo que a cooperação internacional é fundamental.  O artigo apresenta o processo de desenvolvimento da Estratégia de Segurança Marítima da União Europeia e do tão necessário plano de ação. A última secção do artigo demonstra como a segurança marítima pode e deve ser fundada nos princípios básicos das operações marítimas, incluindo os fatores cruciais para o sucesso e (conclui) que todas as partes interessadas precisam de estar conectadas.

Palavras-chave: Segurança marítima, ameaças, operações marítimas, Estratégia de Segurança Marítima da União Europeia.

 

ABSTRACT

The present article begins by drawing attention to the importance of the maritime domain to mankind and the many and complex threats it faces, and to the need for an awareness of maritime security. Maritime security involves multiple agencies and organizations; the chief question is how to connect them. Moreover, we must be fully aware that maritime security is not a national issue, therefore international cooperation is essential. The author describes how the European Union Maritime Security Strategy was designed and its much needed action plan. The last part of the article provides an insight on how maritime security can and should be based on the fundamentals of maritime operations, including their critical success factors concluding that all stakeholders must be connected.

Keywords: Maritime security, threats, maritime operations; European Union Maritime Security Strategy.

 

De certo modo, é estranho que chamemos «Terra» ao nosso planeta já que 71 por cento da sua superfície é coberta por água. Alguns factos simples sobre os oceanos: contêm 99 por cento da nossa biosfera – mais de 250 mil formas de vida diferentes; são a fonte da vida – água fresca; regulam a temperatura e determinam as nossas condições climatéricas. Além disso, um terço da população terrestre vive em áreas costeiras, mais de mil milhões de pessoas dependem de peixe e outros frutos do mar, os oceanos fornecem mais de 200 milhões de empregos diretos, regulam o dióxido de carbono através do plâncton, constituem uma fonte de rendimento para o setor turístico e neles se encontram os cabos submarinos que permitem a comunicação e transmissão de dados.

Porém, ao mesmo tempo, existem muitas ameaças aos oceanos, mares, áreas costeiras e outras vias navegáveis que no conjunto formam o domínio marítimo: estas ameaças incluem disputas territoriais; crime organizado transfronteiriço; pirataria marítima e assaltos com uso de arma; terrorismo contra navios, portos e infraestruturas críticas. Assistimos a desastres naturais e mudanças climatéricas, poluição severa, migrações e grandes quantidades de refugiados, atualmente em especial no mar Mediterrâneo.

A nossa fonte de alimentos está sob o ataque da pesca ilegal e da pesca excessiva e, finalmente, existe o perigo colocado pela proliferação de armas de destruição maciça.

Noventa por cento do comércio mundial é realizado nos oceanos. Eles são a chave das nossas economias, mesmo para os países sem litoral. As nossas importações e exportações, seja de alimentos, energia (como petróleo bruto e gás líquido) e de inúmeros outros bens, dependem todas destas autoestradas globais. Portanto, manter estas vias aquáticas seguras e, consequentemente, livres para todos os tipos de atividades legais é a base da segurança marítima.

Em 1609, o famoso jurista holandês Hugo Grócio publicou o seu livro Mare liberum, no qual declarou o princípio de que todos os oceanos e mares pertencem a todos, que todos os países devem ter livre acesso e que deve ser permitida livre passagem para que se torne possível viajar e negociar.

No século XIX, o estratega americano Alfred Mahan também estudou a segurança marítima e entendeu muito bem a grande importância dos mares. O seu conceito de poder marítimo foi bastante influente e baseou-se na ideia de que os países com maior poder naval teriam um maior impacto mundial. Esta foi uma das razões pelas quais se assistiu à ampliação das marinhas de vários países naquela época. Mahan defendeu que o poder naval e, portanto, o controlo dos mares, eram a chave para o sucesso na política internacional.

Nos últimos tempos, a segurança marítima tornou-se uma questão muito mais ampla do que o controlo por parte das marinhas (controlo naval). A marinha holandesa descreve a segurança marítima da seguinte forma: a segurança marítima implica a proteção contra (surpresa!) ações inimigas, sabotagem, atividade subversiva, terrorismo e crime organizado. Esta segurança (integral) cobre três áreas: pessoal, física e da informação. Operar no domínio marítimo significa que, além das medidas de segurança habituais, um comandante que é responsável por uma determinada operação deve também estar atento às ameaças e vulnerabilidades específicas que possam surgir neste domínio.

Atualmente, a segurança marítima engloba um conjunto complexo de questões, tanto de atividades públicas como de atividades privadas, e às vezes com interesses opostos. O domínio marítimo enfrenta ameaças por parte de nações, de terroristas, de pesca não regulamentada, da rutura natural e ambiental, da migração em massa e das atividades criminosas organizadas, como contrabando e pirataria.

Gostaria também de observar que nem sempre é o poder militar a fornecer ou a negar a segurança no domínio marítimo. A natureza recorda-nos que ainda controla parte da nossa segurança marítima. Infelizmente, tsunamis desencadeados por terramotos e tufões com chuvas fortes também fazem parte das nossas vidas. Não podemos evitá-los, mas podemos tentar mitigar os riscos estando devidamente preparados, educados e treinados para lidar efetivamente com as consequências desses desastres.

Ao longo dos anos, muitas leis, regras e regulamentos foram desenvolvidos para o domínio marítimo. Cito os mais importantes: Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), várias leis nacionais e internacionais, a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS), a Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento Marítimo (SAR), a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL), a Convenção para a Supressão de Atos Ilícitos (SUA), o Código Internacional para a Proteção dos Navios e das Instalações Portuárias (ISPS) e várias resoluções do Conselho de Segurança da ONU. As regras estão definidas; infelizmente nem todos os países as ratificaram e nem toda a gente age de acordo com a lei.

No Ocidente, temos assistido a uma clara mudança de foco da região do Atlântico para a região do Pacífico e especialmente para o Sudeste Asiático. Os interesses marítimos de muitos países nesta área tornaram-se mais visíveis, impulsionados por um maior desenvolvimento e crescimento do comércio. As marinhas estão a expandir as suas frotas submarinas e de superfície, e a importância de uma guarda costeira bem organizada está a tornar-se cada vez mais clara. Enquanto a ameaça de pirataria e de assaltos perto do Corno de África parece ter sido reduzida, assistimos agora a um aumento destas atividades criminosas nas águas do Sudeste Asiático e nas águas próximas da África Ocidental, como o golfo da Guiné.

A importância do transporte marítimo tem justificado o crescimento da pirataria. Um terço da marinha mercante mundial passa anualmente pelos estreitos de Singapura e de Malaca, incluindo a maior parte do comércio entre a Europa e a China. Todo o petróleo bruto que é exportado do Médio Oriente para as principais economias asiáticas está a ser transportado por mar. De acordo com estimativas internacionais (incluindo as de Singapura), cerca de 130 mil navios visitam Singapura todos os anos. Isso significa que entra um navio no estreito a cada quatro minutos, e esse número continua a crescer.

A pirataria está a aumentar especialmente perto da Indonésia, do Vietname, do Bangladesh, da Malásia, dos estreitos de Singapura e Malaca e nas proximidades da África Ocidental. Muitas vezes, líquidos são bombeados do navio atacado para navios-tanque menores, mas também vemos assaltos cometidos contra outros tipos de navios. Um grande problema são os sequestros que acontecem no mar de Sulu e perto da Nigéria. Essas formas de atividade criminosa estão a ser combatidas por várias marinhas e guardas costeiras da área, e foram levadas a cabo ações, incluindo com a ajuda da Interpol, para prender os líderes criminosos em terra. Porém, dada a vastidão e a complexidade da área envolvida, torna-se muito difícil obter sucesso.

 

A CONSCIENCIALIZAÇÃO DA SEGURANÇA MARÍTIMA COMEÇA NA EDUCAÇÃO: DAS CRIANÇAS NA ESCOLA ATÉ AOS POLÍTICOS AO MAIS ALTO NÍVEL

Toda a gente entenderia a importância da segurança marítima se esta lhe fosse explicada. Essa educação criaria uma consciência da sua natureza e da sua ligação a uma economia sólida. Infelizmente, esta perceção não é tão ampla quanto se poderia desejar.

A Holanda é um país com uma história marítima muito longa, não só na luta para manter o país a salvo de inundações e na recuperação de terras ao mar, mas especialmente no que diz respeito ao comércio. No século XVII, a que chamamos de Idade de Ouro, a frota mercante da Holanda consistia em 20 mil navios de 50 a 600 toneladas de tonelagem bruta. Cada cidadão entendeu a importância da marinha e da frota mercante para o bem-estar do país.

Hoje em dia, a história é diferente, apesar de assistirmos a uma lenta transformação numa direção mais positiva. É um pouco como as crianças na escola: se perguntarmos de onde vem o leite, a maioria dirá que vem do supermercado. Muita gente, mesmo os mais instruídos e os decisores políticos, toma como garantidas as nossas lojas cheias de mercadorias e o facto de se poder comprar peixe e frutos do mar frescos um pouco por todo o lado. Não têm uma ideia clara do sistema que está por trás disso e que torna tudo isso possível. Além do mais, estas pessoas não têm ideia nem consciência da importância da segurança marítima para o seu país e para todos os países do mundo. A isto chama-se «cegueira do mar». O diretor marítimo de um país africano afirmou há poucos anos: «É muito lamentável que a capital do nosso país esteja tão longe da costa, caso contrário prestariam muito mais atenção e contribuiriam com muito mais dinheiro para os nossos portos, frota mercante e marinha.»

A consciencialização da segurança marítima só pode ser alcançada por meio de uma educação adequada. Esta deveria começar na escola e ser parte integrante do currículo escolar até à universidade. Mas pode e deve fazer-se ainda mais. Os políticos devem ser informados através de palestras, documentos políticos e visitas de estudo organizadas nos portos, na indústria marítima e, se possível, com a guarda costeira e marinha. Às vezes, pode ser mais eficaz começar por envolver o escalão imediatamente abaixo dos líderes políticos, ou seja, os seus assistentes e assessores.

Mesmo que consigamos persuadir a maioria dos nossos cidadãos e líderes políticos da necessidade de um ambiente marítimo seguro, ainda teremos de os persuadir a pagar a conta. Por outras palavras, o preço de tal segurança é alto. Portanto, um dos princípios da implementação de uma estratégia de segurança marítima é garantir a sua eficiência em termos de custo, algo claramente mais fácil de dizer do que fazer. De forma a gastar sabiamente os recursos financeiros de cada país, devemos evitar qualquer duplicação de esforços e maximizar o uso das estruturas, dos instrumentos e das capacidades existentes. Coordenar isso requer um conhecimento profundo do ambiente marítimo, das capacidades humanas existentes e do seu grau de dedicação.

 

A SEGURANÇA MARÍTIMA ENVOLVE VÁRIAS AGÊNCIAS E ORGANIZAÇÕES. COMO INTERLIGÁ-LAS?

Como já foi explicado anteriormente, a segurança marítima é uma questão que deve ser abraçada por «todos» os envolvidos.

Pode diferir consoante o local do mundo onde nos encontremos, mas consideremos, por exemplo (e em ordem aleatória), as autoridades portuárias, guarda costeira, busca e salvamento, Marinha, Ministério da Economia, Ministério das Infraestruturas e do Meio Ambiente, indústria pesqueira, serviços alfandegários, polícia, Ministério da Defesa, controlo de fronteiras e o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Pode haver conflitos de interesses entre alguns deles, por exemplo tensão entre proteger o meio ambiente marítimo versus ampliar os portos e o comércio, mas a maioria pode ser resolvida por meio de franca discussão.

Todos estes grupos e organizações são partes interessadas na segurança marítima de um país. Para que trabalhem juntos de forma eficiente, formular uma estratégia de segurança marítima abrangente é um bom começo. Essa estratégia delimitará o foco de todas as partes interessadas em redor de um objetivo comum, do qual fazem parte e que podem, portanto, influenciar. Isto não é uma coisa fácil de se fazer, como foi demonstrado pela UE, mas pode e deve ser feito.

Uma estratégia de segurança abrangente é necessária porque a segurança marítima é, como já foi explicado, muito mais do que uma questão militar. Compreende todos os aspetos da segurança marítima de uma região e visa promover uma abordagem ampla para lidar com esses desafios e interesses. Por isso, é necessária uma abordagem intersetorial e integrada para empregar todos os instrumentos, incluindo as missões da Política Comum de Segurança e Defesa. Alguns dos principais interesses marítimos são a preservação da paz, a salvaguarda do fornecimento de energia por mar, a proteção dos interesses económicos, o controlo das fronteiras externas e a proteção do ambiente. A fim de efetivamente isto ser possível, a chave para o sucesso é ganhar e manter uma consciência marítima abrangente, algo que é muito difícil de alcançar.

Na UE, foram necessários anos, mas finalmente os 28 estados-membros desenvolveram a Estratégia de Segurança Marítima da União Europeia (na sigla inglesa, EUMSS), juntamente com um plano de ação para a implementação da estratégia. Porque ter uma estratégia é uma coisa, mas é preciso impedir que ela se transforme num livro de prateleira. Um dos pontos fortes da EUMSS é o facto de ter sido escrita por vários organismos europeus a trabalhar em conjunto: a Comissão, o Serviço de Ação Externa e os representantes civis e militares dos estados-membros. Portanto, a EUMSS não é algo que «eles escreveram» simplesmente, mas antes uma conquista de todos os atores envolvidos e que, portanto, pode contar com amplo apoio quando implementada.

Os principais objetivos de qualquer estratégia de segurança marítima devem ser:

  • identificar e articular os principais interesses estratégicos marítimos da região em causa;
  • identificar e articular as ameaças, desafios e riscos que afetam os interesses estratégicos marítimos da região;
  • organizar a resposta, ou seja, definir objetivos políticos comuns, princípios comuns e áreas de apoio conjuntas que formem a espinha dorsal do quadro estratégico, a fim de criar coerência num conjunto diverso e amplo de políticas e estratégias setoriais específicas.

O plano de ação a seguir deve conter itens claros para execução, a fim de implementar a estratégia. Tal como foi feito na eumss, faz sentido dividir o plano de ação em cinco categorias:

  • Ações externas: o que deve ser feito para envolver os nossos parceiros internacionais?, como podemos ajudar outros países a fim de salvaguardar o nosso próprio ambiente?, como aumentar a nossa visibilidade? Por exemplo, a EU reconheceu a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) como um parceiro importante.
  • Consciencialização, vigilância e partilha de informações: segurança e proteção; controlo de fronteiras; alfândega; controlo de pescas; proteção ambiental; defesa e aplicação da lei.
  • Desenvolvimento de capacidades: definir as principais áreas e tecnologias relacionadas com capacidades; explorar novas tecnologias multifuncionais e de uso duplo; aumentar a partilha de boas práticas; análise de riscos e informações sobre ameaças.
  • Gestão de risco, proteção de infraestruturas marítimas críticas e resposta a crises: melhoria da cooperação transequatorial e transfronteiriça para resposta a situações de crise e planeamento de contingência; realização de análises de risco comuns; avaliação da resiliência das infraestruturas às catástrofes naturais e provocadas pelo homem, bem como às alterações climáticas; promoção da compreensão mútua e interoperabilidade.
  • Investigação e inovação em matéria de segurança marítima, educação e formação: reunião dos cursos de formação já disponíveis em módulos de formação comum; estabelecimento de uma agenda civil-militar para a investigação e a inovação; participação em exercícios interagências.

Para começar a escrever uma estratégia de segurança marítima, é importante iniciar com uma conferência de especialistas, incluindo estrangeiros, com participação de todas as partes interessadas. É fundamental para o sucesso ter alguém encarregado do processo que não tenha interesses pessoais ou comerciais no resultado.

A chave para alcançar uma estratégia duradoura, não apenas no papel mas com planos de ação para uma efetiva implementação, é uma comunicação adequada com as pessoas das regiões/países envolvidos. Estas devem adotar a estratégia, caso contrário ela não será bem-sucedida. Portanto, um plano estratégico de comunicação deve ser parte integrante de qualquer estratégia de segurança. Já vimos no passado que, coletivamente, nem sempre conseguimos transmitir mensagens importantes aos nossos cidadãos.

 

A SEGURANÇA MARÍTIMA DEVE BASEAR-SE NA CONFIANÇA E NA PARTILHA DE INFORMAÇÕES

Como foi explicado, uma estratégia só pode funcionar se todas as pessoas envolvidas estiverem dispostas a cooperar. Este é, obviamente, também o caso de uma estratégia de segurança marítima. Portanto, a confiança entre as partes interessadas é necessária. Isso pode ser feito de várias maneiras.

Em primeiro lugar, temos de nos conhecer uns aos outros. Isso começa com a formação geral em workshops, aulas e conferências sobre o tema.

Em segundo lugar, espreitar a «casa» uns dos outros. Abram as vossas portas e mostrem às pessoas o que fazem e por que o fazem dessa forma. Troquem de pessoal sempre que possível: um oficial da Marinha pode trabalhar alguns anos integrado na guarda costeira, os ministérios podem facilmente fazer intercâmbios, etc.

Em terceiro lugar, certifiquem-se que trocam informações com todas as partes envolvidas. Isto pode ser alcançado, por exemplo, com um centro de informação de segurança marítima como o nosso Centro de Operações da Guarda Costeira.

 

A SEGURANÇA MARÍTIMA NÃO É UM ASSUNTO NACIONAL. A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL É FUNDAMENTAL

Nenhum país pode conseguir a segurança marítima completa por si próprio. Primeiro que tudo, usem as estruturas e organizações existentes, como a Organização Marítima Internacional (OMI), a Câmara Internacional de Navegação (ICS) e a associação ASEAN. Em segundo lugar, dialoguem com os países vizinhos para encontrar um terreno comum e organizar apoio mútuo. Os crimes marítimos como a pirataria e a pesca ilegal cruzam fronteiras todos os dias. Compartilhem informações e, quando aplicável, atuem juntos no mar para proteger os vossos interesses.

Também neste caso é importante conhecerem-se e entenderem-se uns aos outros. Isso começa com visitas e organização de conferências e, mais tarde, com a realização de intercâmbios de estudantes e oficiais, entre outras iniciativas. Em muitos países, as marinhas convidam oficiais estrangeiros para estudar nas suas academias ou em programas de intercâmbio em terra, mas também a bordo dos seus navios.

 

CONSCIÊNCIA DO DOMÍNIO MARÍTIMO SIGNIFICA SABER O QUE ACONTECE NO MAR: DESDE DADOS EM BRUTO ATÉ INFORMAÇÕES ACIONÁVEIS

Para alcançar a segurança marítima não é suficiente organizarmo-nos adequadamente, trabalhar em conjunto com os vizinhos e realizar intercâmbios. A chave para o sucesso é saber o que está a acontecer no mar e nas regiões costeiras próximas. Na maioria dos casos, a área de que falamos é enorme. A costa do Vietname tem quase três mil e quinhentos quilómetros de extensão. A zona económica exclusiva (ZEE) do Vietname tem centenas de milhares de quilómetros quadrados de mar. Para obter as informações corretas, é necessário mapear a área com cuidado e definir prioridades para reconhecimento e patrulha. Não é possível cobrir toda a extensão de forma continuada. Um bom conjunto de radares costeiros que recolham dados vinte e quatro horas por dia durante todo o ano, juntamente com um sistema inteligente de análise de dados, é um bom começo. O reconhecimento aéreo por aviões tripulados e/ou helicópteros pode ser muito bem-sucedido, mas é extremamente caro. Atualmente, cada vez mais são utilizados sistemas aéreos pilotados remotamente (RPAS). Navios de superfície não tripulados também podem ser usados. Com as informações acionáveis certas e uma distribuição bem pensada de navios e helicópteros tripulados, é possível atuar atempada e eficientemente perante todas as ameaças que ocorram. Essas ameaças podem ser de baixo custo, como uma embarcação de pesca a ser resgatada, ou de alto custo, como países estrangeiros a operarem ilegalmente dentro de determinada ZEE. Se conhecerem os padrões regulares de tráfego no mar, têm de olhar para as anomalias e agir sobre elas. No Mediterrâneo isso já está a ser feito.

Outro elemento muito importante a este respeito é o desenvolvimento de capacidades de uso tanto civil como militar. O exemplo mais claro disso são os RPAS. A polícia, os bombeiros, a guarda costeira e a Marinha podem usá-los. Também os radares e helicópteros costeiros podem ser de uso duplo ou mesmo múltiplo. Isso significa que os equipamentos e os custos podem e devem ser compartilhados entre os diferentes usuários.

 

A SEGURANÇA MARÍTIMA DEVE BASEAR-SE NOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DAS OPERAÇÕES MARÍTIMAS

Os países e outras partes interessadas usam diferentes tipos de poder para proteger os seus interesses e realizar os seus objetivos estratégicos. Usam instrumentos de poder diplomáticos, militares e económicos. A mobilização coordenada desses instrumentos no domínio marítimo é chamada de poder marítimo. Juntos, fornecem uma gama alargada de opções de mobilização, desde sinalização, exercícios conjuntos, socorro em catástrofes, proteção de navios mercantes e combate à criminalidade, até intervenções no mar com meios marítimos e apoio às operações a partir de terra.

A mobilidade e o acesso oferecidos pelo domínio marítimo representam as principais características das operações marítimas; tornam possível que as forças marítimas exerçam influência onde e quando for necessário. Isto aplica-se não só à situação no mar, mas também à situação em terra que pode ser influenciada pelo mar. Consequentemente, as forças marítimas são mais adequadas do que as forças terrestres ou aéreas às tarefas de prevenção e coerção; elas podem ajudar a combater ameaças e a evitar conflitos – e, consequentemente, a necessidade de intervenção. Além da mobilidade, acesso e influência, as forças marítimas têm as vantagens adicionais de alcance sustentado e versatilidade.

Existem seis funções diferentes nas operações marítimas:

COMANDO E CONTROLO (C2)

Diz respeito a direção, coordenação e controlo de uma operação. A C2 reúne as outras funções em conjunto e permite a implantação eficaz e eficiente das capacidades marítimas para alcançar os objetivos desejados.

CONSCIÊNCIA SITUACIONAL E INFORMAÇÕES

Estes dois itens são essenciais para levar a cabo operações marítimas bem-sucedidas. Permitem a identificação e exploração de oportunidades, de forma que seja tomada a iniciativa e que se ganhe vantagem através do efeito surpresa. Também é extremamente importante para a segurança, pois permite que ameaças e riscos sejam identificados e resolvidos atempadamente. Isto aumenta a precisão das ações e reduz o risco de danos colaterais. Também aumenta a legitimidade da ação e permite maior concentração de poder. A partilha de informações em tempo real com todos os atores relevantes também salvaguarda o uso económico de recursos escassos. Esta função pode ser alcançada no acima mencionado centro de informações de segurança marítima.

AUTOPROTEÇÃO

Nas operações marítimas, os meios abrangem o pessoal, o material e a informação ao dispor do comandante, meios que podem ser seriamente afetados em caso de acidentes ou doenças, erosão da moral, dano ou perda de material e, finalmente, de corrupção e perda de dados. Portanto, torna-se essencial proteger esses meios através do uso adequado de processos de gestão de risco. A importância da autoproteção pode às vezes ser subestimada, mas deve ser uma parte essencial da fase de planeamento das operações.

SUSTENTABILIDADE

É de extrema importância que as operações marítimas possam ser continuadas pelo tempo necessário para alcançar o sucesso desejado. Portanto, organizar a logística de tais operações deve ser parte integrante do planeamento. O domínio marítimo não é um ambiente «amigo do ser humano» nem um ambiente «amigo do equipamento». Água doce e alimentos suficientes devem ser considerados e o material deve ser protegido contra condições adversas do mar e do tempo; bem como contra corrosão e danos por causa do ambiente de alta salinidade. Também devem ser tomadas medidas para operar dia e noite por longos períodos de tempo. No planeamento logístico, quatro importantes fatores devem ser levados em consideração: distância, destino, demanda e duração da operação.

PODER DE RESPOSTA

O conjunto de meios e métodos à disposição de um comandante para cumprir a sua missão é chamado de «poder de resposta marítimo. Neste contexto, meios referem-se a navios de superfície de vários tamanhos e com vários tipos de equipamentos a bordo, submarinos, helicópteros e aeronaves de asa fixa, baterias costeiras, tropas e sistemas não tripulados. É essencial combinar esses meios de uma maneira inteligente, cuidadosamente escolhida para cada operação. Para ser flexível e capaz de reagir a ameaças diferentes e, por vezes, desconhecidas ou inesperadas, é necessário utilizar uma ampla variedade de meios. Nem todos os países são capazes ou estão dispostos a adquirir e manter tal força. Portanto, também neste aspeto a cooperação internacional é de grande importância. Por exemplo, para os estados bálticos torna-se difícil terem aviões de combate, então os países da nato que possuem esses meios aéreos podem fornece-los aos seus aliados bálticos.

MANOBRA

As operações marítimas são definidas como a busca de objetivos no domínio marítimo através do uso de poder (militar). A função conjunta «manobra» constitui o núcleo desse esforço. Trata-se da criação e exploração das formas e da vontade de usar os meios, da maneira mais eficiente e eficaz possível, para a realização dos objetivos. As outras funções descritas servem como facilitadores para a manobra; sem C2, consciência situacional (incluindo as informações), sustentabilidade, autoproteção e poder de resposta, a manobra seria difícil se não mesmo impossível.

A manobra é muito mais do que a mobilização de poder (navios, aviões e tropas) no domínio marítimo. Também engloba o uso de poder de resposta no domínio da informação (tanto fisicamente quanto cognitivamente), a fim de influenciar as perceções de outros atores. Manobra significa que um comandante precisa de ser flexível e capaz de manter várias opções em aberto ao mesmo tempo.

 

FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO

Para executar operações de segurança marítima, há uma série de fatores críticos de sucesso que devem ser considerados.

MANDATO

Primeiro, a operação precisa de um mandato claramente definido. Este mandato deve ser formulado ao mais alto nível, o que normalmente significa a liderança política de um país. Isto também implica que a vontade política e o apoio contínuo são necessários por parte dos políticos. Todos os níveis de comando, desde o quartel-general, passando pelo centro de operações, até ao oficial comandante da operação no mar, devem estar cientes dos antecedentes e, claro está, do conteúdo do mandato. Não pode haver espaço para qualquer mal-entendido sobre qual é o mandato.

REGRAS DE EMPENHAMENTO

Em segundo lugar, o mandato deve ser apoiado pelas chamadas «regras de empenhamento». Este é um conjunto de instruções sobre o que o comandante está autorizado a fazer, e quais as ações que pode tomar em diferentes circunstâncias. Basicamente, isso significa uma delegação de responsabilidades para os níveis inferiores de comando. Estas regras têm o objetivo de dar alguma liberdade de movimento e ação ao comandante no mar. Certas ações são permitidas diretamente, para outras é necessário pedir autorização ao nível seguinte de comando. Por exemplo, se forem detetados piratas, o comandante no mar pode ser autorizado por uma regra específica de empenhamento a alertá-los para que parem com as suas ações ilegais e se rendam. Se eles ignorarem o aviso, uma segunda regra de empenhamento pode autorizar o disparo de tiros de alerta. Se os piratas continuarem, outra regra de empenhamento pode declarar que o disparo sobre os motores dos piratas só é permitido se explicitamente aprovado pelo comando no centro de operações. Aliás, isto evidencia claramente a necessidade de boas e contínuas comunicações entre o comandante no mar e o comando em terra.

COMANDO DE MISSÃO

Outro fator importante para o sucesso é o «comando de missão». Isto significa que o comandante tem autorização para ser totalmente responsável pela operação, dado o mandato e de acordo com as regras de empenhamento. Para que possa reagir de forma rápida e eficiente face às restrições de tempo, deve ser-lhe dada total responsabilidade. Se, para cada decisão, o oficial comandante tiver de entrar em contato com o quartel-general para obter permissão, isso prejudicará seriamente a operação. O comandante irá, é claro, notificar o quartel-general quando julgar necessário, seja por causa de uma decisão fora do seu mandato ou pelas restrições nas regras de empenhamento.

CONSTRUÇÃO DE EQUIPA

A construção de equipas é uma parte essencial de todo o planeamento e execução de operações. Os comandantes, mas também os líderes não militares, devem receber e ter tempo suficiente para formar uma equipa a partir do seu pessoal ou tripulação. Isso significa conhecerem-se uns aos outros, discutir os pontos fortes e fracos da equipa e treinarem e exercitarem-se como se se tratasse de uma operação real. Para isso, devem criar cenários hipotéticos e discuti-los adequadamente com todos os envolvidos.

ASSESSOR JURÍDICO

Um bom conselheiro legal do comandante é uma das chaves para o sucesso. Trata-se de alguém que conhece todos os detalhes das leis, regras e regulamentos aplicáveis à missão. Este assessor deve ser consultado em todas as decisões e deve ser capaz de falar livremente sobre as restrições legais de certas decisões. Isto pode parecer uma restrição à liderança de uma operação, mas permite evitar a necessidade de prestar explicações a posteriori devido ao não cumprimento da lei. Um bom aconselhamento jurídico pode impedir queixas, tanto a nível nacional como também, e talvez mais importante, a nível internacional.

RELAÇÕES PÚBLICAS

A segunda pessoa que deve ficar ao lado do comandante é o responsável pelas relações públicas da equipa. Dada a ampla disseminação das redes sociais e da internet, o facto de todos terem um telemóvel com câmara e a avidez dos jornalistas, é extremamente importante que se considere o efeito que as operações terão na comunicação social e no público. Por exemplo, deixar de relatar um incidente pode levar imediatamente a graves consequências negativas, se alguém o registar e colocar na internet.

COOPERAÇÃO

Nas operações de segurança marítima existem muitas partes interessadas, e algumas podem não ser evidentes de imediato. Por isso é importante que sejam conhecidas e envolvidas. Os comandantes por vezes têm de «concordar em discordar» com alguns. Isso nem sempre pode ser evitado, mas pelo menos devem empenhar-se em ouvir todas as partes. Isso servirá de suporte às suas decisões.

ABORDAGEM CENTRADA NO EFEITO

Outro fator a ter em conta é que se deve olhar para o efeito a ser alcançado por uma operação (ou parte dela). Por exemplo, se for preciso parar um barco através do uso da força, o barco pode ser afundado, mas também se pode tentar desativar o motor. São formas completamente diferentes de alcançar o mesmo efeito/objetivo. Ao operar de forma inteligente, muitos dos chamados «danos colaterais» podem ser evitados, o que, posteriormente, ajudará a explicar as ações às lideranças e também ao público.

APOIO LOGÍSTICO

A sustentabilidade já foi mencionada antes, mas nunca é de mais enfatizar o quanto é importante. É essencial ter a certeza de que o apoio à missão está bem organizado, de que existe uma segunda ou mesmo uma terceira opção para o reabastecimento, e de que tudo é planeado com bastante antecedência.

 

CONCLUSÃO

Águas livres, abertas e seguras, ou seja, a «segurança marítima», são de extrema importância para todos os países do mundo. O conhecimento desta realidade inicia-se através da consciencialização e compreensão, que por sua vez podem ser alcançadas através de documentos e formação.

A segurança marítima é essencial e deve ser realizada através de uma estratégia de segurança marítima, aceite por todas as partes envolvidas. Para implementar essa estratégia, todos os interessados precisam de estar conectados. Este é um enorme desafio, mas é algo que pode e deve ser feito.

 

BIBLIOGRAFIA

CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA – Estratégia de Segurança Marítima da UE. 24 de junho de 2014, Bruxelas.

CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA – Plano de Ação da EUMSS, 16 de dezembro de 2014, Bruxelas.

G7– «Declaração do ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a segurança marítima», 11 de abril, Hiroxima.

MARINHA REAL DA HOLANDA – Fundamentos de Operações Marítimas, 3 de março de 2015, Den Helder.

 

Data de receção: 12 de janeiro de 2018 | Data de aprovação: 19 de fevereiro de 2018

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