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Relações Internacionais (R:I)

Print version ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.67 Lisboa Sept. 2020  Epub Dec 31, 2020

https://doi.org/10.23906/ri2020.67r01 

Recensões

Recensão: A história militar de Portugal nos últimos duzentos anos 1

Luís Barroso1 

1 ISCTE-IUL | Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa Portugal | lfmbo@iscte-iul.pt

TEIXEIRA, NUNO SEVERIANO. ,, The Portuguese at War: From the Nineteenth Century to the Present Day. ,, Sussex Academic Press, ,, 2020. ,, 259p. páginas. ISBN, ISBN: 9781789760576.


The Portuguese at War: From the Nineteenth Century to the Present Day tem como objetivo traçar um panorama da história militar de Portugal desde o início do século XIX até à atualidade, mas sem recorrer a qualquer exercício de controvérsia entre as obras editadas. Pelo contrário, os argumentos de Nuno Severiano Teixeira para cada período analisado são suportados pela extensa bibliografia utilizada (17 das 259 páginas), que serve também como uma lista de obras must read. Estudar a instituição militar numa perspetiva histórica, analisando o contexto social, político interno, económico e político internacional, ajuda-nos a compreender como aqueles fatores se influenciaram mutuamente e como são importantes na história das nações. As dinâmicas resultantes de mudanças de regime, consolidação de regimes, conflitos sociais e políticos internos, situação e posição internacional, estratégia nacional e situação económica e financeira de um país influenciam diretamente o ethos militar e a forma como se expressa na política e nas campanhas. A ligação entre a instituição militar e todos os fatores e circunstâncias que a afetam teve características diferentes em cada um dos períodos, o que sublinha a importância da análise histórica efetuada pelo autor. Mesmo em cada regime político o comportamento da instituição não foi uniforme - basta ver as flutuações do período do Estado Novo, que o autor trata na Guerra Civil Espanhola, na adesão à NATO e nas guerras da descolonização.

O livro está dividido em oito capítulos, que correspondem aos períodos em que as Forças Armadas acompanharam o desenrolar de um conflito internacional (capítulo 5 - «The Estado Novo and the Second World War», e capítulo 6 - «The Cold War and nato»), estiveram, direta ou indiretamente, envolvidas em conflitos internos (capítulo 1 - «Between Liberal Revolution and Civil Wars») e em campanha militar (capítulo 2 - «Building the African Empire»; capítulo 3 - «The Republic and the Great War»; capítulo 4 - «Portugal and the Spanish Civil War»; capítulo 7 - «The End of Empire and the Decolonization Wars»; capítulo 8 - «From the War Campaigns to Peacekeeping Operations»). O autor faz um excelente enquadramento do contexto que influencia a forma como se desenvolve a política com implicação direta na instituição militar. Neste ponto, temos uma evidência clara da relação entre política e guerra, na linha do famoso aforismo de Clausewitz e que dá sentido ao título do livro.

Nuno Severiano Teixeira é professor catedrático na NOVA FCSH e diretor do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa. É um dos mais reputados autores na área da história militar, com extensa obra publicada, tendo sido coordenador de duas obras de história militar de Portugal, a última das quais, datada de 2017, elaborada em conjunto com João Gouveia Monteiro e Francisco Contente Domingues, e que inclui a versão em português deste livro. O presente livro é dirigido a leitores de língua inglesa e a escrita clara, a sua organização e as questões formuladas pelo autor em cada capítulo para focar o leitor no seu objeto ajudam-nos a perceber o contributo da obra para a história militar, que durante muitos anos foi tratada como parente pobre da história geral.

De grande qualidade e rigor, o livro apresenta-nos uma perspetiva histórica da instituição militar em Portugal nos últimos duzentos anos, com relevo para os sistemas de recrutamento, composição, organização e dispositivo das Forças Armadas, evolução da tecnologia e armamentos, táticas e operações militares. Apesar de o livro ter um título que induz à análise da «gramática da guerra», ele é essencialmente vocacionado para uma análise histórica «da guerra», no seu contexto político-estratégico nacional e internacional, social, económico e até de opinião pública. Tal como se apresenta, a obra é uma magistral síntese da centralidade do ethos da instituição militar em Portugal, o que por si só é motivo para que seja lida com muito interesse.

O livro é um excelente contributo para afirmar a história militar muito para além de uma subdivisão da história, da história das batalhas, dos comandantes, das táticas ou outros elementos parcelares ligados à instituição militar. É um texto de espectro alargado em que a instituição militar, os acontecimentos históricos, os modelos organizacionais e o comportamento humano, por exemplo, podem ser entendidos, analisados e enquadrados numa perspetiva integrada, conferindo à história militar o exercício analítico das dinâmicas políticas nacionais e internacionais, fenómenos sociais, economia, cultura, integrados numa escala evolutiva dos sistemas militares no «tempo longo». A análise histórica efetuada minimiza o problema conceitual do método histórico, que é não ter instrumentos metodológicos que coloquem os factos na situação específica (experiência) do momento do acontecimento para testar as hipóteses, reformulá-las e apresentar conclusões que sejam válidas e tendencialmente universais. Nuno Severiano Teixeira ultrapassa-o com recurso a um excelente enquadramento em cada período analisado, que nos permite perceber a singularidade de cada acontecimento e como está encadeado no «tempo curto» e no «tempo longo» da história de Portugal.

O autor não apresenta uma tese agregadora dos argumentos defendidos em cada capítulo, mas não foge às duas âncoras da história de Portugal dos últimos duzentos anos: o papel das Forças Armadas na mudança e consolidação dos regimes; e o fator colonial, que a partir de finais do século XIX passa a ser o elo principal entre guerra e política em Portugal, com uma exceção em relação a momentos da Segunda Guerra Mundial. Capturada pela sua dimensão colonial, a política nacional e as opções político-estratégicas são fator de reforço e de mudança de regime, de imaginário da grandeza nacional e, acima de tudo, razão para as mais variadas políticas de defesa. Estas traduziram-se em políticas e sistemas de recrutamento, organização e estrutura das Forças Armadas, desenvolvimento tecnológico, ciência e arte da guerra, doutrinas, equipamentos e modelos de formação e de instrução, cuja expressão máxima se evidencia entre 1961 e 1974.

Deve relevar-se também que o livro inclui o período contemporâneo, de finais do século XX e início do século XXI. O capítulo 8 analisa o período da mudança de regime e da consolidação democrática, explicando como é que a subordinação das Forças Armadas ao poder político e as mudanças geopolíticas decorrentes do fim da Guerra Fria conduziram as Forças Armadas Portuguesas a um papel de reforço e coordenação com a política externa, que transforma Portugal de um simples consumidor da segurança internacional (caso das décadas de 1960 e 1970), num ativo produtor de segurança internacional, amplamente reconhecido e com mais peso internacional do que o seu poder político e económico aparentam.

Apenas uma nota final de reparo na organização do livro. Compreende-se o facto de Nuno Severiano Teixeira não nos propor uma tese explicativa do papel da instituição militar no período que analisa, no entanto, podia ter optado por nos apresentar uma conclusão que não fosse apenas um resumo dos argumentos tratados em cada capítulo e que pudesse dar uma ideia dos fatores constantes ao longo do tempo e que muito poderiam indicar sobre o futuro da instituição militar em Portugal.

Bibliografia

TEIXEIRA, NUNO SEVERIANO. The Portuguese at War: From the Nineteenth Century to the Present Day. Sussex Academic Press,2020. [ Links ]

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