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Relações Internacionais (R:I)

versión impresa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.70 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.23906/ri2021.70r01 

Recensão

Como um pequeno país, Portugal, levou uma média potência, a Indonésia, a respeitar a independência de Timor-Leste nas Nações Unidas

Moisés Silva Fernandes 1  

1 Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade, 1600 214 Lisboa | moises.fernandes@confucio.ulisboa.pt

REIS, BÁRBARA. O Negociador: Revelações Diplomáticas sobre Timor-Leste, 1997 e 1999. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2019. 432 páginasp.


Durante três anos decisivos, de 1997 a 1999, o embaixador Fernando Neves foi chefe da missão diplomática portuguesa da questão de Timor-Leste junto das Nações Unidas. Enquanto tal, ele «queria contribuir para “resgatar” Timor, queria que nos redimíssemos» (p. 55) e, por isso, é um dos grandes edificadores do Estado-Nação

timorense na vertente político-diplomática portuguesa. Ao longo de 392 páginas, o livro está repleto de confidências, segredos, sigilos políticos e afirmações perentórias de que «fomos permanentemente alvo de ameaças» (p. 27) e de «um jogo sujo» (p. 30) por parte das superpotências hegemónicas e das grandes, médias, pequenas e exíguas potências que constituem o sistema internacional. Tudo isto foi testemunhado pelo

embaixador Fernando Neves que era diretor do departamento bilateral da PESC (Política Externa e de Segurança Comum) do Secretariado-Geral do Conselho de Ministros da União Europeia, antes de aceitar ser o chefe da missão.

Quanto à Comunidade Económica Euro- peia (CEE), que mais tarde se tornou na União Europeia, fica claro que nunca apoiou os interesses de Portugal relativa- mente à questão de Timor-Leste: «[a] Comissão [Europeia] foi talvez o nosso mais persistente e entusiasta adversário na questão de Timor, sobretudo o departamento da Ásia» (p. 30). Quando pressionavam o primeiro-ministro António Guterres durante a ASEM (Asia-Europe Meeting)1, em março de 1996, para que desistisse, numa conversa particular com o Presidente Suharto, ele «não disse que não» (p. 57). Subsequentemente, o Conselho de Ministros da Indonésia recusou. Mas o que interessa é que a comunicação social internacional tinha um apetite enorme por Timor-Leste. Esta foi a pri- meira brecha que se abriu. «Já estávamos a preparar o referendo de 1999 e ainda havia na Comissão [Europeia] quem defendesse a integração de Timor na Indonésia» (p. 41).

São estes os conflitos e infidelidades dos «aliados» europeus, nomeadamente do Reino Unido, da Alemanha, da França e dos Países Baixos, que vendiam armas aos indonésios. Na realidade, também existiu uma pequena potência, a Grécia, que, por motivos ligados à sua posição em Chipre, votava a favor de Portugal. Nada mais.

Duas razões levaram os indonésios a negociar com o novo secretário-geral das Nações Unidas (SGNU), Kofi Annan, em 1997. Uma está relacionada com a identidade indonésia, nomeadamente a Conferência de Bandung e os movimentos anticolonialistas, e a outra tem a ver com o facto de o ministro indonésio dos Negócios Estrangeiros, Ali Alatas, que- rer ser secretário-geral das Nações Uni- das. Ambas as questões vão permitir as negociações tripartidas entre o SGNU, a Indonésia e Portugal sobre Timor-Leste. Quando começa a primeira parte das conversações sobre Timor-Leste, na nona reunião plenária ministerial, a 19 de junho de 1997, «a Indonésia queria

manter o status quo inalterado; Portugal queria inverter o status quo a 100%, e as Nações Unidas queriam mostrar algum resultado» (p. 80). Teriam de ocorrer algumas mudanças em Timor-Leste, para apresentar as Nações Unidas como uma entidade responsável. Ora, isso fez emergir dois atores - as Nações Unidas e Portugal - que queriam modificações substanciais em Timor-Leste, enquanto os indonésios não o queriam. «Isso foi parte da estratégia» (p. 80).

A Indonésia continuava a ser um regime autoritário e não havia forma de o der- rotar por vias diplomáticas. Apesar disto, as eleições de Bill Clinton, de Tony Blair e de Jacques Chirac representavam uma «geração diferente da que tinha fechado os olhos à invasão de Timor-Leste» no Ocidente (p. 81). Outra razão, também explicada, é que «[s]e não nos fizermos ouvir, somos taken for granted e deixamos de existir» (p. 47).

Neste livro não se apresenta uma abordagem teórica das negociações do ponto de vista das Relações Internacionais, da Ciência Política ou da Sociologia de Poder. Assumindo a forma de uma entrevista conduzida pela jornalista Bárbara Reis ao embaixador Fernando Neves, o último chefe da delegação portuguesa que foi responsável pela questão de Timor-Leste junto do SGNU e da missão permanente da Indonésia em Nova York, acompanha-

-se a questão timorense ao longo dos anos. De facto, a Indonésia foi vexada quando teve de ir ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) solicitar o envio de tropas internacionais para substituir as forças armadas da Indonésia que estavam em Díli e por todo território de Timor-Leste. Como diz Fernando Neves:

«Quando começa a reunião do Conselho de Segurança, Alatas toma a palavra e pede a intervenção de uma força internacional para garantir a segurança em Timor-Leste. Impressionou ver um país daquele tamanho colocar-se nesta posição de indignidade e humilhação perante a comunidade internacional, quando com um pequeno esforço podiam ter imposto a ordem» (p. 362).

Como foi possível esta tragédia de vinte e quatro anos?

Depois do dia 7 de dezembro de 1975 o Conselho de Ministros português, que era presidido pelo Presidente da República, general Costa Gomes, e o primeiro-ministro, contra-almirante Pinheiro de Azevedo, cortam relações diplomáticas com a Indo- nésia e o nosso embaixador junto das Nações Unidas, Galvão Teles, afirmou que o direito internacional e a Carta das Nações Unidas foram gravemente agredidos no caso de Timor-Leste. No ano seguinte, Portugal achava que se devia fazer uma autodeterminação consoante a Constituição política de 1976 previa, mas, na realidade, a conjuntura política internacional era a favor da Indonésia, com certos atores internacionais, nomeadamente os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia, o Reino Unido, o Japão e a Índia, entre outros, que eram a favor de Jacarta.

Em 1982, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Vasco Futscher Pereira, que tinha sido durante alguns anos o nosso representante junto das Nações Unidas em Nova York e que depois foi o nosso embai- xador em Washington, DC, tinha verificado que a posição de Portugal em relação a Timor-Leste vinha a sofrer uma gradual erosão na Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU). Houve um impasse durante seis semanas para eleger o SGNU, entre Salim Salim, da Tanzânia, e Kurt Waldheim, da Áustria, tendo surgido o diplomata peruano, Javier Pérez de Cuéllar, que venceu esta candidatura. O novo SGNU tinha uma abordagem nova ao problema, isto é, trazer os dois ministros dos Negócios Estrangeiros, de Portugal e da Indonésia, para encontrarem uma solução adequada, visto que Kurt Waldheim nunca tinha tomado uma posição por Timor-Leste.

Graças a isto, em 1984, o SGNU teve um encontro, encoberto, com os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Indonésia, Jaime Gama e Mochtar Kusumaatmadja, em Nova York, iniciando-se as conversações tripartidas. Neste tempo chegou-se «a considerar a hipótese de se resolver o impasse “por via administrativa discreta”» (p. 17), isto é, pela integração na Indonésia através de «eleições» em abril de 1987.

Os governos passavam, até que um SGNU, Kofi Annan, apresentou, em fevereiro de 1997, um «representante pessoal» para Timor-Leste, o embaixador paquistanês Jamsheed Marker. Entretanto, Jaime Gama, como ministro dos Negócios Estrangeiros, escreveu uma missiva ao novo SGNU, Kofi Annan. Nela reconheceu que durante as nove reuniões plenárias ministeriais os desenvolvimentos tinham sido mínimos e os proveitos «abaixo das expectativas» (p. 401).

Na realidade, já tinham passado onze anos desde que nós fomos para a CEE e o avanço na questão de Timor-Leste era nulo nas instituições europeias. Qual era o problema? Segundo nos diz Bárbara Reis, a entrevistadora, Cavaco Silva, quando foi primeiro-ministro, teve «um colega europeu [que] lhe disse em privado, num Conselho Europeu, que estava “farto de Timor”» (p. 27). Para o embaixador Fernando Neves não era nada de novo. A respeito da França, cita o embaixador Claude Blanchemaison, que era o diretor-geral da Ásia e a Oceânia do ministério francês dos Negócios Estrangeiros, entre 1993 e 1996, que lhe «disse, em tom de ameaça […] que me comunicasse que, se Portugal levantasse a questão de Timor na ASEM 1 […] tal teria consequências para Portugal» (p. 27). Outro país que esteve sempre em desacordo com os portugueses foram os Países Baixos (p. 35). Não só apoiavam a Indonésia, como antiga colónia, como tinham a nossa representação diplomática na sua embaixada em Jacarta.

No mundo anglo-saxónico «os australianos conseguiram convencer os outros países de que, ao contrário do que os portugueses diziam, toda a gente vivia feliz em Timor» (p. 35). Já se estava a preparar o referendo para Timor-Leste e ao «nível da Comissão [Europeia], a hostilidade, a raiva, quando perceberam que Timor ia exercer este direito, foi evidente», pois «na Comissão [Europeia havia] quem defendesse a integração de Timor na Indonésia!» (p. 41) em 1999.

Subsistiam e continuaram a existir duas formas ou «escolas» de pensamento acerca da «política externa portuguesa, quer a nível dos políticos, quer a nível dos diplomatas» (p. 45). Uma é aquela que considera que «devem comportar-se como bons rapazes e ser simpáticos porque vão ser compensados por isso» (p. 45). O outro método ou abordagem «defende que, quando temos um interesse, devemos prossegui-lo com determinação, sem pensar na opinião dos outros» (p. 46). É óbvio que o embaixador Fernando Neves é defensor da segunda opção.

Nugroho Wisnumurti, embaixador da Indonésia junto das Nações Unidas, Fernando Neves, embaixador de Portugal para a questão de Timor-Leste, o SGNU, Kofi Annan, e o seu representante pessoal, Jamsheed Marker, foram à nona reunião plenária no dia 19 de junho de 1997. «Portugal deixou sempre claro que estava aberto a negociar, não abdicando do princípio: o exercício do direito à autodeterminação dos timorenses» (p. 96).

Passado ano e meio de negociações por parte de Portugal, e graças ao ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Robin Cook, foi uma troika europeia, constituída pelos embaixadores britânico, austríaco e holandês em Jacarta, visitar Timor-Leste no dia 27 de junho de 1998:

«Perceberam que as ideias que os australianos andaram a vender aos países anglo-saxónicos durante anos não eram verdadeiras e ficaram espantados com a polarização das opiniões e o sentimento de desconfiança por parte do povo timorense em relação aos indonésios» (p. 188). Quando se foi debater o relatório sobre Timor-Leste, na reunião de 13 de julho de 1998, a Alemanha «impediu» que na ordem do dia se discutisse Timor-Leste, que ficou para um «debate durante o almoço» (p. 190). Isso levou a que o ministério português dos Negócios Estrangeiros chamasse a embaixadora da Alemanha em Lisboa, Sabine Vollmar-Libal, para lhe apresentar um protesto mas, também, para lhe falar da declaração equívoca que o secretário de Estado do ministério alemão dos Negócios Estrangeiros, Werner Hoyer, fez em Jacarta, no dia 8 de junho.

Durante a décima reunião ministerial, que teve lugar entre os dias 4 e 5 de agosto de 1998, o SGNU, Kofi Annan, esteve presente, e a Indonésia «aceita negociar o estatuto de autonomia sem prejuízo das posições de princípio de ambas as partes, abdicando da exigência do reconheci- mento prévio da soberania indonésia sobre Timor» (p. 197). Teve de diminuir a presença militar em Timor-Leste, mas isto foi um grave erro porque as Forças Armadas da Indonésia (Bakin) nunca quiseram cumprir essas ordens governamentais. Como diz Fernando Neves, «[o] nosso fim não era humilhar a Indonésia. Era tirá-la de Timor» (p. 202).

O que levou o Presidente Habibie a proclamar esta súbita decisão, em 27 de janeiro de 1999? As decisões foram de «autonomia alargada», embora ainda «não fosse a solução definitiva» (p. 231). O segundo motivo relacionava-se com o facto de o Presidente Habibie ter recebido uma missiva do primeiro-ministro australiano John Howard, «fazendo a analogia com a Nova Caledónia» (p. 231), o que o deixou enfurecido e injuriado. Um terceiro fator, é que, desde a queda do Presidente Suharto, existe uma divisão entre a elite político-governamental da Indonésia, disposta a ir ao encontro das Nações Unidas para ver quais são as alternativas. Por- tanto, o Presidente Habibie concorda em perguntar se os timorenses querem uma

«autonomia alargada» ou uma «consulta popular» para deixar a Indonésia, sendo que «[o] anúncio de Habibie acabou por ser a solução para o processo» (p. 231). O autor considera que três homens tiveram uma coragem histórica enorme: o Presidente Jorge Sampaio, o primeiro-ministro António Guterres, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, quando

«souberam, talvez no momento mais dramático da política portuguesa depois do 25 de abril, fazer o seu dever e viabilizar a criação de uma nação oprimida há 25 anos» (p. 276).

Em abril de 1999 foi constituído em Nova York, na sede da ONU, um «Grupo de Amigos do Secretário-Geral para Timor-Leste» (Core Group on East Timor) - que incluía: a embaixadora dos Estados Uni- dos junto das Nações Unidas, Nancy Soderberg; o embaixador do Reino Unido, Stewart Eldon; a embaixadora da Austrália, Penny Wensley; o embaixador do Japão, Yukio Takasu; e o embaixador da Nova Zelândia, Michael Powles - grupo esse que teve uma grande influência junto da ONU e da Indonésia. Relativamente a este clube muito forte, pois era constituído pela superpotência hegemónica e pelas grandes, médias e pequenas potências, o ministro indonésio dos Negócios Estrangeiros, Ali Alatas, considerava que o propósito foi sempre o de tentar «chatear a Indonésia» (p. 288) até que desse a «autonomia alargada» ou então a auto- determinação com independência.

O SGNU, Kofi Annan, escreveu uma mis- siva e um memorando sobre a falta de segurança ao Presidente Habibie, no dia 30 de abril. Porém, o chefe de Estado da Indonésia recusou-se a recebê-la, porque as Forças Armadas da Indonésia (Bakin) eram contra a falta de segurança.

A assinatura dos três pactos internacionais representou um passo «gigantesco» (p. 319) na 14.ª reunião ministerial, no dia 5 de maio de 1999. No entanto, o tópico central continuava a ser a falta de segurança, visto que o pacto era extremamente débil. Assim,

«como as Forças Armadas não quiseram impor a ordem, aquilo ia acabar numa humilhação para a Indonésia, como veio a acontecer. Uma humilhação gratuita e desnecessária, causada pela atitude dos militares» (p. 301).

Depois da conferência de imprensa, o embai- xador Fernando Neves dirige-se a João Carrascalão e a José Luís Guterres, da resistência diplomática externa, e o segundo diz taxativamente «Ó embaixador, as resoluções 1514, 1541, 2625 da ONU estão aqui», mas isso «é a autodeterminação!» (p. 310). Fernando Neves considera ser «o selo de segurança deste acordo» (p. 311).

Em Portugal, o líder da oposição, Durão Barroso, do Partido Social Democrata, foi contra a realização do referendo devido às questões de falta de segurança em Timor-Leste. Rapidamente, isto criou uma dissidência aberta com o Governo, porque tinha dado o seu consentimento ao pacto. No, entanto, o eurodeputado Pacheco Pereira, na visita que fez a Xanana Gus- mão, ficou convicto que o referendo era para continuar (p. 234), apesar da grande ausência de segurança.

Em julho de 1999 tem lugar a reunião da ASEAN em Singapura e Portugal está presente. A ministra dos Negócios Estrangeiros dos Estados Unidos, Madeleine Albright, vai discutir a «possibilidade da realização de exercícios navais internacionais próximos de Timor» (p. 329) e assim aconteceu. Por outro lado, o Clube de Paris (Paris Club), um grupo informal para as questões financeiras de vários países em dificuldades, «seria condicionado pela evolução do processo de Timor» (p. 330).

No dia 30 de agosto de 1999 dá-se o refe- rendo em Timor-Leste. A questão fundamental é se os políticos da Indonésia estão a controlar os militares. A resposta é negativa. No dia 4 de novembro o SGNU declara, em Nova York, os resultados finais: 78,5% são a favor da independência, enquanto 21,5%, votam pela integração. A partir daqui as milícias pró-integração e as forças armadas da Indonésia vão incendiar entre 80% a 90% das infraestruturas do país (p. 358). Em 10 de setembro, o general Wiranto, que era ministro indo- nésio da Defesa e Segurança, suposta- mente ameaçou realizar um golpe militar contra o Presidente Habibie se ele recusasse a intervenção dos grandes países. Porém, dois dias mais tarde, no dia 12 de setembro, o Presidente Habibie, sob enorme pressão dos dirigentes das grandes potências, aceitou que uma força de manutenção da paz fosse mandatada pela ONU para interromper a violência e «aceita a intervenção de uma força internacional para repor a ordem em Timor» (p. 359). Tem lugar um Conselho de Ministros da União Europeia, no dia 13 de setembro à tarde, onde se faz uma declaração forte sobre Timor-Leste, o que constitui uma contradição com a política externa da União Europeia durante vinte e quatro anos. Esta incoerência diz muito sobre como as grandes, médias, pequenas e exíguas potências da União Europeia trataram Timor-Leste.

Em 15 de setembro de 1999, o CSNU manifestou preocupação com a deterioração da situação em Timor-Leste e emitiu a sua Resolução 1264 pedindo uma força multinacional para restaurar a paz e a segurança em Timor-Leste, proteger e apoiar a mis- são das Nações Unidas no país e facilitar as operações de assistência humanitária até que uma força de manutenção da paz das Nações Unidas possa ser aprovada e implantada na área. Finalmente, a INTERFET (Força Internacional para Timor-Leste) começa a operar no dia 20 de setembro de 1999 e vai realizar até ao dia 28 de fevereiro de 2000 as suas operações.

A diplomacia portuguesa teve de esperar pelo dia 17 de outubro quando o Parla- mento indonésio vai votar a saída de Timor-Leste da Indonésia, mas por poucos votos. Assim, houve «355 votos a favor e 332 contra» (p. 372). Era o fim de uma tragédia humana que tinha ceifado a vida a 25% dos timorenses (p. 359), segundo Fernando Neves.

«A resistência timorense» (p. 388) e a «igreja católica em Timor» (p. 381) foram os dois fatores aglutinadores constantes ao longo de aproximada- mente vinte e quatro anos. Sem isto, seria impossível manter uma política externa portuguesa em relação a este território e conseguir observar o que a Constituição política de 1976 dizia acerca de Timor-Leste: autodeterminação e independência.

Agora que a Biblioteca e o Arquivo da Divisão do Ministério dos Negócios Estrangeiros autorizou ao embaixador Fernando Neves a consulta do arquivo e, posterior- mente, a serem divulgadas certas provas, achamos que os restantes intervenientes como Jaime Gama, Nuno Brito, António Gamito, Afonso Malheiro e Carla Grijó deveriam publicar livros ou artigos sobre esta questão fundamental da política externa portuguesa. Quanto a nós, gosta- ríamos de ter acesso a todos os documentos que estão no Ministério dos Negócios Estrangeiros para podermos indagar a política externa portuguesa sobre Timor-Leste durante os cerca de vinte e quatro anos que durou a invasão indonésia e as várias posições que Portugal assumiu.

Existem, contudo, quatro assuntos sobre os quais se deveria ter interpelado o diplomata. A Nova Zelândia também reconheceu a integração de Timor-Leste na Indonésia e, portanto, não foi um ato meramente isolado da Austrália (p. 79). Por outro lado, convém explicitar que a política externa dos Estados Unidos, especialmente a dos U.S. Assistant Secretaries of State for East Asian and Pacific Affairs, teve várias consequências na política externa portuguesa, incluindo o low profile que o entrevistado reconhece sucessiva- mente aos governos portugueses. Sobre o Estado mais pequeno no sistema internacional, a política externa do Estado da Santa Sé teve imensas repercussões nas soluções encontradas, mas sobre a qual muito pouco é avançado nesta obra. Finalmente, dois atores intergovernamentais, neste caso o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, que lidam com matérias financeiras e de desenvolvimento, e que, ao tempo, estavam a constranger a Indo- nésia devido à crise financeira asiática, em 1998 e 1999. Seria deveras interessante saber se Portugal diligenciou, sigilosa- mente, junto destes dois importantes atores intergovernamentais para aumentar a sua coação sobre a Indonésia.

Referências Bibliográficas

REIS, B. O Negociador: Revelações Diplomáticas sobre Timor-Leste, 1997 e 1999. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2019. [ Links ]

Moisés Silva Fernandes Investigador e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Publicou Confluência de Interesses: Macau nas Relações Luso-Chinesas Contemporâneas, 1945-2005 (Lisboa: Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Centro Científico e Cultural de Macau, 2008), entre outras obras, artigos e recensões críticas em português, inglês e chinês.

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