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Relações Internacionais (R:I)

Print version ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.71 Lisboa Sept. 2021  Epub Sep 30, 2021

https://doi.org/10.23906/ri2021.71a01 

A expansão chinesa: um dilema considerável

Nota introdutória

Luís Lobo-Fernandes1 

1 Universidade do Minho | Campus Universitário de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal | luislobo@eeg.uminho.pt


O estudo da variância configura-se como um dos marcos do processo científico. No domínio do conhecimento das Relações Internacionais referimo-nos à identificação de eventuais descontinuidades no sistema internacional. A ponderação da ascensão da China marcada por iniludíveis ambições expansionistas, tanto no plano geoeconómico e comercial como no plano estratégico e militar - já definida como «sinoglobalização» -, assume, neste âmbito, urgência que requer uma reflexão criteriosa. Ora, no esforço de problematização dos fatores de mudança internacional e da crescente sensação de incerteza, como no caso presente, é fundamental a operacionalização de quadros conceptuais apurados tendo sempre em mente o pluralismo teórico e metodológico da área científica das Relações Internacionais. Assim, num propósito ambicioso, o presente número da R:I integra seis contributos relevantes que exploram diferentes aspetos e dimensões da atual conjuntura internacional marcada pelas pretensões hegemónicas de uma China que tem a intenção manifesta de se tornar a potência dominante, mas que questiona o enunciado e a estabilidade de um mundo aberto marcado pelo advento da democracia, pela liberdade de navegação e pela livre circulação de bens ao longo dos últimos setenta e seis anos. Tal é o dilema considerável que se perfila no plano internacional.

Luís Lobo-Fernandes, que também coordenou esta edição da R:I, explora a construção de uma problemática racional sobre a crescente expansão da China revisitando as questões conexas dos ciclos longos, das transições hegemónicas e da chamada «armadilha de Tucídides», entre outras dimensões de análise, na base de alguns dos mais importantes delineamentos teóricos de Tucídides, Kautilya, Organski, Modelski, Gilpin e G. Allison. Na construção de uma problemática atinente à ascensão da China, que serve de alguma forma como pano de fundo do presente exercício, delineia quatro vetores de inteleção interligados que designa como o critério do método: 1) nexo, continuidades e transformação; 2) a natureza fundamental da arena internacional; 3) alguns efeitos sobre ostatu quodecorrentes das ambições expansionistas da China; e, 4) uma conclusão que aponta para o advento de uma nova era de contenção estratégica. Entre outras hipóteses que constrói, o autor considera que o subsistema internacional do Indo-Pacífico reedita, em grande medida, a Europa da balança de poder do século XIX e dos princípios do século XX, em que o dilema de segurança é um fator central. Neste subsistema, tal como se verificava no referido período, que desembocaria na Primeira Guerra Mundial, a ideologia joga um papel totalmente marginal na determinação do estado das relações entre as principais potências. A probabilidade de conflitos abertos naquele espaço não é de todo uma impossibilidade, alimentada por focos de tensão e fatores de grande instabilidade macrorregionais. Como Metternich sempre sublinhava, num sistema de potências a manutenção da balança de poder regional constitui a única garantia real de paz e segurança internacionais. Este elemento é, aliás, uma qualidade particularmente importante do modelo, que tem impedido nomeadamente a imperialização do meio internacional. Na exploração das dinâmicas de mudança, percetíveis no atual cenário em fluxo, Lobo-Fernandes confere especial relevância à questão de saber como irá evoluir o sistema de estabilidade hegemónica de cariz liberal, protagonizado principalmente pelos Estados Unidos e pelos seus aliados e que tem, para todos os efeitos, assegurado a liberdade de comércio e de navegação nos oceanos desde o final da Segunda Guerra Mundial. Baseando-se na análise comparativa de vários cenários históricos de transição hegemónica, em que se destaca o importante estudo de Graham Allison e o dilema central da «armadilha de Tucídides», o autor argumenta que se a China continuar a atuar como uma potência revisionista com a pretensão de projetar e expandir o seu poder económico e militar de forma imoderada e intimidatória, aparente já na tentativa de criação de esferas de influência e no estabelecimento de bases e portos militares espalhados pelo globo - um curso de ação que considera imprudente por parte da China -, então a possibilidade de uma guerra de containmentpode estar no horizonte. A formulação deliberada da estratégia da Belt and Road Initiative (BRI), articulada exclusivamente em função de um único centro - Pequim -, traduz uma lógica expansionista que o autor configura no quadro da sua reflexão de pendor realista, em termos de neoimperialismo, com correspondência tipológica na conhecida taxonomia de Morgenthau de política do imperialismo, em contraposição à política do statu quoou mesmo à política de prestígio. No caso de Portugal, que patenteia um dos mais altos índices de penetração chinesa no conjunto da União Europeia (UE), com especial incidência no setor chave das infraestruturas elétricas, Lobo-Fernandes considera que tal situação afeta seriamente a autonomia estratégica do país, aumentando a sua vulnerabilidade potencial, e que tais processos configuram mesmo um erro estratégico sem paralelo no passado.

A temática proposta por Vasco Rato aborda o primeiro ano da política externa de Biden, considerando existir uma ampla continuidade com as linhas mestras da orientação da Administração de Donald Trump relativamente a Pequim. Com efeito, coube à Administração Trump desfazer o chamado «consenso da China» e romper com as expetativas benignas subjacentes aoengagement. Porém, a defesa da democracia e dos direitos humanos surge agora como pilar estruturante da política externa dos Estados Unidos, na exata medida em que estas dimensões passam a ser entendidas como parte da contenda mais vasta entre os regimes pluralistas e o autoritarismo, ou seja, a rivalidade sino-americana assume contornos universais. À semelhança do seu antecessor, Biden identifica, a China, a Coreia do Norte, o Irão e a própria Rússia como adversários geoestratégicos. E dado que o Indo-Pacífico é cada vez mais o centro da geopolítica global e também, hoje, a mais perigosa região do planeta, é do interesse americano que a região seja livre e aberta, ancorada no respeito pelos direitos humanos, a democracia e o Estado de direito. Neste plano, a integridade política de Taiwan e a liberdade de navegação nos mares do Sul da China assumem uma importância central. Todavia, segundo Rato, a China enfrenta agora o dilema de não poder diminuir as pressões no estreito de Taiwan sob pena de comprometer a sua credibilidade; esta é uma dinâmica cheia de perigos, pois quaisquer erros de cálculo fazem aumentar as possibilidades de um grave conflito. Ora, expõe Rato, a emergência da China começa a exigir doravante uma resposta estratégica global que passa pela reconfiguração das alianças e pela securitização das relações comerciais e científicas. Biden enfatiza, em particular, a reconstrução de parcerias com os aliados europeus, os quais se congratulam com o regresso do multilateralismo sem, no entanto, parecerem encontrar até ao momento uma estratégia coerente que, em todo o caso, exclui o confronto com a China e a lógica de uma nova Guerra Fria. Assim, os Estados Unidos avançaram já com aliados mais dispostos a considerar uma estratégia de contenção, patente em iniciativas como o QUAD ou o AUKUS. Assumindo que o rumo do relacionamento não será determinado exclusivamente pela parte americana, a expetativa é que com o tempo a política chinesa de Biden poderá tornar-se, segundo Rato, menos conflituosa ou, alternativamente, mais unilateral.

Maria Raquel Freire faz uma leitura das relações entre a Rússia e a China, questionando se este relacionamento configura uma parceria estratégica ou antes uma instância de conveniência ou mesmo de consequência. A evolução das relações da Rússia com a China tem-se adensado no contexto presente de relações algo difíceis a ocidente; contudo, a extensão do grande dinamismo económico chinês a outras áreas exige também prudência por parte de Moscovo. A narrativa da política externa russa estriba-se na ideia de um mundo multipolar em que a hegemonia dos Estados Unidos é considerada limitada, sendo acompanhada de ações que visam uma ordem alternativa e, concomitantemente, aspira a um reconhecimento acrescido neste ciclo internacional. Como sublinha Freire, cuja perspetiva articula um enquadramento material e ideacional em que decisões e ações são equacionadas, a orientação de Moscovo tem sido muito consistente no seu objetivo de afirmação da Rússia como grande potência, assinalando que a política externa russa tem vincado uma matriz revisionista e ao mesmo tempo militarizada. A China tem estado sempre na agenda de Moscovo e a questão da gestão de um espaço alargado onde aquele ator tem assumido uma cada vez maior presença, visível na Ásia Central, torna-se ainda mais relevante. Por sua vez, na China as relações com a Rússia são definidas como aderindo à política dos «três nãos»: não-alinhado, não confrontacional, não dirigido contra terceiros. Esta leitura é relevante no debate sobre a questão de uma possível aliança sino-russa. Contudo, se em vários aspetos estes dois atores partilham uma visão internacional convergente, também em muitos outros os diferenciais são manifestos apontando para ambivalências existentes (por exemplo, a macrorregião do Indo-Pacífico é entendida de forma diferenciada pela Rússia e pela China, o que releva a leitura geopolítica distinta que fazem deste espaço). Noutro plano, embora a China seja o maior parceiro comercial da Rússia, esta questão é aparentemente secundária na ótica de Pequim face à maturidade da parceria, enquanto em Moscovo se evita igualmente o tema dos grandes desequilíbrios entre os dois países, destacando-se sobretudo a dimensão securitária da relação. Mas, acentua Freire, o escasso nível de desempenho económico da Rússia é claramente limitativo das suas capacidades constituindo, aos olhos de Pequim, uma possível fonte de instabilidade na medida em que Moscovo enfatiza a dimensão militar e de segurança no quadro do cariz revisionista da sua política. O chamado projeto «pivô Ásia», lançado por Moscovo, fazia parte de uma preocupação de reequilíbrio que a Rússia procurava na sua afirmação identitária e de poder, contrabalançando a sua dimensão europeia. Porém, o desenvolvimento acelerado das capacidades tecnológicas militares na China reduziu as eventuais vantagens que a Rússia pudesse obter neste âmbito. Moscovo está ciente do desequilíbrio que uma relação bilateral implica e não pretende tornar-se num parceiro menor. Freire considera, por último, que, apesar dos ganhos imediatos que uma maior proximidade à China poderia trazer, são igualmente aparentes os custos que lhe podem estar associados, o que não deixa de ser um dilema considerável para a Rússia. A lógica de contenção estratégica dupla quer em relação aos Estados Unidos e Ocidente, quer no que concerne a China, é ilustrativa das preocupações e cautelas existentes em Moscovo, sublinha Freire.

O contributo de Pedro Farrajota Ramos constitui um estudo de caso, de teor comparativo, que percorre o investimento chinês em Portugal e na Itália e as suas repercussões na UE. O autor coloca a questão de saber em que medida a dependência de capitais chineses e o controlo de ativos estratégicos afeta o conjunto e a capacidade de conseguir respostas coesas por parte da UE. Com efeito, os debates em torno dos investimentos chineses incluem a perceção dos seus efeitos negativos em termos da autonomia estratégica da UE, o que viria a originar iniciativas para proteger os interesses dos Estados-Membros. Por maioria de razão, não sendo a China um aliado da UE os seus investimentos em solo europeu geram dúvidas quanto às suas reais intenções, ou seja, se se baseiam em motivos económicos ou também geopolíticos; mesmo as próprias empresas privadas têm fortes ligações ao governo e ao Partido Comunista Chinês, o que lhes permite obter concessões financeiras que muitas empresas ocidentais não conseguem nos seus países de origem. A entrada de montantes elevados de investimento chinês na UE teve uma maior incidência no período pós-crise económica de 2011, sendo que atingiu o seu pico em 2016. De referir que Portugal e a Itália são os dois países do Sul da Europa que mais receberam investimento direto estrangeiro (ide) chinês no decurso da última década. Algumas publicações rotulam mesmo estes dois países como amigos ingénuos da China. O estudo de Farrajota Ramos foca-se, por um lado, na observação das respostas de política externa de Portugal e da Itália e das estratégias de comunicação adotadas por ambos os países com respeito à atração de investimento chinês, e, por outro, nas respostas da UE às dinâmicas impostas pelo investimento chinês. De referir que Portugal foi o primeiro país da zona euro a emitir dívida pública em renmimbi, além de outros 16 acordos bilaterais assinados durante a visita de Xi Jinping em 2018. Apesar disso, Lisboa tem tentado protagonizar uma estratégia de comunicação mais moderada quando comparada com a da Itália, ressalvando que a China não é um aliado de Portugal e frisando que os seus objetivos de política externa estão alinhados com a UE e a nato, o que evidencia preocupação a respeito dos potenciais efeitos negativos com a escala já considerável dos investimentos chineses em território luso. A Itália tem mostrado maior ambivalência, nomeadamente aquando da criação do mecanismo comunitário designado de European Union Foreign Investment Screening Regulation (EUFISR), operacional desde 2020. O estudo aponta para que a estratégia de comunicação da Itália terá afetado, pelo menos parcialmente, a capacidade da UE, fragilizando-a nas suas negociações com a China. Portugal terá, em contrapartida, mantido uma retórica mais moderada que não terá afetado da mesma forma o interesse comunitário geral, aparentemente conseguindo equilibrar o investimento proveniente da China e a sua imagem no seio da UE.

Por sua vez, Xintong Tian e Carmen Amado Mendes repensam o carácter da ajuda externa chinesa e o histórico sistema tributário numa perspetiva relacional, de cariz construtivista, que tem sido de algum modo negligenciada na literatura, construindo uma hipótese inovadora na base da ideia de que ambos são, na sua essência, um tipo especial de bens públicos. Especificamente, consideram que os estudos sobre a ajuda externa da China não têm conferido atenção suficiente aos vários séculos em que as relações diplomáticas na Ásia Oriental eram reguladas pelo sistema tributário, acrescentando que tal se deve, na sua ótica, aos enfoques substancialistas nos quais os conceitos de ajuda externa e sistema tributário recorrentemente se estribam. A linha de análise que exploram sustenta, ao invés, que as referidas noções se baseiam na participação voluntária e na reciprocidade, resultado do pensamento relacional intrínseco à cultura tradicional chinesa. A abordagem deste tópico a partir de uma perspetiva relacional possibilitaria - afirmam - determinar até que ponto a ajuda externa assenta mais na reciprocidade e numa preocupação com o fortalecimento relacional, ou seja, valorizam o que chamam de experiências relacionais das nações durante as transações, que teriam um valor mais elevado do que os eventuais benefícios económicos. Por isso, sustentam uma reorientação do foco da pesquisa do mero registo de factos para a análise dos padrões comportamentais de doação, tal como das ideias que lhes subjazem. Sublinham que no atual contexto internacional, em que os Estados Unidos e a China competem ferozmente por poder estratégico, a ajuda externa é uma ferramenta indispensável a que cada um recorre para fazer aliados e assegurar apoios, não deixando de suscitar a questão - porventura mais intrincada - de saber se Pequim irá usar os seus programas de ajuda para acelerar a transição de uma Pax Americana para uma Pax Sinica. Neste plano, evidenciam que a China aumentou nas últimas duas décadas de forma exponencial os montantes de ajuda, transformando-se num dos principais atores globais, uma tendência que tem despertado crescente atenção. Os subscritores deste artigo assinalam que, enquanto doador emergente, a ajuda externa de Pequim não se encontra tão normalizada e institucionalizada como a chamada Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) da OCDE, sublinhando de permeio que o Governo chinês nunca apresentou uma definição oficial da sua ajuda externa, embora alguns autores chineses argumentem que a ajuda externa de Pequim é, em grande medida, levada a cabo numa lógica de cooperação Sul-Sul. Tian e Mendes reconhecem que possa existir algum ceticismo em relação à definição de ajuda externa articulada no seu ensaio, apontando especificamente as dificuldades de testar noções como reciprocidade e dívida moral; neste sentido, adiantam que a sua proposta de inteleção da ajuda externa chinesa não é uma «nova régua» de medida, mas antes um prisma que possa permitir diferenciar vários aspetos desta dimensão importante das relações internacionais sem, contudo, deixarem de concluir sobre a importância estratégica geral das políticas de ajuda externa. Terminam por afirmar que a natureza relacional da ajuda chinesa não é garantia de obtenção de benefícios imediatos para Pequim na medida em que, como referem - usando uma imagem comum à teoria dos jogos -, o estabelecimento de relacionamentos sólidos só é possível depois de muitas rodadas.

Por último, o artigo de Luís Tomé, que encerra este conjunto de seis contributos relevantes sobre o problema chinês, explora questões centrais acerca da grande estratégia de Pequim que considera nucleares para compreender a sua postura e o seu rumo, a saber: quais os objetivos e ambições da China, de que meios dispõe e quais as políticas e estratégias que emprega na implementação dos seus fins? O autor refere que nenhuma das teorias das Relações Internacionais pode, de forma isolada, abarcar toda a realidade internacional, articulando aquilo que denomina de uma abordagem eclética no âmbito das chamadas teorias da complexidade. Nesta medida, a linha de racionalidade que propõe valoriza a assunção de não linearidade, isto é, que o resultado dos comportamentos e interações é, por maioria de razão, imprevisível, enfatizando igualmente as ideias de coadaptação e de coevolução dos atores e do sistema. As suas proposições exploram várias vertentes: a primeira, os objetivos da República Popular da China, que se confundem com os do Partido Comunista Chinês e que ganharam, de novo, enorme destaque com a liderança de Xi Jinping; a segunda, faz o levantamento do poder nacional abrangente chinês e a crescente autoconfiança de Pequim; a terceira vertente do artigo aborda a política externa de Xi, evidenciando que o que designa de «xiplomacia» está ativamente empenhada em refazer a ordem internacional, apostando na construção de um mundo sinocêntrico com base nosoft power, a partir sobretudo de uma gama variada de mecanismos comerciais bi, tri e multilaterais; na quarta parte argumenta-se que a China liderada por Xi adotou uma estratégia dewolf warriorclaramente confrontacional, que vai da coerção económica e diplomática à ameaça e ao uso da força militar. Uma das linhas de inteleção propostas por Tomé sublinha a concentração de poder na pessoa de Xi e uma ortodoxia ideológica sem paralelo desde Mao, mostrando-se impaciente com o atualstatu quo, mas ao mesmo tempo evidenciando uma elevada e inesperada tolerância ao risco, propugnando o culto da personalidade e uma pressa iniludível na afirmação internacional da China. Com efeito, como sustenta o autor, a China de Xi abandonou a postura delow profileinerente à «estratégia dos 24 caracteres» dos seus antecessores desde Deng Xiaoping, para se abalançar numa linha muito mais assertiva, desafiadora, que não teme nem oculta uma ideia de confronto declarado, tentando acelerar a prossecução dos seus objetivos, sancionando os críticos e jogando na obtenção de esferas de influência. Tomé assinala que embora a estratégia de Xi pareça imparável ela enfrenta desafios enormes quer interna, quer externamente. O novo estatuto de superpotência pode atrair alguns amigos, mas também acarreta custos e aumenta exponencialmente a atenção e preocupação dos rivais. Ora, a sua assertividade e a sua pressa estão a provocar reações adversas numa magnitude que Pequim não terá antecipado totalmente. Neste plano, apesar das profundas interdependências e das muitas questões que implicam a articulação e a acomodação mútuas, os Estados Unidos parecem definitivamente empenhados numa política de neocontenção da China. Tomé conclui que a grande estratégia da China de Xi aparenta alguma precipitação senão mesmo imprudência, questionando se não terá ido longe de mais - e também depressa de mais -, interrogando-se, por fim, se o tempo e a dinâmica continuarão do lado de Pequim.

Independentemente da diversidade de perspetivas e correspondentes proposições exploradas pelos autores e investigadores da área científica das Relações Internacionais, oriundos de várias universidades portuguesas, a conclusão central parece apontar para a ideia de que o atual sistema internacional terá entrado já, de uma forma ou de outra, numa nova era de contenção estratégica. Aqui fica, pois, à disposição do público especializado, mas também de audiências mais vastas dada a atualidade e pertinência da temática, o presente número da R:I que constitui um importante contributo do IPRI para a análise e dilucidação daquele que será, com grande probabilidade, como tivemos ensejo de assinalar, um dos principais dilemas internacionais no decurso do presente século.

Luís Lobo-Fernandes Doutorado pela University of Cincinnati (1995). Professor catedrático (aposentado) de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade do Minho, titular da Cátedra Internacional Jean Monnet de Integração Política Europeia desde 2004. Antigo fulbright scholar na The Henry M. Jackson School of International Studies - University of Washington (Seattle), e Calouste Gulbenkian fellow na School of Advanced International Studies (SAIS) - Johns Hopkins University.

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