SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número75A externalização das fronteiras europeias e os efeitos indesejados de uma fronteira dinâmicaRegime de Proteção Internacional. Fragilidades no acolhimento e integração de refugiados: Portugal (2010-2020) índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.75 Lisboa set. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.23906/ri2022.75a04 

As migrações europeias numa nova era

Proteção internacional revisitada: As soluções da União Europeia para a proteção dos deslocados da Guerra da Ucrânia num contexto de «múltiplas crises e refugiados»

International protection revisited: The European Union solutions for the protection of displaced people from the Ukraine war in a context of ‘multiple refugee crises’

Ana Rita Gil1 

1 Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade, Cidade Universitária, 1649-014 Lisboa, Portugal, anaritagil@fd.ulisboa.pt


Resumo

Este artigo reflete sobre as soluções encontradas pela União Europeia para responder a uma «crise de refugiados sem precedentes»: a do recente movimento em massa de deslocados da Ucrânia, após a invasão russa em fevereiro de 2022. A resposta da União foi inédita e, pela primeira vez na história, utilizou um instrumento europeu que tinha sido adotado há mais de vinte anos: a diretiva relativa à proteção temporária. No entanto, é importante examinar criticamente a solução assim encontrada e questionar em particular por que razão não foi ela adotada em casos anteriores de afluxo maciço de pessoas para a União Europeia.

Palavras-chave: refugiados; deslocados; proteção internacional; Guerra da Ucrânia

Abstract

In this article the solutions found by the European Union to respond to an ‘unprecedented refugee crisis’ will be studied. Such crisis corresponds to the recent mass movement of displaced persons from the Ukraine war, following the Russian invasion of February 2022. The European Union’s response was unprecedented, having resorted, for the first time in history, to a European instrument that had been adopted more than twenty years ago: the Temporary Protection Directive. However, it is important to critically analyse this solution, and question why it was not adopted in previous cases of massive influx of people to the European Union.

Keywords: refugees; displaced persons; international protection; Ukrainian War

Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia lançou contra a Ucrânia uma ofensiva em larga escala, que levou milhões de pessoas a abandonar os seus lares. Em resultado, o número de pessoas deslocadas rapidamente atingiu os milhões, num fluxo maciço sem precedentes de pessoas necessitadas de proteção internacional na Europa.

Passado um mês do início dos confrontos, 3,8 milhões de pessoas já haviam deixado o país, enquanto, segundo uma estimativa, 6,5 milhões de pessoas se encontravam deslocadas dentro do país. Assim, no total, mais de dez milhões de pessoas - quase um quarto da população - tinham deixado as suas casas na Ucrânia apenas um mês após o início dos confrontos. À data em que escrevemos este artigo, já mais de 7,5 milhões de pessoas haviam fugido do país1. Com os homens adultos ucranianos sujeitos à lei marcial, e proibidos de abandonar o território, os primeiros grupos de refugiados foram compostos maioritariamente por mulheres, crianças, idosos e estrangeiros que residiam na Ucrânia. Estes cidadãos estrangeiros eram nacionais de vários países, como Marrocos, China, Índia, e de diversos países da América Latina. Muitos deles encontravam-se a frequentar universidades ucranianas. Por outro lado, no início da guerra, viviam na Ucrânia pelo menos cinco mil refugiados de países como o Afeganistão e a Síria. Também estes refugiados foram obrigados, pois, a fugir uma segunda vez de um país com violência generalizada, procurando um novo país seguro para viver.

A União Europeia (UE), com fronteiras externas diretas com a Ucrânia viu-se, assim, confrontada com uma nova «crise de refugiados sem precedentes». Esta expressão - «crise de refugiados sem precedentes» - já havia sido usada para caracterizar outras crises, como a decorrente da Guerra da ex-Jugoslávia e, mais recentemente, a decorrente dos fluxos migratórios mistos que chegaram à UE a partir de 2015, compostos maioritariamente por pessoas que fugiam da Guerra da Síria, mas também de outros conflitos, como os do Iraque e do Afeganistão, aos quais se juntavam ainda numerosos «migrantes voluntários» vindos da África Subsariana2. Parece, assim, que a expressão tem vindo a ser repetidamente usada. Mas, de facto, os afluxos maciços de pessoas a chegarem à UE têm-se sucedido sem interrupção - sobretudo se se tiver em conta que vários coexistem no tempo.

No entanto, importa aqui sublinhar que nunca, desde o surgimento da UE, esta organização se tinha confrontado com uma crise com a dimensão testemunhada na sequência da guerra na Ucrânia. Se em 2015 os Estados-Membros temeram pelas suas capacidades de acolhimento perante um número de 1,3 milhões de migrantes3, a escalada rápida e massiva do número de deslocados fugidos da Guerra da Ucrânia (que num mês ultrapassou largamente o número de migrantes chegados num ano em 2015), clamava, pois, por soluções rápidas e por uma ativação de respostas a larga escala. Não admira, pois, que as soluções para a proteção destas pessoas se tenham mostrado excecionais. Para compreendermos melhor o contexto das soluções da UE, importa começar por analisar o regime comum de proteção internacional, de forma a estarmos em condições de o comparar com o regime excecional adotado para responder ao afluxo maciço de pessoas fugidas da Guerra da Ucrânia. Finalmente, analisar-se-á criticamente este último.

O regime europeu «ordinário» de proteção internacional

O regime europeu «ordinário» de asilo é regulado por três diretivas e um regulamento: a Diretiva 2011/95/UE, sobre condições para se beneficiar de proteção internacional (também chamada de «Diretiva Qualificação»), a Diretiva 2013/32/UE, que estabelece procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional («Diretiva Procedimentos»), e a Diretiva 2013/33/UE, que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional («Diretiva Acolhimento»). Vigora ainda o Regulamento (UE) n.º 604/2013, comummente chamado «Regulamento Dublin».

A Diretiva Qualificação estabelece as condições que um migrante tem de cumprir para poder ser qualificado como refugiado. O direito da UE adotou a noção de «refugiado» constante da Convenção de Genebra de 1951: nos termos do artigo 2.º/d), «refugiado» é o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país4. Mas, considerando que este estatuto não dava resposta para todas as necessidades de proteção internacional de pessoas migrantes, a UE criou, à semelhança de outros sistemas regionais, um estatuto de proteção complementar - a proteção subsidiária. Nos termos do artigo 2.º/f), pode qualificar-se para obter tal proteção o nacional de um país terceiro ou um apátrida que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que, caso volte para o seu país de origem, venha a sofrer um risco de ofensa grave para os seus direitos fundamentais5.

A diretiva sobre procedimentos de asilo, por seu turno, assenta em princípios-base, como a garantia de um direito de acesso a um procedimento de asilo justo, e especifica os casos em que um pedido é declarado inadmissível (por exemplo, quando existe uma alternativa para o asilo num país seguro). Já a Diretiva Acolhimento estabelece normas mínimas respeitantes ao acolhimento de requerentes de asilo, a aplicar a todos os que requeiram asilo num dos Estados-Membros, incluindo condições materiais e eventuais casos de detenção6.

Por fim, no conjunto das regras aplicáveis em situações de normalidade no âmbito dos procedimentos de asilo, encontra-se ainda o Regulamento Dublin. Este ato normativo visa estabelecer os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado no espaço europeu. Uma vez que, entrando no Espaço Schengen, não há controlo de transposição das fronteiras internas, decidiu-se que apenas um Estado deveria ser responsável pela análise de um pedido de asilo. O objetivo era evitar que os migrantes deduzissem pedidos em vários Estados simultaneamente, bem como prevenir o fenómeno de asylum shopping (i.e., que os requerentes pudessem escolher livremente que país procurar - o que poderia levar a uma sobrecarga dos Estados-Membros mais prósperos). Para se determinar o Estado responsável, prevê-se uma hierarquia de critérios. Essa hierarquia assenta, grosso modo, nas seguintes ideias: em primeiro lugar, visa-se escolher o Estado onde se encontra a família do requerente de asilo ou onde o interesse superior de um menor requerente é mais protegido. Não sendo possível a aplicação destes primeiros critérios, então passa-se aos seguintes, assentes na ideia de que o Estado-Membro responsável será aquele que mais esteve «envolvido» na chegada do requerente de asilo ao espaço da UE. Estarão nessa situação os Estados-Membros que tenham emitido visto, aquele por onde a entrada se efetuou irregularmente (artigo 13.º do Regulamento) ou onde foi deduzido o primeiro pedido de asilo (artigo 3.º, n.º 2).

Ora, na chamada «crise dos refugiados» de 2015, foi este sistema «ordinário», composto pelos mencionados quatro instrumentos, que foi aplicado. No entanto, devido ao elevado número de chegadas, dificilmente se conseguiu cumprir as exigências da Diretiva Acolhimento ou da Diretiva Procedimentos. Por outro lado, na falta de existência de comunidades das principais nacionalidades dos migrantes em causa dentro UE, a responsabilidade pela análise dos pedidos de asilo recaía sempre sobre os mesmos Estados: aqueles por onde os requerentes haviam entrado na UE, ou onde o requerente havia formulado o primeiro pedido de asilo. Uma vez que a maior parte dos migrantes chegava via mar, vindos da Líbia para a Itália (rota do Mediterrâneo Central), ou da Turquia para a Grécia (rota do Mediterrâneo Oriental), a Itália e a Grécia acabavam por funcionar como «portas de entrada na Europa» e, assim, ser sistematicamente os responsáveis por analisar os pedidos de asilo. Perante uma quase impossibilidade fática de estes Estados continuarem a receber milhares de migrantes por dia, a UE decidiu, com base no artigo 78.º, n.º 3 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia7, adotar uma decisão, que determinava que alguns destes requerentes seriam distribuídos por todos os Estados-Membros. Chamou-se a este processo o processo de recolocação de requerentes de asilo8. Voltaremos ao mesmo mais à frente.

A solução adotada na crise de 2022: A ativação da diretiva da proteção temporária

Enquadramento e finalidades da diretiva

Em resposta ao afluxo maciço de migrantes forçados provenientes da Ucrânia, a atuação da UE foi muito diferente da verificada em 2015. A Comissão propôs ativar, pela primeira vez, um instrumento pensado para fluxos migratórios muito excecionais: a Diretiva 2001/55/CE do Conselho, de 20 de julho de 2001, relativa a normas mínimas em matéria de concessão de proteção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados-Membros9. Tratou-se de uma solução inédita: não por não se ter criado ex novo ou ad hoc um novo instrumento, mas sim por se pôr em funcionamento um instrumento já com 20 anos de idade, e que nunca tinha sido usado.

Curiosamente, esta diretiva havia sido a primeira medida legislativa adotada no âmbito da política comum de asilo da UE, logo em 2001. Ela foi decidida e aprovada pelos Estados-Membros, assim, ainda no quadro do Tratado de Amesterdão, em que se requeria a unanimidade de todos para adoção de medidas em matéria de asilo e imigração. A sua adoção foi realizada na sequência do deslocamento de pessoas em larga escala na Europa, devido aos conflitos armados na ex-Jugoslávia. Face ao número de deslocados que resultou dessa guerra, os Estados-Membros decidiram prever medidas, para o futuro, que os deixassem preparados para responder de forma rápida, eficaz e solidária a eventuais casos futuros de fluxos maciços de migrantes. Surgiu assim a Diretiva da Proteção Temporária (DPT) destinada ao mencionado fim de proporcionar uma resposta rápida a tais deslocações em massa que permitisse aliviar a pressão sobre os sistemas nacionais de asilo e distribuir equitativamente as pessoas deslocadas pelos Estados-Membros. Com efeito, considerava-se ser importante um mecanismo extraordinário, já que as outras formas de proteção internacional, através da aplicação das normas «ordinárias», implicam avaliações individualizadas complexas da situação pessoal de cada requerente de asilo, levando a um prolongamento do tempo de decisão. Por outro lado, no «regime ordinário», como se viu, a distribuição dos requerentes de asilo pelos Estados-Membros está dependente de normas profundamente complexas, previstas no Regulamento Dublin10. Em sentido contrário, a DPT visa uma distribuição equitativa dos deslocados, apelando à solidariedade interestadual.

No entanto, contrariamente aos atrás referidos «regimes ordinários» de proteção internacional, que estão disponíveis de forma permanente e são aplicáveis a qualquer requerente de asilo que se dirija, a qualquer momento, a um Estado-Membro da UE, a aplicação da DTP é feita em casos concretos, sendo necessário a «ativação» ad hoc da mesma. Para tal, é preciso uma proposta da Comissão e uma decisão do Conselho que declara uma situação de «afluxo maciço de pessoas» aos territórios da União.

Como já se referiu, foi apenas em 2022 que o Conselho declarou estar perante um afluxo desse tipo: não o fez em 2011, no contexto do fluxo de migrantes resultante da crise na Líbia, na sequência da chamada «Primavera Árabe», e tão-pouco o fez na já referida «crise dos refugiados» de 2015.

O conteúdo da decisão do Conselho da União Europeia de «ativação» da diretiva

Em 4 de março de 2022, através da decisão de execução n.º 2022/382, o Conselho da União Europeia declarou, pela primeira vez na história da UE, a existência de um «afluxo maciço de pessoas», decidindo pela ativação da DPT. Todos os Estados-Membros foram instados a providenciar proteção temporária imediata aos deslocados da Guerra da Ucrânia. Importa então analisar esta decisão de forma detalhada11.

Universo de pessoas protegidas

De acordo com a decisão do Conselho, várias das pessoas que residiam na Ucrânia a partir no início dos conflitos devem receber proteção. Ora, os residentes no território não se reduziam a cidadãos ucranianos. Os números de estrangeiros aí residentes eram, aliás, bastante significativos: mais de 70 mil jovens estrangeiros, na sua maioria oriundos da Índia e de África, estudavam em universidades ucranianas, além de trabalhadores e familiares. A estes acresciam os milhares de refugiados titulares de direito de asilo aí residentes - num número estimado em cinco mil pessoas, sobretudo de nacionalidade síria. Também para estes, pois, a vida no território ucraniano deixou de ser possível.

Ora, na decisão de ativação da diretiva, a eventual proteção dos nacionais de países terceiros que então residiam legalmente na Ucrânia foi precisamente a questão que causou mais controvérsias entre os Estados-Membros. A decisão final do Conselho acabou por instar os Estados-Membros a proteger quatro categorias de pessoas: em primeiro lugar, naturalmente, os cidadãos ucranianos residentes na Ucrânia; em segundo lugar, os refugiados ou apátridas que haviam recebido proteção internacional na Ucrânia antes de 24 de fevereiro de 2022; em terceiro lugar, os membros da família das duas categorias acima referidas (independentemente da nacionalidade ou local de residência); e, por último, os nacionais de países terceiros ou apátridas com estatuto de residência permanente na Ucrânia atribuído antes de 24 de fevereiro. Neste último caso, porém, para poderem beneficiar da proteção temporária na UE, tais cidadãos teriam de demonstrar não poderem regressar «em condições seguras e duráveis ao seu país ou região de origem». Por outro lado, os Estados-Membros decidiram manter alguma discricionariedade sobre a aplicação a estes últimos da DPT ou de uma «proteção adequada nos termos da sua legislação nacional». Já os nacionais de países terceiros e os apátridas com autorizações de residência temporárias na Ucrânia - como o caso dos estudantes internacionais ou dos trabalhadores temporários, foi dada aos Estados-Membros a possibilidade de aplicar a diretiva, ficando tal decisão na inteira discricionariedade destes. Em todo o caso, a decisão do Conselho frisou que os Estados deveriam, de qualquer forma, proporcionar a estas pessoas uma passagem segura por motivos humanitários, sem exigir um visto ou documentos de viagem válidos para que as mesmas pudessem regressar a casa de forma ordeira e segura.

Uma atribuição «automática» de proteção a grupos de pessoas

Os Estados-Membros da UE ficaram, pois, obrigados a receber quatro categorias diferentes de pessoas, e a garantir-lhes, no território, os direitos previstos na DPT. Tais pessoas passaram, pois, a ter o direito ao estatuto de «proteção temporária» (ou equivalente, no caso dos residentes permanentes) - o qual seria atribuído de forma automática, sem qualquer formalismo. Basta o interessado provar pertencer a uma das mencionadas categorias de pessoas para poder beneficiar desse estatuto. Assim é porque a proteção concedida é coletiva, i.e., é atribuída a membros de um grupo, pelo que a análise individual é dispensada. Nos termos quer da diretiva, quer da decisão do Conselho que a ativou, os Estados apenas podem negar a proteção temporária a uma dessas pessoas se se concluísse que a mesma constituiria uma ameaça à ordem pública e segurança nacional. Trata-se aqui de uma cláusula de exceção habitual presente em todos os instrumentos de política de imigração e asilo da UE, e que visa constituir uma «válvula de escape» para que o cumprimento das obrigações europeias e internacionais em matéria de asilo não ponha em causa a coesão e a sobrevivência do Estado de acolhimento.

Uma comparação com os «instrumentos de proteção ordinários» mostra o quão excecional é a solução da DPT. De facto, os demais estatutos de proteção, seja de refugiado, seja de proteção subsidiária, exigem uma detalhada análise das circunstâncias pessoais do requerente, dos motivos que pautaram a sua saída do território de origem, da sua história pessoal de perseguição, ou da segurança na região de origem. Estes regimes requerem, pois, procedimentos formais, que não raras vezes se arrastam no tempo, e podem implicar recursos sucessivos para os tribunais. Por outro lado, a distribuição dos requerentes de asilo não assenta em qualquer critério de equidade, como se viu, mas sim na «hierarquia» das regras inflexíveis do Regulamento Dublin.

A livre escolha dos Estados-Membros de acolhimento

A DPT cria um mecanismo destinado a regular a distribuição das pessoas deslocadas pelos Estados-Membros. O espírito desse critério encontra-se definido no considerando 20, que estabelece a criação de um mecanismo de solidariedade destinado a contribuir para uma «repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados-Membros» ao acolherem as pessoas deslocadas e ao suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento. Nos termos desse considerando, o mecanismo deverá ser constituído por dois elementos: um de índole financeira, e outro com base na capacidade de acolhimento efetivo das pessoas nos Estados-Membros. O artigo 25.º regula de forma detalhada como se deverá processar tal mecanismo de solidariedade. Determina-se aí que cada Estado deverá indicar as suas capacidades de acolhimento, de forma quantificada ou em termos gerais na decisão do Conselho que procede à ativação da diretiva.

Ora, analisando a decisão de 4 de março de 2022, verifica-se que da mesma não consta a indicação das capacidades de acolhimento de cada Estado-Membro. A solução do Conselho afastou-se um pouco da Diretiva, baseando-se apenas no respeito pela vontade do deslocado, e pela livre escolha do país de proteção. Assim, nos termos do considerando 16 desta decisão, os deslocados da Ucrânia «podem escolher o Estado-Membro em que pretendem beneficiar dos direitos associados à proteção temporária e juntar-se à sua família e amigos através das importantes redes da diáspora que existem atualmente em toda a União».

Na «crise dos refugiados» de 2015 não se deu qualquer relevância à vontade dos requerentes de asilo no regime que fixou a sua alocação a determinado Estado. Num primeiro momento, aplicou-se o Regulamento Dublin, que, como já se referiu, levou à sobrecarga dos Estados-Membros de entrada ou daqueles em que os requerentes haviam feito o primeiro pedido de proteção. Depois, na também já mencionada decisão de recolocação dos requerentes que se encontravam na Itália ou na Grécia, apenas se atendeu a critérios objetivos. O que se decidiu foi apenas quantos requerentes de asilo deveriam receber cada Estado-Membro. Tal quantidade era calculada em função de diversos critérios objetivos, como o produto interno bruto, a população, o território e outros índices da capacidade de acolhimento de cada Estado. Em 2015, pois, a distribuição dos requerentes de asilo pelos Estados-Membros não atendeu, de todo, à vontade das pessoas envolvidas. Em resultado, assistiu-se ao fenómeno do que se chama «movimentos secundários», em que os requerentes de asilo, ou já titulares de estatuto de proteção internacional, se deslocaram posteriormente para os Estados-Membros da sua preferência.

A solução ora encontrada pela decisão do Conselho de março de 2022 para fazer face à crise de deslocados da Guerra da Ucrânia não deixa de assentar numa perspetiva realista face à anterior solução: compreende-se que alocar pessoas a Estados, não atendendo às suas preferências, como se de peças de xadrez se tratasse, pura e simplesmente não funciona. Por outro lado, respeita-se a autonomia da vontade das pessoas deslocadas que é, sem dúvida, a solução que mais vai ao encontro do princípio da autodeterminação da vida privada de cada um.

No entanto, esta opção levanta outros problemas: desde logo, ela não tem em conta as capacidades de acolhimento dos Estados-Membros e, em tese, os deslocados podem escolher os mesmos Estados ou o mesmo grupo de Estados para residir. Este efeito poderá levar, enfim, a que a repartição das pessoas entre os Estados-Membros não venha a ser equitativa. A visão do Conselho é otimista: refere-se que tal critério, na prática, «facilitará um equilíbrio de esforços entre os Estados-Membros». No entanto, não se tendo em vista um critério objetivo de repartição, é difícil assumir-se a certeza de que o resultado venha, efetivamente, a ser objetivamente equitativo entre os Estados. Por outro lado, num cenário de eleição preferencial de um Estado ou grupo de Estados por parte dos deslocados da Ucrânia, esta solução pode resultar num esgotamento da capacidade de acolhimento dos escolhidos.

Um dos grandes críticos desta solução, apontando os problemas acima mencionados, é Daniel Thym12. O autor defende que os movimentos de refugiados se desenrolam por fases. Numa primeira fase, as pessoas procuram refúgio nos países vizinhos, na esperança de um rápido regresso a casa. A proximidade geográfica, as semelhanças culturais e linguísticas e as ligações históricas informam habitualmente a escolha inicial do destino. Mas muitos refugiados escolhem também deslocar-se para onde as famílias e os amigos já residem, i.e., onde já se encontra uma diáspora. Ora, de facto, a maior parte dos deslocados buscou proteção, num primeiro momento, nos países vizinhos - Polónia, Hungria, Roménia, Moldávia ou Eslováquia -, com uma concentração superior na Polónia, que já havia recebido cerca de três milhões de refugiados à data de 26 de abril de 202213. No que toca às redes de diáspora, os dados do Eurostat ilustravam, no início do conflito, que estas iriam direcionar os deslocados sobretudo para outros países da Europa de Leste, bem como para a Itália, a Espanha, a Alemanha e Portugal14. Ora, de facto, passados os primeiros meses em que o grande número de deslocados se havia fixado nos países vizinhos, em outubro de 2022 estes já se encontravam distribuídos da seguinte forma: mais de um milhão na Alemanha, cerca de cerca de 449 mil na República Checa, 171 mil na Itália, e 147 mil em Espanha, 140 mil na Bulgária, 105 mil na França, mais de 95 mil na Eslováquia, 84 mil na Áustria, mais de 74 mil na Roménia e 30 mil na Hungria, apenas para nomear os principais destinos. A Polónia continuava a contar com o maior número de refugiados, de cerca de um milhão e meio. Portugal acolhia cerca de 53 mil beneficiários de proteção temporária em outubro de 202215.

No entanto, sublinha Daniel Thym, estas tendências podem gradualmente perder relevância, como aconteceu em 2015, quando cada vez mais refugiados começaram a mover-se dentro da Europa, em busca dos Estados-Membros que ofereciam melhores condições de vida. Para o autor, estes são fatores cruciais a médio prazo. As difíceis condições de vida e a falta de perspetiva económica nos países de primeiro refúgio podem motivar muitos deslocados a ir para outro lugar a médio prazo - escolhendo, lá está, o mesmo grupo de Estados-Membros mais próspero. Esta possibilidade é juridicamente possível, já que, numa declaração anexa ao texto final da decisão de execução do Conselho, os Estados-Membros concordaram em não aplicar o Regulamento Dublin. Para alguns autores, pois, os deslocados têm como que um «direito de livre circulação», podendo não só escolher o primeiro Estado de asilo, como depois escolher outros Estados, mudando a residência. Daniel Thym considera, assim, que o potencial dos movimentos secundários, após a atribuição inicial baseada na escolha livre do primeiro local de proteção, pode tornar-se o grande ponto de discórdia no futuro.

Não partilhamos da visão tão pessimista do autor, por dois motivos. Em primeiro lugar, julgamos que se manterá a tendência de fixação dos deslocados em Estados vizinhos e em Estados onde existam comunidades estabelecidas. Se pensarmos, as comunidades migrantes têm permanecido há mais de vinte anos nos mesmos países16, pelo que não seria de esperar, agora, a existência de migrações secundárias desenfreadas. Por outro lado, os recém-chegados, os familiares e os amigos dessas comunidades, são pessoas que fugiram de um conflito e tenderão a preferir recuperar uma certa estabilidade de vida, sendo as preocupações económicas uma motivação secundária desse tipo de movimentos migratórios.

De qualquer forma, a decisão do Conselho prevê que incumbirá à UE coordenar e acompanhar de perto a capacidade de acolhimento nos Estados-Membros, a fim de tomar medidas e prestar apoio adicional, se necessário. Por outro lado, a própria DPT exige que os Estados-Membros, em ligação com a Comissão, cooperem e troquem informações para facilitar a aplicação da proteção temporária. O Conselho da União Europeia afirmou que isso deveria ser feito por meio de uma «plataforma de solidariedade», através da qual os Estados-Membros trocam informações sobre as suas capacidades de acolhimento e o número de pessoas que beneficiam de proteção temporária nos seus territórios. Mais determina a necessidade de trabalhar em estreita colaboração com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Por fim, nos termos do artigo 24.º da diretiva, os Estados beneficiam do financiamento do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração17. A decisão do Conselho é, aliás, perentória, ao referir que «todos os esforços dos Estados-Membros para cumprir as obrigações decorrentes da presente decisão serão apoiados financeiramente pelos fundos da União»18.

Vistas as coisas na sua globalidade parece, pois, que os riscos atrás analisados podem não revestir assim tanta importância. É certo que a UE privilegiou a autonomia da vontade dos deslocados, mas ao mesmo tempo preocupou-se em criar mecanismos de apoio aos Estados-Membros que se sintam mais sobrecarregados.

Posto isto, há um último aspeto que nos parece merecer alguma atenção, relacionado agora com a governação da distribuição das pessoas deslocadas que se encontram nos referidos países vizinhos. Quer nesta «crise», quer na «crise dos refugiados» de 2015, assistiu-se a várias iniciativas privadas, ou de organizações da sociedade civil de vários países, destinadas a ir recolher deslocados a esses países para os introduzirem nos seus próprios Estados. São, sem dúvida, louváveis os esforços daqueles que se colocam em viagem para ir buscar pessoas deslocadas fugidas da guerra, mas tais atos podem encerrar alguns perigos, se não forem devidamente organizados e registados. De facto, a proliferação de iniciativas privadas pode colocar as pessoas em risco de tráfico de seres humanos ou outros tipos de abusos. Se a maior parte das pessoas leva a cabo tais iniciativas com um espírito verdadeiramente humanitário, não se pode excluir que haja também outros que se aproveitem destas movimentações para fins criminosos. As pessoas, vulneráveis e desorientadas, podem não ter como distinguir uns casos dos outros.

O estatuto dos beneficiários da proteção temporária

Apesar das vantagens de rapidez, urgência e certeza jurídicas que o regime da proteção temporária confere aos deslocados, ele não lhes atribui o estatuto de refugiado nem de proteção subsidiária. Contrariamente a estes dois, os beneficiários de proteção temporária têm apenas uma autorização de residência válida por um ano, prorrogável por mais seis meses e eventualmente outros seis meses. Em casos excecionais, pode ocorrer mais uma prorrogação excecional por um ano. Em cada um dos períodos mencionados há reapreciação da situação no país de origem, destinada a verificar se as condições que determinaram a concessão da proteção ainda se mantêm.

O estatuto da proteção temporária é, pois, mais precário que os estatutos conferidos ao abrigo da Diretiva Qualificação. O que se ganha em rapidez e urgência perde-se em estabilidade do estatuto. A lei de asilo portuguesa, por exemplo, determina que o estatuto de refugiado é válido por cinco anos. No entanto, cremos que os imperativos que estiveram na origem da decisão do Conselho de ativar a DPT justificam a preferência por este regime: era essencial providenciar uma solução urgente, uniforme em todos os Estados-Membros, que desse imediata proteção aos milhões de deslocados ucranianos.

Ainda assim, os beneficiários da proteção temporária têm direitos equiparáveis aos titulares dos estatutos de refugiado e de proteção subsidiária. A decisão do Conselho de 2022 concretizou os direitos previstos na DPT ao caso atual. Assim, garante-se aos titulares da proteção temporária, em primeiro lugar, o direito ao reagrupamento familiar (para nós considerado um verdadeiro direito fundamental19). Os titulares da proteção podem, assim, pedir que a eles se juntem os cônjuges e parceiros de facto (em países onde estes são tratados da mesma forma como os parceiros casados), os filhos menores e, de acordo com a decisão do Conselho de 2022, outros parentes próximos que faziam parte da unidade familiar. Naturalmente que este direito está atualmente restringido pela aplicação da lei marcial na Ucrânia, que limita fortemente a liberdade de movimentos dos cidadãos homens adultos.

No que diz respeito aos direitos económicos e sociais, os beneficiários têm o direito de trabalhar e os menores de 18 anos têm o direito ao ensino nas mesmas condições que os nacionais. Os Estados-Membros são obrigados a assegurar o acesso ou os meios necessários para os deslocados obterem alojamento adequado, e apoio público que lhes garanta um nível da subsistência condigno. Devem igualmente prestar cuidados mínimos de saúde de emergência e tratamento essencial para doenças, para além de cuidados adequados para as pessoas com necessidades especiais, como os menores não acompanhados e as vítimas de tortura, violação e outras formas de violência grave.

Uma ativação tardia e seletiva da diretiva?

Uma das questões mais complicadas diz respeito às razões que determinaram que a DPT nunca tenha sido ativada anteriormente. Porque é que tal ativação apenas ocorreu com a crise dos deslocados da Guerra da Ucrânia? De facto, após a sua adoção em 2001, já haviam ocorrido duas oportunidades para a sua aplicação: primeiro, como eventual resposta aos fluxos migratórios decorrentes da Primavera Árabe na Líbia, e, de forma mais evidente, em relação à crise migratória de 2015, em que o número de requerentes de asilo e migrantes que atravessam o Mediterrâneo ultrapassou um milhão de pessoas no primeiro ano. Aliás, nesse ano de 2015, os governos italiano e maltês pediram a ativação da diretiva, mas o Conselho recusou, alegando que as condições não estavam reunidas.

A não ativação, em 2015, de uma diretiva que visava especialmente responder ao afluxo maciço de migrantes levantou muitas dúvidas. Alguns autores passaram a defender que, não tendo sido aplicada nesse contexto, então a diretiva jamais seria aplicada.

O diploma recebeu, aliás, o epíteto de «Diretiva Fantasma».

Várias razões são apresentadas por alguns autores para justificar a ora tardia aplicação da diretiva, sobretudo através de análises comparativas entre a presente «crise» e a de 201520. Avançam-se, desde logo, razões que dizem respeito a características específicas do desenrolar desta crise, que tomou proporções que a distinguem da crise de 2015. Em primeiro lugar, foi impressionante a rapidez da escalada do número de pessoas que abandonaram a Ucrânia logo desde o início das hostilidades. De facto, num período de dez dias já haviam fugido da Ucrânia, e procurado refúgio nos Estados-Membros da UE, cerca de um milhão de pessoas. A velocidade e a escala das deslocações foram significativas e muito maiores do que as testemunhadas em 2015, em que se assistiu «apenas» a um milhão e pouco de refugiados nesse ano inteiro. As chegadas em 2015 foram mais paulatinas, e talvez por isso se tenha acreditado que os sistemas de asilo dos Estados dariam conta do recado, através do funcionamento regular da aplicação das normas ordinárias. Esta chegada paulatina estava ainda relacionada, naturalmente, com a distância geográfica do ponto de «charneira» dos conflitos - sobretudo localizados no Médio Oriente. Então, como agora, os deslocados concentraram-se nesse período sobretudo nos países vizinhos, como o Líbano, a Jordânia e a Turquia. O número francamente menor - e decrescente - de migrantes a chegarem à UE de 2015 em diante justificou-se ainda com a celebração do acordo entre os Estados-Membros e a Turquia, em que este país ficou encarregue de evitar travessias ilegais da sua costa para as ilhas gregas.

Em sentido oposto, a crise atualmente vivida diz respeito a um conflito num país que faz fronteira direta com Estados-Membros da UE. Assim, não seria possível usar qualquer mecanismo de «Estado-Tampão» para travar o fluxo de deslocados.

Em segundo lugar, tem-se invocado outro aspeto que distingue os dois contextos: o facto de os cidadãos ucranianos não necessitarem de um visto válido para entrar no território dos Estados-Membros da UE21. Esse não era o caso dos migrantes que chegavam às costas da UE em 2015 e anos seguintes. Nesse caso, as pessoas necessitavam de recorrer às redes de auxílio à imigração ilegal para entrarem na UE, podendo ser vítimas também de tráfico de pessoas. Temia-se que a ativação da DPT pudesse levar, então, a um «efeito chamada» de mais imigração ilegal.

Neste ponto, importa ainda sublinhar que os fluxos migratórios dos anos 2015 e seguintes eram fluxos mistos, em que se combinavam pessoas necessitadas de proteção internacional e imigrantes voluntários, pelo que a adoção de um regime de proteção generalizada seria pouco adequado. O contexto mais heterogéneo de migrantes que então entravam na UE poderia, assim, também explicar a não ativação do regime excecional de proteção temporária. Este argumento, porém, não convence, já que a proteção poderia ser sempre - como ora o foi - atribuída apenas a categorias objetivas de pessoas, como o caso dos nacionais ou residentes na Ucrânia. Em resumo, o Conselho, ao determinar agora a existência de uma situação de afluxo em massa, teve em conta: a) o número ou a taxa das chegadas de pessoas deslocadas; b) a potencial pressão migratória futura; c) a falta de necessidade de visto para entrar na UE por parte dos deslocados da Ucrânia; d) a potencial incapacidade dos sistemas de asilo dos Estados-Membros para fazer face às chegadas em massa de deslocados.

Talvez de forma mais convincente, a presente crise é vista como o resultado de uma ameaça à estabilidade da Europa. De entre os motivos que levaram a Rússia a invadir a Ucrânia estaria, inter alia, a possível entrada da Ucrânia para a UE e para a aliança militar defensiva do Ocidente, a nato. A decisão de execução do Conselho que ativou a diretiva sublinha claramente que este ataque visaria minar a segurança e a estabilidade globais na Europa. Assim, é inegável que a UE teria um interesse direto neste conflito e uma simpatia especial para com as vítimas desta agressão22.

Não podemos, porém, deixar de reconhecer que a crise migratória de 2015 levou ainda a preocupações securitárias, muitas vezes inflamadas por políticas antimuçulmanas, de discursos populistas e narrativas que propositadamente ligavam os fluxos migratórios ao terrorismo jihadista23, preocupações ausentes na crise dos deslocados da Ucrânia.

Se alguns autores se dedicam a esmiuçar os vários lados da questão, outros consideram que pura e simplesmente não houve vontade política para ativar a diretiva antes. Steve Peers acusa diretamente a UE de usar neste contexto «dois pesos e duas medidas»24.

No que a nós nos toca, reconhecemos que houve inação na proteção de migrantes em 2015. Como tivemos oportunidade de criticar, só muito tardiamente decidiu a UE tomar conta das rédeas em 2015, procurando levar a cabo uma gestão tardia das migrações, através de um tímido e polémico mecanismo de recolocação dos requerentes de asilo que se encontravam numa situação de destituição de direitos na Itália ou na Grécia25. Uma política de total falta de controlo ex ante ou de gestão de políticas integradas de reinstalação, levou a que mais de um milhão de pessoas tentassem entrar na UE a qualquer custo, o que acarretou um esmagador e perturbador número de quatro mil mortes no Mediterrâneo. De facto, embora os refugiados ucranianos também enfrentem sérias ameaças enquanto fogem da guerra (nomeadamente, o tráfico de pessoas), nenhuma outra rota de migração foi tão perigosa como a mediterrânica. Mais. Alguns países europeus adotaram, como amplamente foi noticiado, políticas agressivas, violentas e violadoras de diversos direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos Humanos ao repelir, de forma violenta, migrantes que tentavam chegar às suas fronteiras26. A isto acresce uma total falta de solidariedade com os Estados-Membros mais afetados (Itália, Grécia, Malta e Chipre), que se viram inundados de requerentes de asilo27.

No entanto, consideramos que uma explicação para a distinção entre as duas situações, que seja pura e simplesmente baseada na raça ou nacionalidade dos migrantes, pode afigurar-se demasiado simplista. De facto, alguns dos fatores acima referidos fazem sentido e demonstram a complexidade das duas situações: a localização dos conflitos, o desenrolar dos mesmos, etc. Para além do mais, os migrantes da crise de 2015 a quem foi, posteriormente, concedido asilo, receberam um dos estatutos mais estáveis previstos pelo direito da UE: o estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária. No primeiro caso, tal estatuto dá, em Portugal, direito a um título de residência com a validade de cinco anos, abrindo a porta para a aquisição da nacionalidade por naturalização28.

Não é esse, como se viu, o caso da proteção temporária de pessoas deslocadas, que dispõem de um título de proteção muito mais precário. Ainda assim, importa sublinhar que a DPT permite fazer a ponte com a Diretiva Qualificação (artigo 17.º e segs.). Significa isto que, durante a proteção temporária, os deslocados da Ucrânia podem requerer a atribuição de um dos estatutos mais estáveis de proteção internacional - o de refugiado ou o de proteção subsidiária. Um eventual indeferimento do pedido em nada afetará a manutenção da proteção temporária.

Alguns deslocados e refugiados esquecidos

Em último lugar, não podemos deixar de sublinhar que o mecanismo da proteção temporária poderá ter deixado de fora algumas pessoas que sofreram também danos para os seus direitos fundamentais devido ao conflito da Ucrânia. Estão nesse caso as pessoas que saíram antes de 24 de fevereiro de 2022, por terem antecipado o conflito. De facto, relembremos que a decisão do Conselho apenas prevê a proteção das pessoas que abandonaram o território a partir da data do início do conflito. Às pessoas que saíram antes do mesmo aplicar-se-ão as normas «ordinárias» de direito de asilo.

Outro aspeto que tem sido deixado de fora do debate público é o de que este conflito poderá ter levado, também, ao surgimento de refugiados provenientes da Rússia, independentemente da nacionalidade. Nesse caso estão, desde logo, os próprios cidadãos ucranianos com residência na Rússia, que podem sofrer um risco de perseguição devido à sua nacionalidade - tais pessoas cumprem a noção clássica de «refugiado» prevista pela Convenção de Genebra de 1951, podendo qualificar-se como refugiados em função da nacionalidade.

Mas poderão estar ainda nessa situação algumas pessoas com a própria nacionalidade russa, e que sejam perseguidas pelo regime, em particular no que diz respeito a ativismo contra a guerra ou contra o regime político de Vladimir Putin. Poderão estar em causa manifestantes, jornalistas, estudantes e professores universitários, artistas e todo um número inabarcável de cidadãos que se possam ter recusado a seguir os ditames de um regime que usa a propaganda como estratégia interior de forma muito pesada. Se for esse o caso, e se até nós chegarem cidadãos de nacionalidade russa que se viram obrigados a sair do seu país com receio fundado em perseguição por esses factos, estaremos perante refugiados políticos. Todas estas pessoas deverão beneficiar também, de acordo com a Convenção de Genebra de 1951, do estatuto de refugiado - e não de proteção temporária, já que esta apenas se aplica aos deslocados vindos de território ucraniano.

Uma boa resposta à crise?

A solução adotada pela UE em março de 2022 para os deslocados da guerra na Ucrânia tem a vantagem de dar uma resposta urgente às suas necessidades de proteção - afastando-se das avaliações individualizadas e das complexas regras de «transferência» de requerentes de asilo previstas no «regime ordinário» europeu de asilo.

No entanto, é natural que, por mais que se tente comparar esta situação com a crise de refugiados de 2015, através das diversas razões objetivas expostas, permaneça um mal-estar face à gritante discrepância de iniciativas da UE. Tal mal-estar é tão mais gravoso quando nos lembramos que, em setembro de 2020, a Comissão Europeia propôs um novo Pacto de Imigração e Asilo, precisamente sobre a gestão das migrações29. Tal pacto foi, claramente, pensado para os fluxos migratórios vindos das rotas do Mediterrâneo, e prevê várias decisões profundamente criticadas pela doutrina. Entre elas, conta-se a opção de processar os pedidos de asilo em hotspots, ainda fora do território de Estados-Membros, destinados a filtrar, à partida, quem beneficiaria de um dos estatutos de proteção internacional previstos no regime ordinário. De acordo com o pacto, os Estados-Membros poderão escolher entre receber estas pessoas ou contribuir de outra forma para a gestão destas migrações - nomeadamente através de apoio ao retorno dos cidadãos inadmissíveis30. Neste esquema, a livre vontade dos requerentes de asilo não tem lugar. Uma vez que a crise de refugiados vindos pelo mar Mediterrâneo persiste, teremos, pois, a coexistência de dois regimes distintos consoante o país de origem dos fluxos.

No que toca à solução ora encontrada para os deslocados ucranianos, consideramos que o critério de distribuição dos mesmos de acordo com a sua livre vontade é o que mais permite ir ao encontro do princípio da dignidade da pessoa humana. No entanto, julgamos que poderia ter sido mais vantajoso a decisão do Conselho ter procedido a um levantamento, ainda que indicativo, das capacidades de acolhimento de cada Estado-Membro. Dessa forma, a gestão seria, ab initio, centralizada e antecipar-se-iam necessidades de apoio aos Estados. Não podemos pôr de parte a possibilidade de as capacidades de acolhimento de alguns Estados cessarem. Se isso acontecer, das duas, uma: ou se continua a respeitar a vontade dos deslocados, com o risco de os deixar em situação de destituição de direitos ou, pura e simplesmente, tal vontade deixará de contar e a UE passará a alocar os mesmos de acordo com critérios objetivos, numa espécie de repetição do mecanismo de recolocação de 2015. Não é de excluir, ainda, que findo o primeiro ano de proteção temporária, e reavaliando-se a situação, se passe a aplicar o regime «ordinário» de asilo e proteção internacional aos novos deslocados.

Em suma, a urgência foi a resposta escolhida pelos Estados-Membros da UE, mas resta saber se esta é uma boa decisão a longo prazo em caso de indesejável prorrogação do conflito.

Bibliografia

BAGANHA, Maria Ioannis; MARQUES, José Carlos; GÓIS, Pedro - Imigração Ucraniana em Portugal e no Sul da Europa: A Emergência de Uma ou Várias Comunidades?. Lisboa: ACIDI, 2010. ISBN 978-989-8000-96-5. [ Links ]

CIĞER, Meltem İneli - Temporary Protection in Law and Practice. A Haia: Brill, 2018. ISBN: 978-90-04-32752-8. [ Links ]

CIĞER, Meltem İneli - 5 Reasons Why: Understanding the Reasons behind the Activation of the Temporary Protection Directive in 2022. Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: https://eumigrationlawblog.eu/. [ Links ]

CE «COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões sobre um novo Pacto em Matéria de Migração e Asilo». COM(2020) 609 final. Bruxelas. 23 de setembro de 2020. [ Links ]

GIL, Ana Rita - «Um caso de europeização do direito constitucional português - a afirmação de um direito fundamental ao reagrupamento familiar». In Revista de Direito Público. Lisboa. Vol. 2, Ano I, 2009, pp. 9 e segs. [ Links ]

GIL, Ana Rita - «A crise migratória de 2015 e os direitos humanos das pessoas carecidas de proteção internacional: o direito europeu posto à prova». In Aa.Vv. - Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos. Coimbra: Almedina, 2016. Vol. I, Tribunal Constitucional, pp. 955 e segs. ISBN 9789724065793. [ Links ]

HAILBRONNER, Kay - Immigration and Asylum Law and Policy of the European Union. A Haia: Kluwer Law International, 2000. ISBN 9041113231. [ Links ]

KERBER, K. - «The Temporary Protection Directive». In European Journal of Migration Law. Leida. N.º 4, 2002, pp. 193 e segs. [ Links ]

PARTIPILO, Francesca Romana - The War in Ukraine and the Temporary Protection Directive: Tackling a Short-lived Conflict or a Protracted Humanitarian Disaster?. Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: https://eulawlive.com. [ Links ]

PEERS, Steve - Temporary Protection for Ukrainians in the EU? Q and A. Consultado em: 20 de setembro de 2022. Disponível em: http://eulawanalysis.blogspot.com/2022/02/temporary-protection-for-ukrainians-in.html. [ Links ]

PIÇARRA, Nuno - «A União Europeia e “a crise migratória e de refugiados sem precedentes”: crónica breve de uma ruptura do Sistema Europeu Comum de Asilo». In e-pública- Revista Eletrónica de Direito Público. Lisboa. Vol. 3, N.º 2, 2015. [ Links ]

SAVINI, Mario; GATTA, Francesco Luigi - On the Brink of a New Refugee Crisis. Temporary Protection as a Paradigm Shift?. Consultado em: 1 de janeiro de 2000. Disponível em: https://verfassungsblog.de/on-the-brink-of-a-new-refugee-crisis/. [ Links ]

SCHULTZ, Jessica - «Collective protection as a short-term solution: European responses to the protection needs of refugees from the war in Ukraine». Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: in https://eumigrationlawblog.eu/. [ Links ]

SCISSA, Chiara - La protezione temporanea per le persone in fuga dall’Ucraina in UE e in Italia: alcuni profili critici. Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: Questione Giustizia, https://www.questionegiustizia.it/. [ Links ]

SKORDAS, A. - «Temporary Protection Directive 2001/55». In HAILBRONEER, Kail; Thym, Daniel - EU Immigration and Asylum Law - A Commentary. Baden-Baden: Nomos, 2016, pp. 1054 e segs. ISSN: 0935-9915. [ Links ]

THYM, Daniel - Temporary Protection for Ukrainians: The Unexpected Renaissance of «Free Choice». Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: in https://eumigrationlawblog.eu/. [ Links ]

UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES - Operational Data Portal - Ukraine Refugee Situation. Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: https://data.unhcr.org/en/situations/ukraine. [ Links ]

1 Dados de 19 de outubro de 2022 do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Disponível em: https://data2.unhcr.org/en/situations/ukraine.

2Sobre esta «crise de refugiados», ver PIÇARRA, Nuno - «A União Europeia e “a crise migratória e de refugiados sem precedentes”: crónica breve de uma ruptura do Sistema Europeu Comum de Asilo». In e-pública- Revista Eletrónica de Direito Público. Lisboa. Vol. 3, N.º 2, 2015; GIL, Ana Rita - «A crise migratória de 2015 e os direitos humanos das pessoas carecidas de proteção internacional: o direito europeu posto à prova». In Aa.Vv. - Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos. Coimbra: Almedina, 2016, vol. i, Tribunal Constitucional, pp. 955 e segs.

3Importa dar aqui nota de que os números dessa crise de migrantes não atingiram a proporção dos números da crise de 2022 pelo facto de os migrantes, em regra, se fixarem nos países vizinhos das suas nações, com a esperança de que o conflito acabasse rápido. Por outro lado, foram vários os expedientes usados pelos Estados-Membros da EU - desde os mais aos menos legítimos - para evitar a chegada de migrantes nessa «crise». Entre eles conta-se o famoso acordo celebrado entre os Estados-Membros e a Turquia, apelidado de «Declaração de Cooperação entre os Estados-Membros da UE e o Governo Turco», assinado em março de 2016, através do qual este último ficou responsável pelo acolhimento de mais de quatro milhões de refugiados sírios.

4Nos termos do artigo 9.º, 1, para ser considerado um ato de perseguição, um ato deve (1) ou ser suficientemente grave, devido à sua natureza ou persistência, (2) ou constituir um cúmulo de várias medidas para afetar o indivíduo de forma semelhante. A norma enumera depois vários exemplos, como sejam: a) atos de violência física ou mental, incluindo atos de violência sexual; b) medidas legais, administrativas, policiais e/ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória; c) ações judiciais ou recusas de ações ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias; e) sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito em que o cumprimento do serviço militar implique a prática de crimes; f) atos cometidos especificamente em razão do género ou contra crianças.

5É considerada «ofensa grave»: a) pena de morte ou execução; b) tortura, pena ou tratamento desumano ou degradante; e c) ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno

6A diretiva estabelece como princípio geral o de que um requerente não pode ser detido pelo simples facto de ter solicitado asilo, mas estabelece um número considerável de exceções (artigo 8.º), a saber: a) para determinar ou verificar a respetiva identidade do requerente de asilo; b) para determinar os elementos em que se baseia o pedido de proteção internacional que não poderiam obter-se sem essa detenção; c) para determinar, no âmbito de um procedimento, o direito de o requerente entrar no território; d) se o requerente detido estiver sujeito a um processo de retorno; e) se a proteção da segurança nacional e da ordem pública o exigir; e f) no contexto de uma transferência ao abrigo de Dublin.

7Dispõe essa norma que «no caso de um ou mais Estados-Membros serem confrontados com uma situação de emergência, caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros, o Conselho, sob proposta da Comissão, pode adotar medidas provisórias a favor desse ou desses Estados-Membros».

8Decisão (UE) 2015/1601 do Conselho, de 22 de setembro de 2015, que estabelece medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da Itália e da Grécia.

9Sobre o regime da Diretiva da Proteção Temporária ver, inter alia, KERBER, K. - «The Temporary Protection Directive». In European Journal of Migration Law. Leida. N.º 4, 2002, pp. 193 e segs.; SKORDAS, A. - «Temporary Protection Directive 2001/55». In HAILBRONEER, Kail; Thym, Daniel - EU Immigration and Asylum Law - A Commentary. Baden-Baden: Nomos, 2016, pp. 1054 e segs.; CIĞER, Meltem İneli - Temporary Protection in Law and Practice. A Haia: Brill, 2018.

10Assim, também SAVINI, Mario; GATTA, Francesco Luigi - On the Brink of a New Refugee Crisis. Temporary Protection as a Paradigm Shift?. Consultado em: 1 de janeiro de 2000. https://verfassungsblog.de/on-the-brink-of-a-new-refugee-crisis/.

11A Comissão Europeia adotou, entretanto, orientações para a interpretação desta decisão do Conselho [cf. «Comunicação da Comissão sobre orientações operacionais para a aplicação da Decisão de Execução (UE) 2022/382 do Conselho que declara a existência de um afluxo maciço de pessoas deslocadas da Ucrânia na aceção do artigo 5.º da Diretiva 2001/55/CE, e que tem por efeito aplicar uma proteção temporária (2022/C 126 I/01)», de 21 de março de 2022]. Para um estudo do regime, ver ainda PEERS, Steve - Temporary Protection for Ukrainians in the EU? Q and A. Consultado em: 20 de setembro de 2022. Disponível em: http://eulawanalysis.blogspot.com/2022/02/temporary-protection-for-ukrainians-in.html; PARTIPILO, Francesca Romana - The War in Ukraine and the Temporary Protection Directive: Tackling a Short-lived Conflict or a Protracted Humanitarian Disaster?. Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: https://eulawlive.com.

12THYM, Daniel -Temporary Protection for Ukrainians: The Unexpected Renaissance of «Free Choice». Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: https://eumigrationlawblog.eu/.

13UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES - Operational Data Portal - Ukraine Refugee Situation. Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: https://data.unhcr.org/en/situations/ukraine.

15Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Consultado em: 28 de julho de 2022. Disponível em: https://data.unhcr.org/en/situations/ukraine#_ga=2.68602455.75 8864911.1646377487-1625719621.1638102309.

16Ver, no que toca à já sedimentada comunidade ucraniana em Portugal, BAGANHA, Maria Ioannis; MARQUES, José Carlos; GÓIS, Pedro - Imigração Ucraniana em Portugal e no Sul da Europa: A Emergência de Uma ou Várias Comunidades?. Lisboa: ACIDI, 2010.

17Este fundo foi criado pelo Regulamento (UE) 2021/1147 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2021.

18O Conselho refere que os mecanismos de emergência e de flexibilidade no âmbito do quadro financeiro plurianual 2021-2027 podem também mobilizar fundos para dar resposta a necessidades de emergência específicas nos Estados-Membros. Além disso, foi ativado o Mecanismo de Proteção Civil da União. Através desse mecanismo, os Estados-Membros podem solicitar artigos cruciais para satisfazer as necessidades das pessoas deslocadas da Ucrânia presentes no seu território e beneficiar de cofinanciamento para a prestação dessa assistência.

19Sobre este ponto, ver GIL, Ana Rita - «Um caso de europeização do direito constitucional português - a afirmação de um direito fundamental ao reagrupamento familiar». In Revista de Direito Público. Lisboa. Vol. 2, Ano I, 2009, pp. 9 e segs..

20Ver, em particular, o estudo de CIĞER, Meltem İneli - 5 Reasons Why: Understanding the Reasons behind the Activation of the Temporary Protection Directive in 2022. Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: in https://eumigrationlawblog.eu/.

21Note-se, porém, que este argumento da desnecessidade de visto na atual «crise» não abarca os nacionais de países terceiros - como os refugiados que viviam na Ucrânia - agora também beneficiários da proteção temporária.

22CIĞER, Meltem İneli - 5 Reasons Why….

23Assim, também SCHULTZ, Jessica - «Collective protection as a short-term solution: European responses to the protection needs of refugees from the war in Ukraine». Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: in https://eumigrationlawblog.eu/.

24PEERS, Steve - Temporary Protection for Ukrainians in the EU? Q and A.

25Sobre este ponto, ver GIL, Ana Rita - «A crise migratória de 2015 ...», pp. 955 e segs..

26Ver, inter alia, os casos decididos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a 8 de julho de 2020 (Shahzad vs. Hungria, queixa n.º 12625/17, e também D.A. e outros vs. Polónia, queixa n.º 51246/17), a 23 de julho de 2020 (M.K. e outros vs. Polónia, queixas n.º 40503/17, 42902/17 e 43643/17) e a 18 de novembro de 2021, (M.H. e outros vs. Croácia, queixas n.ºs 15670/18 e 43115/18).

27Note-se que alguns países, como a Áustria, decidiram inclusivamente encerrar as suas fronteiras com a Itália, de forma a evitar que tais migrantes saíssem deste último país para procurarem asilo no seu território. A possibilidade de reintrodução de controlos nas fronteiras internas entre os Estados-Membros da UE está expressamente prevista, como medida excecional, no artigo 25.º e seguintes do Código de Fronteiras Schengen, em caso de ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna. A Áustria fundamentou tal reintrodução de controlos com a «situação de segurança na Europa e os continuados e significativos movimentos secundários de requerentes de asilo». Também a Suécia, a Alemanha e a França optaram pela mesma solução.

28Assim, o artigo 67.º da Lei portuguesa de Asilo, e o artigo 6.º, n.º 1 da Lei portuguesa da Nacionalidade.

29«Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões sobre um novo Pacto em Matéria de Migração e Asilo». COM(2020) 609 final. Bruxelas. 23 de setembro de 2020.

30No sentido de que a aprovação do Pacto Europeu havia, aliás, dado um sinal de que a Diretiva da Proteção Temporária não voltaria a ser aplicada (cf. SCISSA, Chiara - La protezione temporanea per le persone in fuga dall’Ucraina in UE e in Italia: alcuni profili critici. Consultado em: 20 de julho de 2022. Disponível em: Questione Giustizia, https://www.questionegiustizia.it. Consultado em: 20 de julho de 2022.

Recebido: 27 de Julho de 2022; Aceito: 10 de Setembro de 2022

Ana Rita Gil Professora auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Investigadora principal do Centro de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutorada em Direito, especialidade de Direito Público, com tese sobre «Direito das Migrações» (2016) pela Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons