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Tékhne - Revista de Estudos Politécnicos
versão impressa ISSN 1645-9911
Tékhne n.12 Barcelos dez. 2009
Efeitos do Emprego público na produção privada
Conceição Castro*; Pedro Nunes**
conceicaocastro@eu.ipp.pt; pnunes@ipca.pt
Resumo. Recentemente tem existido a preocupação em diminuir o emprego público e aumentar a eficiência das administrações públicas, como forma de promover o crescimento económico. No presente artigo analisa-se a relação entre o emprego público e produção do sector privado, para um conjunto de 19[1] países da OCDE no período de 1960-2008. Seguindo a especificação de Koskela e Virén (2000) os resultados sugerem que aquela relação não é linear, mas depende da dimensão do sector público. Da mesma forma, nas economias onde o sector público apresenta uma dimensão inferior à crítica (maximizadora da produção privada) o aumento do emprego público estimula o crescimento da produção privada. Pelo contrário, quando a dimensão do sector público é excessiva, o aumento do emprego neste sector tem um impacto negativo no output privado.
Palavras-chave: Emprego público, produção privada, consumo público.
Abstract. Recently there has been a concern to reduce public employment and increase the efficiency of public administrations as a means of promoting economic growth. This article analyzes the relationship between public employment and production in the private sector for a set of 19 OECD countries over the period 1960-2008. Following the specification of Koskela and Virén (2000) results suggest that this relationship is not linear, but depends on the size of government. Likewise, in economies where the public sector has a size smaller than the critical (which maximizes private production) the increase in public employment stimulates the growth of private production. On the contrary, when the dimension in public sector is excessive, the increase in employment in this sector has a negative impact on private output.
Keywords: public employment, private output, public consumption.
1. O emprego público
A experiência internacional aponta, nas décadas de 1960-1990, para um acelerado aumento do emprego público, com níveis expressivos em relação ao emprego total. Por várias razões, esta tendência foi interrompida para alguns países, na década de 1980-1990, e noutros nas subsequentes. São muitas as causas para esta inversão: nalguns casos, o início dos processos de reforma no sentido de uma economia mais dominante do mercado, noutros a emergência da crise fiscal e/ou, finalmente, uma combinação de causas que vão desde a necessidade de estabilização macroeconómica à abertura do processo democrático.
A variação (%) do peso do emprego público no emprego total (Gráfico 1) tem oscilado, por forma, ou pela razão, da necessidade de se fazer face a condições económicas adversas que convergem para a indispensabilidade de se reformar a administração pública ou, pelo menos, parte do sector público ou, ainda, o que vulgarmente se designou pela redefinição das funções não essenciais (não exclusivas) do Estado, mantendo as funções de soberania, isto é, as essenciais (exclusivas).
Gráfico 1 Peso do Emprego Público no Emprego Total nos países membros da OCDE
Independentemente do modelo que norteou a reforma do emprego público, é consensual que aquela matriz deva ser politicamente desejável, praticável e credível, com uma orientação, contexto e complexidade que oscila (ou oscilou) de país para país. Assim, quer fosse na lógica de mercado (privatizações, agências independentes, análise custo/benefício), quer fosse pelas iniciativas participacionistas (orientação para o cliente, avaliação da qualidade do serviços, etc.) ou, ainda, pelas iniciativas de desregulamentação e desburocratização (simplificação de procedimentos) é generalizado e consensual que o conjunto de factores, inter-relacionados, para as causas das oscilação do emprego público foram: (i) pressão fiscal (carga, fraude e evasão fiscais); (ii) pressão dos cidadãos (perda de legitimidade e crise de governabilidade); (iii) os interesses do Estado (um insensível e evasivo Estado); (iv) a crise do Estado providência (o tamanho demasiado grande do Estado e a necessidade de redução dos gastos públicos, a inflação, o desemprego e a recessão; e, (v) promoção internacional de novas ideias de reforma.
Apesar do que se expõe, o crescimento do emprego público, nalguns casos desmedido (em particular no ratio do emprego total) não foi constante e/ou idêntico, à semelhança das tipologias de reforma, para todos os países. Ressalta dos estudos empíricos que grupos de países, significativos até, como por exemplo o grupo nórdico (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia) encarado, em geral, como Estados de Bem-Estar", com grandes sectores públicos e redistribuição de rendimentos (tratando-se de economias ricas e com elevados padrões de qualidade de vida) ainda hoje mantêm uma elevada percentagem do emprego público no emprego total. É, aliás, todo o grupo nórdico que mantém na última década os maiores valores para aquela relação (Gráfico 1).
É por demais evidente que os desequilíbrios económicos e a inflação, a recessão e o desemprego, as crises bancárias e deficits fiscais excessivos, conduziram à dúvida da viabilidade económica e sustentabilidade financeira dos estados Bem-Estar, apesar de nalguns casos e para algumas décadas (1950/1970) algumas economias, norte da Europa sobretudo, tenham experimentado crescimentos rápidos e de pleno emprego e que, a partir da década de 80, se desvigoraram. É, apesar desta circunstância, também no grupo de países nórdicos onde o consumo público em ratio do PIB é mais elevado (Gráfico 2).
Gráfico 2 Peso do Consumo Público no PIB nos países membros da OCDE
Resultará daqui que o conjunto de reformas no emprego público levadas a cabo nas últimas décadas, essencialmente a partir da década de 90, em particular na redução de efectivos ou pelo menos na sua contratualização com o Estado, foram suportadas na percepção de que os países com uma elevada proporção de emprego público poderiam estar associadas ao fraco desempenho macroeconómico. Esta ideia prevalece, sobretudo, em economias com níveis superiores de desenvolvimento (Koskela, E. e Viren, M., 1999) que partilharam a reflexão de mudança associada àquele facto. Os efeitos do emprego público total afectariam, portanto, o output, isto é, a produção privada.
Resultará daqui que o conjunto de reformas no emprego público levadas a cabo nas últimas décadas, essencialmente a partir da década de 90, em particular na redução de efectivos ou pelo menos na sua contratualização com o Estado, foram suportadas na percepção de que os países com uma elevada proporção de emprego público poderiam estar associadas ao fraco desempenho macroeconómico. Esta ideia prevalece, sobretudo, em economias com níveis superiores de desenvolvimento (Koskela, E. e Viren, M., 1999) que partilharam a reflexão de mudança associada àquele facto. Os efeitos do emprego público total afectariam, portanto, o output, isto é, a produção privada.
2. Relação do emprego público com o output privado
Se há evidência que o emprego público possa ser excessivo, o seu processo de redução (adoptado em maior ou menor escala nos diversos países e com as mais diversas técnicas ou modelos, muitos deles por isomorfismo de mimetismo com o abandono, ou pelo menos diminuição, dos regimes de carreira em favorecimento pelos regime de emprego) pode ser visto como uma medida que aumenta o bem-estar da comunidade, isto é, ser politicamente credível e aceitável. Assim, acredita-se, que a reforma pode levar a uma maior eficiência e, portanto, há espaço para compensar os perdedores da reforma, e ainda obter um benefício líquido para os cidadãos.
A contrário, e a jusante da ideia de possível equidade, o aumento do emprego público poderá gerar uma pressão ascendente sobre os salários reais e, dessa forma, deslocar emprego do sector privado para o sector público e, portanto, um efeito de deslocamento sobre o emprego e a produção no sector privado (Koskela e Viren, 1992, apud Maldonado e Ávila, 1997). Acresce que, como toda a despesa tem que ser financiada, os impostos adicionais podem criar efeitos desincentivadores na actividade privada.
No entanto, existe a hipótese do sector público poder afectar a produção de maneira não-linear, isto é, os efeitos da produtividade do emprego público sobre a produção privada poderem assumir uma relação positiva ou negativa dependendo da dimensão do sector público (reduzida ou elevada, respectivamente).
Com efeito, a incerteza de como é que as despesas do governo afectam a produção total ou crescimento do produto pode ser indistinta já que concorrem para aquela relação múltiplas variáveis; por exemplo, no caso duma relação positiva poderá assentar nos efeitos indirectos da produtividade das despesas do governo, particularmente os investimentos públicos (ver Aschauer (1989), Barro (1990), Grossman e Lucas (1974), por outro lado, a relação poderá ser negativa devido aos efeitos distorcionários dos impostos (ver por exemplo, Barro (1990)) ou devido aos efeitos de crowding out do investimento privado.
É comum, evidente portanto, que a literatura aponta para o facto de haver uma assumpção de que o emprego público e os níveis salariais desse mesmo emprego, estarão relacionados com o sector privado em todas as suas dimensões até porque, em grande medida, os recursos para pagar os salários do sector público provêm do sector privado. Observe-se, então, daquela relação, na perspectiva do emprego público total e do consumo público e os seus efeitos na produção privada.
2.1. Modelo
Para se estimarem os efeitos do emprego público na produção privada, recorre-se a um modelo do tipo VAR, seguindo a especificação de Koskela e Virén (2000), em que a produção privada em cada período depende do valor observado no período anterior e do nível do emprego público neste mesmo período (eq. [1]).
[1] |
De forma a analisar se existe uma relação não linear entre emprego público e output privado, inclui-se, adicionalmente, a dimensão do sector público:
[2] |
Onde OP representa o output do sector privado a preços constantes, EP o emprego público e DIM a dimensão do sector público, avaliada por indicadores alternativos, nomeadamente o peso do consumo público no PIBpm (G/PIB) e do emprego público no emprego total (EP/ET).
2.2. Dados e fontes estatísticas
A amostra é constituída por 19 membros da OCDE[2], (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Coreia, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos da América), no período de 1960-2008. Todas as séries foram obtidas a partir do Economic Outlook No 85 - June 2009 - Annual Projections for OECD Countries.
2.3. Resultados
A estimação da eq. [1], cujos resultados se apresentam no Quadro 1, sugerem que a relação entre emprego público e produção privada não é linear. Os valores estimados para α3 tanto são positivos como negativos e, na maior parte dos casos, sem significância estatística.
Quadro 1 Resultados da estimação do modelo:
Procurou-se, nesta decorrência, avaliar a existência de uma relação não linear entre aquelas duas variáveis, tendo em consideração a dimensão do sector público. Na equação [2] utiliza-se um modelo com base em dados de painel considerando duas especificações alternativas: numa primeira, admite-se que as economias são estruturalmente semelhantes (pooled), e, numa segunda, se ocorrerem diferenças, existe também uma correlação entre a variável dependente e a constante (modelo de efeitos fixos - FE). O modelo foi estimado pelo método SUR (Seemingly Unrelated Regression).
Os resultados da estimação da Eq. [2] são apresentados no Quadro 2. Apesar da qualidade do ajustamento não ser muito elevada, os coeficientes estimados são estatisticamente significativos e apresentam os sinais esperados. De facto, o valor da estimativa α3 é negativo e estatisticamente significativo, o que sugere, dada a dimensão do sector público (avaliada quer pelo peso do consumo público no PIB quer pelo ratio do emprego público no emprego total)o emprego público pode ter um impacto negativo no output privado. Os valores da dimensão crítica do sector público variam, conforme o modelo estimado, entre os 16,62% e 17,94%, quando a dimensão pública é proxied pelo ratio do emprego público no emprego total. Para o valor crítico de 17,94%, o Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Noruega, Suécia e Reino Unido, em termos médios no período de análise, apresentam uma dimensão pública excessiva, pelo que o aumento do emprego público é prejudicial à produção privada (Gráfico 3), com especial relevância para a Dinamarca, Noruega e Suécia.
Quadro 2 Resultados da estimação do modelo:
19 países da OCDE, 1960-2008
Gráfico 3 Diferenças entre a dimensão pública média e a crítica nos países membros da OCDE (emprego público em ratio do emprego total)
Quando a dimensão do sector público é avaliada pelo peso do consumo público no PIB, os valores críticos variam entre 20,01% e 20,41%. Estes resultados sugerem que a Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Holanda, Suécia e Reino Unido poderiam aumentar a produção privada pela redução do emprego público (Gráfico 4).
Gráfico 4 Dimensão pública dos países membros da OCDE e o seu valor crítico (peso do consumo público no PIB)
Considerando apenas os membros da OCDE que integram a UE, constata-se, igualmente, que muitos dos países apresentam uma dimensão pública excessiva (Erro! A origem da referência não foi encontrada.). Apenas Luxemburgo, Portugal e Espanha apresentam um sector público com uma dimensão inferior à crítica quanto esta é avaliada pelo Consumo publico em percentagem do PIB (Gráfico 5) e Holanda, Portugal e Espanha quando se avalia pelo peso do emprego público no emprego total (Gráfico 6). Nos restantes países, dada a dimensão excessiva, o efeito do emprego público na produção privada torna-se negativo.
Gráfico 5 Diferenças entre a dimensão pública média e a crítica em 12 EM da UE (consumo público em % do PIB)
Gráfico 6 Diferenças entre a dimensão pública média e a crítica em 12 EM da UE (emprego público em ratio do emprego total)
Quadro 3 Resultados da estimação do modelo:
12 EM da UE, 1960-2008
3. Conclusões
As estimativas obtidas sugerem que os valores da dimensão do sector público crítico variam entre os 16,62% e 17,94%, quando a dimensão pública é proxied pelo ratio do emprego público no emprego total, sendo que para aquele valor crítico apenas 7 países (Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Noruega, Suécia e Reino Unido) dos 19 analisados apresentam uma dimensão pública excessiva, prejudicial ao sector privado, sendo que 12 países (onde se inclui Portugal) poderiam ver aumentado o emprego público, sem que para isso fosse prejudicial ao output privado.
Considerando-se a dimensão do sector público avaliada pelo peso do consumo público no PIB, os valores críticos variam entre 20,01% e 20,41%, sugerindo-se que para 10 países (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Holanda, Suécia e a Reino Unido) poder-se-ia aumentar a produção privada pela redução do emprego público.
No caso particular do conjunto dos 12 países da UE constatou-se, igualmente, que muitos dos países apresentam uma dimensão pública excessiva e que apenas o Luxemburgo, Portugal e Espanha apresentam um sector público com uma dimensão inferior à crítica quando esta é avaliada pelo Consumo publico em percentagem do PIB e Holanda, Portugal e Espanha quando se avalia pelo peso do emprego total. Note-se que, para Portugal, a dimensão é sempre inferior à crítica, quer o modelo seja estimado na óptica do consumo público em percentagem do PIB, quer na óptica do emprego público no ratio do emprego total. Nos restantes países analisados (da UE) a dimensão do sector público tem um impacto negativo na produção privada.
Referências
Aschauer (1989): "Does Public Capital Crowd out Private Capital?" Journal of Monetary Economics, 24, 171-188. [ Links ]
Barro, Robert J. (1990): Government Spending in a Simple Model of Endogenous Growth, Journal of Political Economy, 98, s. 103125.
Forni, Lorenzo, Rafaela Giornado (2003): Employment in the public sector, CESIFO Working Papers n.º 1085, Public Finance, November, Venice Summer Institute, Workshop on tax and policy and laobur, Market Performance, July.
Grossman, Herschel e Robert Lucas (1974): "The Macro-Economic Effects of Productive Public Expenditures," The Manchester School of Economic & Social Studies, Blackwell Publishing, vol. 42(2), 162-70.
Kiander, Jaakko (2005): Crecimiento y empleo en los estados de bienestar nórdicos en la década de 1990: una historia de crisis y revival, em La globalización y el desarrollo nacional hacia una mayor coherencia entre politicas económicas y laborais. OIT, Argentina, ISBN 92-2-318271-9, versão Web pdf, acedido em 22 de Outubro de 2009.
Koskela, Erkki, Matti Virén (1999): Is There a Laffer Curve Between Output and Public Sector Employment? J450 - Public Sector Labor Markets, Government Institute for Economic Research (VATT), Helsinki.
Koskela, Erkki, Matti Viren (2000): Is There a Laffer Curve Between Aggregate Output and Public Sector Employment, Empirical Economics, 25, 605621.
Maldonado, J.S., A. J. Ávila Cano (1997): Gasto público y crecimiento económico. Un resumen de la literatura, Boletín Económico de Andalucíap. BEA 22 /1997, p. 211-231.
Maza, I. A. (1996): Evidencia empírica para algunos países de la Unión Europea, Banco de España - Servicio de Estudios Económicos, nº 55 1996.
Notas
[1] Ver nota de rodapé n.º 2.
[2] Os restantes membros não foram incluídos por falta de elementos estatísticos no período considerado.
Notas Curriculares
*Conceição Castro, Professora na Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão do Instituto Politécnico do Porto; Economista, Mestre em Finanças e Doutora em Gestão; Coordenadora do Mestrado em Finanças Empresariais da ESEIG; autora de públicações científicas, com arbitragem, em Portugal e no Estrangeiro; Membro do Conselho Técnico-Científico da ESEIG; Membro de conselho científico de revista nacional; Arguente de teses de mestrado; Docente de vários ciclos de estudo (licenciatura e mestrado); Prelectora em palestras e seminarios; Investigadora no CEPESE da Universidade do Porto; Tem especial interesse de investigação nas áreas de crescimento económico, política fiscal e corrupção.
**Pedro Nunes, Professor na Escola Superior de Gestão do IPCA; Doutor em Gestão; exerceu os cargos de Coordenador de grupo, Presidente do Conselho Científico e Pedagógico, vários júris de admissão de estudantes; Presidente de várias comissões de elaboração/alteração de cursos; Director Executivo da Revista de Estudos Politécnicos; Autor de públicações científicas, com arbitragem, em Portugal e no Estrangeiro; Membro de conselhos científicos de revistas nacionais e internacionais; Participação como orientador e arguente, em teses de doutoramento e mestrado, em Portugal e Espanha; Docente de vários ciclos de estudo (licencitura, mestrado e doutoramento) em Portugal, Espanha e Brasil; Prelector em palestras e seminarios; Membro de vários júris de docentes; Investigador no CEPESE da Universidade do Porto; Tem especial interesse de investigação nas áreas de gestão púbica e ciência política.