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Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.16 no.2 Ribeira de Pena jun. 2020  Epub 10-Dez-2020

https://doi.org/10.6063/motricidade.18931 

Research Note

O currículo de educação física e as life skills: Processos e estratégias de intervenção

The physical education curriculum and life skills: Processes and intervention strategies

Fernando Santos1  2  * 

Rui Neves3 

Paulo Pereira1  2 

António Cardoso1 

1Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico do Porto e Viana do Castelo, Portugal

2inED, Centro de Investigação e Inovação em Educação, Portugal

3Departamento de Educação e Psicologia, Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores, Universidade de Aveiro, Portugal


INTRODUÇÃO

Imagine um jovem que acaba de obter a carta de condução e desenvolver um conjunto vasto de competências, desde utilizar uma condução defensiva a respeitar as regras de trânsito. Após este processo, inicia a sua primeira viagem de Lisboa a Madrid com um grupo de amigos. Contudo, existem vários trajetos possíveis e opta pelo mais adverso e longo. Apesar de aplicar tudo o que aprendeu sobre condução segura, não é capaz de optar pelo melhor caminho para atingir um dos resultados pretendidos: chegar ao destino no menor tempo possível.

Este exemplo ilustra um dos grandes desafios que caraterizam a Educação Física (EF) na atualidade: a escolha dos melhores processos e de um currículo que permita atingir todos os resultados de aprendizagem visados (Ennis, 2011). O domínio motor é uma componente central dos programas de EF, mas estes não se podem limitar exclusivamente a resultados de aprendizagem neste domínio (Escartí, Gutiérrez, Pascual, & Wright, 2013; Sallán, Moreno, Ceacero, & Díaz-Vicario, 2014). Assim, torna-se necessário compreender como poderemos criar condições para uma EF verdadeiramente holística que possibilite aprendizagens nos domínios motor, cognitivo, mas também afetivo (Wright & Li, 2009). Do mesmo modo, o jovem retratado no exemplo acima referido necessitaria de desenvolver esforços para atingir uma série de pressupostos essenciais para uma condução eficaz.

A EF apresenta-se como um contexto essencial no desenvolvimento integral de crianças e jovens em Espanha, Portugal e em múltiplos países (Neves, 2017; Olmos, Garrido, Pardo, & García-Arjona, 2012; Richards & Gordon, 2016; Trigueros-Ramos, Navarro-Gómez, Aguilar-Parra, & León-Estrada, 2019), sendo que não se deve centrar unicamente em certas aprendizagens, uma vez que podem não ser suficientes para corresponder às necessidades das crianças e jovens.

Desde os debates iniciais encetados por investigadores, responsáveis pela política educativa e outros atores educativos (DeBusk & Hellison, 1989; D. Hellison, 1988) têm surgido discussões acerca do potencial da EF e das condições necessárias para que os seus professores possam promover aprendizagens nos domínios motor, afetivo e cognitivo (Deventer, 2014; Jung, Ressler, & Linder, 2018). Como referimos previamente, a EF deve proporcionar um contributo holístico para o desenvolvimento de crianças e jovens, pelo que não se resume a um enfoque no domínio motor (Martinek & Hellison, 2016). Neste sentido, um dos instrumentos de diálogo entre a política educativa e a prática educativa é o currículo de EF (Jung et al., 2018). Em muitos sistemas educativos (e.g., Portugal, Espanha, Nova Zelândia), o modo como o currículo de EF está organizado pretende traduzir a necessidade dos professores de EF desenvolverem a abordagem holística articulada previamente (Gordon, Thevenard, & Hodis, 2012; Silva, Marques, Mata, & Rosa, 2016).

O desenvolvimento positivo através da Educação Física

O desenvolvimento positivo dos jovens (Damon, 2004) tem sido utilizado como uma abordagem capaz de orientar a intervenção de professores de EF para a necessidade de considerar as potencialidades dos jovens e, assim, facilitar o desenvolvimento de life skills.

As life skills são competências que podem ser desenvolvidas através da EF e transferidas para outros domínios da vida como, por exemplo, respeito, definição de objetivos, concentração, liderança e trabalho em equipa (Pierce, Gould, & Camiré, 2017), devendo realizarem-se esforços explícitos por parte dos professores no sentido de aumentar a probabilidade de ocorrerem estas aprendizagens (Holt et al., 2017). Embora os programas de DPJ tenham sido desenvolvidos em diversas áreas de conteúdo (Dutton, 2001), tem sido reconhecido o papel privilegiado da EF no DPJ e ensino de life skills (Farias, Wallhead, & Mesquita, 2019), face às caraterísticas das suas situações de ensino-aprendizagem que colocam o aluno constantemente a interagir com outros nas atividades e vivenciar múltiplas oportunidades para desenvolver life skills. Neste contexto, vários investigadores (Weiss, Stuntz, Bhalla, Bolter, & Price, 2013) têm referido que diversas modalidades desportivas, que integram o currículo de EF, podem potenciar o desenvolvimento de determinadas life skills. A título de exemplo, o golf tem sido considerado uma atividade privilegiada para desenvolver life skills como concentração, definição de objetivos, controlo emocional, perseverança, honestidade, trabalho em equipa e respeito (Kendellen, Camiré, Bean, Forneris, & Thompson, 2017). Assim, embora existam possibilidades de intervenção e potencialidades em outras áreas de conteúdo, a EF assume-se como um contexto eficaz no desenvolvimento de diversas life skills, pela sua componente eminentemente relacional. Por conseguinte, há uma clara vantagem pelo facto de a EF exigir que o aluno se confronte com uma constante imprevisibilidade de situações das suas práticas pedagógicas em que estas competências têm oportunidade de ser evidenciadas e desenvolvidas, enriquecendo o seu percurso escolar.

Pierce et al. (2017) mencionaram a necessidade de entender as life skills como competências utilitárias, que refletem um enquadramento teórico específico, visando utilizar o potencial presente na EF como contributo para o desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos na escola e em outros domínios da vida. Um dos termos utilizados para descrever competências utilitárias desta natureza é o de soft skills. Contudo, as soft skills referem-se, de um modo geral, às competências relacionais necessárias ao trabalho com outros e sucesso profissional. Neste sentido, as soft skills não se reportam especificamente ao contexto educacional e não têm implícita a premência de recorrer a mecanismos de transferência para outros domínios da vida do indivíduo.

A destrinça entre ambos os conceitos permitenos compreender a relevância cultural e curricular das life skills, enquanto conteúdos necessários ao desenvolvimento integral dos jovens e à construção de aprendizagens significativas com impacto para além da EF. Adicionalmente, o termo life skills será utilizado ao longo deste artigo tendo em consideração que a tradução literal ‘competências para a vida’ não representa, completamente, o significado atribuído pelos autores que introduziram o conceito no âmbito da EF e desporto (Gould & Carson, 2008; Pierce et al., 2017). Estes autores, mais recentemente Pierce et al. (2017), referem-se a life skills como competências com potencial de transferência, sistematicamente, desenvolvidas na EF (i.e., através da EF) que podem ser progressivamente incorporadas pelos indivíduos em outras áreas da sua vida (i.e., para a vida). Daí que as reflexões realizadas pelos autores sugerem que o termo life skills apresenta um caráter de universal permeabilidade e de corrente difusão.

Relativamente aos processos pelos quais podem ser abordadas as life skills, em certos casos, os professores de EF e outros agentes educativos (e.g., treinadores, pais) desenvolvem-nas implicitamente através da criação de um clima seguro e do estabelecimento de relações positivas com os alunos, sendo que não existem meios de ensino concretos (Turnnidge, Côté, & Hancock, 2014). Por outro lado, abordagens explícitas ao desenvolvimento e transferência de life skills envolvem a definição de objetivos, atividades e estratégias, fundamentais neste tipo de competências, bem como a promoção da transferência para outros contextos, outras disciplinas e a vida familiar (Allen, Rhind, & Koshy, 2015; Pierce et al., 2017). A investigação levada a cabo na área do desenvolvimento positivo e life skills, enquanto resultado desta abordagem, tem sugerido que uma abordagem explícita pode gerar mais resultados de aprendizagem (Bean, Kramers, Forneris, & Camiré, 2018; Holt et al., 2017). Vários estudos realizados em países como Portugal, Espanha e Canadá têm salientado a necessidade de uma abordagem explícita às life skills na formação de professores, currículo e, finalmente, na prática de professores de EF (Barker & Forneris, 2012; Escartí, Llopis-Goig, & Wright, 2018; Pavão, Santos, Wright, & Gonçalves, 2019). Esta tríade parece apresentar-se como decisiva, em certos casos, no desenvolvimento curricular da EF e seu aprofundamento com incidência na mudança nas práticas educativas (Simmons & MacLean, 2016).

Discrepâncias entre a investigação na Educação Física e a estado desta disciplina

Apesar de todos os esforços desenvolvidos na formação de professores e na promoção da qualidade da EF (Casey & Dyson, 2009; Dyson, 2014; Pill, Penney, & Swabey, 2012), constata-se que a distância entre a investigação e a prática é ainda, em muitos casos, acentuada e as life skills um conceito que não parece estar presente no currículo vigente em diversos sistemas educativos, como é o caso do português. Assim, podemos levantar a seguinte questão: Porque é que o condutor no exemplo descrito anteriormente não utilizou as evidências ao seu dispor acerca do melhor caminho? Em certos casos, o currículo formal de EF não incorpora o conjunto de ‘boas práticas’ que têm sido identificadas a partir da literatura, contribuindo para o afastamento entre a investigação e a prática, assim como para a existência de constrangimentos vivenciados por escolas e professores de EF no desenvolvimento e na transferência de life skills. Torna-se relevante clarificar que não estamos a argumentar sobre a necessidade da prevalência de um sistema uniforme em todos os sistemas educativos, pois existem diferenças culturais evidentes sobre o modo como a EF e as life skills são valorizadas, o que afeta quaisquer propostas de intervenção na formação de professores, currículo e práticas dos professores. A título de exemplo, no sistema educativo finlandês (Yli-Piipari, 2014) a formação de professores de EF integra um enfoque significativo em matérias associadas ao desenvolvimento positivo dos jovens, o que permite que o currículo formal, embora sem menções específicas aos processos e meios a utilizar neste domínio, possa ser adaptado pelas escolas sem enviesar esta premissa. Em Espanha (Álvarez, Buendía, & Gorroño, 2007), as reformas curriculares realizadas têm sido consideradas úteis, mas ainda assim insuficientes para que se possa assegurar que a EF é um espaço que facilita o desenvolvimento e a transferências de life skills. Em Portugal, as reformas têm procurado valorizar a EF como uma área autónoma com potencial para facilitar o desenvolvimento pessoal e social dos alunos (Silva et al., 2016), embora não sejam identificados processos, meios e princípios que possam promover uma abordagem explícita a este tipo de resultados de aprendizagem.

Neste contexto, importa refletir acerca do modo como concetualizamos a EF, o currículo formal e se procura promover uma articulação efetiva entre a investigação e as práticas na EF. O currículo de EF pode, por si só, contribuir para: (a) a desvalorização das life skills; (b) a criação de constrangimentos à utilização de uma abordagem explícita às life skills; e (c) o enviesamento dos resultados de aprendizagem pretendidos (Jung et al., 2018). Mediante este cenário, parece-nos relevante discutir de que modo os processos de natureza estrutural (i.e., currículo formal) e experiencial (i.e., currículo oculto) se tornam facilitadores ou barreiras na implementação de um paradigma de EF verdadeiramente holístico em que as life skills tenham um papel preponderante. Assim, este artigo visa proporcionar uma reflexão acerca da integração do life skills no currículo formal de EF em diversos sistemas educativos.

Perspetivas acerca da Educação Física em múltiplos contextos educativos

Diversas reflexões têm procurado apresentar e discutir os fatores que influenciam o modo como a EF é perspetivada em várias culturas/sistemas educativos (Curtner-Smith, 1999; Ennis, 2011; Jung et al., 2018; Shek, Ma, & Sun, 2011). Nos Estados Unidos da América (Ennis, 2011), à semelhança de outras realidades, tem-se discutido o modo como a EF é perspetivada, especificamente em relação à tendência para considerar a EF como uma ferramenta exclusivamente necessária para elevar os níveis de condição física e, assim, garantir a prática desportiva autónoma após a conclusão da vida escolar (Sallis et al., 2012). Outras perspetivas põem em evidência a importância de garantir a presença da prática desportiva na entrada na vida adulta a partir da criação de autodeterminação (Deci & Ryan, 2008) (i.e., indivíduos intrinsecamente motivados) pela promoção de competência percebida, relações interpessoais positivas e de um clima baseado na autonomia (Sun, Li, & Shen, 2017). Esta perspetiva resulta do fato das crianças e jovens fisicamente ativos, durante a vida escola, e com índices favoráveis de condição física, não manterem, em muitos casos, qualquer ligação à prática ao longo da vida adulta (Ennis, 2011; Sliwa et al., 2017). Face a isto, torna-se necessário intervir nas atitudes e motivação dos alunos face à EF, aumentando, por conseguinte, a motivação para a prática desportiva na vida adulta (Ennis et al., 1999; Penney & Chandler, 2000). Apesar da relevância desta perspetiva para uma EF mais eficaz, sugerimos uma reflexão sobre uma perspetiva complementar que designaremos doravante de ‘EF transformadora’.

A ‘EF transformadora’ alia-se à perspetiva de Ennis (2011), mas sustenta a necessidade desta disciplina contribuir, também, para o desenvolvimento e transferência de life skills através da EF. Esta visão de EF fundamenta-se em vários argumentos que têm sido salientados na literatura e que passaremos a discriminar. A EF é um espaço privilegiado para o desenvolvimento e transferência de life skills, pela necessidade dos alunos estabelecerem relações de cooperação, definirem objetivos, ocuparem papéis de liderança, entre outras oportunidades de aprendizagem (Martinek & Hellison, 2016). Outras disciplinas no currículo podem não proporcionar, quer as mesmas, quer tantas oportunidades de aprendizagem, pela sua natureza menos relacional, interativa e dependente do movimento (Camiré, 2015; Farias, Hastie, & Mesquita, 2017; Rodrigues & Neves, 2017). Para além disso, pretende-se que a prática desportiva autónoma, como produto final do percurso escolar, possa envolver uma participação significativa no desporto de recreação, competição ou alto rendimento, bem como se caracterize pela integração de valores e condutas de ética que se relacionam com a aplicação de life skills. Vários modelos de ensino (e.g., Modelo de Educação Desportiva) têm salientado a necessidade de utilizar a EF para aliar a proficiência motora ao desenvolvimento de life skills (Harvey, Kirk, & O'Donovan, 2014; Ruiz et al., 2006).

Esta visão de EF não pretende relegar o ensino de competências motoras para segundo plano, mas antes realçar a importância de incluir as life skills como resultado de aprendizagem prioritário e necessário para uma ‘EF transformadora’ que proporcione, efetivamente, o desenvolvimento integral da criança e do jovem, assim como uma vida desportiva que se pretende plena (Li, Wright, Rukavina, & Pickering, 2008; Moreno-Murcia, Gimeno, Carlos Carretero, Lacárcel, & Calvo, 2012).

Currículo oculto, currículo formal e práticas dos professores de Educação Física

O currículo formal pode ser entendido como um plano em que se determinam as experiências a promover, tal como os resultados de aprendizagem e objetivos a alcançar, sendo interpretado e implementado por escolas e professores (Jung et al., 2018). Significa isto que o currículo formal é um instrumento crítico na atuação de professores e representa a dimensão visível dos processos e resultados a utilizar/atingir (Siedentop & Tannehill, 2000).

Considerando a necessidade de uma ‘EF transformadora’, em diversos países, na generalidade dos currículos de natureza formal não existem indicações explícitas associadas às life skills, especificamente quanto aos meios e resultados de aprendizagem a atingir em cada ano de escolaridade/faixa etária (Álvarez et al., 2007; Silva et al., 2016). Para além disso, verifica-se que a formação de professores tende, em determinados contextos, a focar-se em outras dimensões (e.g., organizacional, profissional), sendo que o desenvolvimento positivo e as life skills permanecem distantes das preocupações apresentadas e conteúdos abordados (Casey, 2013; Curtner-Smith, 1999). Em certos casos (e.g., Portugal), o desenvolvimento positivo e as life skills surgem de forma implícita como ‘objetivos transversais’, não sendo, contudo, apresentadas indicações concretas para balizar a intervenção dos professores de EF (Silva et al., 2016), o que pode condenar, em certos casos, as escolas ao fracasso, pela falta de conhecimentos e ferramentas pedagógicas para desenvolver esta abordagem. Por outro lado, verifica-se que nos currículos em que estas preocupações são explícitas (Ministry of Education, 2007), existe uma maior facilidade na implementação de modelos de ensino que facilitem o desenvolvimento de life skills (Gordon, 2010; Gordon et al., 2012), como é o caso do Modelo de Desenvolvimento da Responsabilidade Pessoal e Social (Hellison, 2011).

Não obstante, em certos casos, pode ser veiculada a ideia de que o currículo oculto permitirá satisfazer a necessidade de desenvolver life skills, o que se torna preocupante. Quer isto dizer que o currículo oculto, pela inclusão de valores, componentes da cultura, rituais, e aprendizagens não planeadas, poderá não proporcionar as condições necessárias para que a EF possa promover o desenvolvimento de life skills (Jung et al., 2018). Aliás, estudos realizados anteriormente (Curtner-Smith, 1999; Ennis, 2011) têm realçado a necessidade de balizar no currículo formal muitas das aprendizagens e processos que, em certos casos, só se tornam acessíveis através de uma análise ao currículo oculto. Neste contexto, a prática baseada em modelos de ensino (Casey & MacPhail, 2018) pode apresentar-se como uma necessidade curricular, de modo a que os professores possam utilizar meios e processos concretos para promover o ensino de life skills (Gordon et al., 2012). Com base nas reflexões anteriores, podemos afirmar que existem vários fatores a considerar na fundamentação para a introdução dos life skills no currículo de EF. Em primeiro lugar, o currículo formal deve proporcionar suporte às práticas dos professores de EF e diminuir possíveis discrepâncias entre objetivos da disciplina e metodologias usadas. Alguns estudos têm revelado a influência de vários fatores nas conceções e práticas de professores de EF como os pares e demais elementos das organizações escolares que, em muitos casos, refletem um desalinhamento com intervenções centradas nas life skills (Richards & Gordon, 2016). Em segundo, a ausência de modelos de ensino e objetivos claros no currículo formal de EF é comparado por Jung et al. (2018) “como um carro sem condutor” (p. 256), realçando a necessidade de se considerar a possibilidade de utilizar a prática baseada em modelos, de modo a facilitar a intervenção dos professores de EF sem enviesar a sua autonomia no processo de ensino e aprendizagem, bem como na seleção dos meios propícios à aprendizagem de life skills. Mais especificamente, a utilização da prática baseada em modelos permite o desenvolvimento de diferentes life skills em função da realidade social, cultural e económica do país, região, agrupamento de escolas, escola e mesmo da turma. Esta questão não pode ser distinguida da atual política de flexibilização curricular, onde os Agrupamentos de Escola, os grupos de EF e os professores de EF se permitem exercer o seu poder de decisão curricular de acordo com a sua própria leitura das caraterísticas dos seus alunos e respetivo contexto. Assim, os professores de EF podem selecionar life skills de forma diferenciada, embora devam ser consideradas as necessidades de desenvolvimento dos alunos nas tomadas de decisão, daí a importância do currículo plasmar esse conjunto de orientações pedagógicas sobre o que deve ser ensinado em cada ano de escolaridade. Finalmente, a prevalência de um maior ou menor enfoque no que respeita aos processos e meios necessários à aprendizagem de life skills deve fundamentar-se nos modelos de formação de professores adotados num dado sistema educativo (Escartí, Gutiérrez, Pascual, & Marín, 2010), o que pode facilitar ou enviesar estes tipo de resultados de aprendizagem (André & Mandigo, 2013). Em diversas realidades, o desenvolvimento de life skills é uma abordagem comumente utilizada (Goudas, Dermitzaki, Leondari, & Danish, 2006), o que não se verifica em outros contextos como é o caso do português. Neste sentido, em realidades como a portuguesa, é importante promover uma reflexão e debate sobre os processos de formação inicial, sem fundamentalismos, mas evidenciando princípios, abordagens e boas práticas na EF que possam contribuir para uma abordagem deliberada no ensino de life skills ao longo dos diversos ciclos de ensino. As diferenças de abordagens entre a formação inicial e a formação contínua decorrem da necessidade de, no caso desta última, partir das práticas realizadas pelos profissionais e introduzir lógicas formativas de forte ligação com as experiências vivenciadas em contexto que possam beneficiar a qualidade das práticas da EF e a integração de life skills. Por seu turno, a formação inicial deve permitir compreender o que é o DPJ, as life skills e facilitar a exposição a estratégias pedagógicas que possam contribuir para a sua integração nos diversos ciclos de ensino. Neste período, deve existir uma capacidade de interpretar e operacionalizar o currículo de EF, consentânea com uma visão holística do desenvolvimento do aluno.

CONCLUSÕES

Este artigo teve como objetivo realizar um conjunto de reflexões que podem, quer sustentar mudanças curriculares em diversos contextos educativos, quer identificar prioridades na investigação realizada na área do desenvolvimento positivo através da EF. Constata-se a necessidade de desencadear uma reflexão: (a) acerca da conceção de EF presente no currículo formal; (b) das consequências dessa perspetiva no currículo oculto, práticas dos professores de EF e resultados de aprendizagem dos alunos; e (c) do papel da formação de professores de EF na capacitação destes agentes educativos para a promoção de life skills. Paralelamente, esta reflexão pode ser acompanhada de investigação na área do desenvolvimento positivo através da EF, que tenha em consideração uma abordagem sistémica a esta problemática. Assim, o currículo formal pode ser estrategicamente usado para tornar explícitos objetivos, aprendizagens e meios que podem fundamentar-se na investigação existente na área do desenvolvimento positivo e das life skills, nas evidências disponíveis, assim como nas necessidades das comunidades educativas, com o propósito de alcançar melhores resultados de aprendizagem. Embora o desafio seja complexo, a investigação deve acompanhar os reptos colocados ao currículo de EF e, deste modo, poder originar-se verdadeiramente uma mudança em múltiplos sistemas educativos, no sentido do desenvolvimento de life skills não ser uma hipótese menos provável, mas, antes, uma realidade.

Financiamento:

Nada a declarar

Agradecimentos:

Nada a declarar

REFERÊNCIAS

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Recebido: 22 de Novembro de 2019; Aceito: 17 de Janeiro de 2020

*Autor correspondente: Rua Dr. Roberto Frias, 6024200-465Porto, Portugal. E-mail: fsantos@ese.ipp.pt

Conflito de Interesses:

Nada a declarar.

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