INTRODUÇÃO
Contextos de atividade física e de prática desportiva
Neste estudo considerámos a definição da Carta Europeia do Desporto do Conselho da Europa (2021), recentemente revista, quase 20 anos depois da 1ª versão que foi redigida em 1992. Esta refere que o Desporto é uma forma de atividade física que visa a melhoria da condição física e psíquica, o fortalecimento de relações sociais ou o sucesso em competições em todos os níveis, estimulando o esforço contínuo para a melhoria e consciencialização da importância do exercício físico para o equilíbrio fisiológico e psicológico.
A atividade física é uma construção com múltiplas dimensões ou formas, uma diversidade de atividades estruturadas e não estruturadas dentro da escola ou fora da escola, local onde as crianças e os jovens brincam, são ativos e gastam energia (Weiss & Wiese-Bjornstal, 2009).
No caso concreto deste estudo, os alunos tinham acesso, além da educação física (3 a 4 tempos semanais), também a programas de desenvolvimento de habilidades motoras (e.g., FITescola, Escola Ativa, Escola Comunidade, entre outras modalidades do Desporto Escolar). Todos estes programas fazem parte do programa nacional de educação física ou do desporto escolar.
Segundo Hellison (2011), todos os tipos de atividade física e de prática desportiva anteriormente apresentados são adequados ao desenvolvimento pessoal e social e fundamentais para motivar os jovens a manterem um estilo de vida fisicamente ativo, o que será sem dúvida benéfico para a sua saúde. Adicionalmente, os autores referiram ser expectável que esta prática traga algo mais aos jovens, nomeadamente melhores relacionamentos com os outros, ou seja, uma melhor integração social.
O desenvolvimento positivo de jovens e a responsabilidade pessoal e social
Na última década do século XX, surgiu um novo paradigma que se designou de Psicologia Positiva que, entre outras propostas de mudanças, trouxe uma nova forma de olhar para a educação dos jovens. Em vez de serem vistos como problemas a gerir, acentua-se a ideia de que os jovens sejam encarados como recursos a desenvolver (Damon, 2004). A ênfase será assim essencialmente colocada nos pontos fortes em detrimento dos pontos menos fortes dos indivíduos (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000).
As pesquisas relacionadas com as questões do Desenvolvimento Positivo (DP), têm sido intensificadas neste século parecendo sugerir-se que as artes em geral e o Desporto, em particular, podem desempenhar um papel muito importante no desenvolvimento dos jovens (Almeida et al., 2018; Baptista, 2019; Corte-Real, 2006; Esperança et al., 2016; Jones et al., 2016; Lerner et al., 2014; Martinek & Hellison, 2009; Regueiras, 2012).
Por sua vez, Lerner et al. (2005), salientam a importância de cinco dimensões consideradas essenciais e que designaram como “5C’s” (Tabela 1). Estas, constituem os pilares fundamentais dos programas de Desenvolvimento Positivo dos jovens e que, quando bem desenvolvidos, segundo os mesmos autores, podem fazer emergir o “6º C” (i.e., contribuição), que consubstancia a influência positiva sobre si mesmo, sobre os outros, sobre a sua família, a sua comunidade e a sociedade em geral.
Tabela 1 As 5 características C.
| Características (C`s) | Definição |
|---|---|
| Competência | Visão positiva das próprias ações em áreas específicas tais como: social, académica, cognitiva e vocacional. Competência social (e.g., resolução de conflitos). Competência cognitiva como seja tomada de decisões. Na competência académica podem considerar-se classificações escolares, assiduidade às aulas e notas de testes. A competência vocacional envolve hábitos de trabalho e exploração de escolhas referentes à carreira futura. |
| Confiança | Sentido interior positivo global em relação à autoestima e à autoeficácia. Trata-se de uma visão global de si próprio. |
| Conexão | Laços positivos com pessoas ou instituições que se refletem em intercâmbios nos dois sentidos – entre o indivíduo e os seus pares, a família, a escola e a comunidade onde ambas as partes contribuem para a relação. |
| Carácter | Respeito pelas regras e cultura sociais. Possuir padrões de comportamento corretos, sentido do bem e do mal (moralidade) e integridade. |
| Cuidado / Atenção | Sentido de compreensão e de empatia em relação aos outros. |
Esperança (2016); adaptado de Lerner et al., (2005)
O que Lerner et al. (2009) designaram como “plasticidade” e que prevê a capacidade de os indivíduos possuírem adaptações sistemáticas ao longo da vida, acentua a importância de se estudar o efeito de práticas específicas em contextos desportivos sobre o Desenvolvimento Positivo nos jovens.
Por outro lado, a Responsabilidade Pessoal e Social (RPS) dos jovens passa por diversas necessidades na fase da adolescência, tais como se relacionarem com os pares, terem um sentimento de pertença no contexto escolar, procurar um ambiente seguro do ponto de vista físico e psicológico, entre outros fatores que podem facilitar experiências positivas de desenvolvimento (Martinek et al., 2006).
Neste sentido, é de extrema importância fazer com que os jovens, de uma forma autónoma, cumpram regras, sejam responsáveis e respeitem o outro ao mesmo tempo que se fazem respeitar. Acreditamos que o desporto se constitui como uma ferramenta indispensável na obtenção destas competências sociais e pessoais de cada individuo.
O trabalho na RPS é caraterizado pelo ensino de valores através da atividade física e do desporto tais como caráter, competências para a vida e de responsabilidade (Metzler, 2017; Petitpas et al., 2005).
As escolas dos territórios educativos de intervenção prioritária
A escola de Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP), onde realizámos este estudo, faz parte de um agrupamento composto na sua totalidade por 7 escolas com níveis de ensino que vão desde a educação pré-escolar e 1º ciclo do ensino básico até ao ensino secundário. Está situada numa zona desfavorecida da cidade do Porto, com muitas famílias a viverem em situações instáveis, com empregos precários, com práticas de trabalho atípicas e com um rendimento abaixo do salário mínimo nacional, dependendo de subsídios (e.g., rendimento social de inserção).
Paralelamente, verificam-se elevados índices de exclusão, quer do sistema educativo, quer do mercado de trabalho (fatores estruturantes no desenvolvimento sustentável de qualquer comunidade). As situações de exclusão social decorrem de um processo mais ou menos avançado de acumulação de ruturas várias: ao nível do trabalho, da habitação, da família e, no geral, ao nível da participação nos modos de vida dominantes, com a consequente interiorização de identidades desvalorizadas. Em grande parte, os alunos vêm deste meio social com todos os problemas anteriormente referidos, bem como de diferentes etnias, com enfâse para a grande comunidade cigana e de diferentes regiões do mundo (i.e., 11 nacionalidades tais como Portugal, India, Paquistão, China, Angola, Colômbia, Venezuela, Brasil, Gâmbia, Bangladesch e Cabo Verde).
Como referido supra, as atividades físicas e desportivas são propícias à promoção do desenvolvimento físico, psicossocial, moral e de competências de vida e cidadania dos jovens (Almeida et al., 2018; Bean & Forneris, 2016; Corte-Real, et al., 2016;). Assim, considera-se pertinente estudar a prevalência da participação dos jovens nas mais variadas atividades desportivas da escola e fora dela, enquanto espaços socioeducativos de referência e de promoção do Desenvolvimento Positivo dos Jovens.
Com este estudo, pretendemos, assim, lançar um primeiro “olhar” sobre a prática desportiva no contexto desta escola, nas aulas de Educação Física e fora delas, bem como na comunidade/clubes (anos de prática e frequência semanal), analisando diferenças, em função das variáveis sexo e idade, e ainda a sua relação com o DP e a RPS.
Por um lado, assiste-se ao relato diário nas escolas TEIP, nas quais os professores referem a falta de RPS por parte da maioria dos alunos; por outro lado, estudos internacionais (e.g., Baptista, 2019; Gordon & Doyle, 2015), utilizando programas de DP e RPS, apresentam resultados satisfatórios no trabalho desenvolvido com alunos, o que torna ainda mais pertinente proceder a intervenções com estas caraterísticas em escolas portuguesas onde os problemas são diários.
MÉTODO
Caraterização da amostra
Participaram neste estudo 430 alunos, do 5º ao 12º ano de escolaridade, com idades compreendidas entre os 10 e os 20 anos (M = 13,94 e DP = 2,61). Destes alunos, 196 são do sexo feminino (45,6%) e 234 do sexo masculino (54,4%). Foi realizada uma análise do tamanho da amostra à posteriori para a ANOVA, utilizando o software G*Power (versão 3.1.9.6), de acordo com os seguintes parâmetros: tamanho do efeito f = 0,25; probabilidade de erro α = 0,05; N = 430; número de grupos = 5. Estas condições sugeriram que esta amostra apresenta um poder estatístico de 99%.
Instrumentos e variáveis analisadas
Para avaliar o DPJ foi utilizada a versão portuguesa reduzida do Positive Youth Development PYDp/red (Esperança et al., 2017). O instrumento é composto por 30 itens avaliados através de uma escala de Likert, com base na qual os respondentes especificam o nível de concordância com o modo que cada afirmação se aplica a eles próprios, tendo como opção de resposta quatro possibilidades, de 1 (nada importante) a 4 (muito importante). O valor final apurado em cada um dos cinco fatores (i.e., os 5 C’s) concorre, em igual medida, para o valor final de DPJ. Os itens estão agrupados em cinco dimensões: Caráter (α = 0,829), (6 itens, e.g., “Ajudar a garantir que todas as pessoas sejam tratadas com justiça”); Cuidado e Atenção (α = 0,867), (6 itens, e.g., “Tenho pena das pessoas que não tenham o que eu tenho”); Conexão (α = 0,727), (6 itens, e.g., “Na minha família sinto-me útil e importante”); Confiança (α = 0,820), (6 itens, e.g., “No geral estou contente comigo mesmo”) e Competência (α = 0,842) (6 itens, e.g., “A alguns jovens agrada o tipo de pessoa que são”).
Para avaliar a responsabilidade pessoal e social, foi utilizada a versão portuguesa do Questionário de Responsabilidade Pessoal e Social (PSRQ) de Li et al. (2008), desenvolvida por Martins et al. (2015).
Este instrumento integra dois fatores: a responsabilidade pessoal (RP) e a responsabilidade social (RS). A RP inclui 7 itens (α = 0,807), (e.g., “Eu participo em todas as atividades da equipa”) e “Eu estabeleço objetivos pessoais”). A RS inclui igualmente 7 itens (α = 0,885), (e.g., “Eu respeito o meu professor” e “Eu ajudo os outros”).
Foram ainda consideradas as seguintes variáveis: Sexo, Idade e prática desportiva. De salientar que na variável idade foram constituídos 3 escalões etários, relacionado com os ciclos de escolaridade: Grupo 1 (10 a 12 anos), 2º ciclo; Grupo 2 (13 a 15 anos), 3º ciclo e Grupo 3 (16 ou mais anos), secundário. No que concerne à variável prática desportiva (PD), foram também constituídos diferentes grupos em função dos anos dePD: Grupo I (zero anos de prática); Grupo II (1 a 2 anos de prática); Grupos III (3 a 4 anos) e Grupo IV (5 ou mais anos) e em função da frequência da prática desportiva semanal: Grupo A (0x semana); Grupo B (1 a 2 x / semana); Grupo C (3 a 4 x / semana) e Grupo D (5 ou mais vezes semana).
Recolha de dados
O questionário foi submetido à Direção Geral de Educação com a designação Educação Física e Desporto, Escola e Vida, registado em 06/01/2022 que ficou com o nº 0808000001, tendo sido aprovado. A comissão de ética da FADEUP, aprovou também a aplicação do mesmo (CEFADE, 08 – 2022). Todos os estes procedimentos cumprem a Declaração de Helsínquia e subsequentes revisões.
Por último, após autorização do conselho pedagógico do agrupamento de escolas, foram entregues as autorizações aos encarregados de educação dos alunos envolvidos e realizámos uma sessão de esclarecimento com os coordenadores dos diretores de turma do 2º e 3º ciclo, ensino secundário, ensino profissional, turmas do programa integrado de educação e formação e cursos de educação e formação, no sentido de contextualizar a aplicação deste questionário e a uniformização de atuação na aplicação do mesmo em contexto de sala de aula específica para este fim, nomeadamente com equipamento adequado.
Antes de cada aplicação dos questionários, com a duração de 15 minutos para o seu preenchimento, foi explicado aos alunos que a participação era voluntária, que as respostas eram anónimas e que caso tivessem dúvidas deviam perguntar. De modo geral, a recolha de dados decorreu como previsto, com o protocolo acordado a ser respeitado em todos os momentos.
Análises estatísticas
Os procedimentos estatísticos foram efetuados com recurso ao programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) para o Windows 11, versão 27.
A análise preliminar das variáveis em estudo indicou que os valores absolutos de assimetria variaram de 1,334 a 0,238, enquanto os valores de curtose variaram de 0,323 a 2,309. Esses resultados estão dentro dos limites de normalidade univariada estabelecidos por Kline (2011), que são de 3 a + 3 para assimetria e de 10 a + 10 para curtose. A análise descritiva foi efetuada a partir das medidas descritivas básicas: média, desvio padrão, mínimo e máximo. Nas comparações entre as variáveis nominais, utilizámos o teste do qui quadrado. Aplicou-se, ainda, o teste t para medidas independentes e, quando as variáveis apresentavam mais do que duas categorias, utilizou-se a análise de variância (ANOVA) recorrendo ao eta-quadrado parcial (ɳ p2), para determinar o tamanho do efeito com a seguinte interpretação: > 0,26, entre 0,26 e 0,02 e < 0,02 foram considerados como grande, médio e pequeno, respetivamente, (Tullis & Albert, 2008). Além disso, foram utilizados teste post hoc de “Tukey HSD” para identificar as diferenças entre os grupos de idade e nível de prática desportiva.
O nível de significância em todos os testes estatísticos foi fixado em p ≤ 0,05.
RESULTADOS
Prática desportiva
Como referido inicialmente, o objetivo deste estudo foi aferir o DPJ e o RPS dos jovens de uma escola TEIP em função da prática desportiva, do sexo e da idade. No que concerne à prática desportiva, constatámos que 35,3% dos alunos apresentavam uma prática situada entre 1 a 2 anos, 19,4% dos alunos apresentavam uma prática situada entre os 3 e os 4 anos e 31% dos alunos apresentavam 5 ou mais anos de prática.
Verificámos que a maior percentagem das jovens do sexo feminino (39,3%) se situava no grupo 1 relativamente aos anos de prática desportiva (i.e., praticam entre 1 e 2 anos) e que a maior percentagem dos jovens do sexo masculino (32,9%) se situava no grupo 4 (i.e., praticam há 5 ou mais anos). Ainda assim, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas relativamente aos anos de prática desportiva no que toca à variável sexo.
No que concerne à variável idade, pode constatar-se que os alunos mais velhos (escalão etário 16 ou mais anos) também apresentavam mais anos de prática desportiva. As diferenças destes relativamente aos outros escalões eram mesmo estatisticamente significativas.
O Quadro 1 apresenta os resultados obtidos na prática desportiva em função do sexo e da idade dos jovens.
Quadro 1. Anos prática desportiva por sexo e por idade.
| Anos de prática desportiva Grupos | Masculino | Feminino | 10–12 anos | 13–15 anos | 16/ + anos | |||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | |
| 1 – Não praticam | 15,8 | 37 | 13,3 | 26 | 17,4 | 27 | 13,8 | 21 | 11,4 | 15 |
| 2 – Praticam 1 a 2 anos | 32,1 | 75 | 39,3 | 77 | 40,6 | 63 | 35,5 | 54 | 28,8 | 38 |
| 3 – Praticam 3 a 4 anos | 19,2 | 45 | 19,9 | 39 | 19,4 | 30 | 19,7 | 30 | 18,9 | 25 |
| 4 – Praticam 5 ou + anos | 32,9 | 77 | 27,6 | 54 | 22,6 | 35 | 30,9 | 47 | 40,9 | 54 |
| ꭓ2(3) = 3,080; p = 0,380 ꭓ2(6) = 12,464; p = 0,052 | ||||||||||
Ainda no que toca à prática desportiva, nomeadamente a sua frequência semanal, constatámos que 14,4% dos inquiridos situavam-se no grupo A (sem qualquer prática); 38,6% situavam-se no grupo B (1 a 2x); 22,8% situavam-se no grupo C (3 a 4x) e, por fim, 24,2% situavam-se no grupo D (5 ou mais x).
Constatámos ainda que a maior percentagem das jovens do sexo feminino (45,6%) se situava no grupo B (1 a 2x por semana) e que a maior percentagem dos jovens do sexo masculino (32,9%) se situava igualmente nesse grupo. Tendencialmente, os elementos do sexo masculino praticavam mais vezes por semana do que os elementos do sexo feminino.
Relativamente à idade, verificámos, igualmente, uma tendência ascendente na frequência da prática semanal.
O Quadro 2 apresenta os resultados obtidos na prática desportiva semanal em função do sexo e da idade dos jovens.
Quadro 2. Prática desportiva semanal por sexo e por idade.
| Prática desportiva Grupos | Masculino | Feminino | 10–12 anos | 13–15 anos | 16/ + anos | |||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | |
| 1 – 0x por semana | 15,8 | 37 | 13,3 | 26 | 17,4 | 27 | 13,8 | 21 | 11,4 | 15 |
| 2 – 1 a 2x por semana | 32,9 | 77 | 45,6 | 89 | 41,9 | 65 | 38,8 | 59 | 34,4 | 45 |
| 3 – 3 a 4x por semana | 25,2 | 59 | 19,5 | 38 | 16,8 | 26 | 26,3 | 40 | 26,0 | 34 |
| 4 – 5x ou mais por semana | 26,1 | 42 | 21,5 | 61 | 23,9 | 37 | 21,1 | 32 | 28,2 | 37 |
| ꭓ2(3) = 7,355; p = 0,061 ꭓ2(6) = 8,246; p = 0,221 | ||||||||||
Nesta análise, verificámos que os alunos do sexo feminino praticavam desporto menos vezes por semana (45,6%) ao contrário dos alunos do sexo masculino, que praticavam mais vezes por semana (26,1%). Os alunos mais velhos tinham mais frequência de prática desportiva (28,2%) do que os alunos mais novos (23,9%) e praticavam menos vezes por semana (41,9%).
Em relação aos dados do Desporto Escolar (DE), por sexo e por idade, das 430 respostas validadas, constatámos que 39,7% dos alunos, nunca praticaram uma modalidade no DE. Destes, 40,7% não pratica atualmente, dos quais 35,9% eram raparigas e 43,5% rapazes. Os jovens que “já praticaram e agora não praticam”, representavam 40,3%. Destes, 37,5% eram do sexo feminino e 42,6% do sexo masculino. Além disso, 19,8% dos alunos praticavam pelo menos uma modalidade no DE, dos quais 26,6% eram raparigas e 13,9% rapazes. O escalão etário que mais praticava desporto no DE era o grupo 1 com 29,9%, seguido por 16,9% pelo grupo 2 e com menos pratica o escalão dos 16 ou mais anos com 11,9%. No entanto, estes dados não são estatisticamente significativos para um p ≤ 0,05.
Desenvolvimento positivo de jovens
Relativamente às cinco dimensões de DPJ avaliadas, constatámos que os jovens apresentavam valores mais elevados na dimensão Caráter e menos elevados na dimensão Competência.
No que concerne ao sexo, foram verificadas diferenças estatisticamente significativas na dimensão Cuidado/atenção entre os sexos, apresentando o sexo feminino um valor médio (M = 3,49) superior ao do sexo masculino (M = 3,23). De salientar que nas dimensões Caráter e Cuidado/atenção os valores do sexo feminino são superiores aos do sexo masculino. Por sua vez, nas dimensões Confiança e Competência verifica-se o oposto relativamente ao sexo.
Já no que diz respeito ao escalão etário, verificámos que existem diferenças estatisticamente significativas nas dimensões Caráter e Conexão. Em geral, quanto mais velhos os alunos, maiores os níveis de Caráter. No que concerne à dimensão Conexão, o escalão mais novo (10 a 12 anos), apresentava níveis médios superiores aos restantes, as diferenças foram verificadas nos testes post hoc.
Quando realizámos as comparações entre os vários escalões etários, verificámos que existiam diferenças estatisticamente significativas na dimensão Caráter entre o grupo etário 1 e 3, bem como, entre os grupos 2 e 3. Relativamente à dimensão Conexão, observámos diferenças, estatisticamente significativas entre os escalões etários, dos 10 aos 12 anos e 13 aos 15 anos.
No que concerne aos anos de prática desportiva, nas dimensões, Caráter e Competência foram encontradas diferenças estatisticamente significativas, os testes Post Hoc sugerem que, à medida que os anos de PD aumentavam, o valor médio destas dimensões dos alunos, por sua vez também aumentavam.
O mesmo se verificou com a prática desportiva semanal, em relação ao Caráter e ao Cuidado, porquanto os resultados são estatisticamente significativos, ou seja, quanto maior o número de treinos por semana, maiores os valores médios nessas dimensões os alunos apresentaram.
O Quadro 3 apresenta os resultados obtidos no DP, nos anos de prática desportiva e na frequência de prática desportiva semanal.
Quadro 3. Desenvolvimento Positivo / anos de prática desportiva / frequência de prática desportiva semanal.
| n | Média | Desenvolvimento positivo | ANOVA | ||
|---|---|---|---|---|---|
| Caráter / anos de prática | 0 | 63 | 3,23 | 0,71 | |
| 1–2 | 155 | 3,48 | 0,44 | f = 8,542 | |
| 3–4 | 85 | 3,49 | 0,42 | p = 0,001 | |
| 5 ou + | 136 | 3,61 | 0,46 | ||
| Competência / anos de prática | 0 | 63 | 2,94 | 0,64 | |
| 1–2 | 155 | 3,11 | 0,57 | f = 3,053 | |
| 3–4 | 85 | 3,10 | 0,56 | p = 0,028 | |
| 5 ou + | 136 | 3,20 | 0,53 | ||
| Caráter / frequência semanal | 0x | 63 | 3,23 | 0,71 | |
| 1–2x | 169 | 3,47 | 0,44 | f = 8,205 | |
| 3–4x | 100 | 3,56 | 0,42 | p = 0,001 | |
| 5 / mais x | 106 | 3,59 | 0,46 | ||
| Cuidado / frequência semanal | 0x | 63 | 3,16 | 0,80 | |
| 1–2x | 169 | 3,41 | 0,51 | f = 3,060 | |
| 3–4x | 100 | 3,30 | 0,62 | p = 0,028 | |
| 5 / mais x | 106 | 3,39 | 0,57 | ||
Responsabilidade pessoal e social
No que concerne à RPS, constatámos que os jovens apresentavam valores médios superiores de responsabilidade social do que de responsabilidade pessoal.
No que concerne ao escalão etário, os teste Post Hoc sugerem que, em média, quanto mais velhos os alunos, mais RPS apresentavam, com os resultados a apresentarem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos etários.
Na responsabilidade social havia uma ligeira superioridade no escalão mais novo, relativamente ao intermédio, mas as diferenças estatísticas também não eram significativas.
Relativamente à prática semanal desportiva, pudemos verificar que quantos mais treinos por semana os alunos realizavam maiores níveis de RPS apresentavam, tendo sido encontradas diferenças, estatisticamente significativas, conforme podemos verificar no Quadro 4.
Quadro 4. Níveis de responsabilidade pessoal e social por sexo e por escalão etário.
| Teaching personal and social responsability | Sexo | n | Média | Desenvolvimento positivo | t test |
|---|---|---|---|---|---|
| Responsabilidade social | Masculino | 234 | 4,22 | 0,66 | t = 0,602 |
| Feminino | 196 | 4,26 | 0,63 | p < 0,214 | |
| Responsabilidade pessoal | Masculino | 234 | 4,02 | 0,65 | t = 1,104 |
| Feminino | 196 | 4,09 | 0,59 | p < 0,154 | |
| Responsabilidade social (anos) | 10–12 | 64 | 4,20 | 0,77 | |
| 13–15 | 104 | 4,17 | 0,77 | t = 1,934 | |
| 16 ou + | 43 | 4,33 | 0,63 | p = 0,146 | |
| Responsabilidade pessoal (anos) | 10–12 | 155 | 3,97 | 0,65 | |
| 13–15 | 152 | 4,00 | 0,58 | t = 6,615 | |
| 16 ou + | 132 | 4,21 | 0,61 | p = 0,001 |
No que concerne aos anos de prática, foi verificado que em média quanto mais anos os alunos apresentavam mais RPS manifestavam, com os resultados a apresentarem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.
O Quadro 5 apresenta os resultados obtidos dos níveis de RPS, por anos de prática e frequência semanal.
Quadro 5. Níveis de responsabilidade pessoal e social, por anos de prática e frequência semanal.
| Teaching personal and social responsability | Prática desportiva | n | Média | Desenvolvimento positivo | ANOVA |
|---|---|---|---|---|---|
| Responsabilidade pessoal (anos) | 0 | 63 | 3,72 | 0,70 | |
| 1–2 | 155 | 3,97 | 0,60 | f = 4,042 | |
| 3–4 | 85 | 4,09 | 0,55 | p = 0,008 | |
| 5 ou + | 136 | 4,25 | 0,57 | ||
| Responsabilidade social (anos) | 0 | 63 | 3,91 | 0,89 | |
| 1–2 | 155 | 4,22 | 0,66 | f = 0,728 | |
| 3–4 | 85 | 4,29 | 0,74 | p = 0,536 | |
| 5 ou + | 136 | 4,38 | 0,68 | ||
| Responsabilidade pessoal (semana) | 0x semana | 63 | 3,72 | 0,70 | |
| 1-2x | 169 | 4,00 | 0,59 | f = 10,060 | |
| 3-4x | 100 | 4,14 | 0,53 | p ≤ 0,001 | |
| 5 ou mais x | 106 | 4,21 | 0,61 | ||
| Responsabilidade social (semana) | Até 1x | 63 | 3,91 | 0,89 | |
| 2/3x | 169 | 4,22 | 0,69 | f = 5,784 | |
| 4/5x | 100 | 4,28 | 0,74 | p ≤ 0,001 | |
| 6/7x | 106 | 4,37 | 0,64 |
Quando analisámos os níveis médios de RPS e os anos de PD, os testes Post Hoc revelam que existia um aumento proporcional, ou seja, quantos mais anos de PD mais os alunos tendiam a apresentar níveis superiores de RPS. Quando analisámos a relação entre estas duas variáveis RPS e PD semanal, verificámos que as diferenças eram estatisticamente significativas.
Na análise que efetuámos, verificámos uma relação entre os níveis de RPS e a regularidade com que os alunos praticavam desporto. Os alunos, com menor regularidade de prática, apresentaram valores médios mais baixos de RPS, do que os que praticaram com mais regularidade. Os alunos que praticaram 5/+ vezes por semana foram os que apresentaram valores médios mais elevados de RPS.
DISCUSSÃO
Este estudo teve como objetivo analisar os hábitos de prática desportiva (dentro e fora da escola), a perceção dos alunos relativamente ao Desenvolvimento Positivo e à Responsabilidade Pessoal e Social, bem como aferir as diferenças as diferenças em função da idade e do sexo.
Constatámos que apenas 48% praticavam desporto com uma regularidade acima de 3 vezes por semana. Ao analisar a prática desportiva em função do sexo, verificámos que as jovens do sexo feminino praticavam menos vezes por semana do que os jovens do sexo masculino. Estes resultados estão em linha com estudos realizados por Esperança (2005) e Corte-Real (2006), ao constatarem que os rapazes apresentavam maiores níveis de prática desportiva relativamente às raparigas, que vão ao encontro das questões culturais e de igualdade de género, que estão na ordem do dia.
Os resultados relativos à regularidade da PD contrariam as indicações da World Health Organitation (WHO, 2020), ao referir que as crianças e jovens devem realizar prática desportiva diária.
De salientar que, em 2022, a WHO, referia que a pandemia não apenas paralisou iniciativas como também afetou outras implementações de políticas que ampliaram as desigualdades no acesso e oportunidades de prática de exercícios para muitas comunidades o que corrobora os baixos resultados de PD do nosso estudo.
Relativamente aos resultados obtidos do DPJ, na dimensão cuidado/atenção as jovens do sexo feminino apresentaram maiores níveis relativamente aos jovens do sexo masculino, o que está em conformidade com o estudo de Graber (2023). Este resultado está de acordo com o conhecimento empírico na medida em que a maturidade no sexo feminino, quando adolescentes, é atingida mais cedo do que no sexo masculino. Adicionalmente, segundo Graber (2023) o pico de crescimento dos rapazes ocorre por volta dos 12 aos 16 anos, enquanto nas meninas ocorre por volta dos nove anos e meio (9,5 anos) até aos treze e meio (13,5 anos). Relativamente à dimensão Caráter, pudemos verificar que os escalões mais velhos parecem apresentar um maior respeito pelas regras, comparativamente com os escalões mais novos. No entanto o escalão mais novo (10–12 anos), apresentava níveis médios mais altos de Conexão comparativamente com o escalão seguinte mais velho (13–15 anos). No Caráter, os resultados sugerem o contrário, no qual são os mais velhos a apresentar valores mais elevados comparativamente com os mais novos. Assim, os alunos mais novos apresentavam laços mais positivos com pessoas ou instituições, que se refletem em intercâmbios nos dois sentidos, entre o indivíduo e os seus pares, a família, a escola e a comunidade, onde ambas as partes contribuem para a relação (Esperança, 2016).
Por sua vez, relativamente à RPS, os resultados sugerem uma tendência no sentido de que a perceção da RS era consistentemente superior relativamente à perceção da RP. Este indicador contraria alguns estudos (e.g., Batista, 2019; Carbonell et al., 2006; Gordon & Doyle, 2015). Sobre este assunto, acreditamos que seria pertinente refletir sobre o modo como se deveria intervir na estrutura da formação de professores para que exista mais RP. Esta poderá ser fomentada através da promoção de um programa específico em que os alunos trabalhem objetivamente a RP.
Desta forma, entendemos pertinente desenvolver estudos de intervenção que levem à promoção dos valores da Responsabilidade Social, não descurando, dada a sua importância, a Responsabilidade Pessoal.
Segundo alguns estudos, uma das caraterísticas mais importante é a intencionalidade, referida na literatura da especialidade como a medida em que as decisões deliberadas são tomadas pelas organizações desportivas, pelos treinadores e professores dentro dessas organizações, para criarem oportunidades destinadas a maximizar os resultados do desenvolvimento (Valero-Kerrick, 2015; Walker et al., 2010).
Quando analisámos os anos de PD foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na perceção de RPS. Quem praticava desporto há mais tempo e com uma maior frequência de prática semanal apresentava níveis de RPS mais elevados. Este parece-nos ser mais um indicador que reforça a importância da promoção de prática desportiva, sobretudo em crianças e jovens (Aubert et al., 2018). De salientar que a prática regular de educação física nas escolas do primeiro ciclo do ensino básico está longe de ser uma realidade nacional.
Ao analisarem a noção de intencionalidade no trabalho com crianças e jovens Côté et al. (2014) referiram que esta interfere com ganhos na transferência de competências para a vida. Estes, podem ocorrer por meio de processos implícitos e explícitos da tarefa, ou seja, dentro da abordagem implícita de qualquer desporto, as caraterísticas inerentes como as regras, a competição, e o clima, são identificadas como fatores que podem influenciar na aprendizagem e transferência de competências para a vida (Bean et al., 2018).
Os nossos resultados relativos à PD confirmam que o desporto pode ser uma ferramenta muito importante para o DPJ e sugerem-nos que o aumento da prática desportiva é benéfico não só em termos de saúde (física e mental), mas também de DP e de RPS. Estes resultados são semelhantes aos observados em outros estudos (e.g., Camiré et al., 2012, salientando que a intencionalidade e a qualidade das intervenções nos programas são um fator crucial a ser considerado (Yohalem & Wilson-Ahltrom, 2010).
O National Physical Education Standard 5, que foi desenvolvido a partir do trabalho de Hellison & Martinek (2006), afirma que “o indivíduo fisicamente alfabetizado exibe um comportamento pessoal e social responsável que respeita a si mesmo e aos outros” (Society of Health and Physical Educators America, 2014, p. 4). Este padrão sugere que os resultados de aprendizagem dos alunos e a eficácia instrucional em educação física, devem promover as responsabilidades sociais e pessoais dos alunos. Wright e Irwin (2018) acentuaram que esse padrão “constitui um mandato para os professores de educação física ajudarem os alunos a aprender e praticar um comportamento responsável” (p. 250).
CONCLUSÕES
A realização do presente estudo, permitiu concluir no sentido de a prática desportiva se relacionar positivamente com a responsabilidade pessoal e social. Com efeito, os resultados alcançados sugerem que os alunos que mais praticavam desporto e também os que o faziam há mais tempo indicavam índices mais elevados de responsabilidade pessoal e social.
Apesar da contribuição fundamental deste estudo para a compreensão do DPJ e RPS no contexto português, algumas limitações poderão ser apontadas. Este estudo utilizou medidas de autorrelato que poderiam ter sido influenciadas pela desejabilidade social. Deste modo, estudos futuros deverão procurar incluir outro tipo de medidas, por exemplo de heterorrelato, entrevistas, diários, entre outras.
Além disso, parece-nos também fundamental analisar a transferência de competências avaliando quais os valores para a vida que os alunos apreendem com a utilização de um programa de desporto em que o modelo RPS esteja presente. Deste modo, propomos intervenções através da educação física e do Desporto Escolar, onde se utilize um Modelo de DPJ na Educação Física e no Desporto, por forma a aferir se os alunos ao participarem num programa com estas caraterísticas tendem a melhorar os seus comportamentos e atitudes e se colocam em prática nas suas vidas os valores aprendidos.
Com efeito, este estudo destaca a importância da aplicação de um programa em que o modelo RPS esteja incluído, sobretudo em jovens com estas caraterísticas em escolas TEIP portuguesas.














