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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.20 no.3 Lisboa set. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Fractura-luxação de Monteggia

 

Marco SarmentoI; Filipe OliveiraI; Samuel MartinsI; Jacinto MonteiroI

I. Centro Hospitalar Lisboa Norte. Hospital de Santa Maria. Lisboa. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

A fractura-luxação de Monteggia é uma lesão rara, com resultados funcionais menos favoráveis quando associada aos seguintes factores prognósticos: fractura Bado tipo II, fractura tipo IIa de Júpiter, associação com fractura da apófise coronóide e/ou da tacícula radial e complicações com necessidade de revisão cirúrgica. Os autores apresentam a sua experiência no tratamento desta lesão em onze doentes tratados cirurgicamente sendo apresentados os resultados funcionais, as lesões associadas concomitantes e a metodologia de tratamento e as complicações ocorridas.

Palavras chave: Fractura de Monteggia, osteossíntese, artroplastia da tacícula, classificação de Bado.

 

ABSTRACT

The Monteggia frature in adults is a rare injury, associated with bad functional results when the following factors are present: Bado type II frature, Jupiter type IIa frature, association with coronoid frature and/or radial head frature and necessity of surgical revision after the initial surgical treatment. The authors transmit their experience in the treatment of eleven patients with Monteggia frature, describe the associated lesions and how they were treated. The functional results achieved and the complications are reported.

Key words: Monteggia frature, osteossynthesis, radial head replacement, Bado classification.

 

INTRODUÇÃO

A fractura-luxação de Monteggia associa à fractura proximal do cúbito uma luxação da articulação rádio-cubital proximal e deve este epónimo a Giovanni Monteggia que a descreveu pela primeira vez em 1814[1]. A sua classificação radiológica em 4 tipos reflecte, sobretudo, o comportamento biomecânico e fisiopatológico da extremidade proximal do rádio, nomeadamente após os trabalhos de Bado[2]. No tipo I, a luxação do rádio é anterior, no tipo II posterior, no tipo III lateral e no tipo IV ocorre uma fractura simultânea dos dois ossos do antebraço com luxação proximal do rádio. Posteriormente, as fracturas de tipo II foram subclassificadas em 4 grupos: IIa com envolvimento do olecrânio e apófise coronóide, IIb em que a fractura do cúbito se localiza na transição metafiso-diafisária, distal à coronóide, IIc em que a fractura é diafisária e IId com extensão dessa fractura ao segmento médio da diáfise[3, 4] Os poucos trabalhos publicados sobre esta entidade específica são unânimes no que diz respeito à sua pouca frequência, aos resultados funcionais pouco satisfactórios e necessidade frequente de cirurgia de revisão[5-7]. Ainda assim, alguns autores definiram critérios de mau prognóstico como fracturas Bado tipo II, fracturas grupo IIa, associação com fracturas da coronóide e da tacícula radial e complicações com necessidade de revisão de cirurgia[5-7]. A associação desta entidade com outras lesões fracturárias a nível do cotovelo agrava significativamente o seu prognóstico. Comportamentos diferentes têm estas fracturas nas crianças, com resultados na sua maioria bons ou excelentes[8]. Uma das explicações possíveis poderá ser a prevalência do padrão de fractura: tipo I mais frequente nas crianças enquanto nos adultos o padrão mais usual é o tipo II[7-9]. Com este trabalho os autores pretendem avaliar os resultados cirúrgicos nos doentes com fracturas-luxação de Monteggia tratados num período de 8 anos.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Procedeu-se à análise retrospectiva dos processos clínicos dos doentes internados no Serviço de Ortopedia do HSM por fractura-luxação de Monteggia no período de Janeiro de 2002 a Janeiro de 2010. Todos os doentes com evidência radiológica de fractura proximal do cúbito com luxação da articulação rádio-cubital proximal e idade superior ou igual a 18 anos foram incluídos no estudo.

Após revisão do processo clínico e radiográfico dos doentes pesquisados foram incluídos no estudo 11 doentes (6 mulheres (54,5%) e 5 homens (45,5%)) com idade média no momento da fractura de 55, 6 anos (mínimo 21- máximo 74 anos).

As fracturas resultaram de traumatismo de baixa energia em sete doentes por quedas acidentais e de traumatismo de alta energia, no contexto de acidente de viação, em 4 doentes. Em nove doentes (81%) existia uma ou mais lesões traumáticas osteo-articulares associadas à fractura-luxação de Monteggia. O membro não dominante foi o mais lesado (7 em 11 casos).

De acordo com a classificação de Bado 2, a nossa série apresentava a seguinte distribuição: três fracturas tipo I (27%), sete fracturas tipo II (63%) e uma fractura tipo III; não ocorreu nenhuma fractura do tipo IV. As fracturas com luxação posterior da rádio-cubital (tipo II) correspondiam na totalidade ao grupo IIa da classificação de Júpiter e colaboradores3. Nenhuma das fracturas era exposta, pelos critérios de Gustilo e Anderson[10].

A osteossíntese do cúbito foi feita com placa de compressão dinâmica (DCP) ou de contacto limitado (LC-DCP) em oito casos, com banda de tensão em dois casos e com placa de compressão bloqueada e anatómica (LCP) num caso.

A redução da luxação da articulação rádio-cubital foi executada de forma fechada no bloco operatório sob controlo radioscópico. Verificou-se a existência de fractura da tacícula radial em cinco doentes, todos eles em situações de luxação posterior da rádio-cubital proximal. Quatro dessas fracturas da tacícula apresentavam características de cominução (Mason tipo III) e uma Mason tipo II[11].

Nas fracturas Mason III foram efectuadas três taciculectomias e uma substituição artroplástica. Na fractura menos complexa foi realizada uma osteossíntese com parafusos após redução cruenta. 

A fractura da apófise coronóide, com fragmento bem individualizado, estava presente em oito casos: sete em fracturas tipo II e uma no tipo I. Estas fracturas foram estabilizadas individualmente com parafuso ou através da placa.

Dois doentes tinham lesões neurológicas associadas com o mecanismo de lesão inicial com neuropraxia do nervo radial. Num desses doentes a neuropraxia do radial foi associada, não à fractura de Monteggia ou à luxação da rádio-cubital proximal, mas sim a uma fractura diafisária exposta do úmero homolateral.

Em nenhum caso se verificou lesão vascular associada, ou lesão neurológica dos nervos mediano ou cubital. A dor foi graduada em nenhuma, fraca, moderada ou grave na avaliação de seguimento.

A mobilidade do cotovelo em flexão, extensão, pronação e supinação foi aferida e registada com base num goniómetro manual e comparada com o cotovelo contralateral.

A estabilidade do cotovelo foi testada em varo e valgo em extensão de 0º e flexão de 90º e comparada com o membro contralateral, e a instabilidade foi graduada em nula, fraca, moderada ou grave.

A função global do cotovelo foi avaliada pela escala de 100 pontos do cotovelo da Mayo Clinic[12], na qual os resultados são considerados como excelentes (95 a 100 pontos), bons (80 a 94), fracos (60 a 79) ou maus (0 a 59).

As radiografias dos cotovelos foram avaliadas quanto à evidência de consolidação óssea, definida pela presença de pontes ósseas observadas nas duas incidências perpendiculares entre si, evolução para osteoartrose, pelos critérios de Broberg e Morrey[13], e quanto à presença de ossificações periarticulares.

 

RESULTADOS

De acordo com a escala de avaliação para o cotovelo da Mayo Clinic[12], nenhum doente obteve pontuação de excelente, 7 doentes obtiveram resultados bons, 3 doentes razoáveis e 1 doente mau (Quadro I). A média dos resultados obtidos pela escala da Mayo Clinic[12] foi de 73,1 pontos (55-85 pontos) para um tempo de recuo médio de 35 meses (7-84 meses). O pior resultado (55 pontos), ocorreu no único doente submetido a cirurgia por desmontagem de osteossíntese inicial numa fractura tipo IIa, tendo sido realizada inicialmente uma taciculectomia (fractura Mason III), sutura transóssea (fractura da coronóide) e osteossíntese dinâmica com banda de tensão (fractura do cúbito) que teve necessidade de ser convertida ao fim de 3 semanas em osteossíntese rígida do cúbito com placa pré-moldada do olecrânio LCP, osteossíntese da fractura da coronóide com parafuso de compressão e artroplastia da tacícula radial. Verificamos os melhores resultados (2 doentes),  85 pontos, nos doentes em que não ocorreu nenhuma lesão da tacicula radial ou da apófise coronóide associada à fracturaluxação de Monteggia. No nosso estudo aparenta haver um melhor resultado clínico nas fracturas de tipo I (80 pontos) comparativamente às fracturas de tipo II (73 pontos). No grupo das fracturas de tipo I, um doente apresentava avaliação de 70 pontos, que fez diminuir a média de pontuação nesse grupo, cujo resultado menos positivo atribuímos à presença de sinostose rádio-cubital proximal no contexto de fractura segmentar do cúbito e de dor associada à evolução para pseudartrose em fractura diafisária do úmero homolateral, estabilizada com osteossíntese rígida com placa. Neste estudo todas as fracturas de tipo II da classificação de Bado eram de subtipo "a" pela classificação de Júpiter[3, 4]. Nestes casos havia associação com fractura da apófise coronóide em todos os doentes e fractura da tacícula radial em 5. A estabilização da apófise coronóide foi feita em 6 casos com parafuso de compressão isolado ou através da placa de estabilização do cúbito e num caso através de sutura transóssea. Neste último, por falência de osteossíntese inicial, foi convertida a fixação da apófise coronóide em parafuso de compressão ao fim de 3 semanas. Das cinco fracturas da tacícula radial, quatro eram do tipo III da classificação de Mason11 e uma de tipo II. Nesta, o tratamento foi feito através de redução cruenta e osteossíntese com parafuso, enquanto nas fracturas de tipo III, em 3 casos o tratamento inicial foi a taciculectomia e num caso a artroplastia. Num dos casos de taciculectomia, por desmontagem da osteossíntese inicial já descrita, a taciculectomia foi convertida em artroplastia. Na única situação de fractura de tipo III, a fractura do cúbito foi estabilizada com placa LCP após redução cruenta da mesma. Resultou de acidente de alta energia com fractura associada do úmero, do rádio distal e do fémur homolateral. O resultado, na última consulta de seguimento aos 82 meses, era de 60 pontos resultando 15 pontos pela dor, 15 pontos de mobilidade e 20 pontos de função. Dos 11 doentes operados, nove necessitaram de nova cirurgia. Um por desmontagem da osteossíntese inicial com revisão da osteossíntese do cúbito com placa pré-moldada do olecrânio LCP, osteossíntese da apófise coronóide com parafuso de compressão e artroplastia da tacícula radial; um outro por sinostose rádio-cubital proximal (Figura 1) ao fim de um ano de lesão inicial, com remoção do material de osteossíntese (placa do cúbito e parafuso da apófise coronóide, ressecção da sinostose e interposição de fascia ao nível da membrana interóssea rádio-cubital na zona de sinostose) e outro, por evolução para pseudartrose da fractura da apófise coronóide, ao fim de 9 meses, estabilizada inicialmente com parafuso de compressão, tendo sido efectuada a remoção de todo o material de osteossíntese, cruentado o foco de pseudartrose e reinserido o fragmento da apófise coronóide utilizando sutura transóssea. Os outros seis doentes foram submetidos a remoção do material de osteossíntese por conflito mecânico do material ao nível do olecrânio/cúbito. Não houve necessidade de nova cirurgia por evolução para pseudartrose do cúbito ou necessidade de aporte de enxerto ósseo. Em nenhuma das cirurgias iniciais ou subsequentes ocorreu qualquer complicação vascular, neurológica ou infecciosa. Os dois únicos doentes cuja cirurgia inicial foi única, tiveram uma avaliação funcional de 80 e 85 pontos respectivamente. Quatro doentes desenvolveram calcificações heterotópicas peri-articulares sem implicação funcional ou clínica associada em três deles (scores funcionais de 80, 85 e 85 pontos), enquanto outro desenvolveu artrose pós traumática do cotovelo e apresenta o pior resultado funcional da serie (55 pontos). No doente com fractura tipo III, na última avaliação radiológica aos 82 meses, apresentava osteofitose nas margens da cavidade sigmoide do olecrânio, com resultado funcional de 60 pontos.

 

Quadro I

 

Figura 1

 

 

DISCUSSÃO

A fractura-luxação de Monteggia no adulto é uma lesão grave, com prognóstico difícil de determinar e cujo tratamento continua a ser um desafio para o ortopedista, pela raridade da lesão, pela dificuldade de estabelecer algoritmos de tratamento, pela variabilidade de lesões osteoligamentares associadas à fractura-luxação de Monteggia e também pela variabilidade da própria lesão. Os seguintes factores foram associados a maus resultados funcionais e por isso considerados factores de mau prognóstico: fracturas tipo II de Bado, fracturas subtipo IIa de Júpiter, fracturas da tacicula radial, fracturas da apófise coronóide e complicações com necessidade de nova cirurgia. Pela nossa casuística ser pequena não conseguimos corroborar do ponto de vista estatístico estes dados, sendo um facto que o nosso pior resultado foi obtido no único doente com necessidade de revisão de cirurgia por desmontagem de osteossíntese inicial. Os nossos números apontam para uma frequência mais elevada de fractura tipo II em relação às de tipo I nos adultos como aliás referido na literatura, e em termos médios os resultados são piores (73,5 pontos vs 80 pontos). Salientamos que nos onze doentes operados, a fractura-luxação de Monteggia nunca foi uma lesão isolada: cinco doentes apresentaram fractura associada da tacícula radial; oito com fractura associada da apófise coronóide; dois com fractura do côndilo umeral; três com fractura diafisária do úmero homolateral e três doentes com lesões fracturarias associadas noutra localização que não o membro superior afectado. Outro aspecto negativo na nossa série foi a necessidade de nova cirurgia: nove em onze doentes (81% dos casos), se bem que na maioria das situações o motivo da reintervenção foi o conflito mecânico dos implantes com necessidade de remoção dos mesmos. Priveligiámos a osteossíntese rígida da fractura do cúbito/olecrânio por sistema, com excepção de 2 casos onde a estabilização foi feita com banda de tensão, com desmontagem precoce num deles e necessidade de conversão em osteossíntese rígida com placa. Nos dez doentes estabilizados definitivamente com placa ocorreu sempre a consolidação da fractura. Embora esta revisão clínica tenha um número limitado de doentes, e seja um estudo retrospectivo sem um grupo de controlo devemos alertar os doentes para a gravidade prognóstica inicial e do risco acrescido de reintervenção cirúrgica por complicações associadas, e sensibilizar a comunidade ortopédica para a necessária identificação das lesões associadas muitas vezes presentes. A osteossíntese rígida do cúbito utilizando sempre que possível placas dedicadas a par do tratamento das lesões associadas quer da coronóide quer da tacícula radial constitui a metodologia de tratamento mais adequada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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13. Broberg MA, Morrey BF. Results of delayed excision of the radial head after fracture. J Bone Joint Surg Am. 1986 Jun; 68 (5): 669-674

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Rua Corpo Nacional de Escutas Lote 60
2º C
2790-799 Amadora
Portugal
marco.sarmento@sapo.pt

 

Data de Submissão: 2012-04-01

Data de Revisão: 2012-05-03

Data de Aceitação: 2012-07-01

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