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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.20 no.4 Lisboa dez. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Critérios imagiológicos da instabilidade femoro-patelar por ressonância magnética

 

Maria Margarida RibeiroI, II; Fábio NogueiraI, III; José SardinhaIV, V; José Henrique JonesVI

I. Clinica Ortopédica do Montijo. Montijo. Portugal.
II. REMAGNA. Portugal.
III. José de Mello Saúde. Hospitais Cuf Descobertas e Cuf Infante Santo. Lisboa. Portugal.
IV. Serviço de Imagiologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte. Hospital de Santa Maria. Lisboa. Portugal.
V. Departamento de Anatomia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa. Portugal.
VI. Instituto Politécnico de Lisboa. Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa. Lisboa. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objetivo: Este estudo visou avaliar a adequação da Ressonância Magnética (RM) na determinação de indicadores da instabilidade femoro-patelar em exames de RM do joelho.
Material e Métodos: A amostra foi constituída por 200 imagens adquiridas a partir de 50 RM(s) do joelho e sobre as quais incidiram os procedimentos de medida. Apenas 4 pacientes vinham referidos por alterações do
aparelho extensor ou da cartilagem rotuliana. Foram calculados os valores do Índice Insall & Salvatti (ISI), ângulo do sulco troclear, ângulo de inclinação da rótula e o deslocamento da rótula, por dois observadores em
condições de independência. Nos procedimentos de medida utilizaram-se imagens das ponderações WFS T2*TRS e DP SAG.
Resultados: Os valores obtidos de ISI em 49 dos casos sugeriram ser normais para a posição da rótula (≤1,3cm). Os valores do ângulo de inclinação externa da rótula indicaram haver fatores predisponentes para a displasia
troclear em 17 dos 50 casos com ângulos de abertura interna e inclinação (≥ 11º). O ângulo do sulco troclear apresentou-se displásico em 24% da amostra com valores (> 150º). Para o deslocamento externo da rótula,
verificou-se que em 39% dos casos a distância assumiu valores negativos (deslocamento externo) superiores a -20mm.
Conclusões: Pensa-se ser possível, sem custos acrescidos, desenvolver um algoritmo que determine os valores de referência e métodos standardizados aplicáveis ao despiste de instabilidade da rótula, sempre que é solicitado um exame RM do joelho, mesmo que a referenciação clínica admita diferente causa. Os equipamentos de campo aberto ou de configuração cilíndrica podem contribuir como um recurso eficaz no rastreio desta patologia.

Palavras chave: Ressonância Magnética, instabilidade femoro-patelar, indicadores de medida.

 

ABSTRACT

Objectives: This study aimed to evaluate the relevance of magnetic resonance imaging (MRI) of the knee to determine indicators of patellofemoral instability.

Materials and Methods: The sample consisted in 200 measurements performed in images from 50 patients. Concerning the clinical indication only 4 patients reported problems in the extensor system or patellar cartilage. The images included in the sample were measured by two independent observers. In the measurement procedures were used images in T2*TRS WFS and PD SAG sequences. The parameters calculated were the Insall & Salvatti Index (ISI), angle of the trochlear groove, patellar tilt and displacement of the patella.

Results: In 49 cases the ISI values obtained suggested being normal for the position of the patella (≤ 1.3 cm). The values for inclination patella’s angle indicated an external predisposition factor for trochlear dysplasia in 17 of 50 cases with opening and internal angles and tilt (≥ 11O). The angle of the trochlear groove is dysplastic in 24% of the sample with values > 150O. For the external displacement indicator, it was found that 39% of the cases the distance was negative above -20 mm (external displacement).

Conclusions: It is possible, without additional costs, to develop an algorithm to determine the reference values to be used, for screening of instability of the patella from an MRI examination of the knee, even if the referral clinic admits different pathology. The MR open field or cylindrical type may be an efficacy method of screening for this pathology.

Key words: Magnetic resonance imaging, patellofemoral instability, measurement indicators.

 

INTRODUÇÃO

A rótula é o sesamoide envolvido na biomecânica da articulação do joelho e faz parte integrante do mecanismo do quadricípite. Tem as funções de incrementar o poder mecânico do aparelho extensor e proteger a articulação do joelho[1-2].
A dor da região anterior do joelho foi desde o início do séc. XX até cerca dos anos 60 atribuída a lesões condrais. Nos anos 70 este conceito modificou-se, passando a relacionar-se a dor da região anterior do joelho com o desalinhamento da rótula. Devido à vasta evidência produzida, sabe-se hoje, que num elevado subgrupo de doentes com esta patologia, a dor é justificada pela enervação da interface do osso subcondral[1, 2].
Devido ao desenvolvimento das técnicas cirúrgicas, hoje o número de cirurgias quase triplicou e não é consensual que o desalinhamento que causa instabilidade da rótula possa estar diretamente associado a dor no compartimento anterior do joelho[1].
Pela sua complexidade, é confusa a identificação dos padrões que remetem para os síndromes associados, criando alguma ambiguidade de designações e podendo as mesmas serem adotadas indistintamente pelos diferentes autores. A terminologia usada para descrever a instabilidade pode ser incorretamente apresentada como desalinhamento, luxação e subluxação ou síndrome de hiperpressão externa da rótula[1, 6, 7, 10, 12].
Os movimentos da rótula são complexos e a articulação é provida de elevada vulnerabilidade, sendo suscetível de apresentar vários tipos e graus de instabilidade[1].
O desalinhamento patelar é definido como um deslizamento anormal da rótula no sentido externo, uma angulação externa excessiva ou a coexistência de ambas as situações[1]. É atribuído ao deslocamento anormal da rótula durante o movimento de flexão do joelho e é uma consequência, entre outros fatores, da instabilidade femoro-patelar[8]. Os fatores anatómicos predisponentes são o aumento do valor do ângulo Q, anteversão do colo femoral, joelho valgo, tíbia vara ou em excessiva rotação externa, displasia troclear, patela alta, e displasia patelar, sendo a incompetência do ligamento rotuliano interno o fator major[1, 3, 12].
A patela alta é uma alteração em que a rótula se encontra na sua posição quase normal em relação à tróclea e é acompanhada de alterações anatómicas. A patela baixa é um deslocamento inferior da rótula em relação àtróclea e está habitualmente associada a síndromes pós-cirúrgicos, alterações neurológicas ou síndromes póstraumáticos[4].
Na luxação, o deslocamento externo é bastante mais frequente do que o interno, que quando ocorre é tipicamente de natureza iatrogénica. A área de contacto da rótula com a superfície articular femoral não excede 1/3, nunca atinge a tíbia e o contacto é mais acentuado na flexão a 45º[1]. Para esta situação concorrem alterações na bolsa de Hoffa, síndrome de Osgood Shlatter, síndrome de Sinding Larsen Johanson e alterações aos valores normais do ângulo Q (até 10º para os homens e até 15º para as mulheres) [12] e rótula em posição alta.
Alterações das inserções dos músculos vasto interno, médio, quadricípite, tendão rotuliano, retinaculum e ligamento femoro-patelar, bem como joelho vago ou recurvatum são outros fatores que podem contribuir para a instabilidade da rótula. A laxidão ligamentar associada às síndromes de Ehlers-Danlos ou Marfan são também fatores predisponentes[5]. Estudos efetuados com cadáveres revelam que o ligamento femoro-patelar interno suporta 50 a 60% da força de resistência estática interna necessária para provocar um deslocamento significativo da rótula. Tem a forma de uma ampulheta e mede cerca de 13 cm[1, 5, 12].
A instabilidade femoro-patelar pode ser classificada como aguda ou crónica. A aguda refere-se a um episódio traumático inicial no qual a rótula se desloca lateralmente, enquanto a instabilidade crónica pressupõe deslocações recorrentes. Integra um conjunto de síndromes que assumem diferentes classificações de acordo com os diferentes autores. Neste estudo foi considerada a classificação proposta por Insall[6].
A luxação primária consequente à instabilidade da rótula ocorre normalmente com os movimentos bruscos de torção do joelho, durante os quais pode ocorrer a rutura dos ligamentos estabilizadores e o contacto da rótula com o côndilo femoral externo. A partir desta fase, com a perda de função dos ligamentos, a luxação recidivante torna-se muito provável[5].
O quadro clínico típico é caracterizado por dor retropatelar mais frequentemente do lado interno, exacerbada por certos movimentos associados à flexão/extensão do membro e à duração de alternância destas posições (sinal do cinema, cócoras ou subir e descer escadas)[6]. Quando ocorre luxação crónica associada ao quadro de instabilidade, existe destruição progressiva da cartilagem articular e erosão do ápex e da vertente interna do côndilo externo, podendo ainda ocorrer a lesão típica em forma de lágrima no ligamento femoro-patelar interno. Outros sintomas podem estar associados tais como crepitação, bloqueios, ressaltos, e edemas peri-patelares. Quando a erosão condiliana atinge proporções mais elevadas pode evoluir para osteoartroses da faceta articular externa[5, 6].
A síndrome de pressão externa pode ocorrer a partir de um desalinhamento com comprometimento do mecanismo femoro-patelar, porém, para muitos autores o desalinhamento não é mais do que um incorreto posicionamento da rótula, assumindo uma deficiente relação estática entre esta, as partes moles peri-patelares e os eixos femorais e tibiais[2, 12].
As opções de tratamento conservador da Instabilidade da rótula, com luxação, passam por um reforço muscular sobretudo dos músculos vastos interno e externo, do reto anterior e do quadricípite. Podem ser adotadas as técnicas de fisioterapia, utilização de fixadores, imobilizadores ou aplicação de ortóteses. No caso de correção cirúrgica, as técnicas incluem o reforço da porção interna da rótula, reconstrução vs. fixação do ligamento femoro-patelar, trocleoplastia, medialização da tuberosidade anterior da tíbia ou remoção da plica da cápsula interna[6, , 12].
As alterações femoro-patelares representam 20-40% de todas as patologias desta articulação, são mais frequentes no género feminino e podem ser uma das queixas mais comuns na população ativa, levando ao absentismo[3, 5].
Entre as alterações femoro-patelares a instabilidade é uma das mais frequentes síndromes clínicas.
A compreensão desta problemática requer um bom conhecimento da anatomia e biomecânica da articulação femoro-patelar uma consistente história clínica, um exame físico completo e rigoroso, exames complementares de diagnóstico conclusivos, bem como um conhecimento dos princípios e indicações de tratamento[1].

 

EXAMES RADIOLÓGICOS

Os estudos de imagem por Radiologia Convencional (RC) apresentam limitações pela fraca sensibilidade do método para as estruturas de tecidos moles. Ainda assim, têm sido usados frequentemente o perfil do joelho ortostático com flexão a 30º para determinação da altura da rótula ou em alternativa a determinação dos índices de Insall & Salvati ou Canton-Déschamps utilizando a mesma incidência[12]. A incidência em perfil estrito permite avaliar – segundo Déjour – a geometria da tróclea, o sinal do cruzamento e a profundidade do sulco.
Para avaliação das suas facetas e caracterização dos 6 tipos de configurações das rótulas propostos por Winber e Baumgartl, este método torna-se insuficiente por apresentar apenas uma representação biplanar da rótula.
A avaliação da rótula em projeção axial permite avaliar o ângulo de congruência do sulco, a posição rotuliana relativa ao sulco, a altura da entrelinha articular, alterações ósseas e a forma da rótula[12]. A sua abordagem pode seguir a avaliação do método de Merchant ou o método proposto por Laurin, considerados como os mais fiáveis, em alternativa à incidência axial. A avaliação do ângulo de congruência de Merchant requer uma abordagem axial da rótula em que o raio incidente (supero-inferior) é perpendicular à posição do detetor e a perna faz um ângulo de 45º com a coxa. Para a realização desta incidência é necessário um suporte complexo e não disponível no mercado. Muitos Técnicos de Radiologia optam por efetuar a incidência em abordagem infero-superior em que o paciente sustenta, a meio da coxa, o detetor com as próprias mãos e com um grau de flexão de 45º (aproximadamente) da articulação do joelho.
A desvantagem desta técnica é que a posição do doente é instável, caso não seja apoiada por um suporte adequado, e o detetor também fica numa posição instável por ser fixado pelo próprio doente. Para além destas desvantagens acresce a incidência do feixe principal de Rx (Radiação Ionizante) a qual se projeta na direção do tronco do doente[6, 12, 13].
A determinação do valor TA-GT por Tomografia Computorizada (TC) para avaliação do deslizamento rotuliano, para ser fiável deve, pelo menos, incluir 3 conjuntos de exposições a diferentes graus de flexão do joelho ou com diferentes graus de contração do quadricípite. Surgiram algumas variantes do método o qual se tornou banal a partir dos anos 80. Sendo que a instabilidade femoro-patelar tem uma elevada incidência em indivíduos jovens a partir os 10-15 anos de idade onde a probabilidade da divisão e crescimento celular é considerável, alerta-se para o envolvimento de uma quantidade significativa de radiações ionizantes com a aplicação desta técnica[1-5, 12].
Alguns autores consideram indispensável a avaliação métrica dos membros inferiores em pangonograma ortostático com apoio bipedal para avaliação do alinhamento femoro-tibial[6]. Como alternativa aos métodos e técnicas anteriormente abordados surge a Ressonância Magnética (RM) como um método fiável no diagnóstico e na identificação de fatores de risco para a instabilidade patelar crónica e na avaliação de lesões articulares do joelho associadas à luxação da patela, podendo assim, fornecer informações importantes para o tratamento personalizado e de rigor desta patologia[5].
Uma abordagem da correlação entre a avaliação electromiográfica e as medidas obtidas por RM revelou que os valores mais elevados da atividade elétrica do reto anterior e o deslocamento lateral externo da rótula constituem indicadores de instabilidade[7]. Outro estudo determinou o intervalo de comprimento do tendão patelar em relação ao comprimento da patela, através da Ressonância Magnética do Joelho, a fim de auxiliar no estabelecimento de critérios para o diagnóstico de patela alta e baixa[4]. O estudo de Carrilon provou haver reprodutibilidade na avaliação por RM da displasia troclear[8].
A RM, para além da determinação dos parâmetros da instabilidade da rótula tem sido também considerada muito útil na avaliação da cartilagem articular femoro-patelar e no estudo dinâmico para despiste das alterações femoro-patelares[5, 10].
Este estudo teve como objetivo especular a adequação da utilização do exame de RM do joelho para a quantificação de medidas que sirvam de indicadores da instabilidade femoro-patelar. Pensa-se ser possível calcular valores de referência a partir das imagens obtidas num exame de RM que segue um protocolo standard mesmo que a hipótese clínica a esclarecer, a qual justificou o exame, apresente causa diferente.

 

METODOLOGIA

Tratou-se de um estudo exploratório e analítico com recolha retrospetiva de dados.
Foram selecionados sequencialmente todos os exames (N=50) de RM de joelho do sistema PACS (Picture Archiving and Communication System) realizados entre dezembro de 2010 e fevereiro de 2011 numa clínica privada da região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo.
Tratou-se duma amostra não probabilística dirigida por tipicidade. Foram observadas as condições éticodeontológicas tendo-se obtido a autorização do responsável clínico da instituição ao abrigo do artigo 7º da Lei nº 67/98, atendidas as orientações da Comissão Nacional de Proteção de Dados e dos artigos 3º nº 1 e 4 da lei 12/2005.
Foram observados o anonimato identitário dos indivíduos e respeitados os princípios da não discriminação, proporcionalidade e conservação da informação.
A referenciação clínica constante nas fichas dos doentes assumia diferentes hipóteses de diagnóstico sendo que a grande maioria se referia a: sequelas traumáticas, patologia inflamatória, meniscoligamentar e uma pequena percentagem por algias ou alterações inespecíficas. Dos 50 casos apenas em 4 requisições eram referidas alterações do aparelho extensor ou lesões condrais.
Os exames foram obtidos num equipamento da marca Hitachi modelo ARIS ® Elite, com um magneto permanente de campo aberto e 0,3 T de intensidade de campo magnético.
A amplitude dos gradientes é de 21mT/m com um Slew rate de 55 Vμs. A abertura anterior é de 210º panorâmicos com 2 pilares laterais para a sustentação da componente superior do magneto. Em todos os exames foi usada uma bobina dedicada, de deteção em volume com 17cm de diâmetro. Os pacientes ficaram imobilizados e deitados em decúbito dorsal em orientação feet-first quanto ao isocentro do magneto, a posição do membro inferior não teve qualquer rotação do eixo tibial e ficou em extensão, o que não é indiferente uma vez que a rótula se pode mover até cerca de 6 cm no sentido longitudinal ao longo da tróclea, com a flexão do joelho.
As 200 imagens incluídas na amostra foram medidas por dois observadores com experiência em exames de RM osteoarticular, em condições de independência. Cada exame foi gravado num CD-ROM e para os procedimentos de medida foi usada a aplicação Hitachi Dicom Viewer™. O tratamento dos dados foi feito com recurso à aplicação SPSS®(Statistic Package for Social Sciences) - versão 15.0 para Windows. Todos os protocolos, depois de efetuada a sequência localizadora, incluíram as seguintes sequências de pulso, ponderações e orientações espaciais: DP SAG (Densidade Protónica Sagital); DP COR (Densidade Protónica Coronal) com saturação de gordura, STIR COR (Short Taw Inversion Recovery), DP SAG com cortes de 1,5mm dirigido aos ligamentos cruzados, T2 SAG, WFS T2* SAG (Water Fat Separation T2* Sagital) e WFS T2* TRS (Water Fat Separation T2* Transversal). Apenas nos doentes com referência a lesões condrais se aplicou uma sequência 3D com cortes de 0,5mm para apreciação pormenorizada da cartilagem e ligamentos rotulianos. Para efetuar os procedimentos de medida utilizaram-se as imagens das sequências WFS T2*TRS (plano axial) e DP SAG (orientação sagital), com os parâmetros de aquisição apresentados nas tabelas 1 e 2 respetivamente.
A escolha das duas sequências deveu-se ao facto de nas imagens obtidas em DP SAG ser evidenciado o tendão rotuliano e a rótula em perfil. As imagens obtidas em WFS T2* foram escolhidas por permitirem o estudo do sulco troclear, o deslocamento e a inclinação da rótula.
A técnica WFS T2* é uma sequência em Gradiente Eco que obtém as imagens da água e da gordura em diferentes frequências de ressonância visto que a magnetização transversal da água decai mais rapidamente que a da gordura. Nesta sequência existe um TE (tempo de eco) efetivo e um segundo valor de TE. Há portanto, duas recolhas de sinal, uma no tempo em que os protões da água e da gordura se encontram em fase e outra no segundo tempo, separado do primeiro de 3,4 ppm, estando os protões da água e da gordura desfasados. As imagens resultantes, após processadas estão no mesmo plano espacial, uma com realce das estruturas líquidas e cartilagíneas e outra com realce da gordura e tecidos. Desta sequência foram selecionadas, para as medidas necessárias, as imagens com realce da água e apagamento da gordura[14].
De acordo com a classificação da escola Lyonnaises são quatro os principais fatores para determinar a instabilidade patelar:
a) displasia troclear,
b) valor do índice TA-TG,
c) ângulo de inclinação da rótula
d) posição da rótula[10].
Neste estudo foram obtidos os valores do Índice Insall-Salvatti para avaliação da posição da rótula (Figura 1), ângulo do sulco troclear para avaliar a displasia troclear (Figura 2), o deslocamento da rótula (Figura 3) e o ângulo de inclinação da rótula (Figura 4). Para os procedimentos de medida foi seguido o método usado por Ribeiro A. et al [7].

 

Quadro I

 

Quadro II

 

 

 

 

 

 

RESULTADOS

Foram incluídos e analisados todos os casos (N=50) e feitas medições em 200 imagens. A normalidade da distribuição dos sujeitos foi calculada pelo teste de ajustamento K-S com correção de lilliefors tendo-se aceitado a hipótese da normalidade da amostra. Os resultados descritivos da amostra foram obtidos a partir da média de valores medidos pelos dois observadores em condições de independência. A média de idades foi 43,6 anos com um mínimo de 15 e um máximo de 79 anos e um desvio padrão de ±16,28. O comprimento médio da rótula foi de 43,52 mm e o comprimento do tendão rotuliano 43,98 mm. O desvio padrão foi ±4,54 e ±5,47mm respetivamente.
O Índice Insall & Salvati variou entre 0,75 e 1,38 cm com uma média de 1,02 cm e um desvio padrão de ±0,13789. Este indicador em 49 casos apresentou valores ≤ a 1,3 cm considerados dentro da normalidade. O ângulo de inclinação rotuliano teve uma variação entre o valor máximo e mínimo de 20,4º e o seu valor médio foi 9,74º. Apresentou valores inferiores a 11º para 33 casos (66%) e 17 casos com valores ≥ a 11º (34%). O ângulo do sulco da tróclea obteve também uma variação considerável (33,3º) e um valor médio de 146,6º.
Apresentou, para 38 casos (73%), valores ≤ a 150º e para os restantes 24% valores superiores a 150º.
Para o indicador deslocamento externo da rótula, verificou-se que em 39% dos casos a distância assumiu valores negativos (deslocamento externo) acima de -20mm.
Os valores de cut off considerados foram descritos por Diederichs G. et al em 2010.

 

DISCUSSÃO

Foram avaliados 4 indicadores de medida para a instabilidade da rótula sendo que 3 deles pertencem aos 4 parâmetros sugeridos por Berruto M. et al em 2010, nomeadamente ângulo de inclinação da rótula, ângulo do sulco troclear e posição da rótula pelo índice de Insall & Salvati (ISI) [10]. O quarto indicador sugerido por este autor, o valor do TA-GT não foi calculado pela necessidade de sobrepor duas imagens em planos diferentes e haver limitações quanto à aplicação Dicom Viewer utilizada.
Adotando a referência de Diederichs G. et al [5], dos valores obtidos para o índice ISI, (±2SD) verificou-se que, com uma sensibilidade de 78% e uma especificidade de 68%, em 49 dos casos os valores obtidos sugeriram ser normais para a posição da rótula (≤1,3 mm). Outros estudos consideram valores de referência diferentes nomeadamente Shabsshin N. et al [4]. Para estes autores a rótula estará em posição alta com um ISI acima de 1,5 mm e baixa, abaixo de 0,74 mm. Existem diferentes valores propostos por outros autores para a determinação de rótula alta/baixa [6, 11]. Evidencia-se, no entanto, que os valores são determinados por diferentes métodos como por exemplo o de Canton-Déchamps ou, mesmo que sejam pelo ISI, os valores são obtidos por Radiografia Convencional podendo sofrer variações devido ao método de aquisição de imagem por RM, utilizado neste estudo, ter uma maior precisão. Para além disso, existe alguma controvérsia sobre a influência da posição do joelho sobre o ISI quando este é calculado num radiograma (flexão do joelho a 30º) ou por RM (membro inferior em extensão)[4, 15].
Para os valores do ângulo de inclinação externa da rótula, para uma sensibilidade de 93% e especificidade de 87%, os valores obtidos neste estudo indicam haver fatores predisponentes para a displasia troclear em 17 dos 50 casos com ângulos abertos para o lado interno e inclinação superior a 11º. Nas medições por TC estes valores são muito díspares. Gamela J. padronizou o valor de 20,8º com o joelho em extensão como sendo o valor normal[5, 6, 10].
Alguns autores fazem, contudo, referência ao facto de, caso se utilize o método de Laurin o doente deve fazer uma flexão de 20º[6], o que na RM não acontece devido ao quadricípite estar relaxado. Existe controvérsia quanto à fiabilidade deste critério havendo mesmo a assunção de que um moderado ângulo de inclinação da rótula pode ser normal com a flexão do joelho ou na presença de edema da bolsa de Hoffa[7]. Havendo presença de edema intra-articular notar-se-á um aumento da entrelinha femoro-patelar que em condições normais varia entre 6 e 7 mm[1, 5].
O ângulo do sulco troclear apresentou-se displásico em 24% da amostra com valores superiores a 150º indicando aplanamento da superfície articular do joelho em projeções axiais. Note-se, porém, que este valor foi transposto da TC e que para alguns autores este método não é reprodutível para além de subestimar o valor do ângulo[5, ].
Os valores obtidos para o deslocamento externo da rótula relativamente à tróclea mostraram que em 39% dos casos a distância assumiu valores negativos superiores a -2,0 cm (deslocamento externo). Em 6% dos casos os valores do deslocamento da rótula foi próximo de zero [-1,02cm; 0,31cm] e apenas em 5% os valores foram positivos entre [1,003cm; 2,1cm] indicando desvio da rótula no sentido interno. Este indicador está relacionado com o ângulo de inclinação da rótula e com as diferenças no comprimento das vertentes da tróclea. Verificou-se, neste estudo, que num grupo de doentes referidos para RM para despiste de causas associadas a patologia maioritariamente articular, que não instabilidade femoro-patelar, se encontraram 12 casos com 2 critérios sugestivos de instabilidade da rótula. Pensamos que estes resultados poderiam ter maior fiabilidade se na amostra o número de casos em género fosse equilibrado visto esta patologia ser mais frequente no género feminino. Na amostra o número de homens foi 41 e de mulheres 19.
Os valores obtidos são consonantes com outros estudos realizados para a determinação dos valores do parâmetros de instabilidade por RM [1, 4, 5, 8, 10].
Constata-se que os valores de referência previamente propostos para os indicadores de instabilidade da rótula se baseiam nos incidentes ósseos anatómicos, calculados através das imagens de RC ou TC, os quais foram transpostos diretamente para a RM[5]. Pensa-se que, devido a este último método ser mais sensível e especifico para estruturas ligamentares, tendinosas e representação tridimensional, é necessário desenvolver novos estudos para um ajuste/determinação de novos valores de referência adaptados à RM.
Reconhece-se como grande limitação da RM para estudo da articulação do joelho o facto de não permitir efetuar estudos em carga.
Verificou-se que todos os indicadores podem ser calculados por RM com uma maior precisão por haver, com as sequências de supressão da gordura uma clara visualização da cartilagem articular e das referências anatómicas musculo-tendinosas[4, 10]. A RM é um método fiável e reprodutível [8] embora tenha vindo, até agora, a ser utilizada para outros fins, mais do que para a determinação dos parâmetros da instabilidade fémoro-patelar [10] por ser considerado por alguns autores um método menos acessível e mais dispendioso[6].
Há ainda a considerar outras vantagens da RM tal como a ausência de radiação ionizante, proporcionar informação óssea e cartilagínea, avaliar a articulação do joelho em extensão tal como na TC, fornecer, com elevada sensibilidade e especificidade, informação acerca das estruturas tecidulares para a deteção de lesões associadas e ter a possibilidade de apresentar estudos dinâmicos nos equipamentos de campo aberto[10]. Esta última particularidad e permite, à posteriori, um processamento em 3D ao qual se associa animação com a função cine para melhor apreciação da biomecânica da articulação[1, 6, 10].
Como limitações do estudo considerámos não terem sido avaliados os restantes indicadores tais como o ângulo de congruência ou os diferentes tipos de rótula, o facto de não ter sido possível efetuar uma correlação com a clínica, visto o estudo ser retrospetivo e os doentes terem sido referidos por hipóteses de diagnóstico que não instabilidade femoro-patelar e a amostra ter sido predominantemente masculina.

 

CONCLUSÃO

Tal como estudos anteriormente efetuados concluímos que a RM pela sua sensibilidade e especificidade para a patologia articular e referências anatómicas é um método fiável para avaliar os indicadores de instabilidade da rótula. Neste estudo em que, de 50 doentes, apenas 4 referiam patologia que indiciava instabilidade femoral, foram encontrados 12 doentes que incluíam, pelo menos, 2 critérios positivos para essa alteração. Se a amostra fosse aleatorizada os valores poderiam ser superiores. Tendo a patologia femoro-patelar uma incidência de 20- 40% pensamos que a RM poderá constituir um método de rastreio nos pacientes com fatores de risco conhecidos para esta síndrome. Para tal, sugere-se o desenvolvimento de critérios metodológicos, standards e orientações para esta síndrome, por Ressonância Magnética, sobretudo dirigidos aos equipamentos de campo aberto ou cilíndricos por serem os que têm maior versatilidade e permitirem exames a um menor custo.
Os valores de referência utilizados para determinação da instabilidade femoro-patelar não poderão ser os utilizados na RM ou na TC.
Adequado às vantagens da RM nesta patologia, de acordo com o objetivo proposto, pensa-se ser possível desenvolver um algoritmo baseado no cálculo de valores de referência a ser aplicado no despiste de instabilidade da rótula sempre que é solicitado um exame de RM do joelho e mesmo que a referenciação clínica admita diferente causa.
Este procedimento não implicará acréscimo de custos visto serem utilizadas as sequências standard para estudo do joelho por RM, não sendo necessário obter mais sequências por exame.

 

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Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Maria Margarida Ribeiro
Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa
Av. D. João II, Lote 4.69.01
1990-096 Lisboa
Portugal
margarida.ribeiro@estesl.ipl.pt

 

Data de Submissão: 2012-04-12

Data de Revisão: 2012-07-17

Data de Aceitação: 2012-07-18

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