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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.20 no.4 Lisboa dez. 2012

 

CASO CLÍNICO

 

Fixação posterior C1-2 com parafusos translaminares para os odontoideum com instabilidade atlanto-axial

 

Diogo FerrazI; Bruno CarvalhoI; Pedro SilvaI; Rui RochaI; Luís MiragaiaI; Maia GonçalvesI; Paulo PereiraI; Rolando FreitasI

I. Serviço de Ortopedia.Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/ Espinho. Vila Nova de Gaia. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objectivos: descrever uma técnica cirúrgica de artrodese C1-C2 numa doente com os odontoideum distópico com instabilidade atlanto-axial.
Métodos: doente de 63 anos, sexo feminino, sem antecedentes traumáticos conhecidos. Início insidioso de radiculopatia bilateral irradiada aos membros superiores associada a dor cervical posterior. A radiologia convencional demonstrou os odontoideum com instabilidade atlanto-axial. A RMN confirmou o diagnóstico e evidenciou mielomalácia pelo nível. A Tomografia Computorizada pré operatória efetuou - se para confirmar a possibilidade da fixação aparafusada. Foi realizada a artrodese C1-C2 com parafusos poli-axiais em C1 às massas laterais e translaminares em C2 sendo o nível estabilizado por 2 barras longitudinais.
Resultados: o recuo obtido foi de 20 meses. No acto cirúrgico verificou-se uma correcta execução técnica sem complicações neuro-vasculares. Não se registou falência de material ou instabilidade no período de seguimento estudado. A paciente referiu melhoria das queixas algicas no pós operatório imediato e resolução da sintomatologia neurológica aos 3 meses.
Conclusões: a fixação translaminar cruzada em C2 é uma opção cirúrgica de baixo risco para fixação C1-C2 em doentes com instabilidade a esse nível e com taxas de fusão óssea da ordem dos 97%.

Palavras chave: Artrodese atlanto-axial, parafusos translaminares, os odontoideum.

 

ABSTRACT

Objective: describe a surgical technique of C1-C2 arthrodesis in a patient with dystopic os odontoideum and atlantoaxial instability.

Methods: a 63 – year – old woman without history of known trauma. Insidious onset of bilateral radiculopathy radiated to the upper limbs associated with posterior cervical pain. Conventional radiology demonstrated os odontoideum with atlanto-axial instability. MRI confirmed the diagnosis and showed the level of myelomalacia. The preoperative CT scan is mandatory to confirm the possibility of fixing screws. Arthrodesis was performed C1-C2 level with poly – axial screws. C1 screws were directed to lateral masses. For fixation of C2 the screws were place within the crossing laminas. Both structures were stabilized by two longitudinal bars.

Results: the follow up period was 20 months. During surgery a correct implementation technique occurred without neuro – vascular complications. No hardware failure or instability was noted during the follow up period. The patient reported improvement of pain complaints in the immediate postoperative period andresolution of neurological symptoms at 3 months. Conclusions: atlantoaxial fixation with bilateral, crossing C-2 translaminar screws is a low-risk surgical option in patients with instability at this level and presents bone fusion rates of 97%.

Key words: Atlantoaxial fixation, translaminar screw, os odontoideum.

 

INTRODUÇÃO

O os odontoideum é uma estrutura óssea individualizada com margens arredondadas de osso cortical cuja dimensão aproximada é a metade da apófise odontoide.
A sua etiologia como processo idiopático ou pós-traumático é ainda tema de debate [1]. Casos de prevalência familiar apontam para uma natureza congénita; em doentes com patologia óssea de base, como hipoplasia cervical, a hiperlaxidez ligamentar predispõe à origem traumática do os odontoideum [2,3].
A apófise odontoide inicia o seu processo de calcificação entre o primeiro e quinto mês de via intra – uterina tendo no seu ápex um centro de ossificação secundário – o ossiculum terminale[1].
Esta estrutura mantem- se aproximadamente constante até ao terceiro / sexto ano de vida sendo que a partir dessa idade desenvolve- se progressivamente acabando por se integrar no corpo da apófise odontoide aproximadamente aos doze anos.
De acordo com a sua localização os odontoideum tem sido classificado em dois tipos anatómicos: ortópico se  apresenta mobilidade associada ao arco anterior do atlas isto é na sua posicação anatómica ou distópico no caso da sua localização ser adjacente à goteira basilar[2]. Em casos de os odontoideum congénito distópico admitem – se duas possibilidades: primeira um anormal desenvolvimento dos ligamentos alares com consequente tração sobre centro de ossificação para a proximidade goteira basilar; segunda o os ondontoideum ter origem num esclerótomo occipital e não em esclerotomos cervicais, como acontece num desenvolvimento normal, manifestando – se assim como um elemento ósseo acessório[2]. O os odontoideum pode condicionar uma instabilidade atlanto-axial. Dependendo do grau de severidade tem como apresentação mais usual: dor cervical, limitação do arco de movimento cervical, omalgias e parestesias irradiadas aos membros superiores. Em casos severos pode condicionar compressão medular grave com aparecimento de tetrapasésia ou morte [4]. Não está descrito nenhum método conservador eficaz para a estabilização da articulação atlanto-axial, assim doentes com os odontoideum com dor, instabilidade C1-C2 ou deficits neurológicos devem submeter -se a redução cirúrgica e estabilização posterior [5]. Várias técnicas de fixação posterior e instrumentação a nível C1-C2 têm sido descritas na literatura. Desde Gallie que descreveu a artrodese  atlanto-axial utilizando uma cerclage posterior associada a enxerto ósseo autólogo, vários autores registaram alterações neste procedimento utilizando técnicas de aramagem ou clamps interlaminares [6]. Mais recentemente a fixação aparafusada com parafusos trans-articulares C1-C2 ou C1 massas laterais – C2 fixação pedicular têm sido utilizadas na estabilização da articulação atlanto-axial.  Estes procedimentos conferem uma maior rigidez do que a aramagem sublaminar[5]. No presente estudo foi testada a técnica de fixação C1 – C2 originalmente descrita por Leonard and Wright em 2004, através da utilização de parafusos polaxiais cruzados às laminas de C2 e paralelos às massas laterais de C1 à qual estão atribuidas vantagens significativas sobre as técnicas prévias no que refere à fixação atlanto-axial.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O instrumental utilizado foi constituído por 4 parafusos poli -axiais rosca total autotradantes com angulação até 45o : C1 - 2 parafusos 35 x 22 mm; C2 - 2 parafusos 4.0 x 30 mm sendo o nível C1-C2 estabilizado bilateralmente por duas barras longitudinais (Posterior fixation system Vertex Max – Medtronic, USA).

Técnica cirúrgica

O procedimento requere a colocação do paciente em decúbito ventral após a indução anestésica sendo a cabeça apoiada em suporte de Mayfield para manter a posição neutra.
Foi utilizada uma via de abordagem mediana posterior desde a extremidade inferior occipital ao nível do foramen magnum até à porção superior da apófise espinhosa de C3.
Procedeu – se à exposição do arco posterior de C1 até à sua união às massas laterais. Posteriormente foram expostas a apófise espinhosa de C2 bem como as respectivas laminas e face medial das massas laterais a esse nível.
Para colocação dos parafusos em C1 inicialmente foi necessária a retração do gânglio C2 para melhor exposição da união do arco posterior com o bordo postero-interno das massas laterais. A direção utilizada foi em sentido ligeiramente convergente para o centro das massas laterais[7].
O passo seguinte consistiu em abrir uma janela óssea na junção espinolaminar de C2. Realizou-se um canal intralaminar de 30mm. Após verificação da integridade cortical do canal colocou.se um parafuso multi-axial 4.0 x 30 mm. A mesma técnica foi utilizada para a lamina contralateral.
Após colocação dos quatro parafusos multiaxiais as superfícies laminares nos dois níveis foram descorticadas e colocado enxerto ósseo.
Os parafusos das massas laterais de C1 foram conectados aos parafusos laminares de C2 através de 2 barras posteriores.

 

CASO CLÍNICO

Paciente sexo feminino de 63 anos com história arrastada de radiculopatia bilateral intermitente irradiada aos membros superiores associada a dor cervical posterior. Clínica agravada pelos esforços infringidos aos membros superiores associada aos movimentos cervicais bruscos. Sem antecedentes traumáticos conhecidos.
Referiu agravamento da sintomatologia nos dois anos prévios à cirurgia.
Estudo imagiológico inicial incluiu a radiologia convencional (Figura 1) e a tomografia computorizada (Figura 2) que revelaram a instabilidade C1-C2 e o os odontoideum.

 

Figura 1

 

 

A Ressonância Magnética confirmou a existência do os odontoideum com mielomalácia pelo nível (Figura 3).

Figura 3

 

O exame físico não demonstrou a presença de alterações sensitivas ou motoras com exceção das parestesias dos membros superiores. Os reflexos osteotendinosos estavam preservados bilateralmente.
A paciente foi operada por uma via de abordagem posterior com fixação segmentar C1 – C2 através de parafusos poli – axiais, translaminares em C2, associados a barras laterais.

 

RESULTADOS

O procedimento cirúrgico decorreu sem intercorrências técnicas e não houve complicações neuro-vasculares. No pós-operatório imediato as queixas álgicas cervicais melhoraram e resolveram por completo em aproximadamente três meses. Aos seis meses de pós-operatório existia evidência imagiológica de fusão óssea consolidada (Figura 4).O recuo máximo obtido atingiu os 20 meses sem desenvolvimento de falência de material ou instabilidade.

 

Figura 4

 

 

DISCUSSÃO

As técnicas de fixação aparafusada da coluna cervical posterior tendencialmente atingem níveis de fusão mais elevados que os métodos de aramagem posterior e não necessitam de imobilização externa rígida [7].
Em 1992, Jeanneret e Magerl descreveram a técnica de fixação aparafusada trans articular para fixação de fracturas da apófise odontoide com instabilidade atlanto-axial. Esta técnica imobiliza totalmente o movimento rotacional da articulação atlanto-axial. Tem uma longa curva aprendizagem por possibilidade de lesão artéria vertebral, nervo hipoglosso e a medula espinhal [8].Fatores tais como a obesidade e variações anatómicas da artéria vertebral que podem atingir valores de 20 % muitas vezes impossibilitam a sua utilização.
A fixação ao nível do pars interarticularis é técnicamente semelhante à fixação trans articular com um trajecto através do istmo embora com parafusos de tamanho inferior. Nesta técnica existe igualmente possibilidade de lesar a artéria vertebral.
Em 1994, Goel e Laheri descreveram a instrumentação C1-C2 utilizando fixação aparafusada às massas laterais de C1 e fixação aos pedículos de C2 estabilizados por uma placa. Em 2001, Harms e Melcher modificaram a técnica através da uilização de parafusos poliaxiais associados a barras laterais [8].
A análise biomecânica desta estrutura revelou ser a mais robusta no que refere ao momento de torção de inserção assim como à resistência à força de extracção quando comparada com os parafusos trans laminares ou os parafusos à pars interarticulares.
Em 2004, Wright descreveu a colocação de parafusos às massas laterais de C1 e trans laminares cruzados em C2 como procedimento de estabilização do complexo C1-C2 minimizando o risco de lesão das artérias vertebrais[8].
A sua utilização tem se vindo a generalizar por menor risco de lesão vascular e por ser técnicamente menos exigente quando comparada com a colocação de parafusos pediculares ou trans articulares.
A sua indicação é reforçada em pacientes com oclusão da artéria vertebral unilateral.
A fixação translaminar quando comparada com a fixação pedicular, admitindo uma exatidão inicial da introdução dos parafusos laminares ou pediculares sem portanto violação das respectivas corticais, está associada a médio prazo a resultados imagiológicos melhores na fixação trans laminar (1, 3 % de violoação canal vertebral ) relativamente aos resultados obtidos através da fixação pedicular ( 7 % violação canal vertebral)[9].
A taxa de fusão atingida com a fixação trans laminar é tendencionalmente completa aos 19 meses de pós operatório (97,6%)[ 9].Em termos comparativos biomecânicos os parafusos intra laminares permitem a mais ampla rotação axial, desde que integros os ligamentos antlanto axiais relativamente às técnicas de fixação trans articulares e intra pediculares. No referente à estabilidade quando testada através da inclinção cervical lateral a fixação pedicular garante maiores níveis de redução em segmentos C1-C2 instáveis [10].No caso clínico em estudo comprovou-se uma melhoria objectiva do arco rotacional atlanto-axial associado a uma diminuição das cervicalgias.
O resultado apresentado vem confirmar a literatura no que respeita à utilização de parafusos translaminares como uma técnica de baixo risco cirúrgico sendo o único procedimento em que extensão total dos parafusos de C2 se encontram dentro do campo operatório e na qual se obtêm elevadas taxas de fusão C1-C2 como demonstrado em tomografias computorizadas de follow up pós-cirúrgicas[8].

 

CONCLUSÃO

A seleção do método cirúrgico para a estabilização C1-C2 requer a ponderação de vários factores tais como: dimensões anatómicas, características biomecânicas, complexidade da técnica e risco de lesão das estruturas neurovasculares.
A instrumentação aparafusada trans laminar é um método anatómicamente execuível na maioria dos pacientes com os odontoideum distópico sendo contudo sempre necessária a avaliação laminar pré-operatória através de tomografia computorizada.
Na análise biomecânica os parafusos trans pediculares são o procedimnto mais robusto em termos de falência de material mas esta técnica terá sempre de ser comparada com as vantagens dos parafusos translaminares das quais se destacam: facilidade técnica, um arco de movimento axial pós-operatório amplo, baixo risco de lesões neuro-vasculares e taxas de fusão óssea da ordem dos 97 %[9].

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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10. Dmitriev A, Lehman R, Helgeson M, Sasso R, Kuhns C, Riew D. Acute and Long-term Stability of Atlantoaxial Fixation Methods – A Biomchanical Comparison of Pars, Pedicle, and Intralaminar Fixation in an Intact and Odontoid Fracture Mode. Spine. 2009; 34: 265-370        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Diogo Ferraz
Centro Hospitalar de Gaia/ Espinho
Rua Francisco Sá Carneiro Piso 4 / 5
4400-129 Gaia
Portugal
diogo_fcml@hotmail.com

 

Data de Submissão: 2010-08-29

Data de Revisão: 2012-10-28

Data de Aceitação: 2012-10-30

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