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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.22 no.2 Lisboa jun. 2014

 

CASO CLÍNICO

 

Remoção de corpo estranho intra-ósseo do ombro após facada

 

João VideI; Joana OvídioI; Tânia FreitasI; Acácio RamosI

I. Serviço de Ortopedia 1. Unidade de Faro. Centro Hospitalar do Algarve. Faro. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Apresentamos um caso de uma ferida por facada do ombro com fragmento da lâmina intra-óssea e extensão intra-articular. Realizou-se uma abordagem posterior do ombro para remoção do corpo estranho, de acordo com a sua localização

Palavras chave: Corpo-estranho, ombro, via posterior.

 

ABSTRACT

We presente a case of a stab wound of the shoulder with a intraosseous retained fragment and articular extension. A posterior shoulder approach was performed for the foreign body extraction, according to its localization.

Key words: Foreign body, shoulder, posterior approach.

 

INTRODUÇÃO

As feridas perfurantes por facada são frequentes, estando descrita uma taxa de incidência de 0,77% dos episódios de urgência, embora esta seja variável consoante a densidade populacional e tipo de área metropolitana da região hospitalar. Globalmente, 44% destas lesões correspondem a assaltos, 49% a acidentes e 8% a lesões autoinfligidas, sendo que a faixa etária entre os 16 e 24 anos, é habitualmente mais afectada.1 As situações com lesão óssea são raras, existindo escassos relatos de retenção de fragmento intra-ósseo da lâmina. 2,3

Apresentamos um caso de uma ferida por facada do ombro com fragmento da lâmina intra-óssea e extensão intra-articular.

 

CASO CLÍNICO

Um adulto de 35 anos, sexo masculino, de nacionalidade Moldava, referiu agressão com arma branca, com ponto de entrada na região posterior do ombro esquerdo. Apresentava-se com dor intensa e limitação completa da mobilidade activa e passiva, sem apresentar lesões neurovasculares. Ferida incisa com cerca de 2 cm na região postero-inferior justa-axilar do ombro esquerdo. Apresentava ainda múltiplas cicatrizes no tórax, região dorsal e membros superiores, compatíveis com o mesmo tipo de agressão.

Ao exame radiográfico foi possível observar um objecto de densidade metálica, incluso na região cefálica, com eventual extensão intra-articular (Figura 1). Foi administrada antibioterapia empírica com cefazolina e gentamicina e reforço antitetânico. Realizamos estudo com tomografia computorizada (TC) para determinar a posição exacta do corpo estranho e avaliar o grau de extensão articular: a lâmina penetrou a região mais posterior da cartilagem articular cefálica do úmero, atravessando em direcção anterior. Por quebra da lâmina, permaneceu um corpo estranho intra-ósseo, com uma pequena extensão intra-articular (Figura 2).

 

Figura 1

 

Figura 2

 

Procedemos à intervenção cirúrgica de urgência para retirar o corpo estranho, com o objectivo de impedir a sua migração e prevenir a infecção bem como o agravamento de lesões articulares, através de uma abordagem posterior do ombro: posicionamos o doente em semi-pronação e realizamos a incisão 2 cm medial ao ângulo acromial, com 8 cm de extensão longitudinal, em direcção à região axilar. Dissecamos o plano subcutâneo e retraímos o bordo caudal do deltoide em direcção cranial. Após identificação do tendão infraespinhoso e redondo menor, procedemos à desinserção do primeiro, para permitir acesso livre ao espaço articular. Realizamos artrotomia longitudinal da cápsula posterior e removemos o corpo estranho com fórceps (Figura 3). Posteriormente realizamos o desbridamento e lavagem, com reinserção do tendão infra-espinhoso com 2 âncoras metálicas (Figura 4).

 

 

 

O doente não apresentou nenhuma intercorrência peri-operatória, tendo abandonado o seguimento em ambulatório e permanecendo incontactável.

 

DISCUSSÃO

Estudos desenhados para conceber material de protecção corporal estimaram que a energia máxima ao apunhalar é de aproximadamente 115 J, e a carga produzida pela lâmina no ponto de contacto é de cerca de 1000 N.4 Por este motivo a lesão óssea com este mecanismo de agressão é uma entidade rara. Acreditamos que o ponto de entrada a nível da cartilagem articular facilitou a penetração da lâmina através do osso esponjoso.

Abboud et al3 descreveram o único relato de lesão penetrante com lâmina intra-óssea extra-articular do ombro, numa doente do sexo feminino de 53 anos. Realizaram a remoção do corpo estranho sem necessidade de exploração profunda do trajecto da lâmina. Como factores que facilitaram a penetração intra-óssea referem o status pós-menopausa e o ponto de entrada na zona metafisária.

O nosso caso difere pela dificuldade de acesso à lâmina. Foi necessário criar uma abordagem que criasse acesso amplo à região articular posterior, para retirar o corpo estranho com o mínimo de dano na cartilagem articular. A via de abordagem utilizada permitiu uma exposição articular óptima, sem intercorrências peri-operatórias. Difere daquela descrita por Rockwood e Matsen5, pela abordagem subdeltódeia, poupando a desinserção do deltoide posterior e complicações associadas. No entanto, é necessário uma retracção atenta do músculo redondo menor por possibilidade de lesão no nervo axilar ao sair no espaço quadrangular e, após desinserção do músculo infraespinhoso, cuidado na retracção por possibilidade de lesão no nervo supraescapular. Um encerramento óptimo dos elementos posteriores, com o membro em rotação neutra, é importante para prevenir instabilidade posterior do ombro, overtightening posterior e/ou défices de rotação externa/interna.

Outras abordagens posteriores foram descritas: Jerosch et al6 descreveu uma via posterior subdeltoideia, através da exploração do intervalo entre o infraespinhoso e redondo menor, com a vantagem de diminuir a possibilidade de lesão do nervo supraescapular e de diminuição da força da rotação externa; Wirth et al7 apresentou uma abordagem transdeltóideia posterior, com divisão do infraespinhoso pelas duas cabeças.

O caso apresentado, pela raridade, pretende ser uma opção para a orientação do planeamento e execução do tratamento destas lesões. O estudo pré-operatório para a localização do corpo estranho é fundamental, devendo a abordagem ser planeada em consonância, para o tratamento com sucesso e mínima morbilidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Pallett JR, Sutherland E, Glucksman E, Tunnicliff M, Keep JW. A cross-sectional study of knife injuries at a London major trauma centre. Ann R Coll Surg Engl. 2014 Jan; 96 (1): 23-26

2. Ford TC, Anania WC, Rosen RC. Osseous trauma of the lower extremity secondary to knife wounds. Two case reports. J Am Podiatr Med Assoc. 1986; 76 (8): 462-463        [ Links ]

3. Abboud JA, Wiesel B, Tomlinson D, Ramsey M. Intraosseous Stab Wound to the Arm. Am J Orthop. 2008 Mar; 37 (3): 52-54

4. Banasr A, Grandmaison GL de la, Durigon M. Frequency of bone/cartilage lesions in stab and incised wounds fatalities. Forensic Sci Int. 2003; 131: 131-133        [ Links ]

5. Rockwood CA, Matsen FA. The shoulder. Philadelphia: Saunders; 1998.         [ Links ]

6. Jerosch J, Greig M, Peuker ET, Filler TJ. The posterior subdeltoid approach: a modified access to the posterior glenohumeral joint. J Shoulder Elbow Surg. 2001; 10 (3): 265-268        [ Links ]

7. Wirth MA, Butters KP, Rockwood Jr CA. The posterior deltoid-splitting approach to the shoulder. Clin Orthop. 1993; 296: 92-98        [ Links ]

 

Endereço para correspondência

João Vide
Serviço de Ortopedia
Hospital de Faro, EPE
Rua Leão Penedo
8000-386 Faro
Portugal
joaovide@gmail.com

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Data de Submissão: 2014-06-30

Data de Revisão: 2014-08-20

Data de Aceitação: 2014-08-20

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