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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.1 Lisboa mar. 2015

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Luxação unifacetária cervical. Um lado é suficiente

 

Máximo UlloaI; Maria FernándezI

I. Serviço de Ortopedia. Complexo Hospitalar Universitario de Santiago de Compostela. Santiago de Compostela. Espanha.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

As luxações facetarias unilaterais englobam na verdade um grupo alargado de lesões de tal modo que varias possibilidades terapêuticas podem ser equacionadas Se a RMN não revelar uma lesão importante do disco e na presença de radiculopatia ipsilateral é proposta uma abordagem posterior minimamente invasiva unilateral.

Pacientes e métodos: uma série consecutiva de 8 pacientes (7 C6/C7; 1 C4C/C5) com luxação facetaria unilateral com radiculopatia concordante, tratados por abordagem posterior unilateral com abertura do recesso, libertação da raiz e osteossíntese com parafusos na massa lateral ou do pediculo, complementada por artrodese espinolaminar ipsilateral com auto-enxerto da crista ilíaca posterior.

Resultados: a cirurgia permitiu o alivio imediato dos sintomas radiculares com a recuperação completa aos níveis prévios de atividade ao fim de poucos meses. Excepto num caso de fixação parafuso-gancho envés de dois parafusos não foram efetuadas revisões ao fim 9 anos follow-up (1-12 anos).

Conclusão: em pacientes com luxação facetaria unilateral e radiculopatia mas, sem lesão discal importante na RMN é proposta a abordagem posterior unilateral.

Palavras chave: Patologia da coluna, coluna cervical, fraturas da coluna, luxações da coluna, unilateral, radiculopatia, radiculite, fixação fratura.

 

ABSTRACT

Unilateral cervical facet injuries are a full spectrum of injuries, so several management pathways may be followed.

If no major injury to the disk (as seen on MRI) and in the presence of ipsilateral radiculopathy a posterior unilateral, minimally invasive approach is proposed.

Patients and methods: a series of 8 consecutive patients (7 C6C7; 1 C4C5) with unilateral cervical facet injury with concordant radiculopathy treated by unilateral posterior approach with reccess opening, root release and lateral mass/pedicular screw osteosynthesis plus spinolaminar ipsilateral arthrodesis with posterior iliac graft is presented.

Results: surgery brought about immediate recovery from radicualr symptoms, with full return to previous activity level in a few months and no reoperations (except for a single case with screw-hook synthesis instead of 2 screws) after a mean follow-up of 9 years (1-12 y).

Conclusion: in a patient with unilateral cervical facet injury with radiculopathy and no major disc injury in the MRI, a posterior unilateral approach is advocated.

Key words: Spinal injuries, cervical spine, spinal fractures, spinal dislocations, unilateral, radiculopathy, radiculitis, fracture fixation.

 

INTRODUÇÃO

A luxação unifacetária cervical pode facilmente não ser diagnosticada no serviço de urgência.

Sabe-se que a história natural dos casos tratados conservadoramente é mais grave que a dos casos controle sem doença para a mesma idade e, provavelmente será pior que a dos tratados cirurgicamente, sobretudo a longo prazo1,2. É controversa a via de abordagem de eleição para o tratamento cirúrgico, anterior ou posterior, tendo ambas os seus argumentos favoráveis.

 

PACIENTES E MÉTODOS

Apresenta-se uma série de oito pacientes com luxação ou fractura-luxação unifacetária cervical e radiculopatia clínica operados por abordagem posterior unilateral com fresagem da faceta superior da vértebra distal, libertação do recesso e instrumentação das massas laterais (7 com 2 parafusos e 1 com um parafuso proximal e um gancho distal). O seguimento foi de 9 anos (mínimo de um ano e máximo de 12).

As variáveis estudadas foram: demografia (idade, sexo, nível lado), clinicas (sintomatologia radicular, analgesia), radiológicas (listesis pré e pós-operatória, cifose pré e pós-operatória). A cifose mediu-se entre os muros posteriores dos corpos vertebrais e a listesis pela distância entre a perpendicular ao prato superior formada pelo ângulo postero-inferor do corpo vertebral e a linha que define o muro posterior do corpo vertebral.

 

RESULTADOS

Idade: 44 anos (15-79), sexo: 6 sexo masculino e 2 sexo feminino; nível: C6C7 (n=7) e C4C5 (n=1); lado: 5 esquerdo e 3 direito; radiculopatia: pré-operatória 8/8, pós-operatória 0/8; analgesia: esquema de analgesia habitual do hospitalar (paracetamol e metamizol) sem necessidade de alteração; cifose: pré-operatória = 8,6º; pós-operatória = 6,4º; listesis: pré-operatória = 2mm; pós-operatória = 0,8 mm; período de internamento hospitalar: 5 dias (2 fim-de-semana em todos)

No caso do paciente com montagem “parafuso e gancho” foi necessário proceder a re-intervenção por desvio secundário. Todos os outros (montagem com “2 parafusos”) tiveram uma evolução satisfatória (Figura 1).

 

 

 

DISCUSSÃO

A luxação unifacetária sendo uma lesão de difícil diagnóstico inicial, deve ser alvo de suspeita em face da existência de uma pequena listesis de um corpo vertebral e de uma alteração craneal no alinhamento dos maciços facetarios do nível lesado no Rx de perfil, sem evidente “cavalgamento” da facetas articulares ou desalinhamento das apófises espinhosas no AP. O diagnóstico definitivo deve ser obtido recorrendo a TAC 3D revelando esta a) a imagem axial de “pão de hambúrguer invertido” e a consequente ocupação do recesso assim como a rotação relativa dos corpos vertebrais proximal e distalmente à lesão e, b) as imagens sagitais mostrando a integridade de uma articulação e a lesão na articulação contralateral. Para completar o estudo deve realizar-se RMN cervical para obter a informação do estado do disco intervertebral e do complexo ligamentar posterior; Esses dados orientarão também a decisão cirúrgica2,3.

Os modelos experimentais demonstraram que não é necessário que os ligamentos inter e supra-espinhosos estejam lesados, nem sequer os ligamentos vertebrais longitudinais, basta a cápsula ipisilateral, o ligamento amarelo ipsilateral e o anel fibroso discal (nem sequer completo)4; por isso, nem todas as luxações unifacetarias apresentam uma lesão completa do complexo ligamentar posterior nem uma instabilidade intrínseca pela incompetência mecânica da dita estrutura. No entanto, uma vez reduzido, o segmento é muito instável pelo que necessita de uma fixação mecanicamente competente5.

Parece estar provado que a qualidade de vida dos paciente não operados é pior que a dos casos controle da mesma idade e população sem lesão e provavelmente que a dos pacientes com uma luxação unifacetária operados, sobretudo a longo prazo2.

A redução de uma luxação unifacetária cervical não é fácil. Se não há fractura associada à faceta articula fala-se de lesão “provavelmente instável”.

Pela fixação mecânica das vértebras com as facetas “engatilhadas” a redução fechada requer manobras complexas e de difícil realização6, em que mesmo com o paciente sedado e, segundo a minha experiência as probabilidades de êxito são escassas.

Por outo lado, se existe a referida fractura facetaria, a redução fechada que se consegue é altamente instável pela existência da mesma. Sendo assim parece ser recomendável proceder diretamente à redução cruenta. Contudo, que abordagem? A lesão é posterior mas a via por excelência na cirurgia cervical é a anterior, além de esta permitir a excisão do disco intervertebral que ao prolapsar-se durante a redução poderá provocar uma lesão medular.

Assim sendo, a abordagem anterior parece ser a via de eleição se existe uma importante protusão discal intracanalar ou, nos casos de fratura associada do prato superior do corpo vertebral3. De outro modo, sobretudo nas lesões por translação/rotação a via de eleição é uma abordagem posterior3. Favorecendo também a via posterior são os dados que apontam para até 26% de irredutibilidade por via anterior das luxações unifacetárias7.

Uma recente revisão sistemática conclui que resultados são semelhantes8 com mais complicações e re-intervenções nas vias anteriores e uma cifose entre 1º e 6 º, com 13% de dor residual na posterior; contudo é pouco conclusiva: nível IV de evidencia e baseado em apenas 2 séries clinicas: (critérios de inclusión: Shapiro, J Neusosurg 1999 y Henriques, J Spine Disord Tech 2004, entre 41 estudos localizados). No mesmo sentido apontam os resultados de um trabalho prospetivo9: sem diferenças clinicas, com pros e contras num e noutro sentido, mas nenhum definitivo.

A via posterior é superior biomecanicamente face á anterior com montagens rígidas10,11 e, em minha opinião, permite além de uma melhor descompressão da raiz encarcerada no recesso “desengatilhar” as facetas. Ao contrario da fixação com parafusos ás massas laterais, nas montagens por meio de aramagens pode ser necessário fixar 3 vértebras.

No entanto, ainda mais importante é que a artrodese anterior pode atuar como pivô e facilitar a perda de redução conseguida.

De la Rua12,13 mostra-se partidário da via anterior pela maior taxa de infeções na via posterior e o risco neurológico de voltar o paciente, argumentando ainda que nos casos não reduzidos a distração do foramen lesado é suficiente para libertar a raiz.

Um argumento contra a via posterior é o o dano muscular infligido. Para obviar este fato, Wang14,15 descreve a inserção percutânea dos parafusos às massas laterais. Também com o intuito de minimizar esse dano muscular e, tendo em conta que o maciço facetário contralateral esta indemne não parece fazer sentido efetuar a disseção muscular contralateral e a fixação/artrodese de uma artriculação sã. Por outro lado a libertação direta da raiz comprometida é mais fácil e comprovável por via posterior e no caso de radiculopatia este é não só um dos objetivos da cirurgia mas, talvez o prioritário.

Pode-se pensar que estando a massa lateral distal lesada a inserção do parafuso pode ser tecnicamente difícil. Na nossa experiência procuramos dirigi-lo menos proximalmente que na técnica convencional e assim encontramos espaço suficiente já que a massa lateral é bastante grande. No mesmo sentido, teríamos que assinalar que no nível C6C7 o parafuso inferior é um parafuso pedicular, pelo que os problemas de “presa” desaparecem restando a dificuldade técnica da sua inserção, superior à do parafuso da massa lateral. E, de fato, na nossa série o nível mais frequentemente afetado foi o de C6C7.

É necessário deixar bem claro que esta técnica de bordagem posterior unilateral requer a integridade do maciço facetário contra-lateral assim como do complexo ligamentar posterior, com a evidente exceção da cápsula do lado luxado já que se baseia no mesmo princípio de encerrar uma porta na sua moldura com um só bloqueio, o que implica uma dobradiça estável em todas as direções menos a controlada pelo dito bloqueio.

 

CONCLUSÃO

Em pacientes com uma luxação unifacetária cervical e radiculopatia isolada da raiz do nível lesado, sem significativa protusão discal no canal e com integridade do restante complexo capsulo-ligamentar posterior, a abordagem unilateral posterior com descompressão direta do recesso, redução e artrodese com instrumentação com dois parafusos às massas laterais ou pedículo, de um só nível é suficiente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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3. Vaccaro AR, Hulbert RJ, Patel AA, Fisher C, Dvorak M, Lehman RA Jr, et al. The subaxial cervical spine injury classification system: a novel approach to recognize the importance of morphology, neurology, and integrity of the disco-ligamentous complex. Spine. 2007 Oct 1; 32 (21): 2365-2374

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Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

Máximo Ulloa
Serviço de Ortopedia
Complexo Hospitalar Universitario de Santiago de
Compostela
Trav da Choupana s/n
Santiago de Compostela
Espanha
madxxuno@hotmail.com

 

Data de Submissão: 2015-01-23

Data de Revisão: 2015-03-15

Data de Aceitação: 2015-03-15

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