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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.1 Lisboa mar. 2015

 

CASO CLÍNICO

 

Pseudartrose do tubérculo dos peroneais como causa de rotura parcial do longo peroneal

 

Ana LopesI; Daniel Sá da CostaI; Ricardo GonçalvesI; Pedro CamposI; João Alves da SilvaI; Pedro AfonsoI

I. Serviço de Ortopedia. Hospital de Vila Franca de Xira.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

O tubérculo dos peroneais tem um papel reconhecido como causa de rotura ou tenossinovite dos tendões peroneais. A ocorrência de fractura isolada do tubérculo encontra-se pouco documentada na literatura. Descreve-se um caso de pseudatrose do tubérculo dos peroneais, complicado por rotura parcial do longo peroneal, de particular interesse dado não haver casos relatados de pseudartrose.

Este caso reporta um homem de 40 anos, com quadro de dor persistente e limitante a nível do pé direito, pós-traumática, com 20 anos de evolução, objectivamente com edema e dor à palpação na face externa do retropé, no trajecto infra-maleolar dos tendões peroneais, onde se palpa tumefação dura.

O estudo imagiológico evidenciou espessamento marcado ao longo do trajecto dos tendões peroneais e fragmento ósseo adjacente à vertente externa do calcâneo entre o trajecto tendinoso. Procedeu-se a intervenção cirúrgica, verificando-se intraoperatoriamente pseudartrose do tubérculo peroneal do calcâneo e rotura parcial do longo peroneal. Realizou-se remoção do tubérculo e tenodese do longo peroneal ao curto peroneal. No seguimento, encontrava-se assintomático, com recuperação completa do arco de movimento.

A ocorrência de fractura isolada do tubérculo peroneal na sequência de traumatismos, é um evento de raro relato na literatura, parecendo haver uma maior associação com entorses do tornozelo. Nos casos de tenossinovite ou rotura tendinosa originada por hipertrofia do tubérculo, o tratamento passa pela reparação cirúrgica do tendão orientada para a lesão encontrada, ressecção cirúrgica do tubérculo e mobilização precoce. No que respeita à ocorrência de pseudartrose do tubérculo, não se encontraram até ao momento casos reportados.

Palavras chave: Tubérculo, peroneais, pseudartrose, rotura, tendão.

 

ABSTRACT

Peroneal tubercle has a recognized role as cause of tear or tenosynovitis of peroneal tendons.

The occurrence of an isolated tubercle fracture is poorly documented in the literature. We describe a case of peroneal tubercle nonunion, complicated by peroneus longus partial tear, of particular interest since there are no related cases of tubercle nonunion.

This case reports a 40 year-old male, with persist and limiting pain on the right foot, posttraumatic, with 20 years, objectively with edema and pain on palpation of the lateral surface of the hindfoot, infra-malleolar path of the peroneal tendons, where a hard tumefaction was felt.

The imagiological study revealed a marked thickening along the route of the peroneal tendons and a bone fragment adjacent to the external aspect of the calcaneus, between the tendon path.

We proceeded to surgery, verifying intraoperatively a peroneal tubercle nonunion and partial tear of the peroneus longus tendon. Removal of the tubercle and tenodesis of peroneus longus to peroneus brevis was performed. At follow-up, the patient was asymptomatic, with complete recovery of range of motion.

The occurrence of isolated fracture of the peroneal tubercle following trauma is a rare event reported in the literature, with greater association with ankle sprains. In cases of tenosynovitis or tendon tear, caused by hypertrophy of the tubercle, the treatment involves surgical repair of the tendon, according to the lesion, surgical resection of the tubercle and early mobilization.

With regard to the occurrence of tubercle nonunion, there were not found any reported cases so far.

Key words: Tubercle, peroneal, nounion, tear, tendon.

 

INTRODUÇÃO

O tubérculo dos peroneais, proeminência situada na face lateral do calcâneo, funciona como uma polia que separa o longo e curto peroneal no seu percurso distal até ao pé1,2. É reconhecido o papel desta proeminência óssea como causa de rotura ou tenossinovite estenosante dos tendões peroneais1. A ocorrência de fractura do tubérculo dos peroneais encontra-se pouco documentada na literatura, sendo que à data não estão relatados casos de pseudartrose do tubérculo.

Descreve-se um caso de pseudartrose do tubérculo dos peroneais, complicado por rotura parcial do longo peroneal, de particular interesse, dada a raridade da lesão encontrada.

 

CASO CLÍNICO

Este caso reporta um homem de 40 anos de idade, com antecedentes de acidente de viação aos 20 anos, do qual resultaram múltiplas fracturas dos membros inferiores. Recorre à consulta externa por quadro de dor crónica persistente a nível do trajecto inframaleolar do pé direito com cerca de 20 anos de evolução, associado a edema, que limita o uso de sapatos. Foi previamente tratado com antiinflamatórios e imobilizado com ortóteses, sem melhoria.

Da observação inicial, salienta-se pé cavo bilateral e edema na face externa do pé, a nível do retropé, com dor à palpação no trajecto infra-maleolar dos tendões peroneais, onde se palpa tumefação dura na profundidade do trajecto dos peroneais, com score AOFAS de 81 em 100 pontos. Foi pedido o estudo radiológico, que inicialmente consistiu em radiografias do pé e tornozelo, sem outras alterações de relevo. Para melhor caracterização do quadro clínico, foi realizada TAC, da qual se salienta espessamento marcado ao longo do trajecto dos músculos peroneais e fragmento ósseo adjacente à vertente externa do calcâneo entre o trajecto dos músculos peroneais (Figura 1)

 

 

Foi submetido a intervenção cirúrgica electiva, em que se procedeu a abordagem externa do tornozelo e pé centrada aos tendões peroneais, com abertura da bainha dos tendões peroneais e retináculos.

Verificou-se rotura parcial do longo peroneal e pseudartrose do tubérculo peroneal do calcâneo (Figura 2). Realizou-se remoção do tubérculo peroneal, excisão da área lesada do longo peroneal e tenodese do longo peroneal ao curto peroneal (Figuras 3 e 4.)

 

 

 

 

No seguimento, verificou-se melhoria das queixas álgicas e do edema, encontrando-se assintomático aos 3 meses, com recuperação completa do arco de movimento, com score AOFAS de 95 em 100 pontos.

 

DISCUSSÃO

A presença do tubérculo dos peroneais é variável, apontando alguns estudos para a sua existência em somente 50% dos pés humanos, com variação entre os 24% e os 98,58%2,3,4. O seu tamanho também difere, tendo sido reportado por Hyer et al um comprimento, altura e largura médias do tubérculo peroneal em adultos de 13.04, 9.44 e 3.13 mm, respectivamente5.

Tem essencialmente três funções: fulcro adicional para o tendão do longo peroneal, divisão entre as bainhas tendinosas, inserção do retináculo inferior6,7.

O tubérculo dos peroneais pode ser identificado na incidência axial do calcâneo (incidência de Harris) ou na incidência ântero-posterior do tornozelo, podendo o seu tamanho ser medido através de tomografia axial computorizada2. A caracterização de patologia dos peroneais coexistente pode ser feita através de ecografia ou ressonância magnética2.

A literatura descreve o papel do tubérculo dos peroneais na etiologia da tenossinovite ou rotura tendinosa, fundamentalmente associada aos casos de hipertrofia do tubérculo. Actualmente, não há critérios precisos para definir a hipertrofia, considerando-se como cut-off os 5 mm de largura da proeminência2. As lesões ocorrem fundamentalmente por um processo irritação crónica dos tendões e das suas bainhas bem como de conflito com o maléolo lateral, nos movimentos repetidos de eversão e abdução, sendo o longo peroneal mais vulnerável pelo seu comprimento, mudança súbita de direcção e localização posterior em relação ao tubérculo2,4,8.

A existência de determinadas variantes anatómicas, como goteira retromaleolar convexa, pé cavovaro, esporão postero lateral do peróneo, bem como a ocorrência de traumatismos ou fracturas do calcâneo predispõe à existência de patologia dos tendões peroneais7,9.

Nos casos de tenossinovite ou rotura tendinosa originada por hipertrofia, o tratamento passa pela reparação cirúrgica orientada para a lesão tendinosa encontrada, pela ressecção cirúrgica do tubérculo e mobilização precoce1,10,11.

A ocorrência de fractura isolada do tubérculo peroneal na sequência de traumatismos, é um evento de raro relato na literatura. Uma vez que não tem nenhuma inserção tendinosa na maioria dos casos – há esporadicamente a inserção muscular de um músculo denominado de peroneus quartus -, o tubérculo encontra-se protegido do trauma isolado, parecendo haver uma associação com entorses do tornozelo3.

No que respeita à ocorrência de pseudartrose do tubérculo peroneal, não se encontraram casos reportados, até ao momento.

Como viez do caso reportado, há a salientar a origem da dor, dado que foram encontradas lesões coexistentes, tratadas em simultâneo, ambas passíveis de queixas álgicas com localizações sobreponíveis.

Ainda assim, o caso apresentado tem particular interesse pela raridade dos achados mas também por chamar a atenção para a ocorrência de dor crónica lateral do pé com possível origem no tubérculo dos peroneais, por vezes não diagnosticada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Lui T. Endoscopic resection of the peroneal tubercle. The Journal of Foot and Ankle Surgery. 2012; 51: 813-815        [ Links ]

2. Celikay F. Tenosynovitis of the peroneal tendons associated with a hypertrophic peroneal tubercle: radiographic and MRI findings. BMJ Case Rep 2014. 2014;         [ Links ]

3. Heller E. Traumatic pathologies of the calcaneal peroneal tubercle. The Foot 20. 2010; 96-98        [ Links ]

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5. Hyer CF. The peroneal tubercle: description, classification and relevance to peroneus longus tendon pathology. Foot Ankle Int. 2005; 26: 947-950        [ Links ]

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11. Ochoa L. Recurrent hypertrophic peroneal tubercle associated with peroneus brevis tendon tear. The Journal of Foot and Ankle Surgery. 2007; 46 (5): 403-408        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

Ana Lopes
Hospital de Vila Franca de Xira
Serviço de Ortopedia e Traumatologia
Estrada Nacional Nº1, Povos
2600 009 Vila Franca de Xira
Portugal
ana.a.c.lopes@gmail.com

 

Data de Submissão: 2014-11-16

Data de Revisão: 2015-01-02

Data de Aceitação: 2015-01-02

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