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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
Print version ISSN 1646-2122
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.3 Lisboa Sept. 2015
CASO CLÍNICO
Osteoma Osteóide Cervical - Radiofrequência ou a Clássica Curetagem?
Diogo Santos RoblesI; Sofia EstevesI; Sandra MartinsI; Pedro CardosoI; António OliveiraI
I. Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar do Porto, EPE. Porto.
RESUMO
Os Osteomas Osteóides são tumores benignos, osteoblásticos, cuja incidência ronda os 3% do total de todos os tumores.
Ocorrem mais frequentemente no fémur e tíbia, e o esqueleto axial é afetado em apenas 10% dos casos, maioritariamente ao nível da coluna lombar (56,1%), sendo a coluna cervical afetada em apenas 26,8% dos casos.
O clássico tratamento cirúrgico está a ser substituído por técnicas ablativas mini-invasivas, como a termoablação por radiofrequência por via percutânea. No entanto, na coluna cervical, torna-se difícil prever o efeito do calor quando aplicado na proximidade de estruturas nervosas e vasculares.
Apresenta-se o caso clínico de uma doente do sexo feminino de 24 anos, observada por cervicalgia persistente, cuja tomografia computorizada realizada demonstrou um Osteoma Osteóide localizado a nível do pedículo esquerdo da 6ª vértebra cervical.
A doente foi submetida a tratamento cirúrgico, através de curetagem transpedicular guiada por fluoroscopia, tendo sido obtida uma resolução imediata, completa e sustentada da dor.
Palavras chave: Osteoma osteóide, coluna cervical, ablação por radiofrequência, curetagem.
ABSTRACT
Osteoid osteomas are benign, osteoblastic, with an estimated incidence 3% of all tumors. They occur most often in the femur or tibia, with the axial skeleton being affected in 10% of cases, mainly at the lumbar spine level (56.1%) with the cervical spine being affected in only 26.8% of cases.
The traditional surgical treatment is losing ground to mini-invasive ablative techniques such as percutaneous radiofrequency thermal ablation. However, in the cervical spine, it is difficult to predict the effect of heat when applied near nerve and vascular structures.
The authors present a case report of a 24 year old female patient, with persistent neck pain, whose CT scan showed an osteoid osteoma located within the left pedicle of the 6th cervical vertebra.
The patient underwent surgical treatment by transpedicular curettage guided by fluoroscopy, by with it was possible to obtain immediate, complete and sustained pain resolution.
Key words: Osteoma Osteoid, Cervical spine, radiofrequency ablation, curettage.
INTRODUÇÃO
Os Osteomas Osteóides, descritos por Jaffe em 19351,2, são tumores benignos, osteoblásticos, cuja incidência estimada ronda os 3% do total de todos os tumores ósseos e aproximadamente 10% dos tumores ósseos benignos1,3,4.
São mais frequentes em doentes do sexo masculino (2-4:1), geralmente entre 1ª e a 3ª décadas de vida1,5. Embora se possam apresentar em qualquer osso, ocorrem mais frequentemente no fémur (27,3%), e tíbia (22,1%)6. O esqueleto axial é afetado em apenas 10% dos casos, com atingimento preferencial da coluna lombar (56,1%), mas também da coluna cervical (26,8%), dorsal (16%) e sagrada (1,1%), localizando-se mais frequentemente nos elementos posteriores das vértebras (75%)7.
Os autores pretendem relembrar o Osteoma Osteóide enquanto diagnóstico diferencial de patologia degenerativa da coluna, apresentando-se no caso clínico descrito numa localização atípica, a nível de um pedículo de uma vértebra cervical e apresentar a técnica cirúrgica utilizada, por curetagem transpedicular guiada por fluoroscopia, tendo a intervenção conduzido à cura.
CASO CLÍNICO
Apresenta-se o caso clínico de uma doente do sexo feminino, de 24 anos, com história de dor cervical com 6 meses de evolução, de início insidioso e predomínio noturno, sem radiculopatia associada.
A dor, inicialmente intermitente e passível de alívio completo com anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), apresentava-se, passados 3 meses, grave e com melhoria apenas parcial após medicação.
A doente não apresentava história traumática ou clínica compatível com processo infecioso.
Ao exame físico, a doente apresentava-se apirética, com dor a palpação da coluna cervical baixa e musculatura paravertebral cervical, associada a ligeira limitação dolorosa na mobilidade cervical. O exame neurológico não apresentava alterações.
As radiografias simples da coluna cervical não demonstravam alterações, mas a clínica suspeita motivou a realização de uma tomografia computorizada (TC) cervical (Figura 1), que demonstrou a presença de lesão de características osteoblásticas com nidus central, com 13mm de diâmetro, compatível com Osteoma Osteóide, a nível do pedículo esquerdo da 6ª vértebra cervical (C6). A cintigrafia óssea demonstrou hipercaptação no mesmo nível (Figura 2).
Com o diagnóstico clínico e imagiológico altamente sugestivo de Osteoma Osteóide, a doente foi submetida a biópsia excisional guiada por fluoroscopia, por via posterior com identificação do pedículo esquerdo de C6 e curetagem transpedicular da lesão, com visualização macroscópica do nidus, sem violação das corticais (Figura 3 e 4).
O estudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de Osteoma Osteóide.
Estudos radiológicos no decorrer do seguimento não demonstraram qualquer instabilidade segmentar e, clinicamente, verificou-se uma resolução imediata, completa e sustentada das queixas álgicas.
DISCUSSÃO
Os Osteomas Osteóides caracterizam-se histologicamente como lesões bem circunscritas, compostas por um nidus de matriz osteóide contendo osteoblastos, associado a um estroma fibroso altamente vascularizado, com menos de 15mm, rodeado por osso esclerótico denso1,3,6.
Clinicamente apresentam-se com dor de início insidioso8 e de predomínio noturno6,9,10 inicialmente leve e intermitente e que progride com o tempo para grave e constante8, agravada pelo mobilização ativa local5,9 e aliviada com a toma de AINEs4.
O mecanismo da dor associada ao Osteoma Osteóide deve-se à estimulação das terminações nervosas autonómicas que acompanham a neo-vascularização6, e também à grande concentração de prostaglandinas sintetizada no nidus, provocando uma reação inflamatória, o que explica a resposta dos AINEs no controlo da dor nestes tumores1,4,6.
Quando localizados no esqueleto axial, podem apresentar-se com rigidez, associada a espasmo muscular. A nível da coluna dorso-lombar, o espasmo pode levar a uma escoliose reativa2 na coluna cervical apresenta-se mais frequentemente associado a torcicolos1.
Embora esteja descrita, a associação dos Osteomas Osteóides do esqueleto axial com radiculopatia é rara5,9,10,11.
Imagiologicamente, a radiografia simples raramente permite estabelecer um diagnóstico de Osteoma Osteóide do esqueleto axial, dada a sobreposição de estruturas. A cintigrafia óssea é o exame mais sensível para o seu diagnóstico9,10 devendo também ser sempre complementada com uma TC, que, para além da elevada sensibilidade, permite uma melhor definição da lesão (esclerose densa circundando uma lesão lítica com nidus central calcificado), para efeitos de planeamento terapêutico1,4.
Já a Ressonância Magnética Nuclear, embora demonstre a reação inflamatória circundante, não permite uma correta apreciação do nidus2,12 podendo levar a erros de diagnóstico.
O Osteoblastoma é o principal diagnóstico diferencial, por apresentar características histológicas semelhantes ao Osteoma Osteóide, distinguindo-se deste pelas maiores dimensões, maior agressividade local, potencial de malignização e maior taxa de recidiva6,7.
No esqueleto axial, para além de lesões tumorais primárias ou secundárias, deve ainda ser ponderada patologia degenerativa da coluna5, que, dada a sua frequência, leva frequentemente a erros de diagnóstico que causam um atraso importante entre a apresentação clínica e o diagnóstico do tumor5,10.
Embora possam ter remissão espontânea, o tratamento dos Osteomas Osteóides não passa apenas por medidas de controlo da dor, dado o tempo habitualmente prolongado de duração dos sintomas (2 a 8 anos)3.
O clássico tratamento cirúrgico está a perder terreno para técnicas ablativas mini-invasivas, como a termoablação por radiofrequência por via percutânea, atualmente consideradas o Gold Standard para o tratamento de Osteomas Osteóides no esqueleto apendicular, com taxas de sucesso semelhantes à exérese cirúrgica13,14,15.
Na coluna cervical, no entanto, a sua utilização é controversa, sendo difícil prever o efeito do calor contínuo13,14 quando aplicado durante vários minutos na proximidade das raízes nervosas cervicais, artéria vertebral e medula espinal2,3.
Por esse motivo, o tratamento cirúrgico, através de exérese em bloco ou por curetagem, parece ser assim a melhor opção1,3,6,12.
A fusão vertebral instrumentada deve reservar-se para os casos de instabilidade segmentar após resseção da lesão10.
O prognóstico após tratamento cirúrgico dos Osteomas Osteóides é excelente, sendo expectável uma remissão completa e permanente das queixas álgicas no período pós-operatório (horas a dias) em 95% dos casos1,6,7. A presença de dor no pós-operatório deve motivar a realização de exames complementares, pois é frequentemente indicativa de resseção incompleta ou de recidiva da lesão10.
CONCLUSÃO
Em conclusão, o caso clínico apresentado salienta a importância da ponderação deste diagnóstico nos casos de cervicalgia persistente, e da eficácia do seu tratamento cirúrgico por curetagem, que é recomendado por se apresentar como a alternativa terapêutica mais segura, dadas as particularidades da localização anatómica em que o tumor se encontrava.
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Conflito de interesse:
Nada a declarar
Diogo Santos Robles
Serviço de Ortopedia
Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE.
Avenida do Hospital Padre Americo, nº210
4560-454 Penafiel
diogorobles@gmail.com
Data de Submissão: 2015-10-11
Data de Revisão: 2016-01-08
Data de Aceitação: 2016-01-10