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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial

Print version ISSN 1646-2890On-line version ISSN 1647-6700

Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac vol.61 no.1 Lisboa Mar. 2020  Epub Mar 30, 2020

https://doi.org/10.24873/j.rpemd.2020.07.698 

Caso Clínico

Angina de Ludwig, a propósito de um caso clínico

Ludwig’s Angina, a clinical case report

Pedro Duarte1 

Grimanesa Sous1  2 

Joana Costa2 

César Lourenço1 

Sofia Motta3 

Humberto Costa2 

1 Serviço de Medicina Interna, Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPER (HDES- EPER), S. Miguel. Açores. Portugal

2 Serviço de Medicina Intensiva, Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPER (HDES-EPER), S. Miguel. Açores. Portugal

3 Serviço de Otorrinolaringologia, Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPER (HDES-EPER), S. Miguel. Açores. Portugal


Resumo

A angina de Ludwig apresenta-se como uma celulite grave que envolve o espaço submandibular, de início agudo e evolução rapidamente progressiva. Descreve-se o quadro clínico de um homem de 33 anos com uma tumefação submandibular de agravamento progressivoassociada a obstrução da via aérea e necessidade de ventilação mecânica invasiva. Imagiologicamente, apresentava extenso processo fleimonoso dos tecidos moles do pescoço, com ponto de partida em cáries dentárias homolaterais. Foi instituída a drenagem do abcesso e antibioterapia, sem evidência de melhoria. Careceu de intervenção cirúrgica, com evolução paulatina, mas favorável. Este caso demonstra que o diagnóstico e tratamento precoces são fundamentais para o sucesso terapêutico.

Palavras-chave: Angina de Ludwig; Antibióticos; Caso clínico; Celulite; Infeções odontogénicas

Abstract

Ludwig’s angina is a severe cellulitis involving the submandibular space, with acute onset and rapidly progressive evolution. We describe the case of a 33-year-old man with a progressive submandibular swelling associated with an airway obstruction that required mechanical ventilation. Radiologically, the patient presented with an extensive phlegmonous process of the soft tissues of the neck, originating from homolateral dental caries. Abscess drainage and antibiotic therapy were performed, without evidence of improvement. Surgical intervention was required, resulting in slow but favorable evolution. This case shows that successful treatment depends on early diagnosis and treatment.

Keywords: Ludwig’s angina; Antibiotics; Case report; Cellulitis; Odontogenic infections

Introdução

A Angina de Ludwig foi descrita pela primeira vez em 1836, pelo médico alemão Wilhelm Friedrich Von Ludwig. Trata‑se de uma infeção difusa, grave, de evolução rápida e potencialmente fatal, que se inicia no pavimento da boca e evolui para o espaço sublingual (superiormente) e submandibular (inferiormente).1-3 A ausência de diagnóstico e tratamento precoces pode conduzir a um desfecho fatal, associado à sua complicação mais grave, a obstrução da via aérea.2 Antes da era dos antibióticos, a mortalidade por Angina de Ludwig variava entre 50 a 60%, rondando atualmente os 8‑10%.4,5 A sua principal etiologia é odontogénica, associada a infeções do segundo e terceiro molares. A diabetes mellitus, a desnutrição, o alcoolismo, a imunossupressão associada ao VIH e ao transplante de órgãos são fatores predisponentes.1,3 A abordagem cirúrgica e o tratamento antibiótico são as armas terapêuticas atuais.1-3,6

Caso clínico

Doente do sexo masculino, 33 anos, sem antecedentes pessoais conhecidos, sem toma de medicação habitual. Recorreu ao Serviço de Urgência por aparecimento de tumefação submandibular dolorosa, com comprometimento da fala e da alimentação, associada a febre, com uma semana de evolução e de agravamento progressivo. Ao exame objetivo destacou‑se a presença de abcesso cervical profundo de provável origem odontogénica, trismo e edema do tecido subcutâneo até à fúrcula esternal. Realizou nasofibroscopia, com evidencia de via aérea permeável e ligeiro edema da prega ariepiglotica esquerda e, posteriormente, tomografia cervical (Figura 1), com evidência de extensa densificação dos tecidos moles do pescoço anterior, que se estendia superficialmente desde o pavimento da boca ao espaço pré‑esternal, com presença de gás envolvendo o corpo e ramo esquerdo da mandibula no espaço mastigador esquerdo e no espaço sublingual esquerdo com uma fina lâmina de líquido, em relação com processo fleimonoso, associado a cáries dentárias homolaterais, que intui provável ponto de partida odontogénico. Foi submetido a drenagem de abcesso submandibular via cervicotomia, sem possibilidade de extubação no pós‑operatório, tendo sido admitido na Unidade de Cuidados Intensivos. Iniciou antibioterapia com Clindamicina e Piperacilina/Tazobactam, com identificação no pus do abcesso de Staphylococcus epidermidis e Streptococcus anginosus, sem isolamento bacteriológico em hemoculturas. Desenvolveu após início da antibioterapia, exantema maculopapular da região anterior do tórax, de agravamento progressivo, atingindo posteriormente o dorso, coxas e região inferior do abdómen, sem visível atingimento das mucosas. Admitida provável toxidermia medicamentosa pelo que suspendeu a antibioterapia em curso e iniciou Vancomicina e Metronidazol.

Figura 1 TC-Cervical inicial: Extensa densificação dos tecidos moles do pescoço anterior, com presença de gás envolvendo o corpo e ramo esquerdo da mandibula no espaço mastigador esquerdo e no espaço sublingual esquerdo com uma fina lamina de liquido, em relação com processo fleimonoso 

Associou‑se corticoterapia com Metilprednisolona e anti‑histamínico com Clemastina. Efetuou tomografia cervical de controlo (Figura 2), evidência face ao exame anterior de agravamento, com pequena coleção de líquido e raras bolhas gasosas ocupando o espaço adiposo para‑faríngeo, que se encontrava assimétrico face ao contralateral, com edema e protusão da língua. Foi submetido a nova exploração das locas do abcesso, com saída de conteúdo purulento de loca peri‑glândula submaxilar direita, locas sublinguais esquerda e direita. Melhoria clínica progressiva, com tomografia cervical a documentar evolução favorável do edema.

Foi extubado ao fim de 408 horas de ventilação mecânica invasiva. Antibioterapia suspensa ao 19.º dia, por melhoria clínica, apirexia sustentada e parâmetros analíticos de infecção negativos. O doente assinou alta clínica, contra parecer médico e abandonou seguimento, não comparecendo às consultas agendadas.

Figura 2 TC-Cervical de controlo aos 13 dias: Locas abcedadas tem menores dimensoes, os planos de clivagem entre as diferentes estruturas envolvidas estao mais bem definidos, com menos edema adjacente 

Discussão e conclusões

A Angina de Ludwig é uma infeção potencialmente fatal, pelas complicações locais que uma infeção cervical pode acarretar, como é caso da asfixia por edema dos tecidos com obstrução da via aérea.1,7,8 Neste sentido, o foco inicial da abordagem a estes doentes deverá ser sempre no sentido de manter a permeabilidade da via aérea, por vezes com necessidade de entubação orotraqueal, como no presente caso. Em contexto de doença localmente avançada, com edema marcado dos tecidos, torna‑se mandatória a realização de traqueostomia, pela impossibilidade de entubação orotraqueal.1,2,8

Apesar do ponto de partida ser habitualmente odontogénico, à semelhança do caso aqui descrito, existem também casos, embora menos frequentes, associados a disseminação de processos infeciosos com ponto de partida em abcessos peritonsilares ou em parotidite supurativa.6 A flora isolada no pus local é geralmente polimicrobiana, tendo ponto de partida principal, agentes da cavidade oral, incluindo espécies como Streptococcus do grupo A, Staphylococcus, Fusobacterium e Bacteroides.

Em doentes imunocomprometidos, podem ser isoladas Pseudomonas, Escherichia coli, Candida ou Clostridium.8 O início precoce da terapêutica antibiótica é de fundamental importância, devendo a antibioterapia empírica ser realizada com Penicilina G e Metronidazol ou Clindamicina.1,2,4,8 A cirurgia está indicada perante a existência de abcessos locais ou falência da terapêutica antibiótica, consistindo na descompressão dos espaços submandibulares por incisão externa e drenagem.5,7,9

Este caso clínico apresenta‑se como um verdadeiro desafio diagnóstico e terapêutico. É fundamental um elevado nível de suspeição diagnóstica, com vista à redução da morbimortalidade associada à doença. Os avanços e a acessibilidade aos meios complementares de diagnóstico e terapêutica têm contribuído, de forma igualmente importante, para um decréscimo da mortalidade da Angina de Ludwig.

Referências

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2. Melo TAF, Rücker T, Carmo MPD, Irala LED, Salles AA. Ludwig’s Angina: diagnosis and treatment. RSBO. 2013;10:172‑5. [ Links ]

3. Okoje VN, Ambeke OO, Gbolahan OO. Ludwig’s Angina: an analysis of cases seen at the university college hospital, Ibadan. Ann Ib Postgrad Med. 2018;16:61‑8. [ Links ]

4. Fogaça PFL, Queiroz EA, Kuramochi MM, Vanti LA, Correa JDH. Angina de Ludwig: Uma Infecção Grave. Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac. 2006;47:157‑61. [ Links ]

5. Kassam K, Messiha A, Heliotis M. Ludwig’s Angina: The Original Angina. Case Rep Surg. 2013;2013:974269. [ Links ]

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7. Balakrishnan A, Thenmozhi MS. Ludwig’s Angina: Causes Symptoms and Treatment. Pharm Sci Res. 2014;6:328‑30. [ Links ]

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Recebido: 14 de Dezembro de 2019; Aceito: 11 de Março de 2020

Autor correspondente. Pedro Duarte Correio eletrónico: pedropduarte@hotmail.com

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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