SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.61 número4Tratamento cirúrgico de uma condição rara de ameloblastoma sólido em maxila - relato de caso índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial

versão impressa ISSN 1646-2890versão On-line ISSN 1647-6700

Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac vol.61 no.4 Lisboa dez. 2020  Epub 30-Dez-2020

https://doi.org/10.24873/j.rpemd.2020.12.724 

Caso Clínico

Schwannoma em lábio inferior: Relato de caso

Schwannoma in the lower lip: a case report

Thales H. J. Ponciano1 

Ferdinando De Conto2 

1 Faculdade de Odontologia, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo - RS, Brasil.

2 Residência em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Faculdade de Odontologia, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo - RS, Brasil.


Resumo

O Schwannoma é um tumor benigno de crescimento lento e encapsulado que se desenvolve nas fibras nervosas periféricas e pode ou não estar associado a trauma e não há evidencias que determinam predileção por sexo ou idade. O objetivo deste artigo é relatar um caso de Schwannoma no lábio inferior. Paciente masculino, 30 anos, apresentando lesão em lábio inferior percebido após trauma facial ocorrido há 8 anos. O diagnóstico definitivo e o tratamento foram dados através de biópsia excisional e o exame histopatológico da peça confirmou o diagnóstico de Schwannoma devido aos padrões Anthony A e B encontrados. O tratamento para o Schwannoma consiste na remoção total da lesão, pois apresenta baixas taxas de recidiva e malignização conforme os dados da literatura bem como o baixo risco de lesão ao nervo envolvido. Seu diagnóstico é dado por exame histopatológico onde os padrões Anthony A e B são destacados.

Palavras-chave: Cavidade oral; Cirurgia oral; Neoplasia labial; Schwannoma

Abstract

Schwannoma is a benign encapsulated slow-growing tumor that occurs in the peripheral nerves and may or not be associated with trauma. There is no evidence to determine a relationship between the tumor, sex, or age. The purpose of this article is to examine a case of schwannoma in the lower lip. A 30-year-old male patient exhibits a lesion in the lower lip that was first detected after a facial trauma 8 years ago. After conducting the excisional biopsy and the histopathological examination, we confirmed the diagnosis of schwannoma due to the patterns Anthony A and B. The schwannoma was treated by total removal of the lesion. According to the medical data, this was the optimal treatment due to the low risk of injury to the nerves, the low recurrence rate, and the tumor’s malignancy.

Keywords: Oral cavity; Oral surgery; Lip neoplasms; Schwannoma

Introdução

O Schwannoma é um tumor benigno do sistema nervoso periférico oriundo das células de Schwann. São células que se originam do tubo neural e participam do conjunto das células Glia, que proporcionam suporte e nutrição aos neurónios. Elas têm por função recobrir os axónios dos neurónios do sistema periférico formando um isolamento elétrico que permite a propagação rápida dos estímulos nervosos. Por isso, o Schwannoma pode se desenvolver em qualquer fibra nervosa mielinizada a partir de uma proliferação desordenada das células de Schwann.1,2

É uma entidade rara que se apresenta na maior parte dos casos como uma lesão de crescimento lento, encapsulada, de consistência lisa e borrachóide, indolor, que pode variar de tamanho e, conforme cresce, desloca o nervo afetado não o envolvendo no tumor.3,4

Entre 25% e 45% dos Schwannomas ocorrem na cabeça e pescoço e cerca de 1% tem origem intrabucal. O local mais acometido pelo tumor é a língua, seguido de assoalho bucal, palato, gengiva, lábios e mucosa bucal. Não há predileção por sexo, e pode se desenvolver em qualquer idade.1,57

Seu tratamento consiste na exérese da lesão e, pelo fato de ser encapsulada, não apresenta dificuldade de remoção. Seu prognóstico após remoção cirúrgica é ótimo, com risco muito baixo de malignização e recidiva, porém há indicação de acompanhamento clínico a cada 12 meses para a avaliação de possíveis mudanças de volume ou de sensibilidade na região que possam indicar necessidades de novos exames de imagem.1,8

O objetivo do presente artigo consiste em relatar o caso de um Schwannoma em lábio inferior tratado por remoção cirúrgica.

Caso clínico

Paciente do género masculino, 30 anos, feoderma, comparece com queixa de nódulo no lábio inferior, indolor, percebido após trauma contuso em face, oriunda de um acidente automobilístico de baixa cinemática ocorrido há 8 anos.

Ao exame físico notou‑se lesão nodular de base séssil, submucosa, de consistência firme e flutuante em lábio inferior paramediano do lado esquerdo, associada a uma isquemia da região quando tracionada (Figuras 1 e 2). Não se observou parestesia nem alteração de cor na região da lesão. O paciente nega comorbidades, bem como uso de medicamentos de forma continuada.

Com base no histórico de contusão no lábio, houve a suspeita de lesão vascular, além disso, suspeitou‑se também de mucocele, lipoma, fibroma traumático e neurofibroma. Após avaliação clínica foi solicitado um exame de ultrassonografia do lábio inferior para melhor definição dos bordos da lesão, avaliação de abordagem e diagnóstico diferencial da lesão vascular, além de ser um exame com baixo custo para o paciente.

O exame ultrassonográfico evidenciou formação nodular hipoecoica sólida, capsulada, medindo 1,25x1,5 cm, localizada abaixo do tecido celular subcutâneo, sem evidência de vascularização proeminente no seu interior ou tecido adjacente e sem sinais de conteúdo líquido no interior, descartando assim a hipótese de mucocele e lesão vascular (Figura 3).

Figura 1 Aspeto inicial do lábio do paciente demonstrando aumento de volume da região 

Figura 2 Isquemia em lábio na região da lesão ao tracionamento da mucosa 

Figura 3 Exame de Ultrassonografia evidenciando formação nodular encapsulada 

Após a avaliação do exame de imagem optou‑se pela realização de uma biópsia excisional para diagnóstico conclusivo e também como forma de tratamento. O procedimento foi realizado sob anestesia local, sem intercorrências transoperatórias.

A incisão foi realizada no bordo lateral do tumor e durante a divulsão dos tecidos não foram encontradas terminações nervosas próximas. O material foi encaminhado para análise histopatológica (Figuras 4 e 5).

Figura 4 Leito cirúrgico durante a exérese da lesão 

Figura 5 Lesão removida por completa 

Macroscopicamente foi identificada uma peça de aspecto nodular, pardo‑claro, firme e elástico. Medindo 1,6x1,2x0,6 cm. O exame microscópico evidenciou proliferação de células fusiformes e fibras colágenas dispostas em padrão Anthony A e Anthony B, limitadas por cápsula fibrosa delgada compatível com Schwannoma (Figura 6).

Figura 6 H&E, 200x de aumento, no canto superior esquerdo encontra‑se cápsula delgada de fibra colágena, ao centro padrões Anthony A e B 

Não houve complicações pós‑operatórias e no controle de 50 dias pós‑operatório o paciente apresentou o lábio com volume normal, simétrico, sem queixas álgicas ou de parestesia, com a mucosa em aspecto normal (Figura 7).

Figura 7 Aspeto do lábio após 50 dias de remoção da lesão com volume e aspeto normal 

Discussão e conclusões

O Schwannoma é um tumor benigno e encapsulado do sistema nervoso periférico com características clínicas de crescimento lento, tamanho variável e assintomático, o que pode fazer com que o paciente não perceba a lesão tão precocemente.

Sua origem é desconhecida, porém pode estar associado a trauma local, possui baixa tendência de malignização e microscopicamente apresenta características quase patognomónicas como os padrões Anthony A e Anthony B.6,9,10Estas características se aplicam muito bem ao caso relatado, principalmente se considerarmos o tempo de evolução entre o trauma e o tratamento.

Uma análise clínica criteriosa quanto ao tempo de evolução da lesão e a superfície da mucosa são importantes pontos a serem considerados para descartar lesões potencialmente malignas e demais hipóteses diagnósticas como lesões vasculares, lipoma, neurofibroma, fibroma traumático e lesão de glândulas salivares.2,6,8

Os exames de imagem são bons aliados do profissional como auxílio de diagnóstico e planeamento. A maioria dos Schwannomas se apresenta como uma massa bem delimitada, homogénea e hipodensa em uma tomografia computadorizada, em uma ressonância magnética também possuem boa definição e apresentam hipersinal em T2 e hiposinal em T1, e o exame de ultrassonografia mostra uma imagem bem definida, hipoecoica, homogénea e sólida.11

A ressonância magnética é o exame de imagem ideal, pois apresenta vantagens em comparação com tomografia computadorizada em vários aspetos, pois ela não é afetada pelo efeito do “beam hardening” que acomete a tomografia computadorizada na cavidade oral e permite maior precisão do local da lesão relacionada com estruturas adjacentes, possibilitando uma melhor mensuração do tamanho da lesão.8 O efeito “beam hardening” ocorre principalmente próximo de estruturas de alta densidade como metais (implantes dentários, núcleos metálicos, coroas, restaurações de amálgama de prata) que possuem alta absorção dos raios X, gerando o endurecimento do feixe e tais alterações podem interferir na interpretação das imagens e consequentemente no diagnóstico.12

A ressonância magnética não foi solicitada para o presente caso por se tratar de uma lesão pequena em lábio e por condições de custo financeiro ao paciente, tendo assim a ultrassonografia como uma alternativa de exame com boa relação custo vs. benefício.

Entretanto, mesmo havendo constância e similaridade nos resultados observados nestes exames que definem bem a imagem obtida de um Schwannoma, eles não são suficientes para confirmar o diagnóstico da lesão, sendo assim necessária a realização de uma biópsia excisional e envio da peça para análise histopatológica e diagnóstico definitivo.

Microscopicamente o Schwannoma apresenta dois padrões distintos. O padrão Anthony A é composto por células fusiformes compactadas com um arranjo de células em paliçadas distribuídas em múltiplas direções, com núcleos ovalados ou em forma de charuto e citoplasma róseo com limites imprecisos, além de áreas anucleadas que compõe os Corpos de Verocay e o padrão Anthony B que se apresenta com células frouxamente organizadas e em menor número com maior presença de tecido conjuntivo, apresenta citoplasma escasso que se resolve em finos prolongamentos mal definidos e não se arranjam em feixes.2,3,8,9,11

Também pode ser utilizado o exame de imunohistoquímica em conjunto com o histopatológico para distinguir o Schwannoma de outros tumores de tecido mole. O Schwannoma tem resposta forte e difusa para a proteína S100, o que é tipicamente encontrado em células derivadas da crista nervosa.8

Entretanto, no presenta caso não foi solicitado exame de imunohistoquímica devido às características clínicas e histopatológicas serem suficientes para a confirmação do diagnóstico.

A citologia aspirativa por agulha fina é um método útil para diagnóstico de tumores da cabeça e pescoço, porém para o Schwannoma a quantidade de material obtida não é suficiente, pois o tumor é misto e o diagnóstico pode ser inconclusivo. Isto reforça que a biópsia excisional seguida de análise histopatológica é essencial.4

O tratamento de escolha para o Schwannoma é a excisão completa da lesão, a incisão cirúrgica é conservadora e não necessita de margens de segurança. O tumor frequentemente desloca e comprime o nervo e tecidos moles adjacentes, porém devido a sua forma encapsulada permite a preservação da estrutura nervosa. O prognóstico é muito bom, apresenta baixa taxa de recidiva desde que sua remoção seja completa, sendo assim este o fator crítico para o sucesso do tratamento e a transformação para maligno é incomum.1,4,8

O presente caso traz uma condição incomum da localização de um Schwannoma, sendo o lábio uma das regiões que menos é acometida pelo tumor segundo a literatura pesquisada e o exame de ultrassonografia pode ser um bom aliado no auxílio do diagnóstico que apresenta boa definição da lesão e uma boa relação‑benefício ao paciente. Schwannomas são tumores benignos pouco frequentes, assintomáticos, de crescimento lento e tamanho variável. Apresentam baixo risco de malignização ou dano nervoso na região da lesão. Seu tratamento é simples através de remoção cirúrgica completa com prognóstico bom e, apesar de ter boas definições em exames de imagem seu diagnóstico deve ser confirmado através de exame histopatológico, onde apresenta os padrões Anthony A e Anthony B. O exame de ultrassonografia apresenta bons resultados no auxílio do diagnóstico e devido ao seu baixo custo torna‑se mais acessível ao paciente.

Referências

1. Humber CC, Copete MA, Hohn FI. Ancient schwannoma of upper lip: case report with distinct histologic features and review of the literature. J Oral Maxillofac Surg. 2011;69:e118‑22. [ Links ]

2. Williams HK, Cannell H, Silvester K, Williams DM. Neurilemmoma of the head and neck. Br J Oral Maxillofac Surg . 1993;31:32‑5. [ Links ]

3. Hashiba Y, Nozaki S, Yoshizawa K, Noguchi N, Nakagawa K, Yamamoto E. Recurrent multinodular neurilemmoma of the female upper lip. Int J Oral Maxillofac Surg . 2007;36:171‑3. [ Links ]

4. Shibata A, Kimura M, Ohto H, Yamada H, Umemura M. Schwannoma of the anterior maxillary vestibular submucosa: A case report. J Oral Maxillofac Surg Med Pathol. 2017;29:45‑8. [ Links ]

5. López‑Carriches C, Baca‑Pérez‑Bryan R, Montalvo‑Montero S. Schwannoma located in the palate: Clinical case and literature review. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2009;14:e465‑8. [ Links ]

6. Karaca CT, Habesoglu TE, Naiboglu B, Habesoglu M, Oysu C, Egeli E, et al. Schwannoma of the tongue in a child. Am J Otolaryngol. 2010;31:46‑8. [ Links ]

7. Lollar KW, Pollak N, Liess BD, Miick R, Zitsch RP. Schwannoma of the hard palate. Am J Otolaryngol . 2010;31:139‑40. [ Links ]

8. Laviv A, Faquin WC, August M. Schwannoma (neurilemmoma) in the floor of the mouth: Presentation of two cases. J Oral Maxillofac Surg Med Pathol. 2015;27:199‑203. [ Links ]

9. Sedassari BT, Da Silva Lascane NA, Cury Gallottini MH, Orsini Machado de Sousa SC, Pinto Júnior DDS. Neuroblastoma‑like schwannoma of the lower labial mucosa: a rare morphologic variant of peripheral nerve sheath tumor. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2014;118:579‑82. [ Links ]

10. Sahoo PK, Mandal PK, Ghosh S. Schwannoma of the hard palate. Natl J Maxillofac Surg. 2014;5:39‑41. [ Links ]

11. Kim S‑M, Kim J, Park Y, Kim T‑J. Imaging features of schwannomas in the oral cavity: report of two cases. Oral Radiology. 2013;29:166‑9. [ Links ]

12. Ketcham RA, Hanna RD. Beam hardening correction for X‑ray computed tomography of heterogeneous natural materials. Computers & Geosciences. 2014;67:49‑61. [ Links ]

Recebido: 09 de Abril de 2020; Aceito: 01 de Dezembro de 2020

* Autor correspondente. Thales H. J. Ponciano Correio eletrónico: thalesjincziwski@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons