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Laboreal

versão On-line ISSN 1646-5237

Laboreal vol.17 no.2 Porto dez. 2021  Epub 03-Dez-2021

https://doi.org/10.4000/laboreal.18129 

Textos Históricos

Imperativos dos sistemas sociotécnicos e temporalidades humanas (ritmos biológicos e sociais, ciclo de vida e história profissional)

Imperativos de los sistemas socio-técnicos y temporalidades humanas (ritmos biológicos y sociales, ciclos de vida e historia profesional)

Impératifs des systèmes socio-techniques et temporalités humaines (rythmicités biologiques et sociales, cycle de vie et histoire professionnelle)

Requirements of socio-technical systems and human temporalities (biological and social rhythms, life cycle and professional history)

Charles Gadbois

Tradução:

Teresa Lello

Christiano Lello


Texto original: Gadbois, Ch. (1993). Impératifs des systèmes socio-techniques et temporalités humaines (Rythmicités biologiques et sociales, cycle de vie et histoire professionnelle). In Actes du colloque de prospective soutenu par le PIR Cognisciences du CNRS: « Recherches pour l’ergonomie » (pp. 183-186). Université de Toulouse-le-Mirail.

Os imperativos económicos e técnicos do funcionamento de sistemas sociotécnicos obrigam cada vez mais a impor aos operadores um quadro temporal de trabalho contrário ao padrão de vida habitual do ser humano. O recurso ao trabalho por turnos, que segue as fórmulas clássicas do tipo 3x8 ou 4x8, por excelência o exemplo desse sistema, tende a aumentar, designadamente devido à contestação, recentemente reaberta, da proibição do trabalho noturno das mulheres. Além disso, nos últimos anos, surgiram novas fórmulas (turnos noturnos parciais, de fim-de-semana, 4x10, de 12 horas, etc.) que levantam questões de natureza semelhante.

E essas questões continuam, ainda hoje, muito mais ignoradas do que se imagina. Inserem-se em várias disciplinas com base diferente, e correspondem a campos de investigação de constituição desigual, entre os quais é necessário desenvolver articulações, algumas delas, até agora, muito pouco exploradas.

Os constrangimentos impostos ao ritmo biológico circadiano, subjacente ao funcionamento do organismo humano no seu todo, representam uma área de investigação muito específica e intimamente ligada à investigação crono-biológica. A demonstrá-lo está a criação de uma rede internacional organizada (colóquios periódicos, canais de publicação, etc.). No entanto, a maioria dos trabalhos neste domínio revela uma deficiência grave, dado que eles partem de um ponto de vista implícito que considera que as variações da atividade do operador são reflexo direto das variações circadianas das suas capacidades. A abordagem ergonómica, assente na observação direta no local em que se desenvolve a atividade real, leva a concluir que este modelo é, por demais, redutor e que se impõe construir novos modelos que articulem o modelo ergonómico da atividade de trabalho com o modelo crono-biológico da eficiência humana (Gadbois & Queinnec, 1984; Gadbois, 1990).

Foi com esse intuito que se criou, no Outono de 1990, o grupo “Crono-ergonomia” do PIRTTEM (Programme Interdisciplinaire de Recherche sur le Travail, les Technologies, l’Emploi et les Modes de vie).), que reuniu investigadores franceses cujos trabalhos se debruçam sobre a dinâmica do ritmo circadiano nas atividades humanas, seguindo, cada um por seu lado, abordagens diferentes, umas desenvolvidas em laboratório e outras no terreno (trabalho, escola, etc.). O intercâmbio e o arranque da cooperação dentro do grupo, bem como a realização do colóquio internacional “Shiftwork and Job demands”, em Paris, em julho de 1991, vieram confirmar o interesse desta perspetiva. Apesar do desaparecimento do PIRTTEM, os membros do grupo querem continuar a confrontar os seus pontos de vista e respetivas competências, e aumentar a cooperação, privilegiando a realização de estudos no terreno. Falta apenas saber exatamente quais as condições necessárias. Se não contar com apoio institucional e material, um projeto como este, apesar de plenamente justificado no plano intelectual, arrisca-se muito provavelmente a ter de ficar à espera de melhores dias.

Porém, um melhor conhecimento do ritmo biológico circadiano não basta para resolver adequadamente a questão dos quadros temporais do trabalho. Com efeito, os problemas que eles levantam decorrem em larga medida da sua incompatibilidade com a generalidade dos ritmos da vida em sociedade (Gadbois, 1990b). Aliás, é notório que, na prática, são quase sempre razões de ordem social que levam a melhor nas decisões relativas à organização dos horários.

No entanto, neste domínio, e por razões que carecem de análise, há que reconhecer que a investigação continua a ser claramente insuficiente e muito raramente assente em bases teóricas sólidas. Há um vazio a preencher de modo a estabelecer melhores ligações com determinados sectores da psicologia social e da sociologia que desenvolvem, noutras áreas, teorias e métodos de análise potencialmente pertinentes para abordar a questão da organização dos horários de trabalho.

É certo que aqui nos deparamos também com as consequências de uma compartimentação constante que é imperioso ultrapassar para tratar da interação vida de trabalho / vida fora do trabalho, tarefa que nem sempre é fácil. Contudo, nos últimos dez anos, surgiram neste domínio novas abordagens cuja aplicação ao objeto “tempo de trabalho” há-de dar os seus frutos. Muito mais do que o da abundante e pouco profunda literatura anglo-saxónica sobre o tema “coping with stress at work”, o contributo mais importante a ter em conta, neste caso, é sem dúvida o da problemática do “sistema de atividades” de J. Curie e da sua equipa (Curie & Hajjar, 1987). Seria preciso criar condições que ajudassem a desenvolver no terreno esta perspetiva teórica dos quadros temporais do trabalho, isto para além de interações mais amplas entre biólogos, psicólogos e sociólogos.

Quer se considere a esfera da atividade de trabalho quer a das relações entre a vida de trabalho e a vida fora do trabalho, os problemas relacionados com os quadros temporais do trabalho só podem ser verdadeiramente entendidos se forem considerados diacronicamente à escala da história individual dos trabalhadores implicados. Atualmente, pode considerar-se aceite a ideia de que os horários atípicos de trabalho levam à criação - de forma interdependente - de regulações individuais, adaptadas à história pessoal (ciclo de vida) e profissional (carreira) do assalariado, bem como de políticas de gestão (explícitas ou não) aplicadas a todos os trabalhadores sujeitos a esses horários atípicos.

Este ponto de vista decorre, em parte, dos resultados da investigação já efetuada sobre o trabalho por turnos, em especial da reflexão suscitada pelas dificuldades metodológicas relacionadas com a erosão seletiva que afeta os trabalhadores por turnos. Embora tenham sido identificadas há muitos anos, essas dificuldades continuam ainda hoje, em grande medida, negligenciadas. Apesar de justificada e promissora, considerando os nossos conhecimentos e lacunas, esta linha de análise foi pouco explorada. A conjuntura atual parece ser favorável ao seu desenvolvimento e, aliás, a análise destas questões prende-se muito diretamente com a problemática abordada nos trabalhos promovidos por A. Laville e S. Volkoff no intuito de renovar a investigação sobre o envelhecimento no trabalho e de aprofundar o estudo de todas as dimensões das condições de trabalho.

De acordo com esta perspetiva, os quadros temporais do trabalho apresentam características específicas que devem ser tidas em conta. Os constrangimentos dos horários não afetam apenas aquele que trabalha por turnos, afetam também o seu círculo familiar, daí que as regulações desenvolvidas não dizem somente respeito ao trabalhador. A evolução da tolerância a esses constrangimentos não pode, portanto, ser considerada unicamente resultante de um envelhecimento biológico, mas deve também ser relacionada com as alterações do agregado familiar ao longo dos anos. A prática de horários atípicos decorre de motivos pessoais que se inscrevem numa história pessoal e que determinam o significado que para o trabalhador têm os constrangimentos que ele suporta, consente, tolera ou recusa. A aceitação do trabalho por turnos e a sua continuação, ou não, constituem uma variável de ajustamento importante no funcionamento geral do sistema pessoal de atividades (de acordo com a definição de Curie). Algumas das recentes alterações das condições institucionais e económicas a nível nacional (alargamento do trabalho noturno às mulheres, redução do trabalho noturno a 35 horas em todos os estabelecimentos hospitalares, alargamento da prática limitada do trabalho a tempo parcial) oferecem, neste aspeto, possibilidades de investigação particularmente interessantes a ter em conta.

Referências bibliográficas

Curie, C., & Hajjar, V. (1987). Vie de travail, vie hors travail. La vie en temps partagé. In C. Levy-Leboyer, & J-C. Spérandio (Eds.), Traité de Psychologie du travail (pp. 37-55). Paris: PUF. [ Links ]

Gadbois, C., & Queinnec, Y. (1984). Travail de nuit, rythmes circadiens et régulation des activités. Le Travail Humain, 47(3), 195-225. [ Links ]

Gadbois, C. (1990a). Dimensions temporelles de l’action et fiabilité des systèmes socio-techniques. In J. Leplat, & G. de Terssac (Eds.), Les facteurs humains de la fiabilité dans les systèmes complexes (pp. 159-187). Toulouse: Octares. [ Links ]

Gadbois, C. (1990b). Travail posté et vie sociale: recherches actuelles et perspectives. Le Travail Humain , 53(2), 97-101. [ Links ]

Volkoff, S., Laville, A., & Maillard, M. (1992). Ages et travail: Contraintes, sélection et difficultés chez les 40-50 ans. Travail et Emploi, 54, 20-33. [ Links ]

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