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Laboreal

versão On-line ISSN 1646-5237

Laboreal vol.18 no.1 Porto jun. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.4000/laboreal.19457 

Datário

26 de julho de 1999. Início da caminhada da União Europeia para a proibição total do amianto

26 de julio de 1999. Inicio del camino de la Unión Europea hacia la prohibición total del amianto

26 juillet 1999. Début du parcours de l’Union Européenne en vue de l’interdiction totale de l’amiante

July 26, 1999. The launch of European Union path towards the total ban on asbestos

Augusto Rogério Leitão1 
http://orcid.org/0000-0003-3541-9437

1Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, Av. Dr. Dias da Silva 165 3004-512 Coimbra, Portugal, Centro Observare, Universidade Autónoma de Lisboa, Rua Santa Marta 56, 1169-023 Lisboa, Portugal arleitao@fe.uc.pt; arrcleitao@sapo.pt


Resumo

Partindo da decisão de proibir a comercialização e utilização do amianto no espaço da União Europeia, a partir de 1 de janeiro de 2005, este artigo tenta refazer o percurso “comunitário”, sobretudo legislativo, que culminou com tal decisão. Trata-se de um processo que se desenrolou a um nível político-institucional especial, o das Comunidades Europeias/União Europeia, que não reflete, nem é diretamente determinado por movimentações sociais. Mas, os malefícios do amianto, principalmente durante o trabalho, não cessaram com a implementação da sua interdição. Longe de se ter tornado um problema do passado, o amianto tornou-se numa grave e complexa questão do presente da UE e, especialmente, do presente das sociedades dos seus Estados-membros. A remoção, a demolição, a manutenção ou reparação, sobretudo de edifícios que contêm amianto, exigem condições que garantam a proteção da saúde dos trabalhadores contra a contaminação pelas poeiras e pelas fibras libertadas por esses trabalhos e obras.

Palavras-chave: amianto; cancro; trabalho; União Europeia; legislação

Resumen

Partiendo de la decisión de prohibir la comercialización y el uso del amianto en la Unión Europea a partir del 1 de enero de 2005, este artículo intenta rehacer el recorrido «comunitario», en particular el legislativo, que culminó en dicha decisión. Se trata de un proceso que se ha desarrollado a un nivel político-institucional especial, el de las Comunidades Europeas/Unión Europea, que no refleja ni está directamente determinado por movimientos sociales. Pero los efectos nocivos del amianto, principalmente durante el trabajo, no han cesado con la aplicación de su prohibición. Lejos de haberse convertido en un problema del pasado, el amianto se ha convertido en una cuestión grave y compleja del presente de la UE y, en particular, del presente de las sociedades de sus Estados miembros. La retirada, la demolición, el mantenimiento o reparación, sobre todo de los edificios que contienen amianto, exigen condiciones que garanticen la protección de la salud de los trabajadores contra la contaminación por los polvos y las fibras liberadas por dichos trabajos y obras.

Palabras-clave : amianto; cáncer; trabajo; Unión Europea; legislación

Résumé

En partant de la décision d’interdire la commercialisation et l’utilisation de l’amiante au sein de l’Union Européenne, à compter du 1er janvier 2005, cet article cherche à retracer le parcours « communautaire », principalement législatif, qui a abouti à cette décision. Il s’agit d’un processus qui s’est déroulé à un niveau politico-institutionnel particulier, celui des Communautés européennes/Union européenne, qui ne reflète ni n’a été directement déterminé par des mouvements sociaux. Mais les méfaits de l’amiante, principalement durant le travail, n’ont pas pris fin avec la mise en place de son interdiction. Loin d’être à présent un problème du passé, l’amiante est devenu une question sérieuse et complexe pour l’UE et, en particulier, pour les sociétés de ses États membres. Le désamiantage, la démolition, l’entretien ou la réparation, notamment des bâtiments contenant de l’amiante, exigent des conditions garantissant la protection de la santé des travailleurs contre la contamination par les poussières et les fibres dégagées lors de ces travaux.

Mots-clès : amiante; cancer; travail; Union Européenne; législation

Abstract

Drawing on the decision to ban asbestos’ trade and use within European Union space from 1 January 2005 onwards, this paper attempts to recreate the “Community” path, mainly from a legal perspective, until the decision was settled. This process unrolled at a special political-institutional level, the European Communities/European Union, which is not a reflection - nor is it directly determined - by social movements. However, the harm caused by asbestos, particularly during work, did not stop when the ban entered into force. Far from becoming a problem of the past, asbestos became a serious and complex issue at EU today, and it is felt now by the societies of its Member States. Removal, demolition, maintenance or repair, mainly of buildings with asbestos, demand conditions to guarantee the protection of the workers’ health against contamination from dust and fibers released during the works and constructions.

Keywords : asbestos; cancer; work; European Union; law

1. Introdução

A revista Laboreal publicou no seu nº1/2020, na secção Datário, um dossier sobre “as glórias e tragédias” do amianto, tal como foram vividas (e ainda o são) em países como a França, o Brasil e o Quebeque. Na introdução às contribuições publicadas nesse dossier (Lacomblez & Leitão, 2020), referiu-se que a União Europeia (UE), através de uma diretiva da Comissão, tinha decidido a interdição total do amianto. De facto, a Comissão adotou, em 26 de julho de 1999, a Diretiva 1999/77/CE [1], que proíbe a comercialização e utilização de todos os tipos de amianto no espaço europeu, com efeito a partir de 1 de janeiro de 2005.

Como a presente resenha sobre o amianto terá o seu início antes de 1999, e se debruçará sobre a legislação adotada pela União Europeia (UE) a partir dos meados dos anos ‘60 do século passado, não podemos deixar de referir que o funcionamento das instituições da UE conheceu várias evoluções até aos nossos dias, revestindo, além disso, caraterísticas muito particulares. Assim, cremos ser necessário fornecer, então, previamente, alguns elementos de informação, muito sucintos, sobre a história e o quadro jurídico-político-institucional da integração europeia. Permitirá, cremos nós, por um lado, ajudar a relembrar eventos e dinâmicas europeus que tendem a instalar-se nas brumas da memória; por outro, permitirá, com certeza, aos leitores não-europeus da revista Laboreal dispor de algumas referências, a fim de facilitar a compreensão de certos meandros do processo legislativo da UE.

1.1 Evoluções do quadro jurídico-político-institucional da integração europeia

A UE, que existe hoje, é o resultado de um processo de integração económica (que ao longo do tempo se foi alargando a outros domínios) iniciado nos anos ‘50 do século passado, há precisamente 72 anos, por seis Estados europeus: França, Alemanha (RFA), Itália, Países-Baixos, Bélgica e Luxemburgo.

No seguimento de uma integração económica dos países da Europa ocidental, no quadro dos processos de reconstrução do pós-II Guerra mundial, facilitados pela ajuda norte-americana do Plano Marshall (1948-1952), os seis Estados referidos decidiram aprofundar, entre eles, os preliminares dessa mesma integração. E fá-lo-ão através da criação de três organizações internacionais, que, já na época, revestiam dimensões de supra-nacionalidade: a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) de 1952; a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA, vulgo Euratom) de 1958; e a Comunidade Económica Europeia (CEE, vulgo Mercado Comum) de 1958.

Destas três Comunidades, a CEE será a “locomotiva” da integração europeia propriamente dita, dado o seu objetivo de integração global das economias dos seis Estados fundadores, através do estabelecimento dum Mercado Comum. Processo de integração esse que será acompanhado pela CECA que, desde 1952, vinha realizando a integração sectorial do carvão (minas) e do aço (siderurgias), isto é, realizando um Mercado Comum para os produtos desses sectores económicos que, sublinhe-se, ainda eram nesse tempo considerados como estratégicos.

A partir de 1967, as (três) Comunidades Europeias passam a ter um quadro institucional comum, do qual fazem parte, além do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (hoje, TJ da União Europeia), os outros três órgãos ou “instituições” (assim designados pelo Tratado da CEE-TCEE) seguintes: o Conselho de ministros (representantes dos Estados-membros); a Comissão, cujos membros eram escolhidos e nomeados pelos governos nacionais; e o Parlamento Europeu (PE), denominação que assumiu a Assembleia parlamentar em 1979, quando os seus membros (deputados europeus) passaram a ser eleitos por sufrágio direto e universal.

Podemos afirmar que, até finais de 1993, o poder no seio das Comunidades Europeias estava centrado no Conselho, que adotava as decisões políticas importantes e o essencial do “direito comunitário” que, em regra, plasmava muitas dessas decisões (Regulamentos, Diretivas e Decisões). A Comissão, que se apresentava como que um órgão de gestão, detinha (e detém) importantes competências de vigilância dos Estados em relação ao cumprimento dos tratados. Além disso, detinha, e ainda mantém, a competência exclusiva da “iniciativa legislativa”: querendo isso dizer que o Conselho só pode decidir se a Comissão lhe apresentar um projeto de ato normativo “comunitário”: sem projeto não há decisão. Isto porque, sendo a Comissão, no seu funcionamento, independente dos governos dos Estados-membros (“supra-nacionalidade”), estaria, segundo os autores dos Tratados fundadores, em melhores condições para conseguir apreender (e formular) o “interesse comum”, isto é, o interesse comum aos governos dos Estado-membros.

Relativamente ao PE, e no que diz respeito a competências suas no processo legislativo das Comunidades, mesmo se a revisão do Ato Único (1986) lhe conferiu algum poder de participação (“procedimento de cooperação”), esta instituição só passou a intervir diretamente, juntamente com o Conselho (“procedimento de co-decisão”), em relação a certas matérias, após os finais de 1993, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht (1992), que consagrou a grande revisão dos Tratados das Comunidades Europeias do pós-Guerra-fria.

O Tratado de Maastricht inaugura, na verdade, uma nova arquitetura da integração europeia. As Comunidades Europeias passam a viver juntamente com um novo ator, ainda muito mal esboçado, denominado União Europeia, apresentado como devendo ser a cúpula-manto da integração e das suas entidades. Nesta nova configuração, a CEE vai transformar-se na Comunidade Europeia (CE), pois deixa de ser uma entidade fundamentalmente económica, abarcando agora novas competências em áreas que vão desde a indústria à cultura. Continuando, no entanto, a ser o pilar mais importante da integração europeia, agora fortemente reforçado, pois, no quadro desta nova arquitetura, será no âmbito da CE que será gradualmente instituída a União económica e monetária, acompanhada pela criação da moeda única (Euro).

Atualmente, com a entrada em vigor, em finais de 2009, do chamado Tratado de Lisboa (2007), que consagrou a última grande revisão dos Tratados, procurou-se retocar o plano arquitetónico esboçado no Tratado de Maastricht. A integração europeia passará, então, a ser configurada e representada por uma única entidade, a União Europeia. Um ator que passará a apresentar-se, interna e internacionalmente, como uma entidade revestida de uma certa “estadualidade”. Na realidade, trata-se de uma entidade política cujas competências incidirão sobre vastos domínios da governação, que vão desde a gestão de uma união económica e monetária a uma política de relações internacionais, assim como a uma política comum de segurança e defesa. No entanto, não podemos esquecer que a UE não é um Estado, continuando a ser, a nível interno e no plano internacional, um ator político “sui generis” e único no panorama mundial.

E, para finalizar esta sinopse, lembremos também que, atualmente, o PE, decide juntamente com o Conselho, relativamente a numerosas matérias da UE, passando este modo de deliberação a ser designado pelo Tratado de “procedimento legislativo ordinário”. E, ainda, referir que os poderes e competências da Comissão Europeia foram também reforçados, nomeadamente no âmbito dos seus poderes executivos, que eram, antes da revisão do Tratado de Lisboa, insignificantes ou, então, pontualmente estabelecidos e definidos pelo Conselho, em relação a certas e determinadas matérias.

2. A Europa da CEE e a proteção contra as substâncias perigosas para a saúde humana

2.1. A proteção dos consumidores e a harmonização das legislações dos Estados-membros da CEE

Nos meados dos anos ‘60 do século passado, as preocupações com os efeitos nefastos para a saúde humana de certas substâncias, sobretudo químicas, produzidas e utilizadas no âmbito das atividades económicas, vão se afirmar no espaço público, quer nos EUA, quer na Europa ocidental, e serão explicitadas através da adoção de medidas legislativas e regulamentares visando principalmente, numa primeira etapa, a informação dos utilizadores. Vivia-se, então, os inícios da eclosão das políticas de defesa dos consumidores das sociedades ocidentais industrializadas. Anote-se também que a afirmação dos movimentos de defesa dos consumidores, primeiramente nos EUA, e depois na Europa, coincidiu com a geração e desenvolvimento das movimentações sociais relativas à defesa do ambiente.

A CEE, em funcionamento desde janeiro de 1958, dados os seus objetivos e competências, muito centrados na realização da livre circulação dos fatores de produção, intervirá nesta matéria com a finalidade principal de impedir, ou de atenuar, os entraves ao livre comércio dessas substâncias perigosas no seio do Mercado Comum: obstáculos esses que resultavam sobretudo das diferenças existentes entre as legislações e regulamentações dos Estados-membros referentes a essas matérias. E a via prevista pelo Tratado CEE (TCEE), para resolver esse tipo de “disfuncionamento” da dinâmica do estabelecimento de um novo “espaço económico integrado”, era (e é) a da harmonização/aproximação das legislações e regulamentações nacionais, através da adoção dum ato legislativo “comunitário” denominado “diretiva”.

Foi presidido por esse imperativo, de defesa e promoção do “livre comércio”, que foi adotada a Diretiva do Conselho, 67/548/CEE, de 27 de junho de 1967, com o propósito de harmonizar as legislações dos Estados-membros relativas à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas que são colocadas no mercado. Deste modo, tais substâncias, isto é, as elencadas num anexo da diretiva, para poderem ser livremente comercializadas no seio do Mercado Comum, teriam de respeitar toda uma série de especificações e que visavam, segundo o seu preâmbulo, “proteger a população, nomeadamente, os trabalhadores que as utilizam” na sua atividade laboral.

Tais informações, dado o princípio da auto-regulação pelos produtores adotado por esta diretiva, serão elaboradas e fornecidas pela própria indústria, sobretudo, na época, pela indústria petroquímica, que estabelecerá a perigosidade intrínseca dos seus produtos e as respetivas classificações a serem inscritas, juntamente com outras informações, nas respetivas embalagens e rótulos. Este princípio da auto-regulação pelos próprios produtores vigorará na CEE em relação a matérias idênticas, mas, ao longo dos tempos, as obrigações de avaliação e informação dos produtores, dos importadores e dos agentes económicos, em geral, foram se tornando mais estritas, mais rigorosas. O que se explica porque gradualmente outros valores serão prosseguidos, além dos estritamente económicos que presidem ao funcionamento do mercado.

2.2. As questões da comercialização e da utilização dessas substâncias perigosas

Todavia, desde os finais dos anos ‘60, a questão dos efeitos nefastos de certas substâncias e preparações (misturas), sobretudo químicas, tornar-se-á num tema central dos movimentos de defesa do ambiente, muitos já assumidos como movimentos ecologistas. Daí os inúmeros protestos e denúncias contra substâncias e agentes químicos com características de eco-toxicidade ou de poluidores do ambiente, e que punham em causa a saúde das populações. Ora, muitas dessas substâncias e agentes ocasionavam efeitos nocivos diretos sobre a saúde dos trabalhadores no quadro da respetiva atividade laboral.

Os governos nacionais dos países ocidentais começaram então a adotar e impor limites, isto é, condições e restrições concernentes à colocação no mercado e às utilizações de certas dessas substâncias consideradas perigosas; regras essas, porque diferentes entre os países, acabavam por perturbar a fluidez do comércio, quer nacional, quer internacional. Assim, já antes da adoção da primeira diretiva “comunitária” referente a este problema, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em 13 de fevereiro de 1973, aprovará uma decisão, a ser aplicada por todos os países membros, limitando a produção e utilização dos policlorobifenilos (PCB), dadas as denúncias e escândalos relativos aos graves danos resultantes da sua absorção pelo corpo humano, que estavam, aliás, já cientificamente comprovados.

Assim, da questão relativa às informações que os produtores de substâncias perigosas deverão fornecer aos utilizadores aquando da sua comercialização, passaremos, quase dez anos depois, no seio da CEE, às preocupações atinentes ao controlo do acesso ao mercado e das utilizações de tais substâncias. Com efeito, a Diretiva do Conselho, 76/769/CEE, de 27 de julho de 1976, incidirá sobre a limitação da colocação no mercado e da utilização de algumas substâncias e famílias de substâncias perigosas.

Na verdade, esta diretiva veio igualmente limitar a colocação e a utilização, no seio do Mercado Comum, não só do PCB, mas igualmente do PCT (policloroterfenilos) e de certas das suas preparações. Se é verdade que prevê exceções, elencadas no anexo da própria diretiva, também não deixa de sublinhar no seu preâmbulo, que será “necessário reexaminar periodicamente o conjunto deste problema, a fim de conseguir progressivamente uma eliminação completa dos PCB e dos PCT”. Além disso, a diretiva proibirá a utilização do cloreto de vinilo monómero como agente propulsor de aerossóis, já que apresentava grandes perigos para a saúde humana, também comprovados por pesquisas científicas.

Laurent Vogel considera que, a partir desta diretiva, a CEE “passa a dispor de competências jurídicas necessárias para proibir o amianto (…) mas que só será interdito a partir do dia 1 de janeiro de 2005, porque a indústria do amianto anunciava as piores consequências para a competitividade da indústria europeia” (Vogel, 2006, p. 125, tradução livre).

Merece, então, que comecemos por apontar já que a Diretiva 1999/77/CE (que irá decretar a interdição total do amianto) é uma diretiva da Comissão, assente, como é evidente, num acordo político entre os Estados-membros, acordo esse que só foi possível alcançar entre 1998 e 1999. E lembremos, também, que o PE refere, na sua Resolução, de 14.03.2013, sobre os riscos dos trabalhadores expostos ao amianto, que “já em 1977 um grupo de peritos mandatado pela Comissão Europeia concluiu que não existiam provas teóricas de um limite de exposição abaixo do qual não haja risco de desenvolver cancro, porque não fora determinado um nível seguro de exposição ao amianto’’ - acrescentando que “este parecer foi confirmado ao longo dos anos por todos os órgãos consultivos científicos relevantes” (ver o ponto 5.3. do artigo).

2.3. A emergência das preocupações com a segurança e a saúde dos trabalhadores

Nos finais dos anos ‘60, princípios dos anos ‘70 do século passado, nas sociedades ocidentais desenvolvidas, as questões de proteção da saúde e segurança dos trabalhadores estiveram frequentemente associadas à incubação das políticas de defesa do ambiente, o que, aliás, também se verificou no âmbito da CEE. E, desde logo, porque se partia do princípio de que a proteção da qualidade da vida da população de um país (o ambiente) integrava a proteção e a promoção da qualidade das condições de trabalho dos trabalhadores (o ambiente de trabalho).

A nível da CEE, esta dinâmica afirmou-se na Cimeira de Paris, de outubro de 1972, que reuniu os Chefes de Estado e de Governo dos seis Estados-membros fundadores, com a participação dos três novos países aderentes [2]. Aí foi decidido de, por um lado, inserir, como impulso do processo da integração comunitária, uma política de defesa do ambiente, política essa não prevista no tratado e, por outro, de adotar “medidas vigorosas no domínio social”, o que também não estava explicitamente previsto no tratado (Leitão, 1983, p. 17).

No seguimento de tais decisões, o Conselho aprovará, em 22 de novembro de 1973, o primeiro “Programa de ação das Comunidades Europeias em matéria de ambiente”. E, no quadro das ações aí previstas, visando a proteção e melhoria do ambiente, o programa consagra um capítulo relativo ao “ambiente do trabalho” e um outro respeitante à criação da Fundação Europeia para a melhoria das condições de trabalho e de vida (Fundação de Dublin ou Eurofound) [3].

Os objetivos que presidem a tais capítulos traduzem-se fundamentalmente numa obrigação de promover “uma melhor eficácia das medidas preventivas em matéria de medicina, de higiene e de segurança no trabalho”, bem como de “tornar o trabalho aceitável” através da aplicação à sua organização “dos critérios do enquadramento de vida em geral”. Mas, também na missão de proporcionar às empresas “um saneamento real do meio ambiente nos locais de trabalho e a concretização de condições de trabalho seguras e aceitáveis”. E, por fim, o Conselho esclarece que a elaboração e aplicação dessas ações deverão realizar-se tanto no âmbito da ação para uma melhoria do ambiente, como no quadro das ações sociais futuras a realizar nos domínios da segurança, higiene e saúde dos trabalhadores durante o trabalho. A imbricação entre essas duas dimensões era, então, entendida como sendo forte.

E será neste contexto, de preocupações com a defesa do ambiente e com a proteção da saúde pública, contra os riscos ligados às substâncias perigosas, que se afirmará o objetivo de proteger a saúde e segurança dos trabalhadores nos locais de trabalho.

Assim, o Conselho das Comunidades Europeias, em 29 de junho de 1978, aprova um “Programa de ação social relativo à segurança e saúde no local de trabalho (1978-1982)”. A decisão da elaboração dum tal programa, na realidade, já tinha sido inscrita num primeiro “Programa de ação social”, aprovado pelo Conselho em 21 de janeiro de 1974. Com efeito, este último programa apontava já a necessidade de “estabelecer um primeiro programa de ação relativo, nomeadamente, à higiene e segurança do trabalho, à saúde dos trabalhadores e à melhoria da organização de tarefas”, cujas ações “permitam aumentar o gosto pelo trabalho” e promovam “uma reforma da organização do trabalho, que dê aos trabalhadores maiores responsabilidades, permitindo-lhes, nomeadamente, ter responsabilidades e funções próprias e aceder a uma qualificação superior”.

2.4. A proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores no local de trabalho

Foram as preocupações expressas neste (primeiro) Programa de 1978 que determinaram o Conselho a adotar, em 27 de novembro de 1980, a Diretiva 80/1107/CEE atinente à proteção dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos, físicos e biológicos durante o trabalho.

O objetivo principal desta diretiva foi, pois, o de proteger a saúde dos trabalhadores quando expostos nos locais de trabalho aos nove agentes ou família de agentes químicos, enumerados no seu Anexo I (“uma primeira lista”), considerados prioritários, entre os quais consta, nomeadamente, o amianto, o mercúrio, o chumbo e o benzeno.

A perspetiva adotada foi, fundamentalmente, a da Higiene Industrial, uma vez que tal “proteção terá de ser assegurada, na medida do possível, por medidas tendentes a evitar a exposição ou a mantê-la a um nível tão baixo quanto for razoavelmente praticável”, diz o preâmbulo da diretiva.

Estabeleceu-se, assim, um programa de elaboração sistemática de valores-limite de exposição profissional (VLEP) ou/e de limites biológicos de exposição (LBE), em função do tipo de avaliação dos efeitos nefastos.

E, relativamente a esses agentes, especialmente aos já enumerados no anexo, a diretiva previa que o Conselho, sob proposta da Comissão, estabeleceria, através de “diretivas específicas/particulares”, os respetivos valores-limite de exposição obrigatórios, podendo também prever outras prescrições relativas à proteção da saúde dos trabalhadores. Por seu lado, a Comissão adotaria, no quadro dum procedimento específico, “diretivas de adaptação ao progresso técnico” em relação a certos aspetos previstos e enumerados num outro anexo da diretiva.

Esta diretiva de 1980 estabelecia ainda que os Estados-membros deveriam adotar medidas tendentes a garantir uma vigilância adequada do estado de saúde dos trabalhadores durante a exposição ao agente perigoso, especialmente nos casos do amianto e do mercúrio. E, deveriam também impor obrigações incidindo sobre os empregadores, no sentido de estes fornecerem uma informação completa aos trabalhadores sobre os riscos/perigos, que os tais agentes representavam no âmbito da respetiva atividade laboral.

Notemos, por fim, que a diretiva chama a atenção dos Estados-membros para que as medidas a elaborar e a aplicar deverão ser “coerentes com a necessidade de proteger a saúde da população e o ambiente” - considerando, deste modo, que os efeitos negativos da exposição dos trabalhadores a “agentes químicos, físicos e biológicos” perigosos, repetidamente, “ultrapassavam os muros da fábrica”, dizemos nós, acabando tais danos por recair, também, sobre a saúde pública e o ambiente.

Esta diretiva configurava-se assim como uma diretiva-quadro relativa à proteção dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos, físicos e biológicos durante o trabalho. E seria, pois, aplicada, por um lado, pelo Conselho, através de “diretivas específicas/particulares” e, por outro, pela Comissão, através de “diretivas de adaptação ao progresso técnico”, em relação a certos aspetos referidos num anexo da diretiva.

2.5. As vias estabelecidas pela legislação CEE visando a proteção da saúde dos trabalhadores contra os riscos da exposição a substâncias/agentes perigosos

Em conclusão, até 1980, no que diz respeito à proteção da saúde pública e, em especial em relação à proteção da saúde dos trabalhadores no local de trabalho, contra os riscos ligados à exposição de substâncias/agentes perigosos e, especificamente em relação ao amianto (que é a substância maligna central desta análise), constatamos a existência de um quadro legislativo estabelecido pela CEE, configurado através de três vias de gestão e regulação:

a Diretiva 67/548/CEE que abriu a via para enfrentar essas questões através de regulamentações relativas à embalagem, classificação e etiquetagem das substâncias/agentes perigosos;

a Diretiva 76/769/CEE concernente à imposição de “limites e restrições” à colocação no mercado e utilizações dessas substâncias/agentes, que constituirá a via utilizada para as sucessivas interdições das variedades de amianto e dos produtos que as contêm, e que terá, como veremos, um primeiro epílogo com a decisão da sua proibição total em 1999;

a Diretiva 80/1107/80, relativa à proteção dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos, físicos e biológicos durante o trabalho, que se apresentará como a via da prevenção por excelência, através do estabelecimento de valores-limite de exposição ou de valores-limite biológicos, complementados por outras medidas de acompanhamento: via que tenta atenuar ao “máximo possível”, desde que “praticável”, as consequências negativas sobre a saúde dos trabalhadores.

Será este, portanto, o quadro normativo que irá servir de base às diretivas concernentes especificamente aos riscos ligados à exposição do amianto; quadro esse que conhecerá posteriormente várias alterações e desenvolvimentos importantes [4].

3. Caminhando para a proibição total do amianto na União Europeia

3.1. Caracterização do amianto, os seus usos e efeitos

Antes de iniciarmos esta outra fase da caminhada, convém começar por (re)lembrar que o amianto ou asbestos, são designações comuns atribuídas a uma variedade fibrosa de seis silicatos minerais naturais (magnésio e/ou ferro).

Os diferentes tipos de amianto são, em regra, agrupados em duas famílias:

Anfíbolas: crocidolite (amianto azul), amosite (amianto castanho), antofilite, actinolite e tremolite;

Serpentinas: crisótilo (amianto branco).

Os tipos de amianto mais utilizados na indústria foram a crocidolite, a amosite e o crisótilo: este último foi, e ainda é, o mais utilizado no mundo. E como é sabido, o amianto foi, e continua a ser em certas regiões do mundo, amplamente utilizado, especialmente na indústria da construção. Ora, em virtude das suas propriedades de incombustibilidade, elasticidade, resistência mecânica, isolamento térmico e acústico, a sua aplicação em produtos e em materiais foi (e ainda é) enorme, nomeadamente em: materiais de isolamento térmico; revestimentos de tetos falsos e pavimentos; misturas com gesso, argamassas e estuques; têxteis, papéis e cartão incombustíveis; produtos sujeitos a fricção como discos de embraiagem e calços dos travões; produtos em fibrocimento, em telhas e canalizações; equipamentos de proteção individual contra o fogo ou altas temperaturas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) calculava que, em 2010, cerca de 125 milhões de pessoas continuavam, no mundo, expostas ao amianto durante o trabalho. As mortes resultantes da exposição ao amianto constituem, ainda hoje, mais de metade das mortes provocadas por doenças profissionais. Não esquecendo, também, que essas doenças, sobretudo as cancerígenas, têm uma latência longa, isto é, um espaço de tempo longo entre a exposição e as manifestações clínicas da doença. Daí que em relação à União Europeia, mesmo com a interdição total do amianto, as estimativas apontem para que se verifiquem até 2040, cerca de 150.000 óbitos resultantes da exposição durante o trabalho [5].

3.2. O valor-limite de exposição ao amianto como principal medida de prevenção

O Conselho adotará, em 19 de setembro de 1983, a Diretiva 83/477/CEE, uma diretiva “especial” na aceção do artigo 8º da Diretiva 80/177/CEE, que vai assim concretizar a proteção sanitária dos trabalhadores expostos ao amianto durante o trabalho. Como já foi dito, o amianto era uma das substâncias que fazia parte duma primeira lista de agentes perigosos, publicada num anexo da Diretiva 80/177/CEE. E, como também já foi sublinhado, de acordo com essa mesma diretiva, as “diretivas especiais” deveriam, para efeitos de proteção sanitária dos trabalhadores expostos, estabelecer o valor-limite de exposição profissional (VLEP) da substância perigosa em causa, que passaria a ser obrigatório para todos os Estados-membros.

No seu preâmbulo, esta diretiva, além de reiterar a nocividade do amianto, particularmente para os trabalhadores a ele expostos, relembra ainda que, de acordo com os conhecimentos científicos predominantes na época, as fibras de amianto podem provocar as seguintes doenças: asbestose, mesotelioma, cancro do pulmão e cancro gastrointestinal.

Acrescentando, em seguida, que a crocidolite, quando utilizada, revela-se ser, segundo fontes científicas, especialmente perigosa. Terá, por isso, um tratamento especial nesta mesma diretiva relativamente à colocação no mercado e de utilização nas situações ainda permitidas (ver a diretiva 83/478/CEE no ponto seguinte), tendo um valor-limite mais baixo do que o valor-limite regra estabelecido para os outros tipos de amianto.

Além disso, esta diretiva proíbe a projeção do amianto por via da flocagem, proibição essa que, há já algum tempo, tinha sido adotada por alguns países (e.g., a Suécia e os EUA já em 1973).

Quanto aos valores-limite relativos às poeiras provenientes das outras fibras do amianto ou dos materiais que o contenham, e que serão pela primeira vez estabelecidos por esta diretiva, é dito que procurar-se-á que revistam “o nível mais baixo razoavelmente praticável”. Mas, como é evidente, o “praticável” vai depender sobretudo de constrangimentos económicos e tecnológicos (e igualmente da pressão exercida pelos industriais do amianto).

Trata-se de medidas de prevenção que serão, tal como estava previsto na “diretiva-quadro” de 1980, acompanhadas de outras medidas complementares relativas, nomeadamente, à informação, sinalização no local de trabalho, roupas, higiene dos trabalhadores, obrigações essas que ficarão a cargo dos empregadores.

3.3. As limitações à comercialização e utilização da crocidolite e a interdição de alguns produtos contendo as outras fibras de amianto

Uma outra diretiva, a Diretiva do Conselho, 83/478/CEE, será aprovada no mesmo dia da precedente, mas terá como base a diretiva 76/769/CEE relativa, como vimos, à limitação da colocação no mercado e da utilização de certas substâncias perigosas. Assim, esta diretiva sobre o amianto não deixa de relembrar, no seu preâmbulo, que as fibras e as poeiras libertadas pelo amianto são um perigo para a saúde humana, referindo os riscos de asbestose e de carcinomas.

O preâmbulo sublinha, em seguida, que a variante crocidolite e os produtos que a contêm, dada a sua perigosidade, deveriam, em princípio, ser proibidos de modo absoluto. Contudo, “não é presentemente possível”, confessa o legislador comunitário neste preâmbulo - argumentando que “retirar da circulação todos os produtos que contivessem crocidolite (amianto azul)” implicaria em grande parte a destruição dos mesmos que libertariam igualmente fibras pondo em perigo a saúde humana. Por outro lado, acrescenta que, certos produtos que contêm crocidolite, “tais como as juntas, as tubagens em amianto-cimento ou os conversores binários”, não podem “num futuro próximo, ser totalmente substituídos por sucedâneos que apresentem, pelo menos, propriedades equivalentes”. Daí que se conclui, em razão de tais constrangimentos económicos e tecnológicos, que os Estados-membros possam estabelecer exceções ao princípio da proibição da crocidolite.

Já quanto às outras fibras de amianto, o legislador CEE considera que, mesmo se seria também desejável estabelecer fortes limitações com vista à proteção da saúde humana, e em particular da saúde dos trabalhadores, o contexto da época ainda não permite avançar com tais opções. Sendo assim, a diretiva opta por impor uma rotulagem específica para essas fibras e para os produtos que as contenham, devendo os rótulos 1) indicar claramente que se trata de amianto, um produto perigoso; e 2) fornecer informações sobre “os riscos que representa a utilização desses produtos”.

Mas, ainda, no que diz respeito ao amianto, o Conselho adotará, em 20 de dezembro de 1985, a Diretiva 85/610/CEE, que prosseguirá a via seguida pela Diretiva 83/478, isto é, a via da limitação da colocação no mercado e da sua utilização.

E esta nova diretiva sublinha no seu preâmbulo que existem cada vez mais “produtos de substituição considerados menos perigosos” que as fibras de amianto. Por isso, estabelece que se torna possível (“praticável”) decretar a proibição da colocação no mercado e da utilização de uma série de produtos que contenham amianto, tais como: brinquedos, artigos para fumadores, materiais ou preparações a aplicar por pulverização, produtos em pó vendidos a retalho, aquecedores catalíticos e tintas e vernizes. Uma vez que a crocidolite já tinha sido proibida, esta proibição aplicar-se-á às outras fibras de amianto ainda permitidas; crisótilo, tremolite, antofilite, amosite e actinolite. Uma obrigação de interdição que os Estados-membros deverão consagrar nas suas ordens jurídicas, a partir de 1 de janeiro de 1988.

3.4. A dimensão social do mercado interno da CEE e as questões de segurança e saúde dos trabalhadores

3.4.1. As dinâmicas internacionais e europeias nos anos 80

O contexto dos meados dos anos ‘80 do século passado será, evidentemente, marcado por dinâmicas internacionais e europeias. No âmbito desta análise-balanço sobre o amianto na UE, realçaremos dois acontecimentos. A nível internacional, as negociações no seio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no âmbito das quais os Estados participantes aceitaram que o amianto crisólito, se bem controladas as exposições a que os trabalhadores estão submetidos, “não mata ninguém”, ou “quase ninguém”, e que poderá, assim, continuar a ser um produto indispensável da nossa economia de mercado. Tal acordo será consagrado na Convenção n.º 162 de 1986 [6], aprovada pela Assembleia Geral da OIT, em 24 de junho de 1986.

A nível europeu, é de realçar a primeira grande revisão do Tratado CEE (TCEE) consagrada no Ato Único Europeu, assinado em 1986, que entrou em vigor em 1 de julho de 1987. Tal revisão teve como objetivo estratégico conseguir transformar o Mercado Comum, com o nível de integração à data existente, num real mercado interno ou único, até 1992. Para isso, a CEE intensificará a livre circulação dos fatores de produção, especialmente a livre circulação dos serviços e dos capitais. E por esta via, o Mercado Comum será, deste modo, transformado em algo semelhante a um mercado nacional, isto é, transformado num mercado interno ou único.

Todavia, como para compensar esta dimensão fortemente “neoliberal” deste “novo” projeto da integração económica europeia, esta revisão do TCEE vai tentar reforçar a dimensão social originariamente estabelecida no tratado fundador. Daí que tenham sido introduzidas novas normas no domínio da ação social (artigos 117.A e 118.A do TCEE) que, na verdade, irão permitir uma certa agilização e, igualmente, uma certa ampliação das ações respeitantes à melhoria do ambiente de trabalho. Em particular, em relação às disposições relativas à saúde e à segurança dos trabalhadores: questões essas que passarão a “constituir um elemento essencial da dimensão social do mercado interno”.

Será no seguimento desta revisão do Tratado que a Comissão apresentará ao Conselho, nos finais de 1987, um terceiro programa (1988-1992) de ações atinentes à segurança, higiene e saúde no local de trabalho, que será aprovado pelo Conselho, em 21 de dezembro de 1987. Deste documento só realçaremos aqui as preocupações mais centrais e as medidas mais importantes, expressas e propostas em relação à “saúde e higiene no trabalho”.

3.4.2. O terceiro programa e a Diretiva-quadro 89/391/CEE

Sublinharemos, logo de início, as preocupações da Comissão com o problema da “exposição dos trabalhadores a fatores físicos, organismos biológicos e substâncias químicas”, assim como com a questão de saber como conseguir determinar qual o grau ou nível de exposição dos trabalhadores que “seja o mínimo razoavelmente possível”. A Comissão explicita, então, a sua particular apreensão com a questão dos “agentes suscetíveis de provocar o cancro” - comprometendo-se a avançar, logo que possível, com uma proposta de diretiva “relativa às substâncias carcinogéneas profissionais”. Mas irá prosseguir, simultaneamente, com os trabalhos referentes à classificação e etiquetagem das substâncias químicas perigosas, assim como das preparações (“misturas”) perigosas, sublinhando a necessidade dos produtores e importadores de tais substâncias fornecerem “informações relativas à sua composição e aos riscos das mesmas”.

Ora, neste mesmo contexto, o Conselho adota a Diretiva-quadro 89/391/CEE, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores, a qual continua, ainda hoje, a ser a trave-mestra da legislação comunitária respeitante à segurança e saúde no trabalho. Esta diretiva, sendo assumidamente uma diretiva-quadro, constituirá de facto a base de múltiplas diretivas especiais/particulares visando cobrir todos os riscos relacionados com a segurança e saúde no local de trabalho, problemática central, como vimos, da “dimensão social do mercado interno ou único”, que “não pode subordinar-se a considerações de ordem puramente económicas”, acrescenta o seu preâmbulo.

Tal diretiva estabelece, então, os “princípios gerais relativos à prevenção dos riscos profissionais e à proteção da segurança e saúde, à eliminação de fatores de risco e acidente, à informação, à consulta, à participação (de acordo com as legislações e/ou práticas nacionais), à formação dos trabalhadores e seus representantes”. Considerando, também, que a observância de prescrições mínimas “constitui um imperativo para assegurar a segurança e saúde dos trabalhadores” no seio da CEE, não impedindo, pois, que os Estados-membros adotem medidas mais protetoras do que as previstas na diretiva-quadro e nas diretivas especiais/particulares.

Tendo em conta o que já foi dito, não será de admirar, então, que uma das primeiras diretivas especiais, na aceção da Diretiva 89/391/CEE, tenha sido a Diretiva do Conselho, 90/364/CEE, de 28 de junho de 1990, concernente à proteção dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes cancerígenos durante o trabalho. Assim, pela primeira vez no âmbito da CEE, esta relevante questão será objeto dum tratamento específico no domínio da proteção da saúde dos trabalhadores (ver a nota 10).

3.5. A redução do VLEP para o amianto e a ampliação de proibições de sua comercialização e utilização

A Diretiva do Conselho, 91/382/CEE, de 25 de junho de 1991, vai alterar a Diretiva 83/477/CEE, prosseguindo, assim, a via da “proteção sanitária dos trabalhadores expostos ao amianto durante o trabalho” assente, como é sabido, em valores-limite de exposição e em medidas específicas de acompanhamento.

Esta diretiva, tal como as outras atrás mencionadas, começará por reiterar, no seu preâmbulo, a perigosidade do amianto “que está presente, sob diversas formas, num grande número de situações de trabalho e que pode provocar doenças graves”. E, acrescenta que, tendo em conta os progressos científicos e a experiência adquirida que reforçam o conhecimento da natureza cancerígena do amianto, o meio disponível para melhorar a proteção dos trabalhadores continua a ser a redução dos níveis de ação e dos valores-limite de exposição profissional (VLEP).

Todavia, à semelhança do que ainda se passava em certos países, esta diretiva estabelece um VLEP para o crisótilo superior ao das outras fibras de amianto, separadas ou misturadas. Tal situação resulta, em grande parte, do facto dos produtores de amianto terem conseguido, como já atrás foi referido, impor a ideia de que este tipo de amianto é o menos perigoso, e, se “controlada” a sua exposição, o crisótilo seria nada ou pouco pernicioso (posição consagrada, em larga medida, na Convenção da OIT de 1986). Mas, apesar de tudo, o Conselho compromete-se, nesta diretiva, a reanalisar estas suas opções até 31 de dezembro de 1995, em função dos dados empíricos da prática e dos progressos da ciência e da tecnologia.

Pouco tempo depois, será também adotada, em 3 de dezembro de 1991, a Diretiva da Comissão, 91/659/CEE, que seguirá a via da “limitação de colocação no mercado e da utilização” do amianto, instituída, como vimos, pela Diretiva 76/769/CEE. Ao adotar esta diretiva, em razão da necessidade de “adaptação ao progresso técnico do Anexo I da diretiva 76/769/CEE”, a Comissão vai poder, assim, estabelecer novas limitações à comercialização e utilização do amianto. As opções da Comissão traduzirão, com o apoio dos governos dos Estados-membros, como é evidente, a preocupação de respeitar “escrupulosamente” a Convenção da OIT. Assim, esta diretiva proibirá a comercialização e utilização de todas as fibras de amianto da família das anfíbolas (crocidolite já proibida, acrescentaremos, então, as outras fibras já referidas: amosite, antofilite, actinolite e tremolite), assim como os produtos que as contenham.

Por outro lado, estabelece que as fibras de amianto crisótilo (da família das serpentinas), o único tipo de amianto que continuará ainda a ser permitido, passam, contudo, a serem proibidas na sua utilização em relação a uma lista de 14 produtos, enumerados no anexo da diretiva. Quer isto dizer que, aos sete produtos já proibidos pela Diretiva 85/610/CEE, e referidos atrás, esta diretiva acrescenta outros 7, uns relacionados com a construção civil (por exemplo: argamassas, revestimentos, materiais de isolamento, pavimentação de estradas e revestimentos de pavimentos e paredes), outros relativos a filtros e, ainda, outros concernentes a produtos têxteis. Todas estas proibições deverão estar consagradas nos direitos dos Estados-membros até finais de 1992.

Poderemos, então, concluir que, a partir de 1 de janeiro de 1993, em relação à comercialização e utilização do amianto no seio da União Europeia, o único tipo de fibra permitido será o crisótilo de amianto, com as exceções atrás apontadas.

4. A interdição do amianto no seio da União Europeia

4.1. Preliminares da proibição total do amianto

Teremos de começar por fazer uma referência à Diretiva 98/24/CE do Conselho, de 7 de abril, relativa à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos durante o trabalho.

Desde logo porque esta nova diretiva - que é uma diretiva “especial” da Diretiva 89/391/CEE - atualizará e sistematizará o quadro normativo referente “à proteção dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos, físicos e biológicos durante o trabalho” que, como já referimos, estava regulado na Diretiva 80/1107/CEE (a via da proteção à exposição). Deste modo, esta última diretiva será revogada, passando a nova diretiva a centrar-se nos riscos ligados à exposição a “agentes químicos”. E tais agentes químicos, que já vinham sendo inventariados no âmbito da Diretiva 67/548/CEE e da Diretiva 76/769/CEE, quando objeto de um VLEP no quadro desta nova diretiva (“diretiva agentes químicos”), o valor-limite estabelecido é, em princípio, indicativo para os Estados-membros.

Mas, como também vimos, a Diretiva 80/1107/CEE era na prática uma diretiva-quadro, na base da qual tinham sido adotadas diretivas particulares, especialmente a Diretiva 83/477/CEE, a primeira diretiva referente à proteção dos trabalhadores expostos ao amianto. Todavia, esta diretiva não será revogada pela Diretiva 98/24/CE (“diretiva agentes químicos”), mas sim alterada através de adaptações normativas à Diretiva-quadro 89/391/CEE, passando, aliás, de certo modo, a ser na prática uma sua diretiva “especial”.

Por outro lado, a Comissão tinha comunicado ao Conselho os resultados de uma avaliação que fora feita à Diretiva 83/477/CEE, tendo o Conselho, em 7 de abril de 1998, no mesmo dia da aprovação da “diretiva agentes químicos”, apresentado as suas Conclusões “sobre a proteção dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto”. Um ano antes da publicitação da proibição do amianto, o Conselho sublinhou assim que: “os riscos mais elevados são agora (sublinhado nosso) os que correm os trabalhadores envolvidos em trabalhos de remoção do amianto e os trabalhos que, na sua atividade, entram acidentalmente em contacto com o amianto, em especial durante operações de manutenção de, por exemplo, edifícios, instalações industriais, navios e comboios”. E a via principal a seguir, segundo o Conselho, será a de se exigir “que os trabalhadores e empregadores envolvidos em trabalhos/obras com amianto” demonstrem a sua competência para os realizar e estejam sujeitos a regimes de controlo e a esquemas de formação específicos. Logo, as empresas que realizem essas obras (de demolição ou de remoção de amianto e, igualmente, de manutenção e reparações), além de deverem ser reconhecidas como qualificadas pela autoridade nacional competente, deverão detetar previamente a presença de amianto e informar sempre os trabalhadores sobre a sua presença na obra a realizar e, simultaneamente, adotar as respetivas medidas de proteção.

Frisaremos, por fim, que, nestas conclusões do Conselho, já estão gizados os esteios, mais importantes, do quadro normativo (ou do modelo) da gestão da proteção dos trabalhadores contra os riscos da exposição ao amianto, nas situações que predominarão no período posterior à interdição total da sua comercialização e utilização na UE. Problemas esses que serão apontados mais à frente neste artigo.

4.2. A diretiva que interdita o amianto na União Europeia

Será, então, a Comissão, em 26 de julho de 1999, que irá decretar a proibição total da comercialização e utilização de todos os tipos de amianto, através da sua Diretiva 1999/77/CE. Portanto, a via utilizada para estabelecer tal interdição, será a da “limitação da colocação no mercado e da utilização”, no âmbito da competência da Comissão relativa “à adaptação ao progresso técnico”.

A diretiva da Comissão estabelece, também, que tal proibição do amianto terá de estar consagrada nas ordens jurídicas de todos os Estados-membros da União Europeia, o mais tardar a partir de 1 de janeiro de 2005 [7]. Prevendo deste modo, para os países que ainda não tenham adotado uma tal proibição, um período de transição, entre 26 de agosto de 1999 e 31 de dezembro de 2004, para poderem progressivamente adaptar os respetivos direitos a esta interdição [8].

A Comissão fundamentará esta sua decisão invocando várias considerações, que espelham o entendimento, então dominante, do estádio dos progressos da ciência e da tecnologia em relação a esta questão e, refletem, igualmente, as dúvidas que continuavam (e continuam) a persistir. Por outro lado, e como é evidente, uma tal decisão de proibição total de comercialização e utilização do amianto só foi possível, porque assentou num acordo político entre os Estados-membros da UE. Acordo esse que as Conclusões do Conselho de 7 de abril de 1998, referidas atrás, já prenunciavam.

O preâmbulo desta diretiva refere, no âmbito das considerações justificativas, que “ainda não foi identificado o nível mínimo de exposição abaixo do qual o crisótilo de amianto não produz riscos cancerígenos”. E que, além disso, continua a ser “extremamente difícil controlar a exposição dos trabalhadores e outros utilizadores de produtos que contenham amianto”, excedendo-se na prática, muitas vezes, os valores-limite estabelecidos. Sendo assim, não se sabendo, ou sendo muito difícil de determinar, se existe ou não “um nível mínimo abaixo do qual o crisólito de amianto não produz riscos cancerígenos”, a única “forma eficiente de proteger a saúde humana” é “a proibição (total) da utilização de fibras de crisótilo de amianto e dos produtos que as contenham” [9].

A Comissão relembra também que a decisão da proibição do amianto “não prejudica” a aplicação, especialmente das normas mais favoráveis, mais protetoras da diretiva relativa à proteção dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes cancerígenos durante o trabalho, isto é, a Diretiva 90/394/CEE [10]. E, por fim, considera que a Diretiva 91/382/CEE relativa à exposição dos trabalhadores ao amianto, atrás já apontada, continua a “fornecer um quadro de controlo das atividades que implique a exposição (…) a poeiras de amianto” (sublinhado nosso).

5. A herança da proibição do amianto

5.1. Reforçar e melhorar a proteção dos trabalhadores no período pós-interdição do amianto

A Comissão, em 1999, considerava então que a Diretiva 91/382/CEE “fornecia um quadro de controlo das atividades” que implicassem a exposição dos trabalhadores a poeiras e a fibras de amianto. Cremos, todavia, que tal quadro de controlo era e foi entendido como provisório, porque as instituições comunitárias tinham já exprimido a necessidade de atualizar e desenvolver esse “quadro”, de modo a se poder enfrentar os problemas suscitados pela interdição do amianto que evidenciariam, inevitavelmente, dimensões e molduras específicas, mesmo se as questões centrais relacionadas com a proteção dos trabalhadores continuarão a ser as mesmas ou análogas às da fase anterior.

Assim, quase 4 anos depois do acordo político que permitiu a declaração da proibição total do amianto no seio da UE, o Parlamento Europeu e o Conselho aprovarão, em 27 de março de 2003, a Diretiva 2003/18/CE que vem alterar a Diretiva 83/477/CEE, já alterada pela Diretiva 91/382/CE, atrás referida.

Esta nova diretiva visa, sobretudo, nesta primeira fase do pós-interdição do amianto, enfrentar as questões de proteção da saúde dos trabalhadores perante o amianto que resta e restará nas nossas sociedades, mesmo após a sua proibição total.

Como frisou Annie Thébaud-Mony, “tendo em conta as enormes quantidades de amianto espalhadas por edifícios públicos e privados, os sistemas de abastecimento de água e as inúmeras instalações industriais e comerciais, a proibição do amianto não vai resolver tudo. Devem tomar -se medidas para que a eliminação do amianto existente, bem como dos resíduos, seja feita em condições que garantam a proteção dos trabalhadores e dos residentes, evitando -se toda e qualquer nova contaminação pelas poeiras dos trabalhos de remoção e deficiente armazenamento dos resíduos” (Thébaud-Mony, 2020).

Em princípio, tais questões, especialmente as que dizem respeito à proteção dos trabalhadores, serão muito semelhantes às questões que se colocaram na fase precedente, desde logo: as relativas aos limites mínimos de exposição, aos métodos de medição do teor do amianto no ar, bem como ao método de contagem das fibras.

E, tudo isso, num contexto em que a ciência continuava (e continua, assim parece!) sem conseguir “determinar o limite de exposição abaixo do qual o amianto não acarreta riscos de cancro”. Ora, se, após a proibição total do amianto, vamos ter de continuar a viver com o amianto que resta e restará, então, a via possível (“praticável”) para proteger a saúde dos trabalhadores que a ele estarão expostos durante as obras (de remoção, de demolição, de manutenção ou de reparação), continuará a ser a de controlar e de reduzir ao máximo o valor-limite de exposição profissional (VLEP) ao amianto (Musu, 2018a).

E, de facto, a decisão central desta diretiva traduziu-se na redução do valor-limite de exposição profissional a todas fibras de amianto para 0.1 fibra/cm3, calculada em relação a uma média ponderada num período de oito horas: valor-limite esse ainda hoje em vigor.

A diretiva adotará ainda outras medidas que refletem, necessariamente, preocupações com os problemas que o amianto colocará nesta fase de pós-interdição. Assim, estabelece, designadamente:

Que as exceções previstas para os setores do transporte marítimo e aéreo são suprimidas/revogadas;

Que a extração do amianto é proibida, assim como o fabrico e transformação de produtos de amianto ou fabrico ou transformação de produtos que contenham fibras de amianto deliberadamente acrescentadas, mesmo se tais atividades e produtos se destinem exclusivamente para a exportação;

As obrigações dos empregadores de identificação prévia de amianto nas empreitadas/obras a realizar;

A obrigação do empregador de notificar a autoridade nacional competente de obras que impliquem exposição ao amianto, apresentando um plano que enumere, nomeadamente, o número de trabalhadores envolvidos e as medidas a adotar para limitar a sua exposição;

A informação, consulta e formação específica dos trabalhadores expostos ou suscetíveis de serem expostos ao amianto, a cargo do empregador;

Reforço da vigilância clínica dos trabalhadores expostos, antes e depois de exposições ao amianto.

5.2. A codificação das normas relativas ao quadro jurídico da proteção dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto

Até aos finais de 2009, o quadro jurídico da UE - a base da harmonização dos direitos dos Estados-membros - relativo à proteção dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição ao amianto durante o trabalho, estava consagrado na Diretiva 83/477/CEE, com as alterações (e inovações) que foram sendo introduzidas, primeiro, pela Diretiva 91/382/CE do Conselho e, em seguida pela Diretiva 2003/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho.

Mas, em 30 de novembro de 2009, o Parlamento Europeu e o Conselho aprovaram a Diretiva 2009/148/CE, que revoga as diretivas atrás citadas e que, por razões de clareza e racionalidade, procede a uma codificação das normas então em vigor, não introduzindo, no entanto, alterações ou inovações normativas no quadro jurídico comunitário referido. Esta diretiva passará, então, a apresentar-se como o “código” que consagra as normas jurídicas da UE relativas à proteção dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto, em vigor ainda hoje.

Todavia, tendo a noção, em grande parte graças às pressões e denúncias dos atores sindicais e, também, em virtude de posições assumidas por instituições e órgãos da UE, de que era necessário atualizar, pelo menos os dados quantitativos utilizados nos procedimentos/instrumentos de proteção dos trabalhadores à exposição do amianto, a Comissão Europeia propôs-se, em 2019, desencadear um processo de revisão da Diretiva 2009/148/CE (“diretiva sobre o amianto no trabalho”) e, ao mesmo tempo, de revisão da Diretiva 98/24/CE (“diretiva agentes químicos”), já por nós referida.

E, assim, nos finais de 2020, a Comissão promoveu as consultas dos parceiros sociais para recolher as suas posições acerca das ações projetadas - das quais só referiremos, aqui, algumas das posições da Confederação Europeia dos Sindicatos (CES-ETUC) e da Federação Europeia dos Trabalhadores da Construção Civil e da Madeira (EFWW-FETBB) que, além de serem quase idênticas, se apresentam, e se assumem, como exclusivamente centradas na defesa da maior proteção possível dos trabalhadores.

Em relação à eventual revisão da “diretiva sobre o amianto no trabalho”, defendem que o VLEP relativo ao amianto, estabelecido pela diretiva de 2003, tem de ser reduzido para um valor de 0.001 fibras/cm3, que é igual à metade do VLEP que vigora atualmente nos Países-Baixos. Além disso, consideram que esta preocupação, de reduzir ao mínimo dos mínimos a exposição dos trabalhadores ao amianto, tem de estar inserida num plano mais amplo visando a erradicação do amianto na Europa. E, enquanto tal objetivo não for alcançado, haverá ainda que começar a organizar, em cada Estado-membro, designadamente, um inventário dos edifícios, públicos e privados, que contenham amianto e, também, aperfeiçoar a formação ministrada aos trabalhadores que serão real ou potencialmente expostos ao amianto [11].

Sublinham ainda que, tendo em conta as diferenças existentes entre os direitos nacionais, no concernente ao reconhecimento e à indemnização das doenças profissionais causadas pelo amianto, dever-se-ia adotar uma legislação europeia, cujos princípios comuns e normas mínimas tendessem, pela via da harmonização das legislações nacionais, a igualizar esta dimensão, no seio da UE, relativa à proteção dos trabalhadores vítimas do amianto e dos seus familiares.

Assinalemos, por fim, que o processo legislativo, propriamente dito, da revisão da Diretiva 2009/148/CE, assim como o da Diretiva “agentes químicos”, ainda não tiveram formalmente início no âmbito da UE.

5.3. Uma Europa e um Mundo sem amianto?

Foi preciso a decisão da proibição do amianto, declarada em 1999, para que outras instituições e órgãos da UE passassem a intervir e a implicar-se, de modo muito mais direto, nas questões relativas aos efeitos nefastos do amianto e da sua possível erradicação.

É certo que o Parlamento Europeu já tinha participado diretamente como co-legislador, na elaboração e adoção da Diretiva 2003/18/CE, assim como na aprovação da codificação normativa consagrada na Diretiva 2009/148/CE.

Essa mesma participação possivelmente explicará que, algum tempo depois, o PE tenha aprovado, em 14 de março de 2013, uma Resolução “sobre os riscos para a saúde no local de trabalho associados à exposição ao amianto e sobre as perspetivas de eliminação de todo o amianto existente”, que foi transmitida ao Conselho e à Comissão.

Trata-se dum documento que cobre quase todos os problemas e desafios respeitantes à questão do amianto que perdura, mesmo após a sua proibição, no seio da UE. Um documento que procura, assim, analisar a nova situação, propondo soluções e vias para resolução desses mesmos problemas. Ora, se o amianto podia parecer, aos olhos de muitos, se ter tornado um problema do passado, esta Resolução do PE veio lembrar, que, afinal, o amianto se tornou num grave e complexo problema do presente da UE e, especialmente, do presente das sociedades dos seus Estados-membros.

Sintetizando as propostas que emergem deste documento, e que são mais diretamente relacionadas com a proteção da saúde dos trabalhadores (embora quase todas as questões, suscitadas por este novo panorama pós-interdição do amianto, acabem por ter uma conexão com a proteção da saúde durante o trabalho):

Antes de tudo, parte do princípio de que, uma vez proibido o amianto, e reconhecidos os seus efeitos danosos sobre a saúde humana, há que removê-lo, se possível total e definitivamente; ou então, há que encontrar formas eficazes de impedir a libertação das suas fibras na atmosfera.

Após a interdição do amianto na UE, a Polónia foi o primeiro Estado-membro a implementar um plano de ação visando “um país isento de amianto”. Exorta, então, os outros países europeus a seguir este exemplo, sugerindo à Comissão que todos planos nacionais elaborados ou a serem elaborados deveriam ser coordenados a nível da União Europeia, através de uma cooperação estreita entre as administrações nacionais.

Com o desenvolvimento de tais planos de remoção, e dos programas europeus projetados de renovação de edifícios para melhorar a sua eficiência energética, assistir-se-á a um aumento considerável de trabalhadores que serão, ou poderão ser, expostos às fibras do amianto. Propõe-se, por um lado, um investimento na tecnologia capaz de criar dispositivos eficazes de proteção (individual) dos trabalhadores, e, por outro, uma grande atenção (e investimento) no aperfeiçoamento dos modelos de formação de todos os intervenientes nestas atividades. Formação visando, sobretudo, garantir as qualificações dos trabalhadores e supervisores, exigindo-se, ao mesmo tempo, que as empresas de remoção de amianto sejam certificadas em função de competências e exigências muito rigorosas. Quanto à inevitabilidade de ter de adotar-se, no âmbito dessas atividades, valores-limite de exposição às fibras do amianto, é sugerido à Comissão que o VLEP seja o menor possível, tendo sempre em conta as ponderações científicas mais atualizadas.

É proposto um apoio às associações das vítimas do amianto, convidando a Comissão a apoiar, igualmente, a constituição de uma rede a nível europeu e internacional desses grupos de luta contra o amianto e de proteção e de solidariedade com as vítimas e os seus familiares [12].

E faz um apelo à Comissão para que elabore uma estratégia, ou estratégias, da UE, visando a proibição mundial do amianto, assente, nomeadamente: na cooperação com organizações internacionais; na prioridade de incluir o amianto crisótilo na lista do Anexo III da Convenção de Roterdão [13]; na pressão diplomática e financeira sobre os países exportadores de amianto a fim de pôr termo à sua exploração mineira; na instituição duma proibição da prática de exportar navios em fim de vida que contenham amianto para outros países, particularmente para os países do “terceiro mundo”; nas formas de impedir o investimento financeiro europeu em indústrias de amianto mundiais nota [14].

De certo modo, todos estes temas e propostas serão retomados num Parecer do Comité Económico e Social Europeu (CESE), aprovado em 18 de fevereiro de 2015 e intitulado “Eliminar o amianto na UE”. O CESE debruçar-se-á, de novo, sobre esta problemática, num outro Parecer de 12 de julho de 2018, que incidirá sobre o “Trabalho com o amianto na renovação energética”. Ora, com os impulsos dados pela UE, em 2018, ao seu programa/compromisso de renovação (transição) energética, especialmente no capítulo relativo à renovação dos edifícios, a questão da proteção da saúde dos trabalhadores à exposição de materiais contendo amianto, assumiu de novo uma grande acuidade. E este Parecer do CESE visa, precisamente, alertar as instituições da UE para a necessidade de integrar esses problemas nessas novas políticas e de construir soluções e instrumentos que protejam eficazmente a saúde dos trabalhadores [15].

Em seguida, será o PE que intervirá de novo nesta matéria, através da sua Resolução de 20 de outubro de 2021, que contém recomendações à Comissão sobre a proteção dos trabalhadores contra o amianto. Mas, antes das recomendações propriamente ditas, este parecer apresenta um extenso e atualizado balanço, a nível nacional, regional e internacional, das questões concernentes ao desmantelamento físico e à supressão do amianto [16]. E, no campo das recomendações, assinalaremos, somente aqui, o facto do PE, aproveitando a conjuntura das consultas da Comissão aos parceiros sociais acerca da revisão da Diretiva 2009/148/CE, propõe, também, nesta sua resolução, uma série de modificações e inovações da diretiva. Tais alterações visam, fundamentalmente, adaptar o quadro jurídico revisto às novas dimensões do atual período pós-interdição, que deverá ser presidido e configurado, segundo o PE, pelo objetivo estratégico da eliminação total do amianto. De qualquer modo, o PE, como co-legislador (“procedimento legislativo ordinário”), terá um papel importante no próximo processo de revisão da “diretiva sobre o amianto no trabalho”, acabando seguramente por determinar, em parte, a sua configuração final.

6. Conclusões

Aguardemos, então, para ver qual será a nova configuração do quadro jurídico da proteção dos trabalhadores expostos ao amianto, resultante da próxima revisão da Diretiva 2009/148/CE. Embora, consideremos que certos aspetos dessa revisão podem já ser antecipados.

De qualquer modo, e à guisa de conclusão, gostaríamos de sublinhar que a dinâmica da história aqui apresentada, que resultou do confronto com os malefícios do amianto sobre a saúde humana no âmbito da UE, como facilmente se pode apurar, não foi diretamente determinado por movimentações sociais.

É bem verdade que as movimentações sociais, em certos países, como na França e na Itália, denunciaram catástrofes sanitárias escandalosas provocadas pelo amianto, lutando pela sua interdição - e continuam a lutar pelos direitos dos trabalhadores vítimas e dos seus familiares. Acabaram, assim, por impulsionar junto dos respetivos cidadãos uma forte tomada de consciência da importância da prevenção contra os malefícios do amianto e, sobretudo, da necessidade da sua proibição total. E obviamente tiveram alguma influência no andamento do processo a nível europeu, nomeadamente nas opções a esse nível adotadas.

Contudo, na cena política das Comunidades europeias/União Europeia, nos meandros dos processos institucionais da UE que adotaram os diplomas relativos à proteção dos trabalhadores contra os danos do amianto, não encontramos traços ou reflexos claros desses confrontos sociais.

Todavia, resta-nos realçar que a UE acabou por “produzir” e dispor de uma ampla e densa “teia jurídica”, relativa à proteção da segurança e saúde dos trabalhadores durante o trabalho, em particular quando expostos a agentes químicos perigosos (“diretiva agentes químicos”), e, especialmente, quando expostos a substâncias cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução (“diretiva MCR”). Além de outros instrumentos jurídicos que mereceriam aqui mais aprofundamentos, tais como: o Regulamento (CE) n.º 1907/2006, de 18 de dezembro, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH) [17] que “constitui uma reforma de uma importância crucial para uma melhor prevenção do risco químico nos locais de trabalho” (Vogel, 2015, p.62, tradução livre); e o Regulamento (CE) n.º 1272/2008, de 16 de dezembro, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas (CLP) [18], que aplica na UE as regras adotadas a nível mundial, no âmbito da ONU, do Sistema Mundial Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (GHS). Trata-se, com efeito, de dois “regulamentos que permitem, hoje, melhor detetar os perigos e os riscos de imensas substâncias sintetizadas pelo homem. É importante, contudo, lembrar que muitos outros trabalhadores europeus continuam a estar expostos a cancerígenos não abrangidos por estes regulamentos. É o caso de substâncias CMR emitidas/libertadas no quadro do funcionamento de procedimentos industriais e que não têm vocação para ser comercializadas, tais como as emissões de gasóleo, o silício cristalino, as poeiras de madeira, etc.” (Musu, 2018b, p. 181, tradução livre e sublinhado nosso).

Verdade seja dita: todas essas questões nos encaminham para uma reflexão mais vasta que, iniciada a partir dos cancros gerados pelo amianto nos corpos das e dos trabalhadoras.es, acaba necessariamente por exigir novos aprofundamentos sobre a realidade cancerígena da “sociedade tóxica”, em que trabalhamos e vivemos atualmente. E, simultaneamente, acaba também por salientar a urgência de repensar meios e instrumentos necessários para evitar que morramos “envenenados”, com ou sem cancro.

Referências bibliográficas

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1Para consultar o texto de todos os diplomas da legislação europeia citados, tais como Diretivas e Regulamentos, reenviamos o leitor para o seguinte portal/site da UE: https://eur-lex.europa.eu/homepage.html?locale=pt

1Para consultar o texto de todos os diplomas da legislação europeia citados, tais como Diretivas e Regulamentos, reenviamos o leitor para o seguinte portal/site da UE: https://eur-lex.europa.eu/homepage.html?locale=pt

2Reino-Unido, Dinamarca e Irlanda, serão membros das Comunidades Europeias a partir de 1 de janeiro de 1973.

3https://www.eurofound.europa.eu/pt

4Assim, a Diretiva 67/548/CEE está na origem do Regulamento (CE) n.º 1272/2008, de 16 de dezembro, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas (“Regulamento CLP”); a Diretiva 76/769/CEE estará na origem do Regulamento (CE) n.º1907/2006, de 18 de dezembro, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (“Regulamento REACH”); a Diretiva 80/1107/CEE será substituída, primeiramente, em parte, pela Diretiva do Conselho, 90/364/CEE, de 28 de junho de 1990, concernente à proteção dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes cancerígenos durante o trabalho (cujas alterações e inovações posteriores darão origem à atual “diretiva CMR”) e, em seguida, pela Diretiva 98/24/CE do Conselho, de 7 de abril, relativa à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos durante o trabalho (“diretiva agentes químicos”), que revoga explicitamente a Diretiva 80/1107/CEE. Ver, mais adiante, nota 10 e Conclusões.

5https://www.who.int

6 “Deste modo, o ‘bloco’ económico extrator e industrial do amianto crisótilo, conseguiu impor-se, procurando, igualmente, contrariar e atrasar o mais possível as perspetivas de proibição definitiva do mineral, que se iam afirmando em alguns países. Nessa época, por exemplo, países como a Islândia, a Noruega, a Dinamarca e a Suécia já tinham proibido qualquer tipo de amianto - e outros se preparavam para adotar decisões análogas. Ora, a Convenção n.º 162 da OIT permite, mesmo aos Estados que a ela decidirem se vincular, manter a permissão em relação ao amianto da variedade crisotila, cujo uso deverá, porém, ser submetido a regras estritas, em relação sobretudo à salubridade do ambiente laboral e aos controlos médicos regulares, assim como relativamente ao estabelecimento de valores máximos (baixos) para os limites de tolerância à exposição (VLEP) das poeiras do amianto. O paradigma da inocuidade do amianto crisótilo com uso controlado impôs-se, assim, claramente, legitimando a permissividade das legislações nacionais (...) em relação ao “uso controlado” do amianto da variedade crisotila” (Leitão & Dolivet, 2020).

7Portugal transpôs a “diretiva da proibição do amianto” através do Decreto-Lei n.º 101/2005 de 23 de junho, tendo, tal proibição entrado em vigor, na ordem jurídica portuguesa, no dia 24 de junho de 2005! Ora, este decreto-lei, adotado logo no início do 1º governo de José Sócrates, não deixa de referir, no seu preâmbulo, que a diretiva em causa “não foi transposta pelo anterior governo, no prazo previsto na mesma”. E, assim, ficou sanada a situação de incumprimento do Estado português.

8Assinalemos que alguns países da UE já tinham decretado a proibição do amianto, tais como a Dinamarca, a Suécia, a Itália, a Alemanha, a França, a Polónia, a Bélgica.

9Mas com a exceção seguinte: “Contudo, os Estados-Membros podem estabelecer uma derrogação para os diafragmas destinados a instalações de eletrólise já existentes, até que estes atinjam o fim da sua vida útil ou até que passem a estar disponíveis substitutos adequados que não contenham amianto, consoante a data que for anterior. A Comissão procederá à revisão desta derrogação antes de 1.1.2008”. Após “essa revisão”, esta exceção continuou em vigor, passando, depois, a ter como base jurídica a entrada 6 do anexo XVII do Regulamento (CE) n.º 1907/2006 (REACH), relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos e que estipula a proibição do amianto, prevendo, no entanto, a tal derrogação atrás referida. Atualmente, tal exceção beneficia uma empresa sueca e uma outra alemã, que já iniciaram processos de substituição dos respetivos diafragmas, tendo a Comissão, com o parecer favorável da Agência Europeia dos Produtos Químicos, decidido que tal derrogação expirará em 1 de julho de 2025 (Regulamento (UE) da Comissão n.º 2016/1005, de 22 de junho, que altera a entrada 6 do anexo XVII do “Regulamento REACH”).

10A importância fundamental desta diretiva, no domínio da segurança e saúde dos trabalhadores, é por demais evidente. Com efeito, desde 1990 até hoje, esta diretiva foi objeto de duas alterações (1997 e 1999), passando a partir de 1999 a incluir, também, no seu campo de aplicação, os agentes mutagénicos. Em 2004, a Diretiva 90/394/CEE, com as suas alterações, será substituída pela Diretiva 2004/37/CE que, em larga medida, codifica o quadro jurídico relativo a esta matéria. De qualquer modo, esta última diretiva será também objeto de quatro revisões (2017, 2x2019 e 2022), tendo a última revisão incluído no seu quadro jurídico, finalmente, as substâncias tóxicas para a reprodução. Passando, assim, e em virtude da revisão consagrada na Diretiva (UE) 2022/432 de 9 de março, a abranger agora os “riscos ligados à exposição a agentes cancerígenos, mutagénicos ou substâncias tóxicas para a reprodução durante o trabalho” (passou a ser designada por “diretiva CMR”).

11https://www.etuc.org/en; https://www.etui.org/fr; https://www.efbww.eu/

12A pretexto desta referência aos grupos de proteção e de solidariedade, destacaremos aqui o Secretariado Internacional para a Interdição do Amianto (IBAS: http://www.ibasecretariat.org/) de que faz parte a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA: https://www.abrea.org.br/), impulsionada e dirigida durante muitos anos por Fernanda Giannasi, uma lutadora incansável contra o amianto e todos os seus malefícios, e exímia defensora das vítimas no Brasil e na América Latina. E destacaremos igualmente a Ban Asbestos France, impulsionada também por dois lutadores anti-amianto, Henri Pézerat e Annie Thébaud-Mony, que está na base da criação da Andeva (Association nationale de défense des victimes de l’amiante: http://andeva.free.fr/spip/), e, desde 2010, da Association Henri Pézerat (https://www.asso-henri-pezerat.org/henri-pezerat/), em homenagem ao grande cientista e militante.

13A Convenção de Roterdão, que entrou em vigor em 2004, é relativa ao procedimento de Prévia Informação e Consentimento (procedimento PIC: prior informed consent), a ser aplicado a determinados produtos químicos e pesticidas perigosos no comércio internacional. Com efeito, a partir de 2006, no âmbito das sessões da Conferência das Partes desta Convenção, a grande maioria dos representantes e participantes têm vindo a defender a inscrição do amianto variedade crisotila no Anexo III da Convenção, para que, como produto perigoso proibido ou severamente restringido, as suas exportações passarem a ser submetidas ao dito procedimento PIC. Isto é, que os países importadores sejam alertados, através desse procedimento, dos riscos cancerígenos desses mesmos produtos (mercadorias). Note-se, no respeitante ao amianto, que nesse Anexo já estão inscritas as variedades actinolite, antofilite, amosite, crocidolite e tremolite. Mas, o Canadá, até há poucos anos, o maior produtor e exportador de amianto crisótilo do mundo, conseguira bloquear, com meia dúzia de aliados, a inscrição dessa variedade de amianto no dito Anexo. Entretanto, o panorama do amianto no Canadá mudou (Marier, 2020), e as expectativas, de que, finalmente, fosse decidido tal inscrição no Anexo III na Conferência das Partes de junho de 2019, foram frustradas, agora sobretudo pela Rússia, que se tornou no primeiro produtor e exportador de amianto do mundo. E, atualmente, na X Conferência das Partes que decorreu, na primeira metade do mês de junho de 2022, em Genebra, de novo uma minoria de países produtores (Índia, Cazaquistão, Paquistão e Zimbabué) liderados pela Rússia, com o apoio do eficiente do lobby da Associação Internacional do Crisótilo (ICA), impediram outra vez o consenso necessário entre as Partes. E, assim, a questão da inscrição do amianto crisótilo no Anexo III da Convenção de Roterdão, como produto sujeito ao procedimento PIC, foi de novo “adiada”. Logo, as exportações do amianto crisótilo continuarão a não necessitar do consentimento prévio informado (PIC) por parte do importador, e, por isso, continuarão a não ser acompanhadas de informações essenciais, isto é, informações sobre os riscos cancerígenos que deveriam permitir aos Estados dos países importadores decidirem, com todo o conhecimento, se o amianto crisótilo e os produtos que o contêm podem ser utilizados ou não pelos seus cidadãos.

14https://www.europarl.europa.eu/plenary/pt/texts-adopted.html

15https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work

16https://www.europarl.europa.eu/plenary/pt/texts-adopted.html

17“Registration, Evaluation, Autorisation and Restriction of Chemicals”

Recebido: 03 de Junho de 2022; Aceito: 29 de Junho de 2022

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